Cooperação processual: dever colaborativo parcial e imparcial

18/04/2016 às 16:55
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Discute-se o princípio da cooperação processual e suas diretrizes de prevenção, auxílio, diálogo/consulta e esclarecimento, enquanto dever de todos os sujeitos do processo, abordando-se o novo Código de Processo Civil e a Lei Orgânica da Defensoria.

O novo Código de Processo Civil (CPC – Lei n. 13.105/2015), em vigor desde 18/03/2016 (STJ), trouxe em suas disposições iniciais “normas fundamentais do processo civil” (Parte Geral – Livro I: Das Normas Processuais Civis – Título Único), isto é, princípios e regras fundantes, determinações principiológicas com fundo constitucional (artigo 1.° do CPC), tais como acesso à Justiça (art. 3.°, “caput”), promoção estatal prioritária da solução consensual dos conflitos (§§ 2.° e 3.° do art. 3.°), duração razoável do processo, primazia da decisão de mérito e efetividade processual (arts. 4.° e 6.°), boa-fé processual (art. 5.°), cooperação processual (art. 6.°), isonomia e contraditório (arts. 7.°, 9.° e 10), dignidade da pessoa humana, proporcionalidade/razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência (arts. 8.°, 11 e 12).

A cooperação processual, decorrente do devido processo legal, boa-fé, contraditório, duração razoável do processo e primazia da decisão de mérito em busca da efetividade, foi prevista expressamente no artigo 6.° do CPC, segundo o qual “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Deste texto legal extrai-se, ainda que como resultado lógico da interpretação sistemática com outros dispositivos fundamentais, cooperação processual (“devem cooperar entre si”), duração razoável do processo (“em tempo razoável”) e primazia da decisão de mérito, justiça e efetividade processual (“decisão de mérito justa e efetiva”).

O Livro III do CPC versa os “Sujeitos do Processo”, abrangendo as “Partes e Procuradores” (Título I), Litisconsórcio (Título II), Intervenção de Terceiros (Título III: assistência simples e litisconsorcial; denunciação da lide; chamamento ao processo; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; “amicus curiae”), Juiz e Auxiliares da Justiça (Título IV), Ministério Público (Título V), Advocacia Pública (Título VI) e Defensoria Pública (Título VII).

Partindo-se da premissa de que os julgadores (magistrados), bem como os demais auxiliares da Justiça, são Sujeitos do Processo, também devem respeito e cumprimento à norma fundamental da Cooperação Processual do art. 6.° do CPC/2015, devendo buscar “decisão de mérito justa e efetiva”, evitando-se ao máximo a extinção prematura do processo, sob pena de malferimento do Princípio da Primazia da Decisão de Mérito (“solução integral do mérito”), insculpida no art. 4.° do CPC/2015[1].

O dever de cooperação processual obriga tanto as partes entre si, como o julgador e demais sujeitos do processo (poder-dever), dela decorrendo 04 (quatro) diretrizes neste caso: (i) prevenção; (ii) auxílio; (iii) diálogo/consulta; (iv) esclarecimento.

A prevenção impede uma atuação judicial neutra, diversa da imparcial (equidistância), indicando que o Julgador pode colaborar com as partes, prevenindo extinção prematura do processo e resultado infrutífero aos interesses das partes, apontando irregularidades, deficiências e insuficiências em alegações, pedidos ou quaisquer situações nas quais o êxito da demanda a favor da parte puder ser prejudicado pelo uso inadequado do processo e de seus instrumentos jurídico-processuais.

Exemplo claro de cooperação-prevenção está no artigo 321, parte final, do CPC/2015, cabendo ao Juiz, antes de indeferir liminarmente a petição inicial, determinar a emenda ou a complementação da inicial, indicando “com precisão o que deve ser corrigido ou completado”.

No mesmo sentido preceituam os artigos 317, CPC, que “antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício” e 139, inc. IX, que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais”.

O dever de consulta (diálogo), desdobramento imediato do princípio do contraditório (art. 7.°, parte final, CPC: “competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”), impõe ao julgador a necessidade de oitiva prévia das partes antes da decisão final de mérito, ainda que se trate de questão cognoscível de ofício, evitando-se as intituladas “decisões-surpresa”.

Por este motivo o CPC abraçou expressamente o dever de consulta e de diálogo entre julgador e partes interessadas. O artigo 9.°, “caput”, assevera que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”.

De maneira mais clara quanto à consulta das partes (dever de decisão oficiosa) o artigo 10 do Código Processual Civil adverte que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

O esclarecimento é um dever bilateral e recíproco do julgador com as partes e destas para com aquele, no sentido de evitar que a decisão tenha por base a falta de informação, e não a verdade apurada no processo contraditório, assegurando-se a igualdade ou paridade de armas entre as partes.

O CPC/2015 prevê em seu artigo 139, inc. VIII, que o juiz poderá “determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso”, isto é, a ausência da parte não implicará confissão presumida ou punição processual (à semelhança da aplicação de multa processual pelo ato atentatório à dignidade da justiça em virtude do não comparecimento injustificado à audiência de conciliação/mediação: art. 334, § 8.°, CPC), tratando-se de ônus de colaboração e esclarecimento à sua própria pretensão em busca de justiça social.

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Por fim o dever de auxílio, expressão maior da colaboração processual (art. 6.°, CPC), como demonstração da não neutralidade do julgador, passível de cooperação ativa aos intervenientes processuais parciais.

Melhor dizendo, trata-se do dever de auxiliar as partes na remoção de obstáculos e dificuldades ao exercício de direitos ou faculdades ou no cumprimento de ônus ou deveres processuais.

Imagine-se uma demanda de divórcio litigioso em que demandante hipossuficiente, guardião de filho incapaz e residente no último domicílio conjugal (art. 53, inc. I, CPC/2015), não detenha escritura pública do imóvel a ser partilhado, a qual está registrada em comarca distante e tão somente no nome do outro cônjuge.

Neste caso a parte terá dificuldade em obter a segunda via (ou cópia autenticada) da indigitada escritura pública (art. 320, CPC), não podendo o juiz exigir sua exibição no despacho inicial com advertência de indeferimento liminar da exordial, sob pena de imposição, ou não remoção necessária, de obstáculo no acesso à Justiça.

Naturalmente que em sendo parte assistida e patrocinada judicialmente pela Defensoria Pública poderá o membro da Instituição Defensorial requisitar documento e certidão essencial à propositura da demanda (arts. 185 do CPC/2015 e 128, inc. X, da LC n. 80/94 – Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública – LONDP), assim como o membro do Ministério Público interveniente na condição de fiscal da ordem jurídica (arts. 176, 177, 178, inc. II, 693 e 698, todos do CPC/2015) poderá fazê-lo extrajudicialmente ou solicitando ao Juízo na defesa dos interesses do incapaz (arts. 127, “caput”, da CRFB c/c 201, incs. III, VIII e § 2.°, do ECA).

Ocorre que, uma vez solicitado ao julgador, não pode este recusar-se a providenciar a remoção de obstáculo ao acesso formal à Justiça, pena de descumprimento do dever cooperativo, não podendo assumir postura omissa e neutra em relação à pretensão da parte, resvalando-se na violação à primazia da decisão judicial de mérito, finalidade maior da justiça social, diversamente da extinção prematura do processo pelo não atingimento de burocracias-meios tendentes à decisão meritória.

Situação assemelhada, e com regulamentação mais precisa no atual Código Processual, é a dificuldade da parte autora na indicação de endereço e qualificação precisas da parte demandada, razão pela qual o Código facultou ao autor “requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção” (§ 1.° do art. 319), não podendo o juiz indeferir a inicial se a obtenção de informações “tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à Justiça” (§ 3.° do art. 319).

Nas demandas de alimentos é muito comum que a parte autora não conheça com precisão o endereço da parte ré, sabendo tão só seu Estado ou informação geográfica genérica.

O Juízo negará acesso à Justiça em virtude do não preenchimento dos requisitos da petição inicial (art. 319, inc. II, CPC)? O alimentando ficará sem direito à sobrevivência, à vida digna e ao mínimo existencial em virtude de burocracias tendentes à localização do réu-devedor?

O CPC/2015, preocupado com a cooperação processual, na sua diretriz dever de auxílio, indicou a necessidade de o julgador assumir providências e diligências na obtenção de informações necessárias ao desenvolvimento válido e regular do processo, não mais admitindo extinção antecipada deste (art. 4.°, CPC).

Na vigência do CPC/73 era comum que o Juiz indeferisse a inicial quando da não indicação precisa da localização do réu, após primeira tentativa inexitosa de citação pessoal (parágrafo único do art. 284), ou permitisse imediata citação do réu por edital, o que indicaria necessidade de intimação (não “nomeação”) da Defensoria Pública para representação processual do réu revel na condição de curadoria (não “curatela”) especial e endoprocessual (arts. 72, inc. II e parágrafo único, do CPC/2015, e 4.°, inc. XVI, da LONDP – LC n. 80/94).

Faculta-se, nesses casos, defesa fática genérica (por negação geral), sem ônus da impugnação especificada dos fatos (arts. 336 e 341, parágrafo único, do CPC/2015), e com requerimento de providências de expedição de ofícios e requisições aos órgãos públicos mantenedores de cadastros obrigatórios, cuja diligência poderia ter sido adotada desde o primeiro momento (art. 319, §§ 1.° e 3.°, CPC), evitando-se intervenção despicienda da curadoria especial (defensorial) com atuação, muitas das vezes, genérica e faticamente prejudicial aos interesses do réu, o que poderia ser eliminado com adoção de postura judicial cooperativa em busca da localização do réu e da decisão de mérito, com efetivo contraditório e participação processual.

O novo CPC traz uma tônica fundamental de cooperação processual, dever das partes e poder-dever do julgador, devendo todos os sujeitos do processo colaborar entre si em busca da decisão final de mérito, justa e efetiva, tomando como caminho o da boa-fé processual, do auxílio e do devido processual legal, formal e material.


[1] As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

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Sobre o autor
Ígor Araújo de Arruda

Defensor público em Pernambuco desde 2015. Ex-defensor público no Maranhão entre 2012 e 2015. Autor do livro "Defensor Público Estadual: guia completo sobre como se preparar para a carreira" (JusPodivm, 2 edições). Coautor nos livros "Teoria Geral da Defensoria Pública" (D'Plácido, 2020) e “Defensoria Pública, Constituição e Ciência Política” (JusPodivm, 2021). Aprovado defensor público no I concurso público da Defensoria Pública da Paraíba. Nomeado analista judiciário do TJPB. Aprovado analista jurídico da SESCOOP/PB (2010). Ex-advogado privado na Paraíba. Ex-membro da Comissão de Direitos Difusos e Relações de Consumo da OAB/PB. Autor de artigos jurídicos, com especial citação no STJ (RHC 61.848-PA, T5, DJe 17.08.2016). Ex-professor e coordenador no curso Mege entre 2015 e 2021. Pós-graduado em Direito Público (2011-2012).

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