O conteúdo essencial dos direitos fundamentais

29/04/2016 às 21:55
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O presente trabalho tem como principal missão descrever o que é o conteudo essencial dos Direitos Fundamentais, e a partir de então construir uma reflexão sobre a possibilidade de sua limitação, ou mesmo, delimitação.

RESUMO

Este breve exposto, parte da discussão a que se impõe na atualidade os Direitos Fundamentais do homem. Explorando a garantia do conteúdo essencial desse direito perante normas infraconstitucionais, buscar-se-á, dessa maneira, descrever as razões para tal concepção, as consequências, quais os principais teóricos e as formas de garantia de tal conteúdo. Ao tratar do conteúdo essencial tratar-se-á também sobre a dignidade da pessoa humana, seus paradigmas, conflitos e a necessidade de sua constante “procura” nas aljavas ou obscuras cavernas do Direito brasileiro.

PALAVRAS - CHAVE: Conteúdo Essencial. Direitos Fundamentais. Dignidade da Pessoa Humana.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................05

2.CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS..........................................................................................................06

2.1 O CONTEÚDO ESSENCIAL NA DOUTRINA DE RUDOLF SMEND..........08

  1. O CONTEÚDO ESSENCIAL NA TEORIA DE DÜRING...............................10

2.3 O CONTEÚDO ESSENCIAL NA TEORIA DE PETER HÄRBELE...............11

3.A RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.....................................13

4. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROBLEMÁTICA DA SUA APLICAÇÃO..................................................................................................................14

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................20

6. REFERÊNCIAS..........................................................................................................21

  1. INTRODUÇÃO:

Não são necessárias inúmeras pesquisas para que se perceba um clima de anomia no direito brasileiro. Diversas normas cotidianamente são criadas pelo fenômeno da inflação legislativa (termo que, segundo Juary C. SILVA (1968, p.77), foi criado Carnelutti).

Segundo Clayton Ribeiro de Souza (2007 apud Carnelutti 2003), a inflação legislativa parece decorrer de um fascínio que a sociedade moderna tem pelas leis e não consegue perceber que à medida que “cresce o número das leis jurídicas, diminui a possibilidade de sua formação cuidadosa e equilibrada” (2003, p.11), além de, muitas vezes representar a interferência do Estado na vida privada, de forma a ameaçar os direitos fundamentais.

Não há discordância sobre a necessidade do legislador ordinário de restringir a amplitude desses direitos, como leciona Robert Alexy (1993). Pelo motivo de sua característica semântica aberta, e da imensidade de abstrações que podem nascer dessa textura em virtude de sua natureza principiológica, serão as leis infraconstitucionais que irão concretizar tais direitos.

No entanto, para CLÁUDIO CHEQUER (2013), o que a lei infraconstitucional não pode fazer é restringir o direito fundamental a ponto de esvaziá-lo ou desnaturalizá-lo, fazendo com que esse direito perca a sua mínima eficácia, assim, deixe de ser reconhecido como direito fundamental, ou seja, não tenha mais possibilidade de se efetivar, o que por certo, é mesmo letra morta.

Conforme CHEQUER (2013), essa garantia de proteção à essência dos direitos fundamentais decorre de um princípio constitucional expressado pelo mundo em diversas constituições: o princípio da proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Nessa conjuntura, resta-se o dilema que remete à função do legislador e sua identificação, de fato, com o povo e as suas necessidades. Pois, em uma mão, o mesmo é responsável pela elaboração de leis que por suas convicções particulares nem sempre condizem com a Constituição e, na outra, o mesmo contrariante é responsável pela efetivação dos direitos constitucionais.

Dessa maneira, Ana Maria D’Àvila Lopes em referência a Gavara de Cara (1994), afirma que “a garantia do conteúdo essencial foi criada para controlar atividade do poder legislativo, visando evitar os possíveis excessos que possam ser cometidos no momento  de regular os direitos fundamentais” (Ana Maria D’Ávila, 2004, p. 07 apud GAVARA DE CARA, 1994, p. 325).

Da mesma forma leciona o emérito Gilmar Mendes, ao afirmar que:

“[...] da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou ‘limites dos limites’ (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas” (MENDES, Gilmar Ferreira, 2009. P. 41). 

Diante desses entendimentos, esse breve exórdio em forma de artigo visa prioritariamente expor sobre a necessidade de garantir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais através dos critérios de definição do conteúdo essencial e as principais teorias sobre o tema em voga.

  1. CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

Segundo ANA MARIA D’ÁVILA (2004, p.7), não há consenso sobre os critérios utilizados para determinar o conteúdo essencial de direito fundamentais, pois, há grande testilha doutrinária entre os que defendem que esse conteúdo deve ser estabelecido segundo critério objetivo ou subjetivo e os que defendem posição contraria.

Segundo ela, os defensores do primeiro critério prezam pelo ordenamento jurídico, defendendo que a limitação deve ser conforme o ordenamento, pois, ainda que haja a privação do direito por um indivíduo, todos os demais possuirão tal direito fundamental. 

