Adoção tardia: um direito da criança a convivência familiar

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O objetivo deste artigo é conceituar os principais fatores envolvidos na adoção tardia como um direito da criança a convivência familiar, bem como identificar os direitos das crianças e entender a importância do reconhecimento da filiação sócio afetiva.

 

A adoção é uma problemática que permeia a sociedade desde muito tempo e está envolta em questões legais e complexas que muitas vezes tornam-se empecilho para sua efetivação. Os tramites burocráticos pelos quais se faz necessário passar, para adotar uma criança representam apenas mais um dos grandes dilemas que emergem dessa temática.

A adoção pode ser definida como um vínculo legal e solene, que se estabelece com uma criança que estava em regime institucional à espera de uma família que a acolhesse e legalizasse sua filiação. A criança que passa pela adoção torna-se filha legitima perante a lei e tem seus direitos, como tal, efetivados (SILVA, 2007).

Segundo Chaves (1995 apud OLIVEIRA e RIBEIRO, 2002, p.01), no que tange ao conceito de adoção:

 

Podemos então defini-la como ato sintagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos da lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vinculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeito limitado e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue.

Corroborando com o exposto, Puretz e Luiz (2007, p.279) afirmam que “[...] a adoção é uma forma definitiva de colocação de criança ou adolescente em uma família substituta através da sentença judicial, com esse procedimento se forma uma nova família”.

Para Camargo (2005), desde os tempos remotos verificam-se casos de filiação adotiva, exemplificando as civilizações greco-romanas e as tradições religiosas de algumas culturas e épocas especificas. O autor supracitado, conhecedor da mitologia Grega, enfatiza o caso de Hércules, filho de Zeus com uma humana, que foi adotado por Hera, de quem recebeu cuidados e educação materna. 

Na mitologia Romana, exemplifica o caso de Remo e Rômulo, dois meninos abandonados pela família e que foram criados por uma loba, para depois serem adotados por outra família.

Na história judaica cristã é colocado o exemplo de Moisés que foi jogado nas águas pela mãe como forma de salva-lo e ao ser encontrado pela filha do faraó foi criado por ela. No inicio da historia de adoções, essa prática era voltada para os recém-nascidos, conforme alguns mitos como é o caso de Édipo que foi abandonado ao nascer e adotado pelo rei de Corinto, Remo e Rômulo e Moisés que eram crianças. (SILVA, 2007; CAMARGO, 2005).

De acordo com Weber (2004), o Código de Hamurabi é considerado o mais antigo documento contendo um conjunto de leis relativos à adoção, sendo o mesmo criado na Mesopotâmia no II milênio a.C. Camargo (2005, p.45) enfatiza alguns dos artigos contidos nesse código e que fazem referencia a adoção:

§ 185 Se um awïlum (termo acádico correspondente a homem) adotou uma criança desde o seu nascimento e a criou: essa criança adotada não poderá ser reclamada.

§ 186 Se um awïlum adotou uma criança e, depois que a adotou, ela continuou a reclamar por seu pai ou sua mãe: essa criança adotada deverá voltar à casa de seu pai.

§ 191 Se um awïlum, que adotou uma criança e a criou, constituiu um lar, em seguida teve filhos e resolveu despedir o filho de criação: esse filho não partirá de mãos vazias, seu pai de criação deverá dar-lhe de seus bens móveis um terço de sua parte na herança e ele partirá. Ele não lhe dará nada de seu campo, pomar ou casa.

§ 192 Se o filho adotivo de um gerseqqûm (termo acádico correspondente a funcionário do palácio, geralmente um eunuco) ou o filho adotivo de uma ZI.IK.RU.UM (termo acádico correspondente a uma classe sacerdotal feminina ou sacerdotiza-meretriz) disse a seu pai que o cria ou à sua mãe que o cria: “tu não és meu pai, tu não és minha mãe”: cortarão sua língua.

§ 193 Se o filho adotivo de um gerseqqûm ou o filho adotivo de uma ZI.IK.RU.UM descobriu a casa de seu pai, desprezou seu pai que o cria ou sua mãe que o cria e partiu para a casa de seu pai: arrancarão o seu olho.

