Testamento vital (living will)

27/04/2016 às 14:39
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O presente trabalho tem como objetivo analisar o panorama brasileiro de discussão acerca do testamento vital, enfocando os pontos controversos e, muitas vezes divergentes sobre a temática, já que não temos no Brasil legislação específica sobre o tema.

Resumo

As únicas duas certezas que temos na vida é o dia que nascemos e que um dia morreremos. Se não temos medo da morte, temos medo de uma morte sofrida. Assim, é de suma importância conhecermos esse novo/velho instrumento chamado testamento vital.

Trata-se de uma ferramenta que nos garante uma morte digna, ou seja, todo paciente tem o direito de escolher como e onde morrer, como em casa ou no hospital ou recusar certos tratamentos, medicamentos, intervenções cirúrgicas ou internações.

No Brasil, não há legislação específica sobre o tema. Dispomos apenas de Resoluções do Conselho Regional de Medicina - CRM e Jurisprudências. Entretanto, isso não significa que o testamento vital não seja existente e/ou válido.

Do ponto de vista ético, o papel que se deve conceder ao testamento vital só pode ser entendido e justificado a partir de uma visão geral da forma como se devem tomar decisões médicas na atualidade.

A cultura médica no Brasil é de preservar a vida e as decisões sempre foram tomadas exclusivamente pelo médico. Entretanto, essa cultura vem ao longo dos anos evoluindo, respeitando mais as preferências dos pacientes.
Essa possibilidade de escolha do paciente está tutelada na nossa Lei maior, a Constituição Federal, imune a interferências externas normatizadas. Isto significa que o espaço da construção da vida privada do indivíduo pertence a ele mesmo, sendo inviolável perante terceiros.

Quando falamos em testamento vital temos que nos referir à experiência estrangeira, onde esse instrumento já é um velho conhecido e acredito ter sido a base do pouco que temos.

Por fim, o tema requer uma maior reflexão: “Direito a vida, mas não o dever” Estamos diante da vida, o maior bem jurídico, da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade.

                                                        SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................7

Capítulo 1 – DEFINIÇÃO DE TESTAMENTO VITAL..................................................9

Capítulo 2 – O TESTAMENTO VITAL NO BRASIL...................................................11

• 2.1 Pincípio da Dignidade da Pessoa Humana e Princípio da Autonomia Privada ...................................................................................................................................12
            • 2.2 A Resolução n. 1.995/12 do Conselho Federal de Medicina..... ........................15

Capítulo 3 –ASPECTOS JURÍDICOS DO TESTAMENTO VITAL.............................17

• 3.1 A eutanásia, a distanásia e a ortotanásia no contexto brasileiro.......................17
             • 3.2 O testamento vital e a eutanásia.......................................................................20

Capítulo 4 –O PACIENTE TERMINAL E SUA AUTONOMIA....................................22

Capítulo 5 – BIOÉTICA..............................................................................................25

• 5.1 Princípios da Bioética........................................................................................27

a) Princípio da Justiça...............................................................................................27
             b) Princípio da Beneficência.....................................................................................28
             c) Princípio da Não Malificência...............................................................................29
             d) Princípio da Autonomia........................................................................................30

Capítulo 6 –ASPECTOS PRÁTICOS DO TESTAMENTO VITAL............................30

• 6.1 Prontuário Médico............................................................................................31
            • 6.2 Requisitos.........................................................................................................31
            • 6.2.1 Requisitos Formais........................................................................................31
            • 6.2.2 Profissionais Envolvidos................................................................................32
            • 6.2.3 Conteúdo.......................................................................................................33
            • 6.2.4 Requisitos Legais..........................................................................................34


             CONCLUSÃO..........................................................................................................35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................37

                                                         

                                                             INTRODUÇÃO

As pesquisas e os estudos que buscam compreender o homem, nas diversas dimensões do ser, seriam desnecessárias se a mutabilidade não fosse inerente ao próprio convívio social. Se todas as respostas aos questionamentos fossem conhecidas, não haveria qualquer reflexão filosófica.

A sociedade, entretanto, está em constante transformação.

Durante muitos anos, a medicina utilizava de diversos tratamentos à revelia da vontade ou interesse do paciente, baseando-se apenas na escolha médico-científica do profissional responsável.

Mas, a medicina avança com novos tratamentos e recursos tecnológicos e os indivíduos como pacientes também, pois detêm mais informções em um segundo com um clique muitas vezes.

Isso faz com que os pacientes se posicionem diante do fim da vida, por meio das diretivas antecipadas de vontade, ou seja, manifestações prévias de vontade acerca de tratamentos e cuidados médicos que o indivíduo deseja ou não receber.

A origem desse documento que manisfesta a vontade do paciente (testamento vital), vem dos Estados Unidos e de diversos países da Europa. O Brasil, até o momento, não conta com regulamentação efeitva do instituto, salvo por meio da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1995/2012.

A mencionada resolução, entretanto, não salienta se o testamento vital deverá ser por escrito, registrado em cartório ou simplesmente registrado no portuário médico. Em seu artigo 1º § 4º da resolução 1.995/2012, diz que:
“ o médico registrará, no portuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente”, ao passo que não formaliza sobre prazo de validade, data em que começará a produzir efeitos, entre outros aspectos em que a resolução é omissa.

Contudo, a ausência de regumentação não impede a admissão do instituto, pois o mesmo supera obstáculos práticos e teóricos, pautados, sobretuto, na liberdade (autonomia individual) e na dignidade da pessoa humana.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elenca em seu artigo 5º o direito à vida como sendo a base de todos os fundamentos e princípios do nosso ordenamento jurídico.

Entretanto o direito à vida deve ser analisado juntamente com o fundamento da dignidade da pessoa humana, de maneira que não se pode falar em direito à vida sem que ela seja digna.

A vida, contudo, tem fases naturais e dentre elas está a morte. Por mais que pareça ser contraposto há de se falar em direito à vida e o direito a se ter uma morte digna. E para resguardar o direito à morte digna, a pessoa, valendo-se de sua autonomia, redige um documento onde descreve a maneira que deseja ser tratada em seu leito de morte.

Assim, o direito de morrer com dignidade é o tema que será debatido nesse presente trabalho.

CAPÍTULO 1 – DEFINIÇÃO DE TESTAMENTO VITAL

De acordo com Luciana Daldato, o testamento vital é “um documento de manifestação pelo qual uma pessoa capaz manifesta seus desejos sobre suspensão de tratamentos, a ser utilizado quando o outorgante estiver em estado terminal, em EVP ou com uma doença crônica incurável, impossibilitado de manisfestar livre e conscientemente sua vontade”.