Em contrapartida, é apresentado por D’ÁVILA (2004, p. 7), o critério subjetivo que analisa a gravidade da limitação do direito, pois, conforme este, o direito fundamental não pertence à sociedade, mas ao indivíduo, que de forma alguma pode ser privado de seus direitos em nome da paz social, ou mesmo da democracia, para que não se repita a institucionalização da miséria, da tortura, do extermínio, ou seja, de um completo estado de desrespeito à dignidade da pessoa humana.

O desrespeito a esses direitos que marcou a história mundial, e que no Brasil se fez representar pelo racismo e exclusão social de um Estado oitocentista patriarcal, se faz notável em uma árdua crítica do saudoso Monteiro Lobato (1926) em sua crônica ‘O Macaco que se fez Homem’, na qual diz que o macaco desenvolveu uma doença congênita, doença que seus descendentes chamaram de inteligência, e por essa característica, o homem criou “o Estado, monstro de maxilas leoninas, por meio do qual a minoria astuta parasitará cruelmente a maioria estúpida. E a fim de manter nédio e forte esse monstro, os sábios escreverão livros, os matemáticos organizarão estatísticas, os generais armarão exércitos, os juízes erguerão cadafalsos, os estadistas estabelecerão fronteiras, os pedagogos atiçarão patriotismos, os reis deflagrarão guerras tremendas e os poetas cantarão os heróis da chacina”.

No entanto, Amartya Sem(2011, p.9), afirma que, “o que nos move com muita sensatez não é a compreensão de que o mundo é privado de uma justiça completa - coisa que pouco nós esperamos -, mas a de que a nossa volta existem injustiças claramente remediáveis”.

Nessa perspectiva, segundo D’Ávila (2004, p.8), o critério subjetivo é da maioria doutrinária, que entende que de forma alguma o ser humano pode ser privado de direitos fundamentais em nome da sociedade. Tal direito pertence a ele, pois, são frutos, segundo Gregorio Peces-Barba Martínez (2003, p.12), da dignidade da pessoa humana e do seu valor, e de forma nenhuma o indivíduo pode ser usado como um objeto, mas tão somente um fim em si mesmo.

Além disso, segundo a autora, dentro da perspectiva de definição de critérios sobre delimitação do conteúdo essencial destacam-se duas teorias: a teoria relativa e a teoria absoluta.

Para ela (2004, p.8), a teoria relativa defende que “o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo. É esse um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido”. Tal postura fere pertinentemente os direitos humanos, pois, é a institucionalização da barbárie; é a revanche do suplício. Subjugar direitos tão importantes aos interesses em jogo é abrir margem para um novo holocausto, porém sem um caráter ideológico étnico, mas marcado por uma nova eugenia, a eugenia do capital. Ainda que tal teoria esteja ganhando força em nossa doutrina pátria, tal postura não significa apenas a relativização de direitos Fundamentais de presos, flexibilidade essa, que permite a pratica de tortura e outros feitos. Mas é efetuar as palavras de Lobato; criar precedentes suficientes para embasar inescrupulosos atentados aos direitos humanos.

Em contrapartida, a teoria absoluta (2004, p.8), que é a teoria dominante, considera que o Direito é o mesmo e que não se altera de acordo com os interesses do jogo, pode variar devido às circunstâncias, mas não aos interesses no caso concreto. Essa doutrina proclama a primazia do direito fundamental, o seu respeito, o que implica na manutenção desse direito ainda que haja elevada comoção pública e interesse estatal por essa forma de condução jurídica.

Tal posicionamento se destaca como o zelo por uma ética pública laica, nos dizeres de Martínez (2003, p. 12-13), uma ética pública garantida pelo positivismo, e que não pode ser relativizada pela vontade de uma maioria. Assim, uma vez que a moralidade é um cerne positivista, e as leis são o que integram as pessoas em torno de um projeto político, tal projeto deve ser democrático, eivado de valores que excedem o âmbito jurídico, com liberdade, igualdade e seguridade, compondo, dessa maneira, o núcleo duro dessa ética pública.

Pelo que a adoção de uma forma ou de outra é definir os horizontes do Direito, é optar pelo inferno de ‘A divina Comédia’ do excelente Dante Alighieri que diz “deixai toda esperança, vós que entrais!”, ou tomar o fio de ouro da justiça para construir um tecido imaculado, lógico e moral, chamado de Direito.

  1. O CONTEÚDO ESSENCIAL NA DOUTRINA DE RUDOLF SMEND

Segundo Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta (online), Rudolf Smend se destaca na universidade alemã de Heidelberg como um dos maiores críticos da Teoria Pura do Direito, proposta por Hans Kelsen, no que se refere ao formalismo excessivo dessa teoria e a tentativa de separar o estudo do Direito da Sociologia e da Moral. Caixieta (online), preceitua que:

“[...] buscando atenuar tendências excessivamente positivistas no direito público, ressaltando a relevância do espírito e da cultura com o escopo de comprovar as conexões existentes entre os valores da sociedade e a Ciência do Direito, lançando um método que integrasse a realidade social e o orbe jurídico (CAIXETA. Revisitando a polêmica Kelsen versus Smend. Artigo online)”.

