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Sobre a penhora on-line de contas bancárias do devedor na Justiça do Trabalho.

Inconstitucionalidade

01/03/2004 às 00:00
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Recentemente, o Banco Central do Brasil e os Tribunais Superiores do Brasil (STJ e TST), firmaram um convênio onde as autoridades judiciárias, podem através de sistema de software e via Internet, determinar o bloqueio, a penhora e a remoção de valores existentes em contas bancárias de devedores que estejam sendo executados.

Em especial o C. TST, por intermédio de seus porta-vozes, festeja tal consecução, como a derradeira solução para os conflitos trabalhistas, pois, uma vez que o crédito trabalhista possui natureza alimentar e a gradação legal para penhora contempla o dinheiro como o primeiro item a se buscar para se garantir a execução, mais facilmente se chegará ao fim do processo.

Em que pesem os respeitados posicionamentos sobre o tema e sua honrosa finalidade, acreditamos que amplo uso que a Justiça do Trabalho tem feito desse instrumento novo, gera muito mais problemas e viola direitos e garantias fundamentais, do que proporciona o bem.

Em alguns casos, tanto tribunais quanto juízes do trabalho tem até mesmo sacado de ofício tal instrumento, para a satisfação do crédito obreiro, despindo-se da imparcialidade que lhe cabe qual órgão judicante, para tomando em suas mãos a justiça, meter a mão no bolso do devedor e tomar dele o dinheiro para a garantia da execução.

A determinação de bloqueio de contas de forma indiscriminada tem sido outro ato de loucura propagado pelo Judiciário Trabalhista. Em muitos dos processos em trâmite, fala-se agora por experiência própria, os juízes trabalhistas deixaram de primeiro buscar as necessárias informações sobre a existência de contas bancárias e seus valores, para diretamente bloquear ass contas bancárias do devedor.

Isto causa reflexos terríveis, dos quais poucos juízes trabalhistas estão a par, e assim, produzem verdadeiras decisões teratológicas, como por exemplo, o bloqueio de todas as contas de uma empresa, por causa de um crédito de R$.3.000,00. Ora, esquece-se o magistrado que a empresa é um organismo vivo e dinâmico, que, como apontado acima, precisa movimentar o dinheiro que entra e sai, sem significar que todo ele signifique lucro, conseqüência disto, tem havido o corte de crédito por parte das instituições bancárias e na impossibilidade de movimentar qualquer conta bancária, a empresa não pode pagar fornecedores, providenciar os equipamentos de proteção individual de seus empregados, sequer pode pagar seus empregados, ou mesmo, pagar as rescisões que estejam em andamento.

Quando não nos deparamos com tais excessos, deparamo-nos com outros. Em certo processo, onde já havia penhora de bem móvel de fácil comercialização, em razão da entrada em vigor do referido convênio de penhora on-line, o juízo desconstituiu a penhora e determinou a expedição de ofício ao Banco Central para bloqueio de contas e penhora de valores, sem que sequer houvesse qualquer manifestação do Reclamante neste sentido, subvertendo drasticamente o andamento da execução.

Outro fato prejudicial, é a terrível demora dos Bancos em responder ao juízo de execução que efetuou a penhora de valores em determinada conta bancária do devedor. Fato que somente agora tem aparecido e mostrado ser altamente prejudicial, pois, diversos bancos cumprem a mesma ordem judicial e em momentos diferentes e muito tempo depois, diga-se meses depois, é que comunicam tal fato ao juízo da execução. E neste período o devedor, seja empresa ou não, é que tem que amargar com as conseqüências drásticas, do corte de crédito, da devolução de cheques, inclusão do nome nos órgãos de proteção de crédito de todo o país. E não é só isso, quando se consegue a revogação do despacho que ordenou o bloqueio de contas, o mesmo também, só é cumprido meses depois.

Por fim, sobressai que mesmo nos casos em que os Bancos informem a existência de contas bancárias e seus respectivos saldos, a Justiça do Trabalho, tem promovido a juntada dos ofícios bancários nos autos do processo, promovendo assim, que terceiros, tenham amplo conhecimento e até tirem cópias de tais informações que deveriam ser sigilosas nos termos da atual Constituição.

Percebe-se então, claramente, que todos os princípios a serem observados pelo juízo da execução, especialmente o da menor onerosidade do devedor na execução, foram aniquilados pelo Poder Judiciário pátrio, e por isso, tem-se a violação do devido processo legal, da ampla defesa e do sigilo de dados e da privacidade.

Sim, a conclusão é de que estamos diante de um convênio inconstitucional, formalizado entre o Poder Judiciário e o Banco Central do Brasil. Notem, que a Carta Magna, em seu art. 5°, incisos X e XII, declara:

"X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

...