A nomenclatura testamento vital é fruto de errôneas e sucessivas traduções de living will. O erro principal é o fato de que o testamento civil, feito também em vida, versa sobre questões patrimoniais e tem a característica de produzir efeitos mortis causa, o que não se aplica no living will ou testamento vital.

O testamento vital visa ser eficaz em vida e não trata de bens e sim de que maneira o individuo enquanto paciente deseja ser tratado em caso de doença grave.

Ernesto Lippmann define testamento vital como “declaração escrita da vontade de um paciente quanto aos tratamentos aos quais ele não deseja ser submetido caso esteja impossibilitado de se manifesta”.
De acordo com Flávio Tartuce  e Simão, o testamento é: “negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável, pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou não, para depois de sua morte”.

E define o testamento vital como: “um documento escrito, pelo qual uma pessoa determina qual tipo de tratamento deseja ou recusa, numa situação futura, em que possa estar acometido de doença terminal, que a impossibilite de manifestar plenamente sua vontade.”

Concluimos, portanto, que o testamento civil,  digamos, tradicional, tem como escopo a produção de efeitos post mortem e tratam de questões patrimoniais, enquanto o testamento vital é ato jurídico que visa à produção de efeitos ainda durante a vida do seu outorgante, sobre a sua própria vida, integridade física e saúde.

Assim, um testamento vital é um documento com diretrizes antecipadas, que uma pessoa realiza em uma situação de lucidez mental para que seja levado em conta quando, por causa de uma doença, já não seja possível expressar sua vontade.

O testamento vital (living will) foi proposto pela primeira vez em 1967, pela Sociedade Americana para Eutanásia como sendo um documento de cuidados antecipados, pelo qual os indivíduos poderiam registrar sua vontade quanto a intervenções médicas para manutenção da vida.

Em 1969, Luiz Kutner, advogado de Chicago, ativista dos direitos humanos, sugeriu um primeiro modelo de documento (living will), cujo raciocínio demonstra o consentimento livre e esclarecido. O próprio indivíduo declarava que se entrasse em estado vegetativo, com impossibilidade segura de se recuperarem suas capacidades físicas e mentais, deveriam ser suspensos os tratamentos médicos. Kutner sugeriu, ainda, que o testamento vital satisfizesse a quatro finalidades: primeira, em processos judiciais, a necessidade de se ter em conta a diferença entre homicídio privilegiado por relevante valor moral (a compaixão) e o homicídio qualificado por motivo torpe; segunda, a necessidade legal de permitir, ao paciente, o direito de morrer por sua vontade; a terceira, a necessidade de o paciente expressar seu desejo de morrer, ainda que incapaz de dar seu consentimento na ocasião; quarta, para satisfazer às três primeiras finalidades, dever-se-ia dar ao paciente garantias necessárias de que sua vontade seria cumprida.

À época, a legislação norte-americana vedava a eutanásia e o suicídio assistido  , entretanto era legítimo o direito de o paciente com um quadro incurável e irreversível morrer como desejasse. Assim, defendia que a recusa a um tratamento específico, afastava-se do conceito clássico da eutanásia, visto que esta recusa não engloba os meios ordinários de preservação da vida.

Assim, Kutner propôs um documento, que chamou de living will, em que o paciente deixaria escrita a sua recusa a se submeter a determinados tratamentos quando seu estado vegetativo ou a terminalidade da vida fosse comprovada.

Foi a partir deste estudo que Kutner alicerçou as bases do testamento vital.

No Brasil, o testamento vital é conhecido também como: “Diretivas Antecipadas de Vontade” e “Declaração de Prévia Vontade”.

Tal instituto já encontra guarida na legislação de vários países, tais como: Alemanha, Argentina, Áustria, Espanha, França, Holanda, Estados Unidos, dentre outros.

CAPÍTULO 2 – O TESTAMENTO VITAL NO BRASIL

O testamento vital já tem previsão legal em vários países, como Estados Unidos da América, Bélgica, Argentina, Portugal, dentre outros. Contudo, no Brasil ainda não houve sua positivação, não havendo legislação específica que regule o tema.

Isso, entretanto, não quer dizer que o testamento vital não seja admitido. Tanto o Conselho Federal de Medicina (CFM), quanto o Poder Judiciário, já admitem a validade de tal documento.

Em 2012, o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução nº 1995/12 que regulamenta a matéria, possibilitando definir, antecipadamente, os limites nos quais os médicos podem agir.
Conforme dispõe o art. 2º da Resolução:

´Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.
§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. ´

A resolução do CFM 1995/2012 permite que o paciente faça um testamento relatando sua vontade, possibilitando, inclusive, que seja nomeado um representante para que sua pretensão seja atendida mesmo sem consentimento de seus familiares.

Sem dúvida foi um avanço a publicação dessa resolução, pois vincula o médico à vontade do paciente e o próprio Poder Judiciário reconheceu a sua constitucionalidade . Isso, entretanto, não afasta a necessidade de uma lei específica que regulamente o tema, pois há diversos questionamentos sobre sua validade, registro, idade mínima do outorgante, dentre outros.

Recentemente, em 11 de agosto de 2015, o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) publicou um artigo, com o seguinte título: “Após regulamentação, cresce 690% o número de testamentos vitais lavrados no Brasil”.
Isso significa dizer que mesmo sem legislação específica e apenas com a resolução nº 1995/2012 do CFM, os brasileiros estão migrando para uma morte mais digna, lavrando seu testamento vital. O artigo cita ainda um “levantamento do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, em 2014, 548 brasileiros recorreram ao testamento vital, número 16% maior do que o registrado no período anterior. ”

2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Princípio da Autonomia Privada

A Constituição Federal do Brasil de 1988, a lei maior do país, destaca dentre seus princípios fundamentais o princípio da dignidade da pessoa humana, elencado no art. 1º, inciso III , e o princípio da autonomia privada, este princípio implícito no art. 5º do mesmo diploma. Resumindo esses dois princípios em poucas palavras, seria dizer que qualquer indivíduo tem direito à vida digna e reconhece a autonomia de cada um. Por isso que esses dois princípios são de suma importância para o presente estudo.

A dignidade da pessoa depende do respeito à proteção dos direitos e garantias fundamentais. É, portanto, mais do que um mero princípio e sim o fundamento da república.

O conceito de dignidade humana não é algo atual. É tema usual em debates e pesquisas de largo período.
Importante salientar que a Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada num cenário de pós-ditadura e de abertura política, aliados ao profundo sentimento da necessidade de solidariedade entre os povos.