Dessa maneira, conforme o autor, Smend influenciado por Theodor Litt e seu método sociológico pertencente à vanguarda denominada de “nova hermenêutica do séc. XX” que elaborou o Método Integrativo ou Científico-Espiritual.

Para Ana Maria D’Ávila (2004, p. 9), foi Rudolf Smend que, ao elaborar a teoria da integração teria dado início a ideia de conteúdo essencial do Direito, ao afirmar que a “integração” é a continua renovação do processo de desenvolvimento do Estado, ou seja, uma continua renovação.

Como afirma FRANCISCO CARLOS TÁVORA (online), a característica mais importante da Teoria da Integração é que esta concebe o Estado e a Constituição como realidades espirituais em transformação incessante, repelindo qualquer reducionismo metodológico, admitindo-se, que a realidade estatal do Direito é arraigada na sua positivação, emanando daí o Estado como ser espiritual dinâmico.

Ana Maria D’Ávila (2004, p 09) elucida 03 (três) formas de integração: a) a integração pessoal: dirige-se a propiciar a unidade política das pessoas na medida em que o Estado se realiza por meio delas; b) funcional ou processual: compreende os diversos processos que criam o sentido coletivo da sociedade com a finalidade de uniformizar a distintas vontades coletivas; c) material: configurada pelos conteúdos substantivos necessários para a realização do Estado, entre os quais se mencionam os direitos fundamentais.

Dessa forma, segundo Ana Maria D’Ávila (2004, p.09), Smend revelou para os direitos fundamentais um meio de ‘integração objetiva’, ou seja, um conceito democrático de integrar todo o ordenamento jurídico, pelo qual a sociedade legitima o Estado. Introduziu uma visão Constitucional para os Direitos fundamentais, ou seja, uma forma de controlar o Estado e a Administração pública, ao definir os Direitos fundamentais como critérios materiais de validez constitucional. Nesse sentido, aduz a autora que:

“[...] os direitos fundamentais concretizam a liberdade e garantem, sob essa figura, seu exercício, mas não como uma expressão descritiva da sociedade, senão no sentido normativo, ou seja, de uma meta que há de se alcançar. Consequentemente não devem ser entendidos como a emancipação dos particulares diante do Estado, mas concebidos como relações integradoras entre aqueles e este, ou seja, como o conteúdo da unidade ou da integração política” (ANA MARIA D’ÁVILA, 2004, p. 09).

Dessa forma, Ana Maria D’Ávila (2004, p.09) afirma que Smend define o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de modo que estes sejam um concreto sistema de valores que integram de forma material e legitima a ordem jurídico-política estatal.

  1.  O CONTEÚDO ESSENCIAL NA TEORIA DE DÜRING

Segundo Ana Maria D’Ávila (2004, p. 09), Düring entende que, graças ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana, o titular de um direito fundamental não pode ser considerado como um simples objeto na atividade estatal. O que relaciona diretamente com Rudolf Smend que ao entender que o direito se forma na sociedade, e que esta, legitima o Estado, Smend diz que não é a maioria que forma um Estado, mas cada indivíduo, e por consequência, há direitos (fundamentais) que não podem ser mitigados. Smend não falou em dignidade da pessoa humana em sua teoria de método integrativo, mas Düring complementou, ao entender que como todo indivíduo possui dignidade humana e esta é o cerne, a fonte, o gerador de direitos fundamentais, logo ela é fundamento da sociedade, e não pode ser violada em nenhuma hipótese.

Afirma D’Àvila em referência a Düring:

“[...] que a dignidade da pessoa humana expressa uma especificação material independentemente de qualquer tempo e espaço, que consiste em considerar como pertencente a cada pessoa um espírito impessoal, o qual a torna capaz de tomar suas próprias decisões a respeito de si e de tudo que lhe gira em torno. Precisamente por isso que o conteúdo de um direito fundamental identifica-se com a própria dignidade humana (D’ÀVILA, 2004, p. 09)”.

No entanto, segundo a autora, essa teoria apresenta um problema: ao ter como ponto nevrálgico a ideia de dignidade da pessoa humana, as bases dessa teoria encontram dificuldades para se fixar, porque não há uma definição sólida para a ideia de dignidade humana

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Conforme a autora, há três teorias para definir dignidade da pessoa humana: a) teoria originalista: entende que a dignidade preexiste na Constituição, ou seja, depende dos parâmetros políticos que definiram a norma constitucional. Diante disso a dignidade da pessoa humana será o que a Constituição entender, e definir em seus dispositivos; b) teoria contextual: entende a que a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida de forma contextual, ou seja, a norma apresenta uma faceta de dignidade, mas essa só se consagra após a interpretação de todo o ordenamento; c) teoria que identifica a dignidade humana com direitos humanos: o título por si já define a teoria, no entanto, não há uma definição consensual e concreta para direitos humanos, em virtude de seu conceito estar ligado a ideia de direito natural.  Dessa forma, se discute se dignidade é valor ou norma. Preferimos entender que dignidade da pessoa humana será melhor definida por Robert Alexy, citado por Bernardo Fernandes Gonçalves (2015, p. 225), como um mandamento de otimização, ou seja, uma norma que ordena que algo se realize na maior medida do possível, em relação às possibilidades jurídicas fáticas. De outro modo, é o instituto que fundamenta todo o ordenamento jurídico brasileiro e a ideia que gera todas as outras normas legais.

