O contribuinte no meio do fogo cruzado entre os Estados

Resumo:


  • A guerra fiscal gera transferência de ônus para o contribuinte de forma injusta.

  • Estados vedam créditos fiscais de mercadorias de outras unidades federativas, prejudicando empresas e consumidores.

  • A prática dos Estados interfere no mercado, cria insegurança jurídica e distorce a concorrência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Comumente é ressaltado pelos autores como principal consequência negativa da guerra fiscal do ICMS a dilaceração do pacto federativo. No entanto, outro problema vem tomando a mesma amplitude: os estados passarem o ônus dessa disputa ao contribuinte.

Provavelmente, a face mais injusta da guerra fiscal é a conduta dos Estados que, visando anular os efeitos dos incentivos ficais irregularmente concedidos por outros, usam determinados mecanismos que transferem diretamente todo o ônus para o contribuinte, sem que este tenha qualquer culpa. Muitos Estados, mesmo antes de uma declaração de inconstitucionalidade do benefício fiscal a que se refere, passaram a vedar a utilização de crédito fiscal de mercadorias adquiridas de outra unidade da federação, de fornecedores que receberam benefício fiscal sem permissão no CONFAZ (VASCONCELLOS, 2014). Vale lembrar que o ICMS segue a sistemática da não cumulatividade, dessa forma, se o contribuinte não pode abater o crédito da operação anterior, ele vai arcar com esse valor. Aliás, esse imposto, por ser um tributo indireto, em regra, transfere toda a carga tributária para o consumidor, chamado “contribuinte de fato”, sendo ele atingido com qualquer efeito na tributação. Nesse raciocínio, a doutrina critica duramente essa conduta por parte dos Estados, como se pode ver nas palavras de CARRAZZA:

As vantagens no campo do ICMS, obtidas enquanto a legislação estadual não for declarada inconstitucional, devem ser preservadas. Afinal, as empresas não podem ser punidas, justamente por haverem se norteado na bússola da legislação da própria entidade tributante.

Nunca é demais insistir que o Estado deve inspirar confiança nas pessoas e, portanto, não pode punir os que, munidos de boa-fé, agem em consonância com o que a lei estabelece. Ainda que esta venha a ser declarada inconstitucional (CARRAZZA, 2011, p.401 apud VASCONCELLOS, 2014, p. 139).

            O mais indigno dessa prática é que a maior parte ou, talvez, todos os Estados concedem incentivos fiscais e, justamente os mesmos, estabelecem regras vedando a utilização de créditos fiscais de mercadorias advindas de outros entes federados quando há a concessão do mesmo incentivo. Ou seja, é uma violação clara ao princípio da Moralidade, que “deveria” nortear a conduta da Administração Pública. Sendo uma enorme hipocrisia que um estado estimule a violação do Ordenamento Jurídico, concedendo benefícios fiscais ao arrepio da Lei e, concomitantemente, determine que seus servidores lavrem autos de infração e de lançamento de ICMS para sancionar os contribuintes que seguem leis equivalentes às suas, só que emanadas por outros entes (OLIVEIRA; MATTA, 2009).

            Conforme enfatiza José Soares de Melo, torna-se dificílima a situação dos destinatários de mercadoria originadas de outras unidades federativas, tendo que escolher entre dois caminhos complicados: ou adquirem as mercadorias de outros Estados, aceitando o risco de sofrerem todas as consequências de uma possível ação fiscal (cancelamento de créditos fiscais, penalidades, representações criminais, etc.); ou deixam de adquirir mercadorias advindas de outros entes, tendo problemas relativos aos fornecimentos, acarretando a dificuldade de suprimento de seus produtos. Ou seja, os estados além de estarem criando um verdadeiro caos, sob o domínio da total insegurança jurídica, estão interferindo drasticamente no mercado, distorcendo completamente a concorrência (MELO, 2008).

            Outro doutrinador que discorre magistralmente sobre o assunto é Paulo de Barros Carvalho. Segundo ele, a Constituição de 1988 atribui aos estados o direito de proporem, por meio de seus governadores, ADI perante o STF visando desarraigar do ordenamento jurídico as normas que prevejam a concessão de benefícios fiscais unilateralmente. Portanto, é totalmente inaceitável que qualquer desses entes federados busque neutralizar os efeitos da concessão de benefícios fiscais que considera indevidos, por meio de vedação de créditos fiscais, estabelecendo o contribuinte como um “inimigo”, e não o Estado que teria editado a norma inconstitucional. Ademais, o adquirente das mercadorias e serviços, estando amparado pelo documento que contenha todos os elementos da operação comercial, “não tem a obrigação nem as condições necessárias para pesquisar eventual existência de incentivo fiscal concedido ao fornecedor” (CARVALHO, 2006, P. 683-684 apud OLIVEIRA; MATTA, 2009, p.552)

REFERÊNCIAS:

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado / Ricardo Alexandre. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado / Ricardo Alexandre. – 9. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

BINS, Luis Antônio. “A concessão de benefícios fiscais do ICMS à luz da interpretação constitucional do art.155, §2°,‘G’, da CF/88”, Sistema Tributário Brasileiro e a crise atual. VI Congresso Nacional de Estudos Tributários – IBET- Editora Noesis, 2009

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11° ed. atualizada por Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 1940- Curso de direito tributário brasileiro/ Sacha Calmon Coêlho – 14° ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

CASSONE, Vittorio. Direito tributário: fundamentos constitucionais da tributação, definição dos tributos e suas espécies, conceito e classificação dos impostos, doutrina, prática e jurisprudência. Vittorio Cassone; prefácio de Ives Gandra da Silva Martins – 18. Ed – São Paulo: Atlas, 2007.

OLIVEIRA, Julio M. de; MATTA, Soraia Monteiro da. “Guerra fiscal e glosa de créditos”, Sistema Tributário Brasileiro e a crise atual. VI Congresso Nacional de Estudos Tributários – IBET- Editora Noesis, 2009

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

SCAFF, Fernando Facury.  “A inconstitucional unanimidade do Confaz e o surpreendente Convênio 70”, Revista Consultor Jurídico, 12 de agosto de 2014. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-ago-12/contas-vista-inconstitucional-unanimidade-confaz-convenio-70>. Acesso em 3 de dezembro de 2015

SANTI, Eurico Marcos Diniz de; SORRENTINO, Thiago Buschinelli. Guerra Fiscal e a aplicação do princípio da proporcionalidade. JOTA, 3 de maio de 2015. Disponível em: http://jota.uol.com.br/depois-da-pauta-11-e-12-de-marco Acesso em 1 de maio de 2016.

VASCONCELLOS, Mônica Pereira Coelho de. ICMS: distorções e medidas de reforma/ Mônica Pereira Coelho de Vasconcellos – Vol XIII -  São Paulo: Quartier Latin, 2014

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fernando Robério Passos Teixeira Filho

Advogado. Consultor. Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas de Pernambuco. Auditor Fiscal de Garanhuns (2017-2021). Graduado em Direito e Gestão Financeira. Graduando em Ciências Contábeis. Pós-graduado em Direito Tributário, Direito Público e Direito Administrativo. Pós-graduando em Direito Previdenciário, Direito Privado e Direito consultivo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos