O limbo jurídico: da alta médica pelo INSS e a recusa do empregador do retorno do trabalhador brasileiro ao mercado laboral

14/05/2016 às 18:21
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Após me deparar com diversas ações judiciais envolvendo esta temática, resolvi enfrentar um tema escassamente debatido em nossa doutrina, apesar de estar se transformando em assunto cada vez mais comum com o aumento considerável dos acidentes.

RESUMO: Trata-se de problemática cada vez mais comum na seara trabalhista em que se verifica a alta médica do INSS e a recusa do empregador em aceitar o obreiro quando da alta, ficando referido trabalhador num limbo jurídico, ocasião em que a liberação para o labor foi feita pelo INSS, porém a empresa não aceita o retorno do empregado ou este mesmo se considera inapto para fins de retornar ao posto de trabalho. Com a suspensão do contrato de trabalho, surge a problemática financeira do obreiro que se vê em um limbo jurídico em que não há perspectivas nem do INSS e nem do empregador.

PALAVRA – CHAVE: INSS – ALTA MÉDICA – RETORNO AO LABOR

Após me deparar com diversas ações judiciais envolvendo esta temática, resolvi enfrentar um tema escassamente debatido em nossa doutrina, apesar de estar se transformando em assunto cada vez mais comum, principalmente, com o aumento considerável dos acidentes de trabalho em todo o país.

O objetivo deste artigo é abordar as consequencias jurídicas de quando o obreiro estiver recebido a alta médica pelo INSS de um benefício previdenciário, seja auxílio-doença, auxílio – acidente ou a reversão da aposentadoria por invalidez e não conseguir retornar à empresa por ser considerado inapto pelo empregador quando da alta pelo autarquia.

Em regra, referido obreiro ajuíza pedido de reconsideração na esfera administrativa e, na maioria das vezes, é mantido o cancelamento do benefício pelo órgão recursal do INSS. A empresa, por sua vez, não pretende recolocar a mão de obra por considerar que a alta do INSS é indevida. O que fazer? Enquanto o obreiro consegue reverter sua situação junto ao INSS, quem irá pagar os rendimentos mensais necessários para que ele se mantenha com dignidade até o deslinde completo de sua situação?

Na verdade, este trabalhador se insere em um limbo jurídico, pois é incapaz de se definir qual a sua real situação jurídica, ou seja, se seu contrato de trabalho continua suspenso ou se, ainda, deve o empregador arcar financeiramente com os salários e demais direitos trabalhistas, haja vista que cessa a fonte de rendimento.

Além disso, processualmente, caberia ação judicial contra a autarquia previdenciária no caso do obreiro ser considerado inapto ao trabalho pela empresa, apesar da sua alta médica e cancelamento do benefício previdenciário. E a empresa teria interesse em ajuizar também uma ação ou ingressar na figura de litisconsórcio ativo?

Ilustro bem a situação em caso concreto específico ocorrido na 8a Vara do Trabalho de Porto Velho-RO, onde atuo como Juíza Substituta há dois anos. Tratava-se de processo em que o obreiro era motorista de ônibus coletivo e tinha recebido auxílio-doença acidentário, tendo sido conferida alta pelo INSS e o cancelamento do benefício.

Este se dirigiu à empresa, e, ao fazer o exame clínico de retorno, foi considerado inapto pelo serviço médico da empresa, razão pela qual impetrou administrativamente recurso para o INSS no sentido de reverter a sua situação, sendo mantido o cancelamento e a alta médica. Recordo, inclusive, que o obreiro queria retornar ao trabalho e dirigir um veículo de carga pesada, demonstrando tal interesse em audiência, porém a empresa se recusava, alegando que não havia condições plenas do obreiro voltar a dirigir e nem tinha meios de readaptá-lo, haja vista que o aludido não tinha outra instrução ou habilidade técnica.

Vejamos a situação crucial e, infelizmente, que se amontoa nos processos trabalhistas e previdenciários. Ora, o empregador não é obrigado a aceitar o obreiro nas condições de saúde consideradas insuficientes e que, mesmo assim, foi concedida a alta pelo INSS até para que, no futuro, não seja responsabilizado pelo agravamento de uma doença ou lesão e até para que não haja prejuízos a terceiros. No caso concreto, registro que se tratava de motorista de transporte público urbano.