Porém, há grande dificuldade em conceituar o que seria a dignidade humana. Seguindo esta linha, a professora Maria Celina Bodin de Moraes, destaca: “(...) o valor da dignidade alcança todos os setores da ordem jurídica. Eis a principal dificuldade que se enfrenta ao se deliniar, do ponto de vista hermenêutico, os contornos e os limites do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Uma vez que a noção é ampliada pelas infinitas conotações que enseja, corre-se o risco da generalização absoluta, indicando-se como ratio jurídica de todo e qualquer direito fundamental. Levada ao extremo, tal postura hermenêutica acaba por atribuir ao princípio um grau de abstração tão completo que torna impossível qualquer aplicação. ”

A dignidade pode superar a própria vida, atingindo a morte. A partir do momento em que não se pode mais viver com dignidade, cada ser humano tem direito a uma morte digna, à conclusão de sua vida da forma menos dolorosa e mais íntegra possível, perto de quem se ama e da forma como se pretende. Essa morte digna tem sido objeto de intensas e incessantes discussões no direito brasileiro, eis que as práticas normalmente utilizadas para se pôr fim à vida de um indivíduo são vedadas pelas nossas leis.

A decisão do paciente terminal de suspender determinada terapia, trata-se de escolha no sentido de dignificar o processo da morte, com o manifesto intuito de morrer de acordo com os valores que se adota.

A Constituição Federal, ao atribuir, em cláusula pétrea, direito de liberdade a todos os indivíduos, assegura não apenas as liberdades de expressão, de religião, mas também, e principalmente, as liberdades sobre o seu corpo, sua saúde e sua vida.

A dignidade humana, segundo Ingo Wolfgang Sarlet: “independe das circunstâncias concretas, sendo algo inerente a toda e qualquer pessoa humana, de tal sorte que todos – mesmo o maior dos criminosos – são iguais em dignidade. ”

Conclui-se, assim que o princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta o direito a uma morte íntegra para qualquer pessoa.

Portanto, não tem como não relacionar os conceitos de dignidade aos da autonomia e liberdade. Isto porque, o fundamento da dignidade de determinada pessoa é sua autonomia em fazer escolhas.

A finalidade do testamento vital é garantir ao outorgante o direito de dispor sobre seu corpo, sua integridade física e saúde e sua própria vida enquanto ainda vivo, nos casos onde o indivíduo for acometido de doença incurável ou que venha a sofrer acidente de tal gravidade que lhe suprima a capacidade de expressão e de livre manifestação da vontade.

A autonomia privada está prevista no art. 5º, II  da Constituição Federal, pelo princípio da ampla legalidade e assim trata-se de um princípio implícito. Desta forma, todas as pessoas maiores e capazes são livres para decidir sobre suas pretensões, expressando sua vontade desprovida de qualquer coação, não dependendo esta pretensão de qualquer forma especial, senão quando a lei expressamente exigir. (Art.107, do Código Civil)

A doutrinadora Maria Berenice Dias conceitua o Princípio da Autonomia como: “A autonomia compreende-se como o direito do paciente no uso pleno de sua razão ou de seus responsáveis, quando faltar consciência, de estabelecer os limites em que gostaria de ver respeitada sua vontade em situações fronteiriças. Por exemplo: em um paciente terminal de cancêr, são válidas as tentativas de uso de quimioterapia potentes na esperança de prolongar a vida? Ou simplesmente deve se tratar a dor, embora sabendo-se que com essas medidas pode estar sendo apressando seu fim? ”

O termo autonomia decorre do grego (autos e nomos) e dizia respeito, na Antiguidade, à autogestão das cidades-estados gregas, consoante explanado por Letícia Möller.

Todos os negócios jurídicos, são formados pela vontade do indivíduo, a qual seria a maior representação da liberdade dos sujeitos – daí se falar em autonomia da vontade, como rege inclusive o nosso Código Civil.

A respeito desse conceito, o fato é que a nomenclatura “ autonomia da vontade” foi ao longo dos anos sendo substituída por “autonomia privada”, e atualmente é a mais usada.

A autonomia privada tem que ser analisada junto ao princípio da dignidade da pessoa humana, alçado à condição de princípio fundamental da Constituição do Brasil.

Conclui-se, portanto, que os atos mais sensíveis e carecedores de proteção por parte da ordem constitucional são aqueles ligados à existência da pessoa humana e fincados no exercício da autonomia individual; estão eles no bojo da tutela da personalidade humana.

2.2  A Resolução n. 1.995/12 do Conselho Federal de Medicina

Os Estados Unidos foi o primeiro país a adotar o testamento vital. Na década de 1960 outros vários países adotaram o instituto em seus Códigos de Ética Médica.

No Brasil, o assunto foi abordado pela primeira vez em 2006, por meio da Resolução nº 1.805/06 do Conselho Federal de Medicina, norma que defere ao médico a limitação consentida de tratamentos desproporcionais, preservados os cuidados paliativos: “[...] A Resolução CFM 1.805/06 não foi aceita de modo unânime, setores da sociedade demonstraram desconforto e rejeição. O argumento para rejeitá-la era que extravagâncias médicas poderiam provocar mortes precipitadas. Alvo de críticas, principalmente por setores jurídicos, o documento do CFM foi suspenso por liminar em 2007, fato que aumenta sua importância por indicar a incapacidade de determinados setores da sociedade em lidar com a discussão bioética de assuntos relativos à morte”.

Foi apenas em 31 de agosto de 2012 que o Conselho Federal de Medicina publicou no Diário Oficial da União uma nova resolução a de nº 1995.

A resolução é a chamada Diretiva Antecipada de Vontade ou Testamento Vital, uma regra que permite ao paciente terminal decidir sobre receber tratamentos prolongadores de sua vida.

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Segundo seu conteúdo, qualquer pessoa poderá fazer um testamento vital, mesmo que não apresente ainda nenhuma doença. Tal documento será baseado no que o paciente imagina que gostaria que ocorresse caso viesse a ter diagnosticada uma doença incurável ou que o tornasse incapaz de expressar sua vontade.

Foi, sem dúvida, um avanço tal resolução, principalmente no tocante a orientação dos médicos, porém a falta de legislação específica, suscita inúmeras dúvidas.

“A resolução legitima a postura médica sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Além de sua atualidade e inovação frente aos novos desafios técnico-científicos, garante, no que tange às decisões sobre cuidados e tratamentos, a consideração da vontade prévia e expressamente manifestada pelo paciente no momento em que se encontra incapaz de comunicar-se ou expressar de maneira livre e independente suas vontades, desde que em consonância com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica – devendo esta vontade prevalecer sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares”.

Assim sendo, o reconhecimento do testamento vital por meio da resolução 1.995 do CFM tornou obrigatória a sua observância pelos médicos e estabelecimentos de saúde.

