Sistema Prisional Brasileiro: breves relatos históricos

02/05/2016 às 00:00

Resumo:


  • A doutrina moderna considera que as penas privativas de liberdade devem ter um caráter punitivo e ressocializador, o que levou a uma evolução histórica do cárcere.

  • Os sistemas penitenciários evoluíram ao longo do tempo, passando pelo sistema filadélfico (isolamento completo), auburniano (trabalho em silêncio e isolamento noturno) e progressivo (fases de recuperação com possibilidade de liberdade condicional).

  • O sistema prisional brasileiro, influenciado por modelos estrangeiros, passou por várias fases, desde as Ordenações do Reino de Portugal até o atual sistema progressivo, que busca a ressocialização do condenado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O posicionamento da doutrina moderna, em relação às penas privativas de liberdade, é que sua finalidade deve ter um caráter punitivo e ressocializador. Para tentar chegar a esse objetivo, o cárcere passou por uma série de evoluções históricas.

1 Introdução

O posicionamento da doutrina moderna, em relação às penas privativas de liberdade é que sua finalidade deve ter um caráter punitivo, e, sobretudo, ressocializador. Para tentar chegar a esse objetivo, o cárcere passou por uma série de evoluções históricas.


2  A Pena Privativa de Liberdade Ontem e Hoje

O cárcere, nas palavras de Luis Francisco Carvalho Filho (2002,p.20) sempre existiu, porem a sua finalidade é que sofreu mudanças. Antes, destinava-se à guarda de escravos  e  prisioneiros  de  guerra e para  reter  criminosos  até  o julgamento definitivo, que geralmente eram penas de morte, açoite, amputação de membros, tortura, entre outras. No mesmo sentido Renê Ariel Dotti (1998,p.32)

A prisão se infligia no interesse de assegurar a execução das penas corporais, especialmente a de morte, além de servir para a colheita de prova mediante tortura

O primeiro momento histórico onde foi identificado relatos sobre a ideia da privação da liberdade como penitencia, foi no final do século XVI, por obra do monge beneditino Mabihon.

Em seu livro Reflexions sur lês prisons des ordres religieu, defendeu mudanças nas penitenciaria de sua época, sendo contrário aos métodos infligidos aos condenados, propondo reformas quanto ao trabalho, à higiene, e a regulamentação de visitas. Defendia a ressocialização do criminoso, por meio de severa disciplina e sanções rígidas, isolamento e instrução religiosa

Há relatos que as primeiras prisões modernas foram as eclesiásticas, criadas pela igreja católica, as casas de correção criadas na Inglaterra, na metade do século 16, chamadas de houses of correction e bridewells e na Holanda, denominada rasphuis para homens espihuis para mulheres, como explica Jamila Eliza Batistela ( Trabalho de iniciação cientfifica, art 1584 ):

Surgiram neste momento dois tipos de prisões: a prisão do Estado e a prisão eclesiástica. A primeira com a modalidade de prisão-custódia, utilizada no caso em que o delinqüente estava à espera de sua condenação, para os casos de prisão perpétua ou temporal ou, até receber o perdão. Já a segunda, era destinada aos clérigos rebeldes, que ficavam trancados nos mosteiros, dentro de um aposento subterrâneo, para que, por meio de penitência e meditação, se arrependessem do mal causado e obtivessem a correção. Foi na segunda metade do século XVI que surgiu um importante movimento para desenvolver as penas privativas de liberdade: a criação de prisões para correção dos condenados. Cita-se o “House of Corretion”, construída em Londres, na Inglaterra, entre 1550 e 1552, tendo por objetivo a reeducação dos delinquentes, através de disciplina e trabalho severo. Em 1556 surgiu em Amsterdam, na Holanda, a casa de correção para homens; e no ano de 1557, uma casa de correção para mulheres; e em 1600 uma prisão especial para homens.