Imagine-se se houvesse um acidente com um usuário do serviço ou no trânsito em decorrência de uma inaptidão desenvolvida pelo obreiro para exercer seu mister? A responsabilidade, inevitavelmente, por força do Código Civil, seria do empregador, apesar dele ter discordado veementemente da alta médica conferida pelo INSS. Porém, entendo que, gozando de fé pública a perícia do INSS, para que o empregador se resguarde, creio que seja necessário que ele não se valha apenas do resultado diverso do exame de retorno.

Explico melhor. O mero exame de retorno não deve ser considerado suficiente até porque estaremos diante de suspensão de contrato de trabalho, sem recebimento de salários. A empresa precisa se calçar de um laudo médico, de exames mais profundos, para que se tenha robustez e fundamento jurídico e médico para sustentar o parecer contrário ao do INSS e, defendo até mesmo a sua legitimidade para o ajuizamento de ação contra a autarquia previdenciária.

Porém, considerando-se o direito do empregador de não acatar a decisão do INSS quando o seu serviço médico baseado em exames de retorno e diversos resultados clínicos complementares noticiam que o obreiro ainda está enfermo ou incapaz, como ficaria a questão jurídica de pagamentos de salários deste trabalhador enquanto a ação judicial tramita perante o INSS?

Registre-se que, no momento do obreiro ajuizar a ação e não mais estar no exercício de sua função, ele, praticamente, não tem fonte de renda, e, muitas vezes, é nesta situação em que o trabalhador necessita mais ainda de rendimentos para se sustentar, pois há pendências de compra de medicamentos, tratamentos fisioterápicos etc. A situação se torna mais gravosa quando este obreiro é o arrimo de família. O sistema previdenciário deixa esta lacuna que impõe, na expressão de Fábio Nusdeo, uma situação miserável em razão da ausência de remuneração e pela falta de proteção social do Estado.

Ora, a cessação do benefício só pode ocorrer, em tese, quando existe recuperação plena do trabalhador para o desempenho de sua atividade habitual ou quando for habilitado para o exercício de atividade diversa. Se isso não for possível, deve ser cancelado o auxílio-doença ou o auxílio – acidente e ser concedida a aposentadoria por invalidez.

Em contrapartida, deve-se buscar a reabilitação profissional com o fornecimento de próteses, por exemplo, e instrumentos para locomoção quando a perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada, bem como o transporte do acidentado ao local de trabalho. É o processo de reabilitação, levando adiante pela Previdência Social em que, ao fim, emitirá um certificado individual, indicando as atividades profissionais que o obreiro/segurado poderá desenvolver, fato este que não impede o exercício de outras atividades que vier a se capacitar.

O legislador ainda buscou uma ação afirmativa ou discriminatória positiva, nos termos do art. 93 da Lei 8213, de 1991 em que obriga as empresas a contratarem obreiros em processo de reabilitação ou habilitação profissional em percentuais que oscilam de dois a cinco por cento.

Para responder referidos questionamentos, imperioso fazer uma breve digressão em relação às consequencias da suspensão do contrato de trabalho. Enquanto o trabalhador está em gozo de benefício previdenciário, seu contrato de trabalho está suspenso e, isso, por sua vez, não gera ao empregador nenhuma obrigação de pagar ou de fazer, como, por exemplo, efetuar os depósitos fundiários, haja vista a suspensão do pagamento de salários e da obrigatoriedade de manter benefícios ajustados contratualmente (por exemplo, plano de saúde, tíquetes alimentação etc), pois não há prestação de serviços pelo trabalhador. Não há direito do trabalhador a referidos depósitos fundiários, ainda que a incapacidade tenha origem em acidente de trabalho.