D’Ávila (2004, p.10) cita que a ideia de dignidade atual parte do pressuposto de sua violação, isto é, quando uma pessoa é tratada como meio e não como um fim, quando uma pessoa não é tratada como ser humano, mas como objeto. Porém a mesma autora chama atenção para situações em que a dignidade é lesada e o indivíduo não é tratado como um objeto, quando direitos fundamentais como saúde e educação são desrespeitados. Diante disso, a visão de dignidade da pessoa humana não deve estar atrelada apenas a direitos individuais, direitos que seu desrespeito acarreta a uma coisificação do indivíduo, visto que sua existência não está sujeita apenas a direitos individuais. Mas deve ser completa, se concretizar também nos direitos sociais, culturais, sociais e econômicos, pois o indivíduo não é apenas um único elemento na sociedade. Pelo contrário faz parte de um corpo social.

  1. O CONTEÚDO ESSENCIAL NA TEORIA DE PETER HÄRBELE

Segundo Ana Maria D’Ávila (2004, p.11), Härbele define os direitos fundamentais como um sistema de valores que não pode ser concebido de forma abstrata e superior a própria Constituição, mas princípios que estão concretizados e positivados constitucionalmente, definindo-os como bens jurídicos constitucionais que incluem não apenas os bens individuais, mas, os da coletividade.

Segundo a autora (2004, p. 11), Härbele determina o significado de direitos fundamentais partindo dos seguintes princípios: a) função social dirigida a solucionar dois problemas: determinação dos limites imanentes e o vínculo material do legislador em relação aos direitos fundamentais; b) relação existente de condicionabilidade: há uma relação de “condicionabilidade” entre os direitos fundamentais, uma vez que todos se relacionam no corpo constitucional, se protegendo mutuamente e se reforçando; c) base funcional democrática: dessa forma são, pois, à medida que possuem uma dimensão subjetiva privada, possuem também um viés democrático.

Por conseguinte, a aplicação desses direito não está atrelada a instrumentalização das vontades pessoais, mas sim, em um justo meio, um equilíbrio entre ética pública e ética privada obtida através do prisma da dignidade humana. Pois, segundo a autora (Ob. Cit.), os direitos individuais se caracterizam por enlaçar interesses privados e públicos, uma vez que, é próprio de toda norma jurídica proteger ao mesmo tempo o interesse de um e de outro.

Partindo desse pressuposto de equilíbrio, conforme D’Ávila, Härbele entende que será função do Poder Legislativo intervir de forma harmônica na sociedade, realizando o sopesamento entre os interesses constitucionais e os individuais e utilizando o princípio da ponderação de bens.

Feito isso, segundo a mesma (Ob. Cit.), Härbele unifica a teoria dos limites imanentes com a teoria do conteúdo essencial formulando um conceito que denominou de “limites aos direitos fundamentais segundo a sua essência”, o qual propôs que as normas reguladoras dos princípios adquirissem nível constitucional para haver uma compatibilidade entre todas as normas do sistema jurídico.

Diante do exposto, percebe-se a influência das teorias de Dworkin e, principalmente, de Robert Alexy, sobre Härbele, no que propõe uma interpretação dos direitos fundamentais como frutos da dignidade humana, porém, buscando um equilíbrio entre a ética privada e a ética pública. Assim, Härbele estabelece que seria do Legislativo a missão de concretizar tais direitos, formulado como uma constituição ideal uma Constituição flexível, mutável quando necessária, mas, sem necessidade de procedimento específico para tais mudanças.

Nesse aspecto, Härbele atribui ao legislador um poder muito grande, ele coloca legislador derivado e originário em mesmo patamar, dando lhe poderes para mudar os direitos fundamentais ao seu alvedrio. Não podendo, desse modo, essa teoria ser adotada por completo no Brasil, uma vez que este país adota uma Constituição rígida e um Poder Constituinte Derivado limitado, além de um Legislativo extremamente político e pulverizado em diferentes interesses, que nem sempre respeitam o equilíbrio entre as duas éticas, a saber, ética pública e ética privada.

  1.  A RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Segundo Bernardo Gonçalves (2015, p. 340), o entendimento contemporâneo dos direitos fundamentais, ainda mais quando tomados por valores, representa uma leitura relativista. Ou seja, na órbita jurídica não há direitos fundamentais absolutos, mas sempre se mostraram por completo no caso concreto. Assim, será aplicada à ideia de direitos a tese dos limites dos limites.

