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O Novo CPC admite o cumprimento de sentença definitivo ainda que pendente recurso parcial de apelação?

02/05/2016 às 10:22
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O presente artigo visa demonstrar a possibilidade de cumprimento definitivo de capítulos da sentença não impugnados (incontroversos), ainda que pendente recurso de apelação.

Com a vigência do Novo Código de Processo Civil, há plena possibilidade de cumprimento da parte incontroversa da sentença, ainda que pendente recurso de apelação. 

O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 523, caput traz a possibilidade de cumprimento definitivo de sentença de decisão sobre parcela incontroversa. Veja-se:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre PARCELA INCONTROVERSA, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

O aludido dispositivo alinha-se ao princípio da razoável duração do processo estampado no art. 4º do Novo Código de Processo Civil que reza que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Pela leitura do aludido dispositivo (artigo 4º do Novo Código de Processo Civil) é fácil verificar que não basta que haja a solução da lide por meio de uma sentença em prazo razoável. É necessário também que a satisfação dos direitos reconhecidos pela sentença ocorra dentro de um prazo razoável.

Coadunam-se, portanto, os aludidos dispositivos à previsão constitucional que assegura a todos a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (artigo 5º, inciso LXXVIII, CF/88 – EC n. 45/2004).

Como bem lecionou FRANCESCO CARNELUTTI nos anos 50 (lições que continuam atuais): "É imenso e em grande parte desconhecido o valor que o tempo tem no processo. Não seria imprudente compará-lo a um inimigo contra o qual o juiz deve lutar sem tréguas" (Apud DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Novo Processo Civil – de acordo com a Lei 13.256 de 4.2.2016. São Paulo: Malheiros. p.56).

Exatamente pensando-se na razoável duração do processo (tempo processual), foi com o advento do CPC/2015 que se abriu no plano legal (e não apenas jurisprudencial) a possibilidade de fragmentação da coisa julgada, fenômeno denominado, por muitos, de coisa julgada parcial, progressiva ou parcelada, ou seja, aquela que vai ocorrendo em momentos distintos porque a sentença foi fragmentada em partes (capítulos) autônomas.

A coisa julgada progressiva é aquela que vai se formando ao longo do processo, em razão de interposição de recursos parciais.

Exemplo muito elucidativo é dado por WEBER LUIZ DE OLIVEIRA:

Imagine-se se o réu recorreu apenas de um dos capítulos julgado procedente, nada dispondo sobre o outro capítulo também procedente, prerrogativa que lhe é dada pelo artigo 1.002 do Código de Processo Civil de 2015, o que é denominada pela doutrina de apelação parcial (NELSON NERY JR, 2000, p. 418; LEONEL, 2002, p. 377), classificação daquele recurso ‘que não compreende a totalidade do conteúdo impugnável da decisão’ (BARBOSA MOREIRA, 2007, p. 114). Haverá, nestes termos, o trânsito em julgado do capítulo da sentença não impugnado, ou seja, o mesmo se tornará incontroverso (DIDIER, Fredie (Coord.) Novo CPC doutrina selecionada. V. 5: Exceução. 2ª ed. Salvador: Juspodivm. 2016. p. 415).

É como se a coisa julgada fosse sendo paulatinamente formada a medida que os capítulos da sentença não são impugnados.

Da leitura do art. 502 do Novo Código de Processo Civil, define-se coisa julgada material como a “autoridade que torna imune e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

Ademais, conforme Enunciado n. 100 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Não é dado ao tribunal conhecer de matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de impugnação”.

Com relação à coisa julgada há previsão expressa no Novo Código de Processo Civil de julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356), de homologação de autocomposição parcial e de reconhecimento de decadência ou prescrição em relação a um dos pedidos cumulados (art. 354, parágrafo único). Na mesma toada, o art. 1.002 do CPC/2015 permite a delimitação voluntária do objeto do recurso; admite-se o recurso parcial.

Demonstra-se claramente, portanto, que o espírito do Novo Código de Processo Civil foi de aceitar a coisa julgada parcial.

Em comentário ao art. 356 do NCPC, pontua TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (relatora do Novo Código de Processo Civil) et all.: “O NCPC, em seu art. 356, admite de forma expressa a possibilidade de julgamento parcial do mérito, rompendo o dogma da sentença una. Chama a decisão, neste caso, de decisão, interlocutória de mérito” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 356.). 

Defendem ainda a coisa julgada material fragmentada consagrados processualistas como CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos da Sentença. São Paulo: Malheiro. 2002. p. 118-120), JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004. P. 199) e HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2007. P 595). 