Neste sentido, trago à baila o entendimento de DELGADO (2002, p. 1034):

Trata-se, principalmente, de cláusulas que dizem respeito à condutas omissivas das partes. Por exemplo, não perdem plena eficácia as regras impositivas de condutas omissivas obreiras vinculadas aos deveres de lealdade e fidelidade contratuais (as condutas de não violação de segredo da empresa ou de não concorrência desleal – art. 482, “c” e “g”, CLT). Também não perdem plena eficácia as regras impositivas de certas condutas omissivas ao empregador (como, por exemplo, as condutas de respeito à integridade física e moral do obreiro – art. 483, “e” e “f” da CLT – e de não denúncia vazia do contrato – art. 471, CLT).

Nada impede que o empregador, por mera liberalidade, estipule que, mesmo no caso de suspensão do contrato de trabalho, irá manter alguns benefícios em favor do obreiro, no qual devem especificar valores e periodicidade, para não se obrigarem ad eternum com a prestação.

Estas liberalidades, no entanto, devem ser vistas com cautela, pois não possuem força suficiente para descaracterizar a suspensão, pois não são obrigações legais, impositivas do legislador positivo, mas sim encargos decorrentes da negociação coletiva. Não há obrigações legais para as partes contratantes. As empresas não se encontram obrigadas à manutenção dos benefícios contratuais durante o período do auxílio- doença.

No entanto, há posicionamentos do Tribunal Superior do Trabalho e na doutrina, por exemplo, de De Litala, no sentido de que, pelo princípio da irredutibilidade salarial, não poderia haver suspensão de planos de saúde, por exemplo, quando fosse o caso de suspensão do contrato de trabalho, pois não decorre da prestação de serviços, mas diretamente do contrato de emprego e não há motivos para a sua cassação.

Aludido doutrinador defende que a suspensão deveria ser ater em todas as obrigações diretas do contrato de emprego, mas, em relação às obrigações indiretas, principalmente, as que se referem a planos de saúde, pois quando há suspensão do contrato de trabalho em razão de acidente ou doença do trabalho, bem como aposentadoria por invalidez, percebe-se que é o momento em que o trabalhador mais necessita de acompanhamento médico e assistência para que logre mais rapidez e êxito na sua recuperação.

A meu ver, o entendimento doutrinário, apesar de estar muito atrelado à questão social, deixa uma faceta muito maior a ser descoberta e aprofundada, no sentido de que a empresa já arca e contribui de forma incisiva no pagamento e financiamento da Saúde, Assistência e Previdência por intermédio das contribuições sociais, uma carga tributária onerosa em termos de Brasil.

Embora se compreenda que há até um interesse da empresa no sentido da recuperação rápida de sua mão de obra, com a prestação de assistência médica através do plano de saúde, no sentido de que possa utilizá-la para os fins do empreendimento, não se pode, a qualquer custo, penalizar o empregador, sob pena de um bis in idem, sob uma ótica constitucional, tributária e previdenciária.

Explico melhor. A manutenção de utilidades e de pagamentos de salários e demais valores quando se está neste limbo jurídico ensejaria uma dupla penalidade, fazendo com a que a empresa, independentemente do seu porte econômico, pague novamente por algo que já está financiando por ser obrigada constitucionalmente, mesmo diante da autorização legal de declarar suspenso o contrato de trabalho, até porque o obreiro passa a receber um benefício previdenciário.

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A Previdência Social parte de um sistema de proteção social – Seguridade Social- justamente para fazer a cobertura de eventos de doenças e de invalidez. A empresa tem, ao seu turno, uma responsabilidade social no que se refere ao pagamento das contribuições sociais que devem verter ao sistema.

O Supremo Tribunal Federal já emitiu pronunciamento de que é possível a supressão de benefícios quando diante da situação de inatividade1. Nesse sentido, destaco a opinião de VIANNA (2007: 50):

Nas circunstâncias, e ainda que seja louvável (e até mesmo recomendável) a manutenção de utilidades durante os períodos de afastamento, não se pode pretender que a empresa, qualquer que seja seu porte econômico ou o número de empregados que compõem o quadro funcional, esteja obrigada a custear o plano de saúde, tíquetes alimentação, planos de previdência complementar, seguros de qualquer natureza e outras utilidades contratuais pactuadas entre as partes, durante o período incerto de duração da Aposentadoria por Invalidez que pode permanecer, inclusive, até o óbito do trabalhador. Tal entendimento, lamentavelmente, apenas colabora para que nenhuma empresa implemente plano de benefícios, posto que se sujeita a eventualmente ter que arcar com custos elevados de direitos sociais sem a respectiva contraprestação em serviços pelo trabalhador.

