A mediação: conceito, princípios norteadores e técnicas para sua aplicabilidade

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Estuda-se o instituto da mediação: o conceito, os princípios norteadores e as técnicas para sua aplicabilidade.

1. Introdução

De acordo com Francisco José Cahali, “a mediação é um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária, no qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de instaurado o conflito”.[1]

Assim, poderá o mediador atuar de forma ativa – propondo soluções à controvérsia –, e de forma passiva – limitando-se a observar, orientar e auxiliar as partes a porem fim ao conflito.[2]

Nesse sentido, José Cretella Neto leciona que a mediação busca, em um primeiro momento, colocar as partes “frente a frente”, e, em um segundo momento “o mediador propõe as bases para o desenvolvimento das negociações e intervém durante todo o processo, com o objetivo de concitar as partes a aproximar seus pontos de vista sem, contudo, impor uma solução”.[3]

A mediação não procura simplesmente obter um acordo, mas incitar o diálogo entre as partes, a fim de aproximá-las, para que elas alcancem a solução do conflito de modo satisfatório para ambas. Assim, “o acordo passa a ser a consequência lógica, resultante de um bom trabalho de cooperação realizado ao longo de todo o procedimento, e não sua premissa básica”.[4]

Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto destacam que o mediador deve ter a humildade de reconhecer que são as partes as mais recomendadas a encontrarem uma solução para o conflito, uma vez que são elas as mais interessadas. No entanto, como diante de uma situação conflituosa é mais difícil encontrar racionalmente a melhor solução, temos a importante figura do mediador, como harmonizador da relação dos conflitantes.[5]

Cabe ao mediador, portanto, detectar o que originou a controvérsia, bem como verificar a personalidade dos envolvidos, a fim de encontrar a melhor maneira de auxiliá-los a resolver o conflito, de modo a atender os interesses e as necessidades de ambos.[6]

Caso as partes cheguem a um acordo e este seja instrumentalizado, terá natureza de transação, disposta no art. 840 do Código Civil de 2002, podendo ser necessária escritura pública, dependendo do conteúdo. E se o instrumento for particular, estando preenchidos os requisitos legais, poderá ser classificado como título extrajudicial, nos termos do art. 784, inciso III, do atual Código de Processo Civil. Poderá, ainda, ser classificado como título judicial, caso o acordo seja homologado judicialmente, nos moldes do art. 515, inciso III, do atual Código de Processo Civil.[7]

            2. Princípios Norteadores da Mediação

A mediação, como meio de solução de controvérsias, submete-se não só aos princípios gerais do direito, como também à princípios próprios. Vejamos.

A. Autonomia da Vontade

O princípio da autonomia da vontade circula em vários ambientes do Direito Privado, como, por exemplo, no direito contratual (art. 421 do Código Civil[8]).

Nesse sentido, referido princípio é rigorosamente observado durante todo o procedimento na mediação. Isso porque são as partes que, voluntariamente, optam por se submeter a esse método, bem como elegem o(s) mediador(es), escolhem os assuntos a serem tratados, administram o procedimento da maneira que bem entenderem e põem fim à mediação quando desejarem.[9]

Em suma, a mediação é inteiramente conduzida pelos mediados, e essa autonomia deve ser respeitada pelo mediador durante todo o procedimento, que não pode impor nada àqueles.

B. Imparcialidade

Presente na atividade judicante[10], a imparcialidade é princípio que se reveste também a mediação.

Deste modo, a imparcialidade se impõe ao mediador, o qual deve atuar de maneira neutra, sem conferir a qualquer uma das partes qualquer tipo de preferência, favorecimento ou tratamento diferenciado. Ele não pode se deixar influenciar por seus valores pessoais e preconceitos, e deve garantir um equilíbrio de poder entre as partes.[11]

Nesse sentido, o mediador não deve ter nenhum interesse próprio em relação ao objeto do conflito, não pode aconselhar, defender ou representar nenhum dos mediados, sob pena de violação desse princípio. E, caso a imparcialidade seja comprometida, o processo de mediação restará inválido.