É necessário, entretanto, ter consciência que a presente resolução está longe de esgotar o tema, pelo contrário, demonstra a necessidade de legislação específica, pois existe inúmeros pontos controvertidos, por exemplo, seu registro em cartório, via escritura pública.

Capítulo 3 –ASPECTOS JURÍDICOS DO TESTAMENTO VITAL.

Como já dito no presente trabalho, o Brasil não adotou legalmente o testamento vital, ou seja, não temos lei específica que trata do assunto. Entretanto, não há impedimento para fazê-lo, pois a autonomia do paciente é o embasamento legal, como bem afirma o autor Ernesto Lippmann: “Embora não haja uma lei específica que regule o testamento vital, ele passou a ser reconhecido graças à Resolução 1.995/2012 do CFM, que se fundamenta na autonomia de vontade do paciente, um dos pilares da Medicina, bem como na dignidade humana prevista na Constituição – o que lhe assegura a validade legal”.

A corrente majoritária da doutrina apresenta-se favoráveis à possibilidade jurídica do testamento vital. Os conceitos de autonomia privada, o princípio da liberdade e da dignidade da pessoa humana, são utilizados como base de sustentação de sua validade.

3.1 A eutanásia, a distanásia e a ortotanásia no contexto brasileiro

Quando falamos que a autonomia do paciente é o embasamento legal para o testamento vital, se faz necessário tratar da autonomia privada nas situações de terminalidade da vida, e nesse caso é fundamental a distinção entres os modelos jurídicos da ortotanásia, distanásia e eutanásia.

A eutanásia pode ser definida como o ato de provocar a morte, rapidamente e sem sofrimento, de um ser humano, seja agindo ou abstendo-se de agir. Quando há uma ação que objetiva a morte, fala-se em eutanásia ativa, já quando ocorre uma abstenção, com o mesmo fim, trata-se de eutanásia passiva. Em ambos os casos, busca-se livrar o paciente de doença irreversível de insuportável sofrimento, indignidade e desamparo provocado pela enfermidade. São os casos em que o paciente irá morrer de qualquer forma, sendo uma questão de tempo.

No Brasil, a eutanásia ativa é considerada homicídio privilegiado tipificada no art.121caput e § 1º,do Código Penal,  e portanto não é permitida. Já o suicídio não é punível, porém o seu  “induzimento, instigação ou auxílio a suicídio”  tem previsão legal no art. 122 do Código Penal. 

A eutanásia passiva é defendida por muitos como sendo omissão de socorro, expressa no art. 135 do mesmo diploma aumentada da metade se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada se resulta morte.

A distanásia, por sua vez, é o oposto da eutanásia, visto que consiste em uma análise diagnóstica e terapêutica, indicando o prolongamento do processo da morte por meio de diversos tratamentos, com intuito de prolongar a vida biológica do doente terminal a qualquer custo. A palavra vem do grego e significa “morte difícil e penosa”.

Segundo Maria Helena Diniz, trata-se distanásia “do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo da morte.

Atualmente, a distanásia vem sendo muito utilizada, devido aos avanços tecnológicos e medicinais. A cada dia novos medicamentos e novos tratamentos surgem em busca da cura de inúmeras doenças.

Entende-se por distanásia, segundo Léo Pessini como sendo “(...) uma ação, intervenção ou um procedimento médico que não atinge o objetivo de beneficiar a pessoa em fase terminal e que prolonga inútil e sofridamente o processo de morrer, procurando distanciar a morte.”.

A ortotanásia, por sua vez, se refere aos atos que são assumidos na perspectiva do bem-estar do doente, quando se esgotam todas as possibilidades de diagnóstico e tratamento de uma enfermidade grave e incurável. É deixar a morte acontecer naturalmente, devendo, entretanto, ser acompanhada por médicos.

A nossa legislação não permite de forma expressa a ortotanásia. Entretanto, os entendimentos favoráveis à sua aplicabilidade, vinculam a princípios contidos na Constituição Federal e já abordados no presente estudo, a saber, princípio da dignidade humana e autonomia privada.

Para ilustrar, segue decisão do Ilustre Relator: Irineu Mariani do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul .:

APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL.
1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida.
2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural.
3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal.
4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina.
5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013)

Há, ainda, que mencionar que o Código de Ética Médica (Resolução nº 1931/2009 do Conselho Federal de Medicina), no parágrafo único de seu artigo 41, destaca a preocupação com a qualidade de vida e com a dignidade do paciente terminal ao afastar práticas que conduzam à persistência terapêutica, consoante se verifica in verbis:
Art. 41. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. ”

3.2 O testamento vital e a eutanásia

Importante esclarecer que a resolução do Conselho Federal de Medicina que versa sobre testamento vital não autoriza os médicos a apressar a morte de um paciente. Esta colocação se faz importante, uma vez que muitos confundem as diretrizes antecipadas de vontade (testamento vital) com a eutanásia.

A eutanásia ocorre quando, a pedido do paciente, um médico ou parente o leva a óbito. No Brasil é crime, mesmo quando praticada com consentimento do paciente, embora em outros países seja aceito.

A finalidade da eutanásia é, portanto, abreviar a vida de pessoas que se encontram em grave sofrimento decorrente de doenças, ou situação que o indivíduo corre risco de morte, sem perspectiva de melhoras.

A questão da eutanásia há muito tempo, motiva e preocupa médicos, filósofos e juristas, tornando o presente tema, uma questão bastante polêmica e abertamente discutida, tendo em vista os casos e situações especialmente polêmicos em torno do problema. 

 Em defesa do morrer com dignidade, há quem sustente a necessidade de admitir-se legalmente em casos específicos.

Podemos exemplificar da seguinte maneira: um indivíduo é portador de um câncer incurável à dez anos. Durante todo esses anos ele se submete as sessões de quimioterapia e radioterapia, entretanto seu médico diz que tem poucos meses de vida. Ainda capaz e com autonomia, ele vai a um cartório e lavra um testamento vital, por escritura pública, deixando expressamente sua vontade de ter uma morte digna. Passados alguns meses o estado de saúde do indivíduo piora muito e o médico em cumprimento ao testamento vital, não faz nenhum procedimento para prolongar sua vida.
O exemplo acima, não configura eutanásia e sim ortotanásia.

O testamento vital é um documento elaborado por qualquer indivíduo capaz, determinando a vontade com relação ao seu tratamento médico em caso de doenças graves, estado terminal, ou quando não mas poderá expressar sua vontade. Em outras palavras, é uma declaração de vontade. Neste caso, o médico deixa de prolongar a vida artificialmente, deixando o paciente morrer naturalmente, enquanto na eutanásia do ato ou omissão decorre a morte.