Porém, apenas no final do século 18 é que a prisão torna-se a essência do sistema punitivo, tendo o fim de recuperar o delinquente, como ensina Luis Francisco Carvalho Filho (2002,p.21)

A finalidade do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o infrator. O cárcere infecto, capaz de fazer adoecer seus hóspedes e matá-los antes da hora, simples acessório de um processo punitivo baseado no tormento físico, é substituído pela idéia de um estabelecimento público, severo, regulamentado, higiênico, intransponível, capaz de prevenir o delito e ressocializar quem o comete.


3  Sistemas Penitenciários

Os sistemas penitenciários, do ponto de vista evolutivo, podem ser divididos em três modelos:  o pensilvânico, o auburniano e o progressivo.

3.1 Filadelfico: solitary confinemente:

O sistema filadelfico, também denominado Solitary system, criado em 1790, mantinha o condenado isolado 24 horas em sua cela, apenas tendo a bíblia como leitura, sem ter o direito de receber visitas ou trabalhar, pois era necessário que o condenado refletisse sobre seus atos, e por meio da meditação e oração, arrepender-se.

Esse sistema como leciona Luis Francisco Carvalho Filho (2002,p.24) foi instituído nas prisões de Walnut, na Filadélfia, em 1790, Pittsburgh (Western Penitenciary) construída no ano de 1818 e Cherry Hill (Eastern Penitenciary) construída no ano de 1829.

A maior vantagem desse sistema era a separação individual, que impedia a ocorrência de corrupção entre os sentenciados, como por exemplo, fugas e rebeliões. Porém, em contrapartida, houve severas críticas devido aos sofrimentos desnecessários, o alto custo, e por não levar à ressocialização do criminoso.

3.2 Auburniano: silent system:

O sistema auburniano, ou Silent Sistem, foi elaborado em 1820 na cidade de Auburn, nos Estados Unidos, com o objetivo de superar as limitações e os defeitos do regime filadelfico.

Nesse sistema, os prisioneiros eram divididos em categorias, sendo que aqueles que demonstrassem um maior potencial de recuperação, ficavam isolados no período noturno, e trabalhavam no diurno, com refeições em comum.

Os criminosos eram permanentemente vigiados, e deviam permanecer em total silencio, sendo proibidos de conversar entre eles ou trocarem olhares.

A diferença básica do sistema auburniano para o filadelfico era o fato de neste último os detentos ficavam separados durante todo o dia, já naquele, o isolamento ocorria apenas no período noturno. O sistema filadelfico fundamentava-se basicamente numa orientação religiosa, já o auburniano inspirou-se claramente em motivações econômicas.

Sendo assim, a maior vantagem do sistema auburniano era a sua baixa manutenção, pois os presos exerciam atividades laborais, que contribuíam para amenizar os gastos da penitenciaria, e que de contrapartida, dava um aspecto mais racional aos presos, ensinando-lhes um trabalho.

3.3 Sistema Progressivo:

O sistema progressivo das penas faz parte de nossa estrutura penal, alimentando no preso a ideia de que poderá atenuar sua pena, desde que tenha comportamento adequado e mostre-se apto a reintegrar a sociedade, depois de haver cumprido sua pena.

A ideia de um sistema penitenciário progressivo surgiu no final do século XIX, no entanto, sua utilização expandiu-se através da Europa só depois da primeira Guerra Mundial.

A base desse regime consistia em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, permitindo determinadas regalias ao preso, de acordo com seu bom comportamento e nível de ressocialização. Outro aspecto importante era o fato de possibilitar ao preso, retornar a sociedade antes do final de sua pena.

O sistema progressivo tinha como fundamento dois princípios: estimular a boa conduta do recluso e obter sua reforma moral para uma futura vida em sociedade.

Se subdivide em sistema progressivo inglês e sistema progressivo irlandês.

3.3.1 O sistema progressivo inglês:

O sistema progressivo inglês ou Mark system foi desenvolvido pelo capitão Alexandre Maconochie, no ano de 1840, na Ilha de Norfolk, localizada entre a Nova Zelandia e a Austrália.

Esse sistema consistia em medir a duração da pena através de uma soma do trabalho e da boa conduta imposta ao condenado. A medida que o condenado satisfazia essas condições, o diretor registrava um certo número de marcas (mark system), de tal forma que a quantidade de marcas que o condenado necessitava obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito por ele praticado.

A duração da pena baseava-se então da conjugação entre a gravidade do delito, o aproveitamento do trabalho e pela conduta do apenado.

A pena de prisão era dividida em três fases: No primeiro, com base no sistema Filadelfico, era o isolamento celular diurno e noturno, com regime de trabalhos árduos e alimentação parcimoniosa, com a finalidade de fazer com que o criminoso refletisse sobre seu comportamento delituoso.

A segunda fase é baseada no sistema Auburnino, onde o trabalho era realizado por todos, sob a regra do silencio, sendo aplicado o isolamento noturno, o qual, se o condenado mantivesse a disciplina, poderia avançar para a terceira fase.

Por fim vinha à liberdade condicional, onde o criminoso recebia a liberdade condicional, a qual, se não fosse revogada, o condenado vinha então a adquirir sua liberdade de forma definitiva.

3.3.2 O sistema progressivo irlandês: a prisão intermediária:

O sistema progressivo inglês foi posteriormente aperfeiçoado e substituído pelo irlandês, o qual tinha os mesmos fundamentos e ideologias, porém, diferenciando-se pela inserção de uma quarta fase, intermediária entre o período de trabalho do condenado e o de liberdade condicional.

Na fase intermediária, o preso trabalhava ao ar livre ou em prisões especiais, preferencialmente agrícolas. Não usava uniforme de preso e não sofria castigos corporais, podia comunicar-se com a população livre e ainda obtinha parte de remuneração de seu trabalho. No mesmo sentido Luis Francisco Carvalho Filho (2002,p.27)

O modelo progressivo foi aperfeiçoado na Irlanda, onde se inclui, entre as fases estabelecidas na ilha Norfolk, um quarto estágio, a “Prisão intermediaria”, na qual, antes de adquirir a liberdade condicional, o preso trabalhava ao ar livre, em estabelecimentos especiais, sem os rigores da prisão fechada. O modelo se espalhou pelo mundo


4 O Sistema Prisional Brasileiro

O desenvolvimento do sistema prisional brasileiro, voltado a uma finalidade distinta da mera expiação da culpabilidade é relativamente recente, uma vez que esses tipos de sistema perduraram até o final do século XIX.

Inicialmente, ao tempo de sua descoberta, o regime penal utilizado era das Ordenações Afonsinas, e cerca de 10 anos mais tarde, os das Ordenações Manuelinas, ambas traziam consigo penas desproporcionais e tinham meramente as finalidades preventiva e coercitiva, assim ensina Rene Ariel Dotti (1998,p.42):

O Livro V daquelas ordenações tratava de Direito Penal e do Direito Processual Penal, constituindo vasto “acervo de incongruências e maldades”, muitas delas incompatíveis com o relativo progresso daquele tempo. A prisão embora prevista com freqüência tinham em regra  um caráter preventivo e consistente em evitar a fuga do autor do crime até ser julgado. Ao lado, porém, de uma função preventiva, a prisão também era a plicada no regime das ordenações afonsinas como um meio de coerção para obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária.

Ainda segundo o mesmo autor, no ano de 1603 foram editadas as Ordenações Filipinas, que além das penas já existentes, foram adicionadas outras extremamente graves e que atingiam as mais diversas ofensas e autores:

O regime era fantástico e terrorista como se verifica pela enorme variedade de tipos de autores, da infrações e do arsenal punitivo: hereges, apóstolas, feiticeiros, blasfemos (contra deus ou contra santos), benzedores de cães e outros bichos sem autorização do Rei; sodomia, o infiel que dormisse com alguma cristã e o cristão que dormisse com uma infiel. [...] A declaração formal de infâmia ou danação da memória se o culpado falecesse antes “de ser preso, acusado ou infamado”, amputação de membros, açoites “com baraço e pregão”, o degredo, as galés, a deserdação, o confisco, em suma, um repertório de medidas que revelam as intensas preocupações de exemplaridade e retribuições.

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A partir de sua independência de Portugal, e com a instituição da constituição de 1824, notáveis mudanças ocorreram no sistema jurídico penal, como a abolição do açoite, da tortura, a proclamação da inviolabilidade dos direitos civis e políticos, e ainda determinando como deveriam ser organizadas as cadeias, nesse sentido, Luis Francisco Carvalho Filho (2002,p.37):

A constituição de 1824, além de ter abolido o açoite (mantido para escravos), a tortura, a marca de ferro quente e outras penas cruéis e costumes punitivos antigos, disciplinados pelas Ordenações do Reino de Portugal, determinava que as cadeias fossem “seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casa para separação do réus, conforme suas circunstancias e natureza de seu crime”

Em 1830 foi sancionado o Código Criminal do Império do Brasil, criado pela influência das ideias liberais existente sem países como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos. Este foi o primeiro momento na história do país, onde pode ser percebida uma preocupação com a real finalidade do sistema penitenciário, ou seja, a adoção de critérios menos cruéis e mais ressocializadores.

Porém, o marco da entrada do Brasil como um país da era moderna punitiva deve-se a criação das casas de correção do Rio de Janeiro e de São Paulo, inauguradas respectivamente em 1850 e 1852 respectivamente, buscando atender a evolução do sistema prisional que ocorria daquele momento histórico, que era o sistema Auburniano.

É por essa razão que segundo Luís Francisco Carvalho Filho (2002,p.38) afirma:

Pode-se dizer que elas simbolizavam a entrada do país na era da modernidade punitiva. Forma idealizadas sob os influxos da arquitetura penitenciaria de Bentham, praticada nos EUA e na Europa. Contavam com oficinas de trabalho, pátios e celas individuais. Buscavam a regeneração do condenado por intermédio de regulamentos inspirados no sistema de Auburn, segundo os quais os presos trabalhavam em silencio durante o dia e se recolhiam as celas durante a noite.

Finalmente, com a Proclamação da República em 1889 e a elaboração do Código Penal de 1890, adota-se o sistema progressista como base para o atual sistema penitenciário, voltado com fins tanto preventivos quanto repressivos, sendo observada a individualização da pena do condenado

Era adotado o regime de prisão cautelar para praticamente todas as infrações criminais, o seu cumprimento era realizado em estabelecimento especial, existindo um período de isolamento celular individual, sendo posteriormente permitido o trabalho obrigatório e segregação noturna em silêncio.

O condenado a pena superior a 6 anos, se mostrasse bom comportamento e cumprida mais da meta de sua pena poderia ser transferido para alguma penitenciaria agrícola, e, faltando 2 anos para fim de sua pena, obteria o livramento condicional.

Mesmo com a elaboração do atual Código Penal, instituído pelo Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e com as alterações feitas em 1977, 1984 e 1989, foi mantido o sistema progressivo, apenas existindo alterações nos regimes legais, como por exemplo, a criação de duas penas privativas de liberdade: reclusão e detenção; penas com máxima de 30 anos e a criação de crimes de menor potencial ofensivo.


5 BIBLIOGRAFIA

 BATISTELA, Jamila Eliza. Breve Histórico Do Sistema Prisional. 2007. 67f. Monografia, Presidente Prudente, (Bacharelado em Direito) – Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo”, Presidente Prudente, 2007.

  CAPEZ, Fernando. Direito Penal Parte Geral. 19 ed.; São Paulo: Saraiva, 2015

  CARVALHO FILHO, Luis Francisco. A Prisão. São Paulo: Publifolha, 2002.

COSTA, Cláudia Pinheiro da. Sanção Penal: Sua Gênese e Tendências Modernas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

DOTTI, René Ariel. Bases Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

DIAS, Diomar Cândida Pereira. Teoria da Pena: Evolução Histórica da Pena como Vingança. Disponível em: <http://vadoaju.blogspot.com.br/2012/08/teoria-da- pena-evolucao-historica-da.html >. Acesso em 02 de dezembro de 2015

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 29 ed.; Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

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Sobre o autor
André Luis Turri

Escrivão de Polícia, graduado em Direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, especialista em Direito e Processo Penal, especialista em Direito Público com ênfase em Gestão Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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