C. Independência

O mediador não deve ter qualquer vínculo prévio com as partes, e é compelido a revelar às partes qualquer fato que eventualmente possa gerar dúvida acerca de sua independência. Desse modo, o mediador deve procurar ser o mais transparente possível com as partes, prestando esclarecimentos de circunstâncias que possam causar desconfiança, no decurso de todo o processo.[12]

Tal princípio está ligado ao pressuposto de que o mediador deve permanecer neutro, imparcial e equidistante das partes durante todo o procedimento.[13]

No entanto, tendo em vista que nesse instituto impera a autonomia da vontade, uma vez cientes as partes de circunstâncias que dizem respeito ao mediador e como poderão repercutir, nada impede que elas o aceitem.[14]

D. Credibilidade

As partes possuem a faculdade de escolher a mediação como meio de solução de seus conflitos, e se o fazem, é porque acreditam nesse método. Cabe ao mediador conduzir o procedimento de tal maneira que mantenha essa confiança e credibilidade depositadas nele, para que as partes sintam-se à vontade para se abrir, falar sobre suas preocupações, necessidades, interesses etc.[15]

Essa credibilidade é construída, e para tanto, o mediador deve atuar de maneira transparente, coerente e independente, bem como atestar conhecimento a respeito do procedimento.

E. Competência

O mediador só deve aceitar a atribuição de atuar na mediação quando possuir a aptidão necessária para satisfazer a pretensão das partes. Em outras palavras, é imperioso que o mediador contenha as qualificações necessárias para atender às expectativas, preocupações e questionamentos dos mediados.[16]

Sendo assim, cabe ao próprio mediador analisar se ele deve ou não atuar no caso, isto é, se apresenta as condições mínimas para tanto. E, se no curso do procedimento o mediador perceber sua inaptidão para tal, deverá declinar da atuação.[17]

F. Confidencialidade

De acordo com Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto, “o mediador deverá manter sob sigilo todas as informações, fatos, relatos, situações, documentos e propostas, não podendo fazer uso deles para proveito próprio ou de outrem”.[18]

Esse princípio busca garantir que as partes tenham total confiança no mediador, de tal maneira que se sentirão à vontade para revelar o que bem entenderem, sem a preocupação do que foi revelado chegar ao conhecimento de terceiros.

Ademais, em decorrência da confidencialidade, o mediador não poderá testemunhar em processo judicial a respeito do conteúdo tratado em caso que atuou anteriormente. Entretanto, referido princípio não é absoluto, de modo que poderá ser flexibilizado caso violada a ordem pública.[19] Além disso, as próprias partes podem tornar público o conteúdo, desde que acordado entre elas, em consonância com a autonomia da vontade.

G. Diligência

O mediador deverá sempre se atentar à maneira de administrar a mediação, com toda a prudência, cautela e eficácia devidas, observando as regras e os princípios fundamentais do instituto, bem como prestando informações às partes durante todo o procedimento.[20]

Ademais, incumbe-lhe examinar atenciosamente como os mediados estão reagindo aos estímulos durante o processo, bem como a evolução do diálogo entre eles, porquanto “um descuido pode gerar uma comunicação inapropriada cujo efeito é nocivo não apenas à mediação, mas à própria inter-relação das partes, alimentando a litigiosidade”.[21]

Sendo assim, o princípio da diligência visa garantir a eficácia da mediação, exigindo uma postura atenta e cautelosa por parte do mediador, sempre na busca de promover o diálogo entre as partes.

H. Acolhimento das emoções dos mediados

Em razão da mediação estar profundamente ligada aos sentimentos, emoções, afetos e desafetos das partes, porquanto trata da relação destas, é de suma importância que o mediador se atente à esses aspectos. Afinal, como bem aponta Francisco José Cahali, “as emoções motivam as ações, interferem na razão, transformam sensações, provocam atenção seletiva, e, dentre outros impactos no pensamento, na linguagem, na expressão e na conduta, também influenciam as percepções”.[22]

A finalidade de examinar as emoções não é psicoterapêutica, mas como artifício para compreender a origem e a profundidade da controvérsia pelas próprias partes, no intuito delas enxergarem e respeitarem os sentimentos umas das outras, a despeito do conflito existente.[23]

Sobre esse aspecto, Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto sustentam que “muito embora o mediador não seja um terapeuta, ele deve estar familiarizado com as técnicas psicológicas para auxiliar as partes a lidarem com suas emoções”.[24]