Em outras palavras trata-se de declaração de vontade de não ser submetido à tratamentos médicos que prolonguem sua vida, em detrimento da qualidade da mesma, eximindo o médico por deixar de adotar tais procedimentos.
No caso do testamento vital o médico deixa de prolongar a vida artificialmente, deixando o paciência morrer naturalmente, enquanto na eutanásia o ato ou omissão decorre a morte.

Por alguns denominado de “Declaração Prévia de Vontade para o Fim da Vida”, o ora tratado como testamento vital ganha juridicidade na autonomia de vontade e no direito que todos nós temos de recusar algum tipo de tratamento médico. Assim, considerando a hipótese de estarmos impossibilitados de declarar a própria vontade, por consequência de eventual doença, podemos antecipar esta vontade declarando-a em documento.

Desta forma, o testamento vital não pode autorizar  expressamente a eutanásia, uma vez que se trata de conduta tipificada no Código Penal Brasileiro.


Capítulo 4 –O PACIENTE TERMINAL E SUA AUTONOMIA

Conceituar o paciente terminal não é algo simples, ainda que freqüentemente nos deparemos com avaliações consensuais de diferentes profissionais.

Para Ernesto Lippmann: “Na acepção generalizada, ‘doente terminal’ refere-se àquele paciente em que a doença não responde a nenhuma terapêutica conhecida e, consequentemente, entrou num processo que o conduz irreversivelmente à morte. De acordo com a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (2008), deve-se entender por “doente terminal” aquele doente que tem, em media, 3 a 6 meses de vida, sendo que esta avaliação deve estar alicerçada em conjuntos de critérios de objetivação de prognóstico”. 

O paciente terminal é aquele fora do alcance de cura. Segundo, entedimento médico, alguns elementos são determinantes para sua caracterização: presença de uma doença avançada e incurável; falta de possibilidade razoáveis de respostas a tratamentos específicos; presença de inúmeros problema ou sintomas intensos, múltiplos e multifatoriais; grande impacto emocional no paciente, família e equipe de cuidados, estritamente relacionado com a presença explícita ou não da morte e prognóstico de vida inferior a 6 meses.

Analisando os elementos acima mencionados envolvendo os pacientes terminais, requer então, a necessidade de se avaliar a qualidade de vida do paciente, o custo de sua internação, as decisões médicas, a vontade do próprio paciente, dentre outros fatores.

Na linguagem médica, fala-se em “pacientes diagnosticados como fora de possibilidades terapêuticas – FPT, que apresentam prognóstico de morte próxima ou inevitável. ”  Nestes casos, a medicina não apresenta mais recursos para conter o avanço fatal da doença.

Por tudo isso que o paciente terminal tem o direito de sentir-se o mais confortável possível. Ele estando acamado com uma doença irreversível deve ter a oportunidade de manifestar alguma declaração prévia de vontade ou realizar um testamento vital e, para isso, precisa ter a segurança de que a equipe médica que o acompanha fará cumprir essa vontade.

Estamos diante da autonomia do paciente. E aqui podemos ao menos citar três direitos: direito a decisão, que resulta da sua autonomia, vontade; direito a verdade, e aqui encobrir a verdade do paciente é cercear sua autonomia e direito ao diálogo, respeitando sua dignidade.

Conforme expõe a autora Paula Moura Francesconi Pereira, “o princípio da autonomia de vontade encontra-se sedimentado no campo do Direito, quer no campo ético, como expressão da liberdade individual”: “A palavra autonomia vem do grego – autos e nomos, que significa autogoverno, possibilidade de ditar normas a si mesmo; envolve os conceitos de liberdade jurídica, autonomia de vontade, autonomia privada, autonomia contratual e autonomia negocial, que ora são tratados como sinônimos, ora são diferenciados pela doutrina. ”

Fica, assim, evidente a grande importância da existência da relação paciente e médico. Um paciente bem informado demonstra que o médico está agindo de forma humanizada, como prevê a Constituição Federal Brasileira, ao dispor sobre o direito à dignidade humana: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Na relação médico-paciente, os princípios da beneficência (princípio basilar da medicina) e de respeito à autonomia do paciente são complementares.

Inclusive, esse bom relacionamento entre médico e paciente reflete na elaboração do testamento vital, como bem menciona o autor Ernesto Lippmann: “Ele deve ser apresentado, e uma conversa entre médico e paciente deve verificar se a equipe médica se sente à vontade com seus termos. Se não houver tal afinidade, será melhor procurar outro hospital”.

A autonomia do paciente é também elencada no Código de Ética Médica, no capítulo V que versa sobre a relação com paciente, assim como vedações ao procedimento médico, nos artigos 31 e 32 do Código.

O artigo 31, expressamente prevê que é vedado ao médico: “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas e terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”.

Desta forma, havendo o risco de o paciente morrer, de forma iminente, segundo o mencionado artigo, o médico é obrigado a buscar todos os meios com intuiro de salvá-lo. Entretanto, se o risco iminente de morte não for observado, o que prevalece é a vontade do paciente, “se este for capaz, livre e estiver consciente, prevalece de forma absoluta sobre tudo, pelo menos até ficar nesse risco”.

Outro ponto tem de ser levado em consideração: quando o paciente não está em risco de morte, mas for menor ou incapaz, quem irá decidir sobre as condutas médicas as quais serão submetidas é seu representante legal. Nesse sentido Venosa dispõe: “Capacidade de fato é a aptidão que as pessoas têm para exercerem por si mesmas os atos da vida civil. Essa aptidão exige certas qualidades ou requisitos sem as quais o indivíduo será considerado incapaz. Essa incapacidade pode ser absoluta ou relativa. ”

Esse ponto é de extrema importância, pois suscita inúmeras dúvidas consequência da lacuna legal. Pergunta-se: uma criança por exemplo, de dois anos de idade, em estado terminal, sofrendo muito com os tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Sua mãe, representante legal deseja que sua filha não mais faça mais o tratamento. Em contrapartida, o genitor da menor não concorda em cessar o tratamento. Como resolver essa questão? O Judiciário pode resolver essa questão? O artigo 32 do Cófigo de Ética do Médico traz outra vedação ao médico, in verbis:
“deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”.

Deste modo, e conforme o artigo 32, o médico tem o dever de fazer uso das descobertas científicas reconhecidas para o tratamento do paciente. O objetivo do médico deve ser tratar o paciente doente.

Nos casos onde estamos diante de pacientes em estado terminal dotados de lucidez, entende-se que devem ser respeitadas as vontades por eles expressas referentes aos tratamentos a serem mantidos, mesmo que tais desejos tenham por consequência o encurtamento do processo vital, contanto que tal decisão ocorra mediante o consentimento livre e esclarecido.