Já foi dito que uma norma infraconstitucional poderá restringir a amplitude da atividade de um direito fundamental. Virgílio Afonso da Silva (2009, p.128), explicita um reconhecimento a possibilidade de tal restrição quando expõe duas teorias sobre a restrição: a teoria interna e a teoria externa. Bernardo Gonçalves (2015, p. 340), expõe a ótica de tais teorias: a) teoria interna: entende que o limite de um direito é interno a ele, seu limite é imanente (inerente), dessa forma, a existência de um direito não depende de fatores externos e, por isso mesmo, não há que se falar em restrições; b) teoria externa: relaciona-se diretamente com a possibilidade de restrições aos direitos fundamentais constitucionais. pois, sua procedimentalização está no desenvolvimento de direitos fundamentais previstos constitucionalmente a partir da ideia de colisão, que se consubstancia sobre a noção da ponderação. Dessa forma, criam-se limites as limitações. Qualquer limitação deve respeitar o núcleo essencial e por derivação a dignidade da pessoa humana, que não pode ser mitigada, bem como ser proporcionais, obedecendo o instrumental da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade).

Fernandes (2015, p. 344) direciona-se a um aprofundamento sobre a teoria “limite dos limites”. Segundo o autor, essa doutrina de ascendência alemã biparte-se em duas vertentes: 1) um grupo para o qual não há colisão real, ela é aparente; 2) e um grupo que não acredita em uma dicotomia sobre colisões, pois entende que não há como haver colisão em matéria de direito fundamental que está no plano constitucional, pois, o direito no caso concreto se definirá o mais aceitável através da ponderação de uma leitura sistemática da Carta Magna.

Fernandes (2015, p. 344), então critica ambas as teorias, pois, segundo ele, assumir a figura da ponderação é hierarquizar os direitos fundamentais de acordo com as concepções individuais do julgador. Afirmando que uma decisão a partir da técnica de “ponderação” “é sempre uma leitura individualista, solipsista e presa a uma visão de mundo apenas - a visão do magistrado” (FERNANDES, 2015, p. 346).

E adiante, Fernandes (2015, p. 346) defende sob a luz da teoria discursiva de Jürgen Habermas que uma decisão constitucional democrática deve contar com a participação argumentativa dos destinatários da mesma, sendo fruto de uma discussão mediada pelo princípio do melhor argumento e, somente dessa atividade, que se poderá estabelecer qual o projeto de vida que cada um tem para si e se tal projeto é ou não colidente com o projeto levado pelo resto da sociedade.

Segundo D’Àvila (p.13), a garantia do conteúdo essencial é concebida como um limite a atividade limitadora dos direitos fundamentais, ou seja, como um “limite dos limites”, ele é uma fronteira intransponível para o legislador ordinário sob pena de inconstitucionalidade. Segundo a autora (p.13), essa teoria se fundamenta na doutrina de Konrad Hesse que defende a harmonia dos princípios constitucionais e a ausência de uma hierarquia dentro da Constituição, ou mesmo, de um caráter absoluto.

  1.  A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROBLEMÁTICA DA SUA APLICAÇÃO

A dignidade da pessoa humana é um princípio que tem – ao menos no que se nota nos variados trabalhos a ela relacionados – sua principal fundamentação teórica na obra do filosofo iluminista Immanuel Kant; substancialmente em seu imperativo categórico: “[...] age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio[1]. Dessa premissa, tem-se na literatura dos direitos humanos concluído que toda pessoa humana é dotada de dignidade em razão de ser o humano distinto em racionalidade e liberdade de todos os outros seres vivos. Conforme CAMARGO[2]:

“[...] pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser” (CAMARGO,1994, p. 27-28).

Conforme classificação costumeira, apresentada por Ingo Sarlet (2001, p.31), direitos humanos seriam as normas que estão previstas em documentos de direito internacional, através de tratados e convenções firmados pós-segunda guerra mundial. Classifica dessa forma tal conceito:

“Por referir-se àquelas posições jurídicas que reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram a validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional) ” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 2001. p. 31).

Sob essa perspectiva, surge um novo conceito que se manifesta de forma imperiosa: o de direito fundamental, que, na mesma classificação de Sarlet (Ob. Cit), será a matéria de direitos humanos reconhecida e positivada na constituição de determinado Estado.

Em âmbito nacional, a dignidade da pessoa humana baseará a garantia de direitos fundamentais[3] ao ser inserida na Constituição da Republica de 1988 como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1, III). É importante que esse princípio tenha sido positivado, visto que descomplica a interpretação dos ditames constitucionais, uma vez que deverá funcionar como centro das relações entre cidadãos e Estado, bem como cidadãos e cidadãos, e por fim, dele afluirão outros direitos.