E, para que o acolhimento das emoções dos mediados seja efetivo, deverá ser considerada a personalidade destes, “além dos fatores socioculturais e dos condicionantes que o conflito específico impõe”.[25]

3. Técnicas de Mediação

A mediação só deve ser realizada se o mediador possuir a necessária capacitação. Para tanto, exige-se estudos específicos e aprofundados a respeito do conflito e de diversas matérias que abrangem as relações interpessoais, profissionais e comerciais.[26] Além disso, o mediador deve ter tecnicidade, experiência e adquirir constante aprendizado, de modo a aperfeiçoar suas técnicas e seu conhecimento.[27]

Surgiram, assim, diferentes técnicas para o desenvolvimento da mediação, entre eles, o modelo de Harvard, o modelo transformativo e o modelo circular-narrativo.[28]

O modelo de Harvard é oriundo do método empregado para negociação cooperativa. Nesse modelo de mediação, o mediador busca separar as partes do conflito, focando no interesse destas, e não nas suas posições. Há um incentivo à análise objetiva da controvérsia, com o intuito de buscar soluções criativas que sejam favoráveis à ambas as partes, isto é, objetiva-se a obtenção de acordo. Entretanto, para muitos doutrinadores, este método não seria aplicável à mediação no sistema brasileiro. Isso porque no sistema norte-americano, não há distinção entre mediação e conciliação, e, assim, essa técnica assemelha-se muito à conciliação no Brasil.

Quanto ao modelo transformativo, como o próprio nome sugere, visa transformar os envolvidos, isto é, a estimulá-los a compreender e respeitar uns aos outros, a fim de aprenderem a lidar de maneira saudável com as diferenças de opiniões, pontos de vista, valores, etc. Para isso, o mediador incentiva a participação ativa das partes. Assim, nesse modelo, a principal finalidade é a melhora na qualidade da relação interpessoal dos mediados, e não simplesmente a obtenção de acordo.

O modelo circular-narrativo, por sua vez, valoriza a comunicação das partes, estimulando-as a analisar o problema, bem como a reconhecer as diferentes versões sobre um mesmo fato. Assim, “cada narração provoca reações e reflexões na outra parte, cujo objetivo é transformar a história conflitiva em uma história colaborativa”.[29] Nessa linha, o mediador deve formular perguntas circulares e reflexivas, a fim de provocar a aproximação dos envolvidos e uma cooperação mútua.

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Por fim, oportuno o resumo apresentado por Francisco José Cahali sobre a atuação do mediador no processo da mediação, in verbis:

"(...) (a) contato com os interessados, explicando o instituto, suas vantagens e desvantagens; (b) identificação das questões, baseando-se na técnica do looping, ou seja, questões circulares reflexivas; (c) reflexão sobre o exposto entre as partes; (d) identificação e sugestão, sem vinculação, pelas partes de possíveis soluções para o conflito (brainstorming); e (e) lavratura do termo final".[30]


Referências Bibliográficas

[1] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 57.

[2] Idem.

[3] NETO, José Cretella. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, Lei brasileira de arbitragem, Instituições internacionais de arbitragem, Convenções internacionais sobre arbitragem. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004, p. 3.

[4] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O Que É Mediação de Conflitos. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 20.

[5] Idem.

[6] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 59.

[7] Ibidem, p. 60.

[8] CC, “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

[9] Idem.

[10] CPC, “Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha; II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão; III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo; VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços; VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado. Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. Art. 147. Quando 2 (dois) ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, o primeiro que conhecer do processo impede que o outro nele atue, caso em que o segundo se escusará, remetendo os autos ao seu substituto legal.”

[11] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. Ob. cit., p. 35-36.

[12] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 61.

[13] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. Ob. cit., p. 36.

[14] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 61.

[15] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. Ob. cit., p. 36-37.

[16] Ibidem, p. 37.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 62.

[20] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. Ob. cit., p. 37-38.

[21] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 62.

[22] Idem.

[23] Ibidem, p. 63.

[24] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. Ob. cit., p. 41.

[25] Idem.

[26] Ibidem, p. 90.

[27] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 64.

[28] Ibidem, p. 65-66.

[29] Ibidem, p. 66

[30] Idem.

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Sobre a autora
Izadora Faria Freitas Azeredo Dale

Bacharela em Direito na Pontifícia Universidade Católica

Informações sobre o texto

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