Todas essas histórias mostram o quanto a filiação por parte de uma família não-biológica é uma prática antiga, no entanto, ao longo do tempo as formas de inserção em um novo contexto familiar que não o primário foi sendo modificado e somente no período pós Primeira Guerra Mundial, nos países anglo-saxônicos, a adoção foi legalizada, pois as crianças órfãos filhas de heróis de guerra eram inseridas em novos lares. (CAMARGO, 2005).

          Segundo Silva (2007), a adoção é um conceito histórico e uma das concepções que vem modificando-se no percurso de sua construção concerne à visão que o homem tem da mesma. Um ponto interessante na historia da adoção é que na Idade Média a Igreja não a aceitava, pois, os direitos canônicos consideravam essas práticas como uma probabilidade de adultério.

Na Idade Moderna, isso se modificou, pois, devido à esterilidade da esposa de Napoleão Bonaparte é instituído o Código de Napoleão de 1804, no qual só podia ser adotante pessoas acima de 50 anos e que fossem estéreis e 15 anos mais velhas que os adotados, estes teriam que ter idade igual ou superior a 23 anos (SILVA, 2007). Acredita-se que, assim, surgiu a adoção tardia.

No tocante ao histórico da adoção, observam-se dois tipos de adoção, a adoção clássica e a moderna. Weber (2004) afirma que, no passado, o objetivo primordial da adoção era suprir as necessidades maternas/paternas e casais cuja infertilidade os haviam impedido de concretizar seu desejo, secundarizando a função da adoção como uma forma de dar um lar a crianças institucionalizadas e abandonadas pelas famílias biológicas.

Esse tipo de adoção que não priorizava a criança e sim o desejo dos pais era a chamada adoção clássica, já a adoção moderna tem como objetivo a garantia de todos os direitos da criança, inclusive de ter todas as condições de crescer saudavelmente e viver em um lar acolhedor, protetor e seguro.  Sobre esses dois tipos de adoção. Puretz e Luiz (2007) enfatizam que o maior avanço conseguido através da atual legislação da adoção foi a transição da adoção clássica para a adoção moderna.

A adoção há séculos faz parte das necessidades de casais que não podem ter filhos e os desejam, no qual o ato de adotar uma criança é estabelecido como estratégia para formar uma família. E para a formalização da adoção é necessário pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA a instauração de um processo judicial desde que aja a destituição da guarda da criança pelos pais biológicos.

Na adoção regulamentada pelo ECA, pode adotar qualquer pessoa maior de vinte e um anos, independente do estado civil (art. 42), desde que entre ela e o adotando exista a diferença de pelo menos dezesseis anos (BRASIL, 1990). Conforme o § 5º do art. 42 do referido documento, se ocorrer a morte de um dos adotantes e o outro ainda quiser prosseguir com o processo adotivo, o processo pode continuar, se o juiz assim, autorizar, denominando-se de adoção póstuma.

No artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), mas precisamente no § 1º relata sobre a adoção unilateral, ou seja, o casal adota o filho de outros relacionamentos do(a) companheiro(a), sem que os pais biológicos perca o pátrio poder.

Há também a “adoção à brasileira” que ocorre quando o adotante registra a criança em seu nome fora dos aspectos jurídicos legais. Essa prática é, ainda, muito comum, apesar de ser considerada crime segundo o Código Penal, podendo, em tese levar até a 6 (seis) anos de reclusão (DINIZ, 2005, p. 811). Com relação a permanecia na Casa de Acolhimento, só ocorre com encaminhamento do Conselho Tutelar ou ordem jurídica da Vara da Infância e Adolescência, e os acolhidos só podem sair com autorização judicial competente (BRASIL, 1990).

 

4.2 A Adoção Tardia

 

A adoção pode ser abordada das mais diversas formas e envolver complexas relações entre sociedade, família e estado, e reflete muito do que a sociedade pensa e, de como a mesma se estrutura, assim como traz nas suas ações e construção ao longo do tempo a forma de conceber família do meio social.

Camargo (2005, p.42) afirmam que:

[...] o gesto de adotar e/ou de colocar crianças em famílias que não a sua de origem biológica, define um traço típico nos paradigmas de paternidade, maternidade e filiação, pois representa a possibilidade da construção do vinculo afetivo que, enquanto tal, assemelha-se á qualidade do vinculo biológico e suas ressonâncias (apego, afeto, sentido de pertença á família, etc.).