     As finalidades dos direitos fundamentais, como afirma Umberto Scramim[4], variam de acordo com o momento constitucional em que se acham inseridos. A história dos direitos fundamentais e da constituição destacará a criação de garantias aos cidadãos contra o Estado e mais adiante a determinação de ações positivas (garantistas) por parte do ente estatal. O constitucionalismo em sentido amplo origina-se no povo Hebreu em que as instituições eram regidas pelas leis de Deus contidas na Torá (pentateuco bíblico), tais leis traziam uma série de limitações ao Estado, a maioria delas quanto as práticas cerimoniais e religiosas, sendo possível observar também uma boa quantidade de garantias que favoreciam desde o sacerdote ao estrangeiro escravo[5]. Na antiguidade (por volta do sec. V a.c.) as nações grega e romana conferiram liberdades aos cidadãos; na República Romana destaca-se a Lei das XII Tabuas.  

É na Idade Média, contudo, que parece ser inaugurado o constitucionalismo voltado para a corporificação de leis de clara limitação ao poder estatal e garantia de direitos aos cidadãos. Até esse momento (como afirma Scramim), as constituições eram não escritas; caracterizam-se por leis tais como a Magna carta de 1215, a Petition of Right de 1628, Habeas Corpus Act de 1679 e a Bill of Rights de 1698. Mais adiante a revolução francesa de 1791, proporcionou a construção da Declaração dos Direitos do Homem e o início do constitucionalismo moderno; classifica-se os direitos garantidos nesse momento constitucional como de primeira geração/dimensão.

Após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), entramos em um segundo período do constitucionalismo com o surgimento de direitos de segunda dimensão, estes se baseiam na valorização do social por parte do Estado, pois percebeu-se que a não intervenção estatal muitas vezes acabava por tornar possível a proliferação de injustiças no âmbito privado, em outras palavras, homem ferindo a dignidade humana de outro homem.

Por fim, após a 2ª Guerra Mundial inicia-se o neoconstitucionalismo, período constitucional que permanece atualmente. Este apresenta constituições escritas[6] e. conforme afirma BARROSO[7]:

“O ambiente filosófico em que [o novo constitucionalismo] floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional”.

O mais relevante quanto a esse neoconstitucionalismo, que pode também ser chamado de constitucionalismo contemporâneo, é a força normativa da Constituição, o papel que ela representa no centro do ordenamento jurídico e como prisma pelo qual devem passar todas as criações legislativas e interpretações judiciais das normas vigentes.

Sinopticamente, as conquistas até aqui, no que concerne aos direitos fundamentais, são os direitos de primeira dimensão relacionado as liberdades individuais de caráter político e civil, mais a abstenção do Estado na vida privada; os direitos de segunda dimensão, relacionados a economia, cultura e o aspecto social como um todo, diferente da primeira geração dos direitos essa exige atitudes positivas do Estado de modo a garantir os direitos sociais; e atualmente os direitos de terceira geração (transindividuais), eles se alicerçam na solidariedade e fraternidade, envolvem também bens comuns a sociedade (tais como a água, o meio ambiente, etc.), comunicação e tecnologia. O surgimento de uma geração[8] de modo algum eliminou as conquistas apresentadas pela anterior, o que acontece, de fato, é uma releitura dos direitos sob a influência dos novos, dessa forma a aplicação das garantias na sociedade ocorre em conjuminância com a realidade social vigente. Esse parágrafo ficou muito confuso. Tenta reorganizar ele para ficar mais claro.

Muito embora, como esclarecido no primeiro parágrafo deste trabalho, a positivação de princípios norteadores na Constituição seja importante para regrar as ações dos três poderes, a própria natureza dos princípios faz surgir um problema no que diz respeito a sua aplicação. Os princípios uma vez positivados tem força normativa, as normas em geral são diretivas[9] em sua maioria de alta densidade semântica, o que torna possível a aplicação destas ao fato concreto. Os princípios, por outro lado, têm baixa densidade semântica e uma alta carga valorativa, o que dificulta sua concretização pelo direito. A dificuldade principal quanto à aplicação dos princípios é que, sendo muito abrangentes, precisam de ser restringidos de modo a surtir efeitos no caso concreto; o problema é que essas restrições, inclusive aquelas feitas em um mesmo princípio, podem basear diferentes e até opostas argumentações, apresentando assim, varias e variantes significados e caminhos.

Por isso, Scramim (2014) descreve que:

“Daí faz-se possível perceber o inconveniente advindo do neoconstitucionalismo, com sua respectiva teoria da normatividade dos princípios. Por não existir um conteúdo certo delimitando a aplicação do direito em muitos casos, encontram-se ao sabor dos valores que consubstanciam determinado princípio e, nesse campo axiológico, a ideologia de quem está a analisar o caso concreto poderá determinar o resultado alcançado[10]” (SCRAMIM, 2014).