As grandes dúvidas, entretanto, surgem quando o paciente perde a consciência. Os familiares, nesses casos, não costumam tomar decisões pela interrupção dos tratamentos, principalmente para evitarem sentimento de culpa.
Neste contexto, o testamento vital figura como importante instrumento que possibilita ao paciente terminal definir, enquanto se encontra lúcido, os tratamentos que pretende ou não manter até a morte, caso venha a se encontrar em estado de inconsciência. A decisão contida no testamento de vida deve ser respeitada pela equipe médica e pela própria família do enfermo, configurando a sua autonomia.

Capítulo 5 – BIOÉTICA

Historicamente, surge a bioética entre as décadas de 1960 e 1970, quando os avanços e científicos e tecnológicos no meio médico começaram a ser questionados na sociedade de então.

Os avanços recentes da biotecnologia trouxeram enormes benefícios à humanidade uma vez que praticamente permitem o controle da vida, desde sua concepção, conservação, correção e fim.

A Bioética que pode ser definida como o "estudo interdisciplinar, ligado à Ética, que investiga, nas áreas das ciências da vida e da saúde, a totalidade das condições necessárias a uma administração responsável da vida humana em geral e da pessoa humana em particular".

A bioética nasceu da "necessidade de um controle da utilização crescente e invasora de tecnologias cada vez mais numerosas e afinadas nas práticas biomédicas.”

Entretanto, os progressos biotecnológicos trazem implicações na sociedade e consequentemente a necessidade do Direito ao lado da Bioética regulamentar eventuais abusos.

Ao tratarmos de Biodireito é importante escolher alguns temas que clamam por uma política do cuidado, como, por exemplo, morte e testamento vital. A revolução terapêutica, as formas de manipulação da vida, as novas formas de procriação, e, conseqüentemente a utilização do ser humano e de seus elementos levaram à produção de novas normas jurídicas, dessa forma nasce então o Biodireito.

O presente trabalho trata da morte digna e podemos indagar o por que é tão difícil falar de morte? Por que as pessoas evitam falar sobre a única certeza que temos na vida? Não seria muito mais fácil aceitar essa realidade e viver cada dia como se fosse o último? Vivemos como se o amanhã fosse uma certeza e não a morte. O tempo todo perdemos alguma coisa e estamos sempre buscando a imortalidade. Dentro dessas perdas podemos refletir sobre o envelhecimento. Envelhecer pode ser uma experiência solitária ou compartilhada, depende da escolha do sujeito, mas é sempre única e pessoal. O envelhecimento não é coisa que acontece com o Outro.É meu. E é inexorável. Ninguém poderá viver nenhuma das fases da vida por mim. Com o envelhecimento surgem as limitações, as doenças e a necessidade maior de cuidados. Os cuidadores devem estar atentos aos sinais, mas nunca subjugar ou não dar atenção a uma queixa do idoso. Envelhecer sim, mas com o máximo de autonomia e dignidade. Transformações rápidas exigem reflexão criteriosa dos referenciais bioéticos: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. O cidadão tem direito às orientações de como vislumbrar um envelhecimento saudável, no seio da família e de como usufruir os benefícios de ser idoso. Recentemente o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, veio reforçar esses direitos já previstos na Constituição Federal e na prática esquecidos por muitos.

Cada vez mais as decisões médicas passaram a considerar as preferências do paciente. O fundamento ético dessa nova forma de agir está no novo modelo autonomista que gerou o direito ao consentimento informado e o fundamento lógico está nas novas teorias causais e nos novos modelos probabilistas.

As decisões médicas atuais estão centradas no paciente e não mais  no médico, como no passado. Assim, deve-se chegar a um consenso sobre o objetivo e os meios diagnósticos e terapêuticos, e há que se argumentar explicitamente com a possibilidade de persuasão mútua.

A tomada de decisões é participativa. As decisões são tomadas em conjunto, entre o médico e o paciente. Em caso de conflito, concede-se maior peso às preferências do paciente, ainda que não de modo absoluto, ou seja, é possível haver restrições.

Se praticar o Biodireito é tratar os envolvidos da forma que mais beneficia cada um, com menores danos às partes, respeitando a autonomia dos envolvidos e visando a Justiça, então, praticar o Biodireito é praticar o amor nas relações jurídicas.

No ítem a seguir trataremos dos princípios que foram adotados como sendo da Bioética.

5.1 Princípios da Bioética

Os princípios facilitam e ordenam a análise dos casos concretos e, a partir de então, se pode necessitar de outros valores para aprofundar a análise ética. Na Bioética contemporânea, é consenso que o “Principialismo apresenta um conjunto de postulados básicos que não podem ser ignorados mesmo que não tenham, reconhecidamente, um caráter incondicional de princípios.”

São quatro os princípios que trataremos a seguir: princípio da justiça, princípio da beneficência, princípio da não malificência e princípio da autonomia.

a) Princípio da Justiça

A ética biomédica tem dado muito mais ênfase à relação interpessoal entre o profissional de saúde e seu paciente, onde a beneficência, a não maleficência e a autonomia têm exercido um papel de destaque, ofuscando, de certa maneira, o tema social da justiça. Justiça está associada preferencialmente com as relações entre grupos sociais, preocupando-se com a eqüidade na distribuição de bens e recursos considerados comuns, numa tentativa de igualar as oportunidades de acesso a estes bens.

O conceito de justiça, do ponto de vista filosófico, tem sido explicado com o uso de vários termos. Todos eles interpretam a justiça como um modo justo, apropriado e eqüitativo de tratar as pessoas em razão de alguma coisa que é merecida ou devida à elas. Estes critérios de merecimento, ou princípios materiais de justiça, devem estar baseados em algumas características capazes de tornar relevante e justo este tratamento.

Com a crescente socialização dos cuidados com a saúde, as dificuldades de acesso e o alto custo destes serviços, as questões relativas à justiça social são cada dia mais prementes e necessitam ser consideradas quando se analisam os conflitos éticos que emergem da necessidade de uma distribuição justa de assistência à saúde das populações.

A ética, em seu nível público, além de proteger a vida e a integridade das pessoas, objetiva evitar a discriminação, a marginalização e a segregação social. Neste contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados com sua saúde.

Isto inclui garantias de igualdade de direitos, eqüidade na distribuição de bens, riscos e benefícios, respeito às diferenças individuais e a busca de alternativas para atendê-las, liberdade de expressão e igual consideração dos interesses envolvidos nas relações do sistema de saúde, dos profissionais e dos usuários.

b) Princípio da Beneficência

Beneficência quer dizer fazer o bem. De uma maneira prática, isto significa que temos a obrigação moral de agir para o benefício do outro. Este conceito, quando é utilizado na área de cuidados com a saúde, que engloba todas as profissões das ciências biomédicas, significa fazer o que é melhor para o paciente, não só do ponto de vista técnico-assistencial, mas também do ponto de vista ético. É usar todos os conhecimentos e habilidades profissionais a serviço do paciente, considerando, na tomada de decisão, a minimização dos riscos e a maximização dos benefícios do procedimento a realizar.