Caberá ao INSS, através dos regramentos próprios conferidos pelas Leis 8212 e 8213, ambas de 1999, adimplir os pagamentos do obreiro durante o gozo de tais benefícios, a partir do 16o dia de afastamento, que, ao seu turno, será a fonte de renda e sustento do trabalhador/segurado e seus dependentes, sendo que na primeira quinzena, é devido o recolhimento a título de FGTS, até porque se trata de situação de interrupção do contrato de trabalho.

Assim, se um obreiro sofreu um acidente e ficou impossibilitado de exercer seu labor, gerando incapacidade por 18 dias, temos que o empregador arcará com os primeiros quinze dias e três dias a cargo do INSS, ocasião em que, mesmo passando este exímio lapso temporal, fará jus, por exemplo, à estabilidade provisória do art. 124 da Lei 8213/1991.

Registre-se que não há benefício previdenciário para incapacidade com duração inferior a uma quinzena e que estes quinze dias são de responsabilidade da empresa, existindo súmula do Tribunal Superior do Trabalho que prestigia este entendimento em nome da responsabilidade social da empresa, conforme número 2822. Nesse sentido, destaco posicionamento de VIANNA (2007; p. 66):

As empresas, por sua capacidade contributiva, dividem a responsabilidade desse pagamento com a Previdência Social: a empresa paga a primeira quinzena do benefício e o INSS os dias subsequentes, assim como ocorre quando se trata de benefício de aposentadoria por invalidez. Determina, ainda, o legislador, que a empresa não pode utilizar a perícia médica do INSS para averiguar a real necessidade de afastamento, cabendo a ela própria, caso mantenha serviço médico próprio ou convênio, o exame médico correspondente. O encaminhamento à Perícia do INSS somente poderá ocorrer a contar do 16o dia de incapacidade.

Não seria justo com o empregador manter os valores neste limbo jurídico pelas razões argumentadas. Até porque mesmo que elejamos a proteção social como um direito social do indivíduo e, de fato, o é, temos que nos atentar para o fato de que é dever conjunto do Estado e da sociedade. Porém, a sociedade não contribui de forma direta, com a prestação dos serviços de saúde, assistência e previdência, mas sim pelas contribuições sociais, obrigadas por força constitucional (art. 195 da CR de 1988).

Registro, ainda, que os fundamentos da República Federativa do Brasil são, entre outros, o valor social do trabalho e a livre iniciativa, sendo ambos os pilares da ordem constitucional econômica, no sentido em que se busca conciliar o Estado Social e a Constituição Econômica e, diante disso, é imperiosa a verificação concomitante da situação da livre iniciativa até para que não se inviabilizem a consecução da atividade econômica que, por sua vez, gera empregos e faz circular a renda, mantendo uma classe obreira ativa como consumidora.

Tanto que, ao mesmo tempo, em que se menciona a função social da propriedade e da empresa, o valor social do trabalho deve ter também uma conotação protetiva da liberdade de iniciativa. Não se pode desprezar a competitividade, a redução dos custos, a busca pela eficiência e a globalização.

A questão crucial é: estaria a empresa dispensada de tal responsabilidade social?

Ora, entende-se como responsabilidade social o desenvolvimento da atividade empresarial com ampla consciência, em cumprimento ao art. 421 do Código Civil e art. 170 da Constituição da República de 1988 e, ainda, direcionado, ao princípio da dignidade da pessoa humana e da ordem social.

Com aludida responsabilidade, não há uma preocupação exclusiva com o lucro e redução de custos, mas estende-se o foco para a questão ambiental, do consumidor, do trabalhador, da população do entorno do empreendimento etc. Há uma preocupação “com o outro”, entendido este como um interesse institucional. E, obviamente, é uma responsabilidade que encontra limites.

Devemos destacar, ainda, o teor do artigo 75 do Decreto n 3048, de 1999, in verbis:

Art.75. Durante os primeiros quinze dias consecutivos de afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário.