As crianças que são colocadas para a adoção buscam esse vínculo familiar e almejam estar em um lar estruturado e que destine afeto as mesmas, mas nem sempre isso acontece, pois ainda existe um grande contingente de crianças vivendo em instituições de apoio e que, por conta da idade, não são escolhidas pelas famílias (LADVOCAT, 2009).

A adoção de crianças de mais de dois anos é chamada de adoção tardia (VARGAS, 1998 apud PURETZ e LUIZ, 2007).  O processo de adoção tardia é ainda mais complexo do que o de adoção de crianças menores, pois envolve muitas situações e traumas que permeiam a criança e a historia de inserção da mesma na instituição.

De acordo com Joppert e Fontoura (2009, p.93):

Entre outros aspectos, na adoção tardia está presente um período maior de convivência da criança ou adolescente com a família biológica, onde provavelmente sofre agressões, rompimento de vínculos, abandono, negligência, o que levou a destituição do poder da família; a criança deve estar a algum tempo abrigada, pode já ter estado em diferentes abrigos ou com diferentes pais sociais e/ou, ainda, ter passado por diversos lares, antes de ser levado a um abrigo.

Contextualizar sobre a adoção tardia significa enfatizar as principais causas da inserção das crianças e adolescentes maiores em locais de abrigo. Os motivos da entrada das crianças podem ser abandono dos pais, negligencia, violência familiar, abuso sexual, entrega das crianças a aos cuidados do Estado por falta de condições de dar uma vida digna a mesma, entre outras (LEVY, 2009).

Moreira e Miranda (2009) realizaram uma pesquisa com coordenadores de duas instituições de abrigamento, casa abrigo, na cidade de Curitiba no período de 2002 a 2004, e entre os resultados obtidos, estava os motivos principais que levaram as crianças e adolescentes e viverem nas instituições. Verificou-se que, dos motivos que levaram ao abrigamento, a maior incidência é claramente de negligencia: 48% na casa I, e 56% na casa II.

Os autores ainda exemplificam algumas situações em que pode ocorrer esse abandono, quando a mãe sai de casa e deixa o filho com o vizinho e não aparece mais, ou entrega as autoridades responsáveis por não conseguir mais cuidar, em caso de prisão dos pais, ou de um deles, que o filho é deixado sozinho em casa sem cuidados, quando há espancamento, abuso sexual por parte dos pais, ou quando estes permitem que um terceiro o faça, e quando não atendem as necessidades básicas da criança, como amor, afeto, alimentação e proteção.

A criança é encaminhada então para um abrigo provisório onde espera os procedimentos judiciais, nesta instituição é destinado cuidados específicos a mesma. A justiça só encaminha a criança para a adoção quando todas as tentativas de recolocar a mesma em seu lar primário são esgotadas e isso pode levar muito tempo para ocorrer, levando a criança a passar longos períodos nas instituições (LADVOCAT, 2009).

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Quando a criança maior vai para a fila de adoção, ela passa por outro processo complexo, pois a maioria das famílias que buscam adoção querem crianças pequenas, brancas e com boa saúde (LADVOCAT, 2009; CAMARGO, 2005; JOPPERT e FONTOURA, 2009).

Weber (2009, p.113) realizou, em sua tese de doutorado, uma pesquisa sobre o perfil dos adotantes e adotandos no Brasil e, quanto à idade da criança a ser adotada, a cor e a saúde o mesmo colheu os seguintes dados:

 

Idade da criança adotada: 71% adotaram um bebê com até três meses de idade; 14% adotaram crianças até dois anos de idade. [...] somente 15 % de adoções de crianças com mais de dois anos (consideradas adoções tardias).

Cor da criança adotada: 71% adotaram uma criança de cor branca; 4,5% adotaram uma criança de cor negra; 0,5% adotou uma criança de cor amarela. [...].

Saúde da criança adotada: a maioria absoluta das crianças era praticamente saudável (75%); as outras possuíam algum problema de saúde no momento da adoção, mas geralmente, sem gravidade.

