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Crédito quirografário e a recuperação judicial

08/05/2016 às 10:13

Resumo:


  • A Lei de Recuperação de Empresas (Lei n.º 11.101/2005) foi criada para permitir que empresas em crise financeira possam se reestruturar, preservando sua função social e os interesses dos credores.

  • Alguns créditos, como os de proprietários fiduciários, arrendadores mercantis e proprietários com cláusulas de irrevogabilidade, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, mantendo os direitos de propriedade e contratuais.

  • Créditos não cobertos pela venda de bens em garantia se convertem em quirografários e se sujeitam à recuperação judicial, equilibrando os interesses da empresa devedora e de seus credores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Esclarece-se o que é o credor quirografário dentro do contexto da recuperação judicial, ressaltando as garantias elencadas pela Lei n. 11.101/2005.

De início, deve-se esclarecer que a Lei de Recuperação de Empresas (n.º 11.101 de 9 de fevereiro de 2005), que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, foi editada com o notório intuito de desafogar o Poder Judiciário das inúmeras demandas de falência – o que, efetivamente, tem se dado nas varas judiciais país afora –, possibilitando à empresa devedora que passa por crise financeira se valer dos institutos da recuperação judicial ou extrajudicial para apresentar aos seus credores um programa de pagamento das dívidas que viabilize à mesma quitar seus débitos sem que tenha que encontrar o seu fim.

Apesar de a lei notoriamente se direcionar à preservação do empresário em dificuldades financeiras, fato é que o legislador teve o devido cuidado ao tratar de relações jurídicas firmadas com um certo grau de segurança, colocando a salvo do concurso formado na recuperação, em certos casos, os direitos de alguns credores do empresário devedor. Deste modo, forma-se um jogo de pretensões contrapostas e igualmente protegidas pela lei que reiteradamente são objeto de questionamento perante o juízo da recuperação judicial e falência.

É o que ocorre, por exemplo, com o § 3º, do art. 49, da Lei de Recuperação, que, excetuando a regra posta no caput do artigo – que submete à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos – estabelece que se tratando de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º, do art. 6º, da Lei de Recuperação de Empresas, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial.

Eis a íntegra do caput do artigo 49 e de seu parágrafo 3º:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6odesta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Deve-se observar, ainda, que o artigo 47, da Lei de Recuperação de Empresas, é medida legitimadora da liberdade da iniciativa econômica privada, já que representa facilidade concedida à empresa dentro desta preocupação constitucional de realização de justiça social.

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Todavia, o Poder Público, neste jogo de interesses que precisam ser tutelados, os da empresa devedora e os de seus credores, ambos com o mesmo fundamento constitucional, impôs algumas limitações à benesse da recuperação, dentre elas, a não submissão de algumas espécies de créditos ao concurso de credores.

Isto porque, embora se reconheça a importância socioeconômica da empresa, a sua recuperação não pode se dar a qualquer custo, sob pena de se estar a admitir um calote legal, que produziria funestos efeitos no seio social e na segurança das relações jurídicas.

Tem-se, então, que, se de um lado é preciso tentar manter a empresa submetida à recuperação em operação, de outro é necessário resguardar, também, a saúde financeira de seus credores para que a recuperação daquela não cause a inviabilidade econômica destes, gerando, dessa forma, um efeito dominó, já que os credores da empresa em recuperação inviabilizarão a economia de seus credores, e assim por diante.

Com efeito, a medida de exclusão dos créditos enumerados no art. 49, § 3º, da Lei n.º 11.101/2005, do concurso de credores não se mostra desproporcional ou desarrazoada, pois, em última análise, os negócios jurídicos enumerados não são relações atreladas a alguma garantia, mas relações com intensidade de concretização acentuada, nas quais ou a propriedade do bem ainda não é da devedora em recuperação, ou já saiu de sua esfera de disponibilidade.

Ao proprietário fiduciário – e não se pode olvidar, aqui, que a lei não o chamou de credor, porque é, de fato, o dono da coisa – pertence a propriedade resolúvel do bem, seja ele móvel ou imóvel, ou seja, até que a obrigação garantida pela alienação fiduciária não seja cumprida, ao credor pertence o bem, sendo que, não sendo satisfeita a prestação, esta propriedade se consolidará em suas mãos.

O bem objeto de arrendamento mercantil, da mesma forma, não pertence ao devedor, mas ao credor, que o aluga para aquele, com a possibilidade de que, ao término do aluguel, possa vir a adquirir a sua propriedade.

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O proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, dentro das condições de regularidade do negócio jurídico, não pode mais dispor do bem, de modo que não haveria como frustrar o credor que já não tem mais mera expectativa sobre o bem, disponibilizando a coisa a terceiros que participam do concurso.

Quanto ao proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, é de se reafirmar o que foi dito em relação ao proprietário fiduciário, já que, até que se cumpra a obrigação, a propriedade do bem não é transferida de forma plena, de modo que pode o credor, inclusive, reaver a coisa.

É importante, então, destacar que essas relações diferem em muito de outras operações que contam com garantia real, tais como, penhor, hipoteca etc., nas quais o bem não saiu da esfera de disponibilidade do devedor, mas apenas foi atrelado à eventual execução judicial da obrigação.

Vê-se, também, que a medida é proporcional porque, na parte final do dispositivo em questão (art. 49, §3º, Lei n.º 11.101/2005), o legislador teve o cuidado de garantir que os bens envolvidos nas relações nele elencadas permaneçam na posse do devedor durante o prazo de 180 dias, dentro do qual deverá ele planejar de que forma poderá se reestruturar, sabendo que tais bens poderão, ao final do prazo, ser tomados pelos respectivos proprietários.

Assim, como já exposto, tais créditos não estão sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, o que torna possível exigir o pagamento dos seus créditos independente de aprovação ou rejeição do plano pela assembleia de credores.

Contudo, deve-se lembrar que, com a 1ª Jornada de Direito Comercial, foi publicado seu enunciado de número 51, que dispõe o seguinte:

"O saldo do crédito não coberto pelo valor do bem e/ou da garantia dos contratos previstos no § 3º do art. 49. da Lei n. 11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação judicial.".

Os credores não são tratados igualmente. A natureza do crédito importa para a definição de uma ordem de pagamento, que deve ser rigorosamente observada na liquidação. Esta ordem é resultado da convergência de um conjunto variado de dispositivos legais, originando em constantes conflitos e incertezas.

Créditos quirografários são aqueles que decorrem somente do simples encontro de vontade entre as partes, tendo como garantia a simples promessa do devedor de que, no vencimento, vai adimplir a obrigação. E se diferencia basicamente do crédito real, que tem um bem em garantia para o caso de inadimplência.

É cristalino, portanto, que, caso o valor arrecadado com a venda do bem que garante tais contratos não seja suficiente para saldar a dívida, o remanescente será considerado crédito quirografário e se sujeitará ao processo judicial.

Destarte, a empresa devedora não será muito prejudicada, pois poderá submeter tais créditos à recuperação judicial, e seus credores não restarão inviabilizados economicamente, pois receberão pelo menos parte de seus créditos, que foram cobertos pelo valor do bem e/ou da garantia dos contratos previstos no § 3º, do artigo 49, da Lei n. 11.101/2005.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SABBAG NETO, Jorge Caram. Crédito quirografário e a recuperação judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4694, 8 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48717. Acesso em: 23 dez. 2024.

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