O princípio da Beneficência obriga o profissional de saúde a ir além da Não Maleficência (não causar danos intencionalmente) e exige que ele contribua para o bem estar dos pacientes, promovendo ações: a) para prevenir e remover o mal ou dano que, neste caso, é a doença e a incapacidade; e b) para fazer o bem, entendido aqui como a saúde física, emocional e mental.

A Beneficência requer ações positivas, ou seja, é necessário que o profissional atue para beneficiar seu paciente. Além disso, é preciso avaliar a utilidade do ato, pesando benefícios versus riscos e/ou custos. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para os procedimentos da prática clínica, com o intuito de definir a sua utilidade e beneficência.

Silvia Brussino, porém, adverte que “o princípio da beneficência não justifica uma ingerência paternalista do médico, que deve, antes de mais nada, respeito pelas escolhas dos pacientes.”

c) Princípio da Não Malificência

De acordo com este princípio, o profissional de saúde tem o dever de, intencionalmente, não causar mal e/ou danos a seu paciente. Considerado por muitos como o princípio fundamental da tradição hipocrática da ética médica, tem suas raízes em uma máxima que preconiza: “cria o hábito de duas coisas: socorrer (ajudar) ou, ao menos, não causar danos”

Este preceito, mais conhecido em sua versão para o latim (primum non nocere), é utilizado freqüentemente como uma exigência moral da profissão médica. Trata-se, portanto, de um mínimo ético, um dever profissional, que, se não cumprido, coloca o profissional de saúde numa situação de má-prática ou prática negligente da medicina ou das demais profissões da área biomédica.

A Não Maleficência tem importância porque, muitas vezes, o risco de causar danos é inseparável de uma ação ou procedimento que está moralmente indicado. No exercício da medicina este é um fato muito comum, pois quase toda intervenção diagnóstica ou terapêutica envolve um risco de dano.

d-)Princípio da Autonomia

Autonomia é a capacidade de uma pessoa para decidir fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma.

O princípio da autonomia pressupõe o sujeito com relativo grau de entendimento e liberdade e independência para realizar a escolha necessária”.

Respeitar a opinião do paciente, sabendo-se que todo o individuo tem direito de ter sua própria opinião em relação a diversos assuntos. Porém, não podemos deixar de orientar o paciente, pra que o mesmo tenha as informações necessárias para poder forma a sua própria opinião.

Assim, pelo princípio da autonomia, o indivíduo tem o direito de decidir sobre as atividades que impliquem alterações em sua condição de saúde física e/ou mental, impondo-se, de outro lado, para que sua opinião seja adequada, o dever de os envolvidos prestarem todas as informações relevantes sobre o tratamento/pesquisa que se irá realizar.

Capítulo 6 –ASPECTOS PRÁTICOS DO TESTAMENTO VITAL

Apesar de não termos legislação específica que versa sobre o testamento vital, muitos indivíduos dispostos a terem suas últimas vontades atendidas, buscam os cartórios de todo o Brasil, com intutito de registrá-lo e portanto torná-lo público.

Segundo artigo da Revista Época, datado de 10 de agosto de 2015, “de janeiro a junho deste ano, 256 pessoas registraram o chamado testamento vital nos cartórios do Brasil. No ano passado inteiro, foram lavrados 548 documentos. Os estados com maior número de registros são São Paulo (377), Mato Grosso (86) e Rio Grande do Sul (53). ”

A própria resolução do Conselho Federal Medico, nº 1.995/2012 não prevê como obrigatoriedade o registro em cartório, sendo suficiente a vontade expressa do paciente em seu prontuário médico, a seguir definido.

6.1 Prontuário Médico

De acordo com a Resolução. nº 1.638/02 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a finalidade do prontúario é a informação. 

 “[...] documento único, constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registrados, gerados a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo”.

O médico obriga-se a registar no prontuário, as informações e evolução clínica do paciente, assim com suas declarações prévias de vontade.

“A Resolução 1.996/12 do Conselho Federal de Medicina considera como dever do médico registrar, no prontuário, a vontade prévia do paciente – a qual, por sua vez, deve prevalecer sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre o desejo dos familiares.”

O próprio Código de Ética Médica prevê a obrigatoriedade do prontuário do paciente em seu artigo 87, caput. E, ainda, no artigo seguinte, dispõe que o paciente tem acesso livre ao documento. È vedado ao médico fazer qualquer restrição, in verbis: “Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros”.

6.2 Requisitos

6.2.1 Requisitos Formais

Como já mencionado anteriormente no Brasil não existe legislação específica sobre o tema, e consequentemente, não há, a princípio, nenhuma determinação acerca da formalização do testamento vital. É por meio do estudo do instituto nos ordenamentos jurídicos de outros países que buscamos pontuar a necessidade de alguns requisitos. São eles a capacidade, o registro e o prazo de validade.

No requisito capacidade é necessário que o indivíduo seja capaz, segundo os critérios da lei civil, artigos 3º, 4º e 5º do Código Civil Brasileiro. Entretanto, há entendimentos que uma pessoa menor de 18 anos e portante, incapaz perante o Código Civil, pode fazer o testamento vital desde que com autorização judicial, com fundamento no discernimento desta pessoa para a prática deste ato.

No meu entendimento, um relativamente incapaz, com discernimento pode sim lavar um testamento vital, inclusive porque pode ser feito por instrumento particular. Assim, mesmo que ele não consiga fazer via registro em cartório e portanto, instrumento público, nada o impede de deixar por escrito sua vontade.

Com relação ao registro, ele não é obrigatório, uma vez que não há nenhuma lei em nosso ordenamento que o exige, mas as orientações são para a lavratura de uma escritura pública, perante os tabeliães de notas. Isto garante a efetividade do testamento, visto que os tabeliães possuem fé pública. E, ainda, o entendimento é que o documento lavrado no Cartório seja anexado no prontuário médico do paciente.

Já a respeito do prazo de validade do testamento vital é o mesmo que o testamento cívil, ou seja, deve se revistir dos critérios legais.

E, ainda, os outorgantes já diagnosticados com uma doença terminal devem comprovar seu discernimento por meio de um laudo médico, uma vez que estudos médicos questionam os efeitos que um diagnóstico de fim de vida gera no discernimento do indivíduo.

6.2.2 Profissionais Envolvidos

Aconselha-se, a consulta de dois profissionais para a elaboração do testamento vital: um médico de confiança e um advogado.