ARAKEN DE ASSIS, em comentários ao Novo Código de Processo Civil, leciona também que “a execução de capítulo estranho ao recurso pendente (v.g., o réu é condenado a pagar perdas e danos e lucros cessantes, mas só recorre da última rubrica) processar-se-á de modo definitivo” (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 18ª ed. São Paulo: RT. 2016. p. 465).

O Tribunal de Justiça de São Paulo (6ª Câmara de Direito Privado) admitiu, mesmo antes do Novo Código de Processo Civil, a execução parcial de julgado com relação à parte da sentença não atacada pelo recurso de apelação. Veja-se:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - Decisão que indeferiu o pedido de realização da execução provisória da sentença Interposição de recurso de apelação recebido no duplo efeito - Hipótese em que se pretende executar parte da sentença que não foi objeto de impugnação pela apelante - Possibilidade da execução parcial do julgado com relação à parte irrecorrida - Agravo Provido. (TJ-SP - AI: 3993105720108260000 SP 0399310-57.2010.8.26.0000, Relator: Sebastião Carlos Garcia, Data de Julgamento: 10/02/2011, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/02/2011)

O Supremo Tribunal Federal (1ª Turma, RE 666.589, rel. Ministro Marco Aurélio, j. 05.03.2014) também reconheceu a possibilidade de coisa julgada parcial, inclusive com indicação de diferentes termos iniciais para o prazo da ação rescisória.

Até mesmo no âmbito do processo penal tem se admitido a coisa julgada de capítulos da sentença (coisa julgada parcial). O Plenário decidiu que as penas impostas aos réus da AP 470 que não foram objeto de embargos infringentes deveriam ser executadas imediatamente (AP 470 Décima Primeira-QO/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 13/11/2013 – Info 728). Por exemplo: segundo o STF, a parte que condenou determinado réu ao art. 317 do CP era um capítulo de sentença autônomo em relação à condenação do art. 288 do CP. Assim, foi decretado o trânsito em julgado e determinou-se a executoriedade imediata dos capítulos autônomos do acórdão condenatório que não foram impugnados por embargos infringentes. Como a condenação do art. 317 do CP já é definitiva (não tem possibilidade de ser alterada pelos embargos infringentes), não havia fundamento legítimo que justificasse o retardamento da execução.

Assim, não restam dúvidas acerca da possibilidade de cumprimento de sentença da parte incontroversa dos pedidos reconhecidos por sentença, ainda que pendente recurso de apelação sobre outras questões.

Resta assim sabermos a forma que será processado o cumprimento de sentença do capítulo incontroverso da sentença não atacado por recurso de apelação, o que veremos na sequência.

De acordo com TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER et all. o cumprimento de sentença deve ocorrer neste caso em autos suplementares na forma do artigo 356, parágrafo 4º do Novo Código de Processo Civil, “a fim de não perturbar o andamento do processo em que outro (s) pedido (s) penda (m) de julgamento" (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT. 2015. p. 964). 

Neste sentido, rezam o artigo 356, caput, inciso I e seu parágrafo 4º do Novo Código de Processo Civil:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; § 4o A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.

Por força de limitações funcionais do sistema do processo digital, que impede o cadastro do cumprimento de sentença como definitivo porquanto o processo não esteja em primeira instância, aconselha-se protocolizar a petição de cumprimento de sentença e os documentos necessários como cumprimento de sentença “provisório”.

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Sobre o autor
Marcelo Rodrigues da Silva

Advogado. LL.M ("Marster of Laws") em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em direito público com ênfase em direito constitucional, administrativo e tributário pela Escola Paulista da Magistratura (EPM). Especialista em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Especialista em direito público pela Escola Damásio de Jesus. Extensão Universitária em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Extensão Universitária em Recursos no Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor conteudista do Atualidades do Direito dos editores Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. Possuiu vários artigos em revistas jurídicas, tais como Lex, Magister, Visão Jurídica, muitas das quais com matéria de capa. Colaborador permanente, a convite, da Revista COAD/ADV. Ex-Representante do Instituto Brasileiro de Direito e Política da Segurança Pública (IDESP.Brasil). Ex-estagiário concursado do Ministério Público de São Paulo. Fiscal do Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Rodrigues. O Novo CPC admite o cumprimento de sentença definitivo ainda que pendente recurso parcial de apelação?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4688, 2 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48560. Acesso em: 19 abr. 2024.

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