§ 1º Cabe à empresa que dispuser de serviço médico próprio ou em convênio o exame médico e o abono das faltas correspondentes aos primeiros quinze dias de afastamento.

§ 2º Quando a incapacidade ultrapassar quinze dias consecutivos, o segurado será encaminhado à perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social.

§ 3º Se concedido novo benefício decorrente da mesma doença dentro de sessenta dias contados da cessação do benefício anterior, a empresa fica desobrigada do pagamento relativo aos quinze primeiros dias de afastamento, prorrogando-se o benefício anterior e descontando-se os dias trabalhados, se for o caso.

§ 4o Se o segurado empregado, por motivo de doença, afastar-se do trabalho durante quinze dias, retornando à atividade no décimo sexto dia, e se dela voltar a se afastar dentro de sessenta dias desse retorno, em decorrência da mesma doença, fará jus ao auxílio doença a partir da data do novo afastamento.

§ 5º Na hipótese do § 4º, se o retorno à atividade tiver ocorrido antes de quinze dias do afastamento, o segurado fará jus ao auxílio-doença a partir do dia seguinte ao que completar aquele período.

Há uma solução legislativa parcial ao impasse em decorrência da renovação dentro do prazo de sessenta dias do benefício previdenciário, do qual a responsabilidade passa a ser do INSS, inclusive, durante os primeiros quinze dias.

As empresas, dessa forma, já fazem a sua parte quando arcam com as despesas referentes a elevadas contribuições sociais que incidem sobre a folha de pagamento, seu lucro e faturamento. Ou seja, o empregador já paga para o financiamento dos direitos sociais, não podendo ser duplamente penalizado porque já efetua o pagamento das contribuições sociais.

Da mesma forma, aplica-se à questão do limbo jurídico em que o obreiro trava uma batalha judicial com o INSS no sentido de ver restabelecido o seu benefício ou almeja aposentadoria por invalidez.

O mais comum, no entanto, é a alta médica pelo INSS e a discordância do obreiro. Isso porque nos termos dos artigos 60 e 62 da Lei 8213, de 1991, o auxílio-doença (acidentário ou não) só poderá ser cancelado se o INSS constatar, mediante as perícias periódicas, que há a recuperação da capacidade laborativa do segurado.

O empregado que se sente insatisfeito com o resultado da perícia, pode ajuizar pedido de reconsideração ou recurso administrativo junto ao órgão recursal. Pode também ingressar com ação judicial contra o INSS para que seja assegurado o seu benefício de auxílio-doença até sua efetiva recuperação.

Ao mesmo tempo, o empregado deve comunicar tal situação à empresa para que não se configure reiteradas faltas a ensejar a situação de abandono de emprego e, ad cautelam até mesmo da empresa, esta declaração deve ser por escrito, até para que se verifique ser esta a manifestação do obreiro. O contrato de trabalho resta suspenso até o momento em que se verifica a exata recuperação da capacidade da empresa por meio de novo atestado médico apresentado à empresa.

Até porque esta é obrigada a proceder a um novo exame do obreiro quando este chega à empresa no seu primeiro dia de volta ao trabalho (exame de retorno) e, na verdade, muitas vezes, sequer há um primeiro dia de trabalho. Não se pode considerar, tecnicamente, possível o retorno do trabalhador, ainda que não esteja recebendo mais o benefício previdenciário, quando for o caso de incapacidade para retornar ao serviço, confirmada por um médico da empresa ou um terceirizado por esta para fins de fazer o exame de retorno. Destaco a posição de VIANNA (2007; p. 106):

Nesta situação, compreendemos que a empresa não poderá permitir o retorno do trabalhador às atividades profissionais, devendo manter suspenso o contrato de trabalho diante do documento médico apresentado e da comprovação, pelo obreiro, de que está discutindo a questão junto ao INSS ou por meio de ação judicial. Note-se que, para justificar o afastamento, de forma a não caracterizar o abandono de emprego por excesso de faltas injustificadas, o empregado deve comprovar ao empregador, por meio de documentação médica, a incapacidade gerada pelo acidente ou pela doença. Também por documentação médica deve ser comprovada a recuperação da capacidade laborativa, de forma que, se o obreiro apresenta atestado indicando ser necessária a permanência do afastamento, a empresa não pode permitir o seu retorno, sob pena de se responsabilizar por eventual agravamento da enfermidade ou lesão. O contrato deverá permanecer suspenso até que novo atestado médico, indicativo da recuperação da capacidade laborativa seja apresentado à empresa.