A finalidade do médico de confiança é informar e orientar o seu paciente sobre tratamentos possíveis, além de esclarecer qualquer e todas as dúvidas so paciente sobre aquela ou determinada doença. Há entendimento que é de suma importância que esse médico já o acompanhe, a fim de que haja uma relação de confiança recíproca entre as partes.

O advogado especialista na área é recomendado para orientar o declarante no momento de fazer o testamento vital, para que sua vontade seja cumprida, e assim ter mais segurança jurídica.

Assim, essa conversa com esses dois profissionais vai adaptar o paciente a sua condição médica e aos seus valores morais.

A Resolução 1995/2012 não traz em seu texto a obrigatoriedade da presença de um advogado na elaboração e lavratura do testamento vital.

6.2.3 Conteúdo

O testamento vital nos ordenamentos jurídicos estrangeiros tem como conteúdo disposições de recusa e/ou aceitação de tratamentos que prolonguem a vida artificialmente, disposição sobre doação de órgãos, nomeação de um representante.

Entretanto, aqui no Brasil temos algumas limitações: quanto a recusa e/ou aceitação de tratamentos, para serem válidas, o paciente não poderá se recusar a se submeter a tratamentos paliativos, uma vez que estes são garantidores do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, por conseguinte, do direito à morte digna.

Desta maneira, somente as disposições que versam sobre a recusa de tratamentos fúteis serão válidas. Quando falamos em tratamentos fúteis, nesse contexto, nos referimos a tratamentos que não tragam benefícios ao paciente.
A doação de órgão não precisa necessariamente ser tratada nesse documento, entretanto não há impedimento. O autor Lippmann escreve:

“É importante também decidir o que fazer com o prório corpo: se deseja ser enterrado ou cremado, ou fazer uma doação para uma faculdade de Medcinina, para estudos posteriores, ou ser um doador de órgãos. ” 

Ademais, no Brasil, a doação de órgão já esta regulamentada pela lei no. 9.434/97, alterada pela lei no. 10.211/01, sendo possível fazê-la seguindo seus ditames.

É indispensável que o testador nomeie um procurador, para que o represente perante a equipe médica. (Procurador dos cuidados de sáude). O procurador dos cuidados da saúde, deve participar da elaboração do testamento vital, anuindo com seus termos e assumindo a responsabilidade e encargos da função. A doutrina não recomenda que ele seja cônjuge ou filhos, por serem herdeiros necessários. Por questões éticas, não se recomenda que o próprio médico do testador desempenhe essa função.

Há, ainda, outra disposição que pode estar contida no testamento vital: o testador pode declarar se deseja ou não alguma assistência religiosa.

Por fim, “o testamento vital também não poderá conter disposições contrárias ao Ordenamento Jurídico Brasileiro, o que torna ineficaz as disposições que prevejam a eutanásia, como por exemplo, o desligamento de máquinas ou a suspensão de tratamentos ordinários. ”

6.2.4 Requisitos Legais

Entende a corrente majoritária que trata sobre o tema, testamento vital, que para o documento ser válido, ele deve ser digitado, impresso e assinado pelo testador sem qualquer rasura.

A Resolução nº 1.995/2012 não dispõe acerca de testemunhas, porém para evitar contestação jurídica, o melhor é que o documento cumpra os requisitos dos demais testamentos informais, conforme dispõe o art. 1.876 do Código Civil, sendo, portanto assinado pelo declarante e por três testemunhas ou registrado em cartório mediante o tabelião.
Recentemente, em uma ação pública, o Excelentíssimo juiz federal Dr. Eduardo Pereira da Silva, da comarca de Goiania, TRF 1º Região, proferiu uma brilhante sentença, onde enfoca quais os requisitos legais para o testamento vital, baseando-se na Resolução 1.995/2012, a qual foi objeto da presente ação. Cite: “ Tendo capacidade civil, poderá o paciente fazer a declaração de vontade. O médico não estará obrigado a seguir a declaração, porém, se perceber que, pelo estado de saúde do paciente quando da declaração, não tinha o pleno gozo de suas capacidades cognitivas.
A resolução não previu nehuma forma especial para manisfestação de vontade (escrita, verbal, etc) apenas determinando que o médico registre a vontade do paciente no prontuário, o que não contraria qualquer lei em vigor (Código Civil, artigo 107). E veja-se que, permite a designação de um representante para tal fim e a investigação da vontade junto a familiares de que tenham deixado registro (art. 2º, §5º da Resolução).”

7. Conclusão

O avanço rápido da tecnologia na área médica traz a possibilidade de prolongamento da vida humana. Consequentemente a forma de lidar com a morte foi alterada, deixando de ser um fenômeno natural para ser um fenômeno de sucessivos fracassos.

A incidência maior em se prolongar a vida pela ciência médica é nos pacientes terminais, que acabam sendo submetidos a tratamentos invasivos e dolorosos com baixa chance de cura, adiando apenas sua morte.

Ocorre que nem sempre este prolongamento forçado da vida é um desejo do paciente terminal, uma vez que este, muitas vezes, preferem ficar ao lado dos familiares e amigos no último estágio de sua vida. Nesse momento, o testamento vital é de grande importância, pois define os desejos do paciente.

Entendem-se que os fundamentos do testamento vital, objeto do presente trabalho, apesar de não previsto em lei forma pelo nosso ordenamento Jurídico, porém garantido pela resolução nº 1.985/2012 do Conselho Federal de Medicina e já introduzido no sistema jurídico de diversos países, residem nos princípios da bioética, e nos preceitos de dignidade da pessoa humana e de autonomia privada.

Como vimos no decorrer da dissertação, a dignidade é prevista para o período de vida dos indivíduos e deve também ser assegurada no momento da morte, visto que a morte faz parte da vida, sendo seu derradeiro estágio. Entende-se que o direito à morte digna diz respeito à possibilidade de morrer do seu próprio jeito, com respeito às pretensões e às decisões tomadas ao longo da vida do indivíduo.

Além do que, os pacientes terminais devem ser considerados como indivíduos autônomos para definirem aquilo que lhes é mais adequado, inclusive no que tange às terapias a serem mantidas no momento da morte.

Assim sendo, é possível afirmar que o testamento vital, enquanto meio de garantia da dignidade e autonomia do paciente terminal, está contextualizado no atual momento do direito privado, marcado pela constitucionalização e repersonalização.

O testamento vital, hoje é uma realidade. Sem dúvida que o instituto precisa ser mais aperfeiçoado pelos juristas e é necessária uma maior divulgação de modo que o documento passe a fazer parte das decisões dos indivíduos durante seu processo de morrer.

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Rita de Marchi

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