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;" (grifo nosso)

É verdade que ‘a inviolabilidade do sigilo de dados complementa a previsão ao direito à intimidade e vida privada, sendo ambas previsões de defesa da privacidade’, como leciona ALEXANDRE DE MORAES [1], e que sua inviolabilidade é relativa frente ao interesse público como já decidiu diversas vezes o Supremo Tribunal Federal.

O Doutor em Direito Público e Livre-docente em Direito Constitucional, já citado, assevera ainda, que:

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"Com relação a essa necessidade de proteção à privacidade humana, não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica.

...

Não há dúvida, portanto, de que o desrespeito ao sigilo constitucionalmente protegido acarretaria violação às diversas garantias constitucionais. Obviamente, porém, a inviolabilidade dos sigilos bancários e fiscal não é absoluta, podendo ser afastada quando eles estiverem sendo utilizados para ocultar a prática de atividades ilícitas e presentes os seguintes requisitos: A) autorização judicial ou determinação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3°); B) indispensabilidade de dados constantes em determinada instituição financeira, Receita Federal ou Fazendas Públicas. Assim, a quebra do sigilo bancário e/ou fiscal só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos de suspeita que se apóiem em indícios idôneos, reveladores de possível autoria de prática delituosa por parte daquele que sofre a investigação; C) individualização do investigado e do objeto da investigação; D) obrigatoriedade da manutenção do sigilo em relação às pessoas estranhas à causa; e E) utilização de dados obtidos somente para a investigação que lhe deu causa." (grifos nossos)

Portanto, evidente que da forma como têm procedido os juízes do trabalho, com supedâneo no atual convênio da penhora on-line, deparamo-nos com a flagrante violação dos dispositivos constitucionais acima elencados textualmente.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado:

"A questão do sigilo bancário – ato que se reveste de extrema gravidade jurídica e cuja prática pressupõe, necessariamente, a competência do órgão judiciário que a determina – só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos de suspeita que se apóiem em indícios idôneos, reveladores de possível autoria de prática delituosa por parte daquele que sofre a investigação penal realizada pelo Estado (PET. 577-QO, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 23-4-1993). A relevância do direito ao sigilo bancário – que traduz, na concreção do seu alcance, uma das projeções realizadoras do direito à intimidade – impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao órgão competente do Poder Judiciário (o Supremo Tribunal Federal, no caso) na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à cláusula tutelar de reserva constitucional (CF, art. 5°, X)"(voto do Ministro-relator Celso de Mello – Recl. N.° 511-9/PB – Ementário STF n.° 1800-01 – p. 88) (grifos nossos)

Pode-se conferir o mesmo entendimento no Superior Tribunal de Justiça, pela seguinte ementa:

"Constitucional – Sigilo bancário – Quebra – Excepcionalidade – Direito à privacidade – Princípio Constitucional. Sigilo bancário. Direito à privacidade do cidadão. Quebra do sigilo. Requisitos legais. Rigorosa observância. A ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário, em situações excepcionais. Implicando, entretanto, na restrição do direito à privacidade do cidadão, garantida pelo princípio constitucional, é imprescidível demonstrar a necessidade das informações solicitadas, com o estrito cumprimento das condições legais autorizadoras" (STJ – 2ª. T. – Resp. n.° 124.272-0/RO – Rel. Min. Hélio Mosimann, Diário da Justiça, Seção I, 2 fev. 1998. Ementário STJ, n.° 20/141) (grifo nosso)

Não se quer aqui, fazer-se a apologia de que o direito ao crédito alimentar do trabalhador não deva ser satisfeito, o que se deseja, é despertar a todos os que são afetados pelo referido convênio, para o fato de que há ajustes a serem feitos e com urgência, a fim de que se evite abusos e que a própria Justiça do Trabalho se torne símbolo de injustiça.

Há necessidade de primeiro, adequar-se o modus operandi do convênio a fim de harmonizá-lo com as garantias e proteções constitucionais vigentes, como atendendo analogicamente aos requisitos acima apontados pela doutrina, e por último, produzir-se legislação que regulamente a questão, pois, a regulamentação existente, dá ensejo apenas para as questões onde haja ‘indícios reveladores’ de ilícitos penais.

Portanto, até que a lei regulamente os casos de quebra do sigilo bancário, objetivando o bloqueio e a penhora on-line de valores quando existente execução trabalhista de crédito alimentar, tais atos devem ser encarados como inconstitucionais, sob pena de subversão do ordenamento jurídico pátrio, como temos assistido diariamente.


Notas

01. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo : Atlas, 2003, p. 227.

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Sobre o autor
Micael Galhano Feijó

Advogado Militante na Justiça do Trabalho em Cuiabá – MT e pós-graduado em Processo Civil e do Trabalho pela Universidade Veiga de Almeida

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEIJÓ, Micael Galhano. Sobre a penhora on-line de contas bancárias do devedor na Justiça do Trabalho.: Inconstitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 237, 1 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4871. Acesso em: 18 abr. 2024.

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