SCRAMIM é um dos autores defensores da corrente procedimentalista[11]. Dentro do Direito tal corrente exalta a democracia representativa e os procedimentos para o funcionamento da justiça, em especial a separação dos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário[12] harmônicos e independentes. O procedimentalismo tem aversão ao ativismo judicial que se configura dentro do neoconstitucionalismo em que o judiciário assume um papel de evidencia na atividade institucional estatal restringindo, por meio de jurisdição constitucional, a ação do legislativo em prol da Constituição e dos direitos fundamentais.

Constitucionalmente é papel do legislativo a limitação dos princípios e direitos fundamentais constitucionais. Segundo LOPES (2004), “[admite-se a imposição de limites aos direitos fundamentais] sempre que observarem e respeitem o conteúdo do essencial do direito fundamental”. A desnaturalização do direito aludida é o que tenta evitar o Judiciário com o protagonismo do Supremo Tribunal Federal que desempenha um controle constitucional de efeito erga omnes, para isso faz uso de ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade), ADPFs (Ação de Descumprimento de preceito fundamental) e ADCs (Ação Declaratória de Constitucionalidade).

O ativismo judicial e a banalização dos princípios, em especial o da dignidade da pessoa humana, são os problemas mais aludidos por SCRAMIM. No sentido de evitar a invasão de um Poder pelo outro, o autor apresenta medidas, segundo ele necessárias, à manutenção de uma democracia saudável e da separação dos três Poderes, pois como afirma HABERMAS (apud STRECK, Lenio Luiz, 2007): “[...] ao deixar-se conduzir pela ideia da realização de valores materiais, dados preliminarmente no direito constitucional, o tribunal constitucional transforma-se numa instancia autoritária”. As medidas são:

“1) A dignidade da pessoa humana não dever utilizada, isoladamente, para fundamentar qualquer pretensão/tese, fazendo-se necessária sua concretização através de outras normas.

2) Os princípios fundamentais necessitam ser aplicados de maneira fundamentada, demonstrando-se por que devem ser utilizados em determinada situação, por qual razão devem prevalecer na defesa de dado interesse em detrimento do anseio adverso e as respectivas normas que a este protegem, além de somente poderem afastar, excepcionalmente, escolhas já realizadas pelo legislador através das regras propostas; e

3) Não deve o Poder Judiciário, através da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, efetivar decisões morais que afetem profundamente a consciência social, já que o lugar apropriado para tal opção é o poder Legislativo”.

Ainda que alvo de muitas críticas, o constitucionalismo contemporâneo é uma conquista da modernidade, a garantia de direitos e a valorização – mesmo que não concretizada na prática – de cada cidadão pela sua condição humana proporcionam a abertura para um novo conceito de democracia. Há uma série de doutrinadores que apoiam, contrariamente ao pensamento procedimentalista, que a efetivação dos direitos fundamentais por uma jusrisdição constitucional exercida pelo Judiciário não é outra coisa senão uma função desse Poder previsto pela Constituição. Assevera-se, inclusive, que a jurisdição constitucional, isto é, o controle de constitucionalidade, é legitimado pelo poder constituinte como controlador das leis. Nas palavras de BARBOZA (2007. p. 287):

“[...] é justamente no sentido de defender a soberania popular e o próprio poder constituinte – que não é temporário, mas permanente – que a jurisdição constitucional atua, para manter sua vontade sempre respeitada. Assim sendo, se a jurisdição constitucional é investida pelo poder constituinte pelo poder constituinte e, consequentemente, pela Constituição, do poder de controlar a lei de acordo com a Constituição, é precisamente com a intenção de assegurar a permanência da representação do poder constituinte”[13]

Além disso, atualmente, a aplicação da igualdade, preceito constitucional presente no artigo 5º da nossa Carta Magna, cria maior atenção por parte do Estado para as minorias. Nesse contexto, pensa-se hoje dentro da doutrina na construção de uma consciência democrática contramajoritária, uma vez que a igualdade consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam”[14]. Desse modo, a constituição não somente freia o poder dos governantes, mas apresenta freios para paradoxalmente “impedir” o exercício da vontade das maiorias (quando esta afrontar os direitos fundamentais). Conforme STREK (2007):

“[...] se estamos de acordo com a ideia de que a constituição é um paradoxo – porque, afinal, surgida para sustentar o Estado democrático, ela pode “impedir” o exercício das maiorias, essência do próprio regime democrático – esta assertiva implica, inexoravelmente, a aceitação da existência de regras/mecanismos contramajoritários. Consequentemente, a jurisdição constituição assume especial relevância, exatamente por ser instrumento de

efetivação de tais regras”. 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais, as teorias a eles relacionados, as várias noções quanto à sua natureza e núcleo devem ser estudados desempenhando grande atenção ao atual momento constitucional. A preocupação com a não desnaturalização dos direitos fundamentais faz necessário haver discussão maior quanto ao papel dos Poderes do Estado, em especial Legislativo e Judiciário, da essência desses direitos, seu caráter absoluto ou relativo, a necessidade de ponderação, de integração (renovação conforme a vontade da sociedade considerando cada indivíduo) e a sua concretização na realidade.