Ora, nas duas situações, seja pela insatisfação do empregado e da empresa, o contrato de trabalho está suspenso. Só se configura continuidade do contrato com todas as consequencias legais, quando há indícios clinicamente demonstrados de que o empregado esteja apto ao labor, não sendo suficiente apenas a perícia do INSS que concedeu a alta, até porque desta decisão cabe recurso pela via administrativa e judicial. E mesmo com a alta do INSS, o próprio empregado pode apresentar atestado médico alegando sua incapacidade em sentido contrário da perícia oficial. Quando o empregado faz isso, a meu ver, está deixando nítido que não pode retornar ao trabalho, dando continuidade ao contrato de trabalho anteriormente suspenso. Há doutrinadores que defendem, inclusive, que quando isso ocorre, nem há mais necessidade da empresa fazer o exame de retorno. Neste sentido, destaca VIANNA (2007, p. 107):

Ocorre que, tendo o trabalhador apresentado à empresa (ou ao médico do trabalho, no início do exame de retorno) um atestado médico indicando a permanência da incapacidade laborativa, não é possível o seu retorno ao trabalho, ainda que o mesmo não esteja percebendo benefício previdenciário. Não haverá o primeiro dia de volta ao trabalho, justamente porque o empregado apresentou um documento que impede tal ocorrência, mesmo tendo a Previdência Social cancelado seu benefício de Auxílio – doença. Observe-se que o elemento configurador da suspensão contratual não é propriamente o benefício pago ao INSS, mas sim o documento médico que indique a necessidade de afastamento das atividades profissionais por razão de acidente ou doença. Mesmo que o segurado não busque a percepção do benefício, seu contrato de trabalho deverá permanecer suspenso, até que termine o eventual prazo fixado no primeiro atestado apresentado ao empregador (…) Nesta linha de raciocínio, no momento em que o empregado apresenta um atestado médico indicando a permanência da incapacidade, manifesta expressamente que não retornará ao trabalho, não se justificando, pois, a realização de exame médico de retorno.

O empregador, neste caso, diante da apresentação do atestado médico incapacitante, após a alta do INSS, a meu ver, não pode compelir o empregado a retornar imediatamente ao posto de trabalho, sob pena de piorar a situação deste no que tange à lesão e à enfermidade e, ainda, causar prejuízos a terceiros. E até mesmo porque o empregado tem o direito de reverter a alta médica na via administrativa e judicial e, caso haja reversão, pode o obreiro ingressar com ação indenizatória com o empregador, por este ter lhe causado um dano quanto a isso.

A meu ver, o limbo jurídico seria solucionado no pagamento de indenização pelos danos materiais e morais em razão do prejuízo do trabalhador junto ao INSS, caso consiga reverter a alta médica e, em situações excepcionais, creio que até mesmo o empregador poderia ajuizar ação contra o INSS pela alta médica de um obreiro de forma indevida.

Por isso que o empregador tem o direito de efetivamente não aceitar o retorno do obreiro para que os danos não sejam aumentados em todos os aspectos na figura do trabalhador, seja piorando seu estado clínico ou por meio de prejuízos causados a usuários do serviço prestado pela empresa. Diante disso, entendo que cabe ao empregado que for considerado inapto pelo seu próprio médico ou até mesmo pelo médico da empresa no exame de retorno ajuizar ação pertinente para reverter a alta médica.

No caso de procedência do pedido do obreiro, o INSS deve arcar com todos os valores que deveriam ter sido entregues ao obreiro e pagos como benefícios previdenciários desde a data da alta médica até o fim da convalescença, migrando ou não para uma aposentadoria por invalidez ou restabelecimento completo do trabalhador.

