1. BREVES CONSIDERAÇÕES
Vivemos em uma sociedade onde, comumente nos deparamos com relações de consumo. Nosso cotidiano é repleto de atos jurídicos 'lato sensu', em especial atos de compra e venda de produtos ou prestação de serviços, que são explorados por pessoas que exercem tal atividade profissionalmente e sempre visando o lucro.
Diante do exposto, podemos dizer que o legislador, na confecção do nosso atual Código Civil, atribuiu grande importância para regulamentação do exercício de tais pessoas e, de modo auxiliar, sobre o estabelecimento, ou seja, o local físico onde o empresário desenvolve suas atividades.
No presente artigo, iremos analisar o conceito de empresário e seu relacionamento com o estabelecimento, bem como, as disposições gerais sobre o mesmo, que estão elencadas nos arts. 1.142 à 1.149, da lei 10.406/2002 - Código Civil.
2. Denominação legal de empresário
O empresário caracteriza-se por ser a pessoa natural que desenvolve atividade organizada sempre visando o lucro, tal síntese pode ser retirada do art. 966, CC, que dá inicio ao LIVRO II, denominado DIREITO DE EMPRESA.
O atual Código Civil adotou a teoria da empresa, que consiste na análise interpretativa do art. 966, CC, o qual dispõe:
art. 966, CC - Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Tal artigo, reúne algumas características inerentes à atividade empresarial, dentre elas
- O Empresário: Trata-se do ser (pessoa natural) que exerce atividade empresaria;
- Exercer Profissionalmente atividade econômica: O legislador, nesta parte, considerou que, para ser considerado empresário, o indivíduo deve exercer atividade econômica e esta deve ser efetivamente sua profissão;
- Produção ou circulação de bens ou de serviços: A pessoa (natural) deve exercer atividade voltada para a produção (criação) ou circulação (venda) de bens ou de serviços, utilizando-se dos fatores de produção, que são:
-capital;
-mão-de-obra;
-insumos e tecnologia.
Tal conceito deriva do Direito Italiano, o qual adotou o exercício habitual (profissional) da atividade comercial, o Código Civil anterior (Lei 3.071 de 1916), adotava a teoria de 'atos de comércio', porém, tal expressão é muito ampla em seu sentido posto que, qualquer ato de compra e venda praticado por qualquer pessoa, pode se caracterizar como 'atos de comércio'.
3. O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
Analisando o art. 1.142, CC, o qual inaugura o TÍTULO III do LIVRO II, denominado DO ESTABELECIMENTO, temos a seguinte disposição:
art. 1.142, CC - Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
podemos afirmar que o estabelecimento possui natureza jurídica de 'universalidade de fato', pois trata-se de um conjunto de bens singulares que, reunidos, formam um todo.
Tal conjunto de bens, pode ser constituído por bens corpóreos e bens incorpóreos, que, segundo a definição de Carlos Roberto Gonçalves:
Bens corpóreos são os que têm existência física, material e podem ser tangidos pelo homem. Incorpóreos são os que têm existência abstrata ou ideal, mas valor econômico, como o direito autoral, o crédito, a sucessão aberta, o fundo de comércio etc.
O estabelecimento, tratando-se de conjunto de bens e propriedade da pessoa natural, pode ser objeto de negócios jurídicos, e com ele, o adquirente absorve tanto o ativo (capital positivo) quanto o passivo (capital negativo/dívidas) pois estes são inerentes ao estabelecimento.
4. O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL COMO OBJETO DE ALIENAÇÃO
Analisando os art. 1.144 e 1.145, CC, podemos afirmar que o estabelecimento pode ser objeto de alienação, usufruto ou arrendamento, contudo, só produzirá efeito o negócio jurídico, depois de averbado no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.
Se, no momento da alienação, o passivo (débitos) superar o ativo (saldo positivo), a eficácia da alienação depende, inexoravelmente, do pagamento de TODOS os credores, ou do consentimento, destes, de modo expresso, ou tácito, o qual tem o prazo para manifestação contrária de trinta dias.
Temos no art. 1.147, CC, a proteção do adquirente quanto à exploração efetiva de sua atividade empresarial, tal artigo dispõe que o empresário que alienar seu estabelecimento, não poderá constituir um novo nas proximidades para explorar a atividade anterior, evitando fazer concorrência com o adquirente e possívelmente a diminuição de seus lucros.
Em seu parágrafo único, o mesmo artigo dispõe que, se o estabelecimento for objeto de arrendamento ou usufruto, a mesma proibição elencada em seu CAPUT, persistirá durante o prazo do contrato.
5. A RESPONSABILIDADE INERENTE AO ESTABELECIMENTO
O estabelecimento comercial, como já vimos, pode ser objeto de alienação, contudo, quando houver pendências existentes, deverá o credor solicitar o pagamento pelo atual proprietário ou pelo anterior ?
À luz do art. 1.146, CC, podemos afirmar que o adquirente reponde objetivamente pelo pagamento de TODOS, os débitos anteriores à publicação da transferência, estes devem estar devidamente contabilizados nos respectivos livros mercantis. Quanto ao titular primitivo (alienante) continua, solidariamente, obrigado pelo prazo de um ano à contar das parcelas vencidas e da data do vencimento quanto às vincendas.
Referente aos débitos anteriores à alienação, existem três exceções quanto a exigência de pagamento pelo adquirente e a inexistência de registro no livro mercantil, são elas:
- Crédito fiscal: Por força do art 133, Código Tributário Nacional:
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato
- Crédito Trabalhista: Por força do art 448, Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
- Crédito Ambiental: Decorre da obrigação propter rem, na qual os direitos e deveres da coisa recaem diretamente sobre seu proprietário, inclusive em relação à crédito fiscal que decorre da coisa em si e não do titular. Tratando-se de atividades que causem danos ao meio ambiente, se o adquirente se abster, o mesmo responderá apenas pelo débito anterior. Havendo a prática de crime ambiental pelo proprietário primitivo, a responsabilidade reacairá sobre o mesmo.
O art. 1.148, CC, dispõe que, se não houver disposição em contrário nos termos de alienação, TODOS os contratos serão sub-rogados ao adquirente, ressalvados os contratos de caráter pessoal, que permanecerão submetidos ao alienante. O terceiro, credor, terá o prazo de noventa dias, a contar da publicação da transferência, para rescindir o contrato, neste caso, apenas se houver falha no adimplemento por parte do alienante.
6. conclusão
Com base na interpretação dos artigos 1.142 à 1.149 do Código Civil, apontamos que o empresário, indubitavelmente, necessita de um local físico para desenvolver suas atividades, o estabelecimento empresarial, este que possui natureza jurídica de 'universalidade de fato' e pode ser objeto de alienação por seu proprietário.
Neste estudo podemos concluir que o estabelecimento, além de ser propriedade do empresário, quando este, for objeto de alienação o adquirente deverá analisar cautelosamente os débitos existentes, pois o mesmo ficará incumbido de liquidar todas as prestações pendentes à partir do momento de sua transferência.
Quanto ao alienante, este ficará responsável pelo adimplemento dos contratos de caráter pessoal e deverá se abster de constituir uma nova empresa com objetivo de fazer concorrência ao adquirente pelo prazo de cinco anos se o estabelecimento for objeto de alienação e pelo prazo de duração do contrato se este for objeto de arrendamento ou usufruto.