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O mito da eleição direta para presidente dos tribunais

10/01/2018 às 07:20
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O artigo analisa a viabilidade de se mudar o critério para a escolha da presidência de tribunais no país, tendo em vista a tramitação na Câmara dos Deputados da PEC 187/2012.

É da tradição de nossos Tribunais o critério da antiguidade para o acesso e exercício de sua presidência, através de referendo ratificador por parte de seus membros.

Ainda que seja cediço reconhecer que esta tradição já vem sendo, de certa forma, rompida em alguns Tribunais Estaduais, é lícito concluir, todavia, que os resultados colhidos até a presente data nos dão conta de um indesejável grau de politização do Poder Judiciário local, comprometendo a recomendável isenção na administração destes Tribunais.

Ainda assim, salta aos olhos a tramitação no Congresso Nacional da PEC 187/2012, que propõe, simplesmente, alterar a Constituição para permitir a eleição livre para os órgãos diretores de todos os Tribunais de 2º grau.

Em linhas gerais, a chamada "PEC da Democratização do Judiciário" estabelece que os Tribunais Intermediários deverão passar a eleger os integrantes dos seus cargos de direção por maioria absoluta de todos os magistrados vitalícios, e não apenas de seus membros.

O argumento central repousa no frágil entendimento de que a Administração dos Tribunais "mantém suas decisões concentradas nas mãos de poucos, e que sua concepção é baseada na hierarquia militar, reflexo dos tempos do regime militar, e que, por esta razão, sua escolha não deveria pertencer à Corte" (BOLLMANN, Vilian. A Completa Democratização do Judiciário. Correio Braziliense, 26 Mar 2014.).

A par de toda a respeitável linha argumentativa, o mais interessante é que a referida PEC não se apresenta com o necessário dever de coerência argumentativa quando exclui, expressamente, os órgãos de cúpula do Poder Judiciário (STF, CNJ e STJ), onde, provavelmente, o argumento pelo "clamor democrático" seria muito mais perceptível, apreciável e adequado.

Também, vale ressaltar que a enfática defesa de que o atual Colégio Eleitoral para eleições nos órgãos diretivos dos Tribunais deveria ser ampliado para igualmente incluir juízes de 1º grau, - "justamente os que têm no dia-a-dia contato direto com o cidadão que demanda justiça" (BOLLMANN) -, resta, no mínimo, contraditória, posto que, por esta mesma linha de raciocínio, seria necessário incluir os demais operadores do Direito, ou seja, os membros do Ministério Público e os advogados.

É curioso observar que ninguém se preocupou em estudar mais aprofundadamente e, sobretudo, entender, com maior atenção, as razões históricas de o consagrado critério de antiguidade ter se fixado no Poder Judiciário como uma salutar tradição que se iniciou após o fim do Estado Novo (1937 a 1945), exatamente como uma importante e necessária resposta ao clamor democrático que repudiou, de forma veemente, o anterior critério eletivo amplo que somente serviu aos interesses populistas de Getúlio Vargas.

É importante registrar que todas as Constituições posteriores a este momento ditatorial outorgaram plena autonomia aos Tribunais para elegerem seus cargos de direção, - exclusivamente por voto de seus membros e observado o critério de antiguidade -, o que acabou por consagrar o importantíssimo e democrático princípio do autogoverno da magistratura em nosso país.

Ademais, a razão de ter sido historicamente privilegiado o critério de antiguidade nos referidos processos de escolha dos órgãos diretivos de nossos Tribunais se deve ao fato de que, não obstante o Poder Judiciário ser um reconhecido poder político, inerente ao Estado Democrático, sua função precípua (jurisdicional) é exercitada de forma predominantemente técnica, através de uma tríade indissociável a incluir a imparcialidade, a impessoalidade e a independência, paradigmas que revelam um imperativo de necessário e saudável distanciamento político e de ações políticas por parte de seus membros.

A prevalecer, data maxima venia, essa irrefletida, descabida (e pouco debatida) proposta, passaríamos a ter nos Tribunais pátrios inéditas e prejudiciais disputas político-eleitorais que apenas viriam a paralisar o bom andamento de seus trabalhos, a envolver seus membros em intensas campanhas eleitorais.

Em necessária adição argumentativa, deve ser consignado que praticamente nenhum país submeteu-se a tal critério e, nos raros países em que experiência semelhante foi concretizada, como na Espanha, a própria categoria dos magistrados daquela nação tem visto com grande apreensão esta politização da Justiça, que não seria de forma alguma um reflexo de uma maior democracia, mas apenas a certeza de que verdadeiros "conchavos políticos" conseguem melhores resultados na hora de se buscar a posição de presidente.

É de se pensar, a esta altura, que a aprovação da PEC 187/2012 abriria um importante precedente para se promover, em uma segunda etapa, a ampliação da medida supostamente "democratizante" para todos os tribunais, incluindo o STF, o que nos obriga à seguinte indagação: caso tal hipótese já se constituísse em uma realidade, a Ação Penal nº 470 ("mensalão") já teria sido julgada com os excepcionais (e inéditos) resultados alcançados?

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. O mito da eleição direta para presidente dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5306, 10 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48387. Acesso em: 29 mar. 2024.

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