Não podemos, simplesmente, “tapar buracos legislativos” repassando à empresa ônus que ela já se obrigou e, principalmente, efetuou contribuições enquanto estava cumprindo as regras do sistema previdenciário e fiscal, sob pena de desviar a própria finalidade do Estado Social que deve prestigiar a proteção social e não esmagar, por completo, a livre iniciativa.

São dois pilares que devem andar em conjunto, sob a ótica do sistema de ponderação de interesses. No caso em comento, é responsabilidade da União arcar com as ações indenizatórias, e enquanto ocorre a discussão judicial entre o INSS e o trabalhador, o contrato de trabalho estará resguardado, e quando este retornar, voltará a receber os salários, não sendo possível a redução do seu valor e nem pode haver tratamento diferenciado a ser praticado pela empresa.

E, ainda, há a imposição do legislador, já mencionada, da ação discriminatória positiva que compele às empresas atuarem incisivamente na reabilitação profissional, ocasião em que o obreiro também terá uma proteção neste aspecto, com o ingresso no mercado de trabalho desenvolvendo atividade paralela.

Diante deste cenário, concluo este breve artigo, respondendo às indagações iniciais, no sentido de que o limbo jurídico é uma realidade presente nas Varas Trabalhistas e enfrentadas, indiretamente, nas Varas Federais em todo o país diante das altas médicas conferidas pelo INSS e contestadas no âmbito do obreiro e patronal, ocasionando impasses que mantem suspenso o contrato de trabalho e que devem ser resolvidas em ações específicas no que se refere às ações judiciais contra a autarquia previdenciária.

Durante a discussão judicial, entende-se que no caso de procedência do pedido do segurado/obreiro, o INSS deve arcar com todos os valores referentes à alta médica e, no caso de improcedência, por meio de decisão judicial, deve o obreiro ser readaptado a outra função no âmbito da empresa ou reabilitado profissionalmente, retornando o contrato de trabalho a partir do trânsito em julgado da improcedência e ciência da empresa, fazendo jus, neste caso, ao recebimento de salários, pois desconfigurada a suspensão contratual.

Defendo, inclusive, que a empresa tem direito de acionar judicialmente e de forma direta o INSS para fins de discutir a inaptidão do obreiro, no sentido de ser resguardado o seu direito de manter a suspensão do contrato de trabalho. Neste sentido, destaco jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região3 que abordou a questão em 2010, apesar de não ser completamente em conformidade com o entendimento exposto:

Alta médica do INSS. Recusa do trabalhador pela empresa. Impossibilidade. A alta médica é um ato administrativo e este goza de presunção de boa-fé e correção. Não pode o particular (empregador) descumprir o ato administrativo e impedir o acesso da trabalhadora ao trabalho e respectivos salários. Se a empresa entende que não deve receber o empregado nas suas dependências porque ainda está doente, deve questionar a alta médica no Juízo competente. E, até obter decisão favorável, deve pagar os salários do período. O que não se admite é que, diante da alta do INSS, com a cessação do benefício previdenciário e a recusa do empregador e ausência de salários, o empregado fique à própria sorte, sem obter sua subsistência de qualquer dos lados.

Defendo, ainda, que como há interesse da empresa em verificar a inaptidão do próprio obreiro, esta pode atuar como litisconsorte ou assistente no sentido de que o interesse jurídico está latente, para que esta também não venha a arcar com pagamentos e condenações em ações trabalhistas, indenizatórias e de ressarcimento. Processualmente, há interesse jurídico no caso em comento.

Seria uma forma de repartir de forma equânime a responsabilidade social e o sistema de proteção, bem como respeitar os institutos de suspensão contratual, de liberdade de iniciativa e, ainda, da carga tributária e previdenciária que o empregador já arca.

Em um primeiro momento, as conclusões podem transparecer certo alheamento à figura do empregado. Ledo engano. Busca-se apenas tratar de um limbo jurídico inflamado que traz à tona uma gama de princípios, valores e se entrelaça nos ramos jurídicos os mais diversos.

No entanto, não se pode olvidar que a questão é tormentosa e que os ônus de contribuição são excessivos e que comportamentos extremamente protecionistas podem ter um efeito a médio ou a longo prazo diametralmente