Os dados colhidos podem ser citados como alguns dos maiores contribuídores para o empecilho da adoção e crianças mais velhas, eu estão institucionalizadas, que tem irmãos, que são negras e ainda que não tem saúde plena. Esse perfil de crianças e adolescentes são os mesmos procurados e ficam a mercê do Estado em casas abrigo, a espera de uma família, de um lar, de um lugar que possam chamar de seu.

 A maioria das crianças acima de três anos, ficam em lares temporários, como as casa abrigo, por um longo período, permanecendo em instituições a espera de uma família (PURETZ e LUIZ, 2007). Muitos chegam a adolescência e a adultez sem ter tido a oportunidade de conhecer um lar saudável e estruturado, isso ocorrendo, na maioria das vezes, por causa dos preconceitos em relação à adoção tardia. (LADVOCAT, 2009).

De uma forma ou de outra sofre com o abandono, com a exclusão e com o desamparo afetivo. Como coloca Camargo (2005, p. 78), “[...] essas crianças- negras, com mais de dois anos de idade, portadoras de alguma deficiência ou possuidoras de um histórico de problemas médico-biológicos [...]”, são aquelas que ficam muito tempo institucionalizado, vitimado por múltiplos abandonos. Primeiro o abandono da família, que por motivos vários, socioeconômicos e ético-morais, se veem impossibilitadas de criar seus filhos e os entregam a justiça ou a justiça toma a guarda; o abandono do Estado, que tem legislações deficitárias e politicas falhas direcionadas as crianças abrigadas; o abandono da sociedade, que ainda exclui, segrega e estigmatiza essas crianças, dificultando a adoção tardia. Sobre os principais estigmas e mitos que motivam a adoção de crianças pequenas e se tornam empecilho para a adoção tardia, Camargo (2005, p.45) enfatiza:

{C}·  {C}A possibilidade da criança pequena de adaptar-se melhor a nova família e vice-versa, sem resquícios vinculares da família biológica;

{C}·  {C}A oportunidade da formação de um vínculo mais profundo com a família, por considerar que a criança pequena não trará consigo marcas da rejeição da família anterior, e se trouxer será mais fácil de serem apagadas as marcas, o que não aconteceria no caso de crianças maiores;

{C}·  {C}A maior probabilidade de manter em segredo a origem da criança;

{C}·  {C}O acompanhamento e participação direta da família no crescimento da criança educando-a a sua forma e construindo vínculos com a mesma nesse processo;

{C}·  {C}A satisfação dos desejos maternos/paternos de ver a criança crescendo, trocar as fraldas, dar os primeiros banhos e construir uma historia com a mesma, criando um álbum de fotografias de toda a construção familiar.

O autor ainda enfatiza alguns medos que os candidatos a adoção tem de adotar crianças maiores, dentre eles estão: o medo da criança não se adaptar a nova família, pois já ter uma formação familiar e educacional; o estigma de que a criança não consegue criar vínculos devido a seu histórico de abandono, maus tratos e rejeição e o temor de que o filho, quando maior, queira conhecer a família biológica. (CAMARGO, 2005). Da mesma forma que os pais tem alguns medos, as crianças e adolescentes que estão na fila de espera também têm seus temores e concepções sobre esse processo.

Joppert e Fontoura (2009, p.94) citam algumas das dificuldades dos adotandos:

[...] o rompimento do vinculo com os pais biológicos, as dificuldades emocionais advindas, mais especificamente na adoção tardia, da falta de um relacionamento estável e continuo em um lar onde a criança fosse “o” filho e não apenas, “uma criança abrigada”, as expectativas do adotando sobre a família sonhada [...] a “história de vida” da criança e seus sonhos.

Por isso se faz importante direcionar ações que possam viabilizar a adoção tardia, poias as crianças institucionalizadas sonham com um lar estruturado, em ter uma família. O governo já começa a tomar suas providencias e na nova cultura de adoção se estimula a adoção de crianças maiores, não-brancas e sem a saúde perfeita (LADVOCAT, 2009), mas somente isso não adianta, é preciso conscientiza as pessoas de que essas crianças também sentem, amam e precisam de uma nova chance.

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Sobre a autora
Débora Simone Bezerra Cordeiro

Estudante de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará - FAP-CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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