Os direitos fundamentais são a esperança (positivada na constituição) da democracia, uma democracia que se fundamenta em garantias e no bom funcionamento de suas instituições e procedimentos, observando cada ser humano como alvo de respeito e portador de dignidade. Permanecendo a limitação dos direitos pelo Legislativo que deve evitar a desnaturalização desses; ficando a cargo do judiciário “limitar as limitações” do legislativo sem incorrer numa confusão de funções e quebra da harmonia entre os Poderes do Estado.

 O constitucionalismo contemporâneo que se baseia na tomada do centro do ordenamento jurídico pela Constituição e numa maior atenção aos direitos fundamentais, inegavelmente tem apontado para o alcançar das promessas da modernidade.

A dignidade da pessoa humana como princípio positivado e com força normativa constitucional, o exagero no uso deste princípio para fundamentar argumentos (na tentativa de torna-los irrefutáveis), a mais expressiva atuação do Poder Judiciário pela jurisdição constitucional, a nova concepção de democracia e o dilema contramajoritário são questões que estão na ordem do dia. A ponderação acerca disso leva-nos a entender que não é de se ignorar as críticas procedimentalistas ao uso irresponsável dos princípios nas defesas jurídicas, o que deve ser solucionado por uma mudança sociológica no direito com a maior exigência de fundamentação pautada na norma, na jurisprudência e na concretização de valores que demanda o fato concreto[15], tampouco podemos desconsiderar os benefícios advindos do neoconstitucionalismo e de sua importância para uma melhor efetivação dos direitos humanos, bem como do controle das ações das instituições governamentais para a manutenção da democracia e o cumprimento mais factual (realista) do artigo 5º da nossa Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

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[1] KANT, Immanuel. op. cit., p. 58.

[2] CAMARGO, Chaves. op. cit., p. 27-28

[3] Há na doutrina uma distinção semântica entre direitos humanos, direitos fundamentais e direitos da personalidade; em que os direitos humanos consistem na tutela internacional por meio de tratados e convenções internacionais da dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais na garantia desses direitos no âmbito nacional através da Constituição, e os direitos da personalidade estão relacionados a proteção humana na esfera do direito privado que rege as relações entre particulares. Vide MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2011 p. 20. 

[4] SCRAMIM, Umberto Cassiano Garcia, op cit., p. 5.

[5] É interessante notar que as leis determinadas pela divindade do povo Hebreu (o Deus judaico-cristão) parecem em muitas passagens bíblicas ter conjuminância com premissas jurídicas e politicas modernas, como por exemplo a ideia de direito contramajoritário que conjuga com a ordenança de não perverter o direito em prol da maioria: “Não tomarás o partido da maioria para fazeres o mal, nem deporás, num processo, inclinando-se para a maioria, a fim de distorcer o direito e o juízo” (Êxodo 23:2 KJA). 

[6] “Constituição escrita: é aquela elaborada de forma escrita e sistemática em um documento único, feita de uma vez só (por meio de um processo especifico ou procedimento único), de um jato só por um poder, convenção ou assembleia constituinte. ” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPODIVM, 2015. p 40).

[7] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. 2005. p. 3.

[8] Atualmente com a onda garantista que o neoconstitucionalismo e a modernidade trouxeram pensa-se em novas gerações do direito. Quanto a isso vide:  BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003; MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: Teoria Geral. 4ªed. São Paulo: Atlas, 2002; Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. Salvador : JusPODIVM, 2015.1376 p.

[9] ROSS, Alf. Direito e justiça. Bauru: Edipro, 2003

[10] SCRAMIM, Umberto Cassiano Garcia, op cit., p. 6.

[11] Em comentário ao procedimentalimso de Habermas STRECK, Lenio Luiz. Hermeneutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado Editora, 2007: “a logica da divisão dos poderes exige uma assimetria no cruzamento dos Poderes do Estado [...]. A lógica da divisão de Poderes não pode ser ferida pela praticca de um tribunal que não possui meios de coerção para impor suas decisões contra uma recusa do parlamento e do governo [...]. A invasão da esfera de competência dos tribunais, mediante concretizações materiasi de valores, desistimula o agir orientado para fins cívicos, tornando-se o juiz e alei as derradeiras referências de esperança para indivíduos isolados”.       

[12] Sobre a teoria da separação dos Poderes: Montesquieu, Charles de Secondat Baron de. “O Espírito das Leis.” São Paulo: Marins Fontes. Pág. 181. 1993.

[13] BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional, direitos fundamentais e democracia. In Direitos humanos e democracia, 2007. p. 287.

[14] CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, p.225.

[15] Já que conforme afirma REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003. o direito é composto por fato, valor e norma. 

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Sobre o autor
Kallebio Lisboa de Souza

Acadêmico de Direito da UNIFESSPA (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará).<br>Estagiario de Direito da Defensoria Publica Do Pará<br>Professor em Direitos Humanos na Rede de Cursinho Popular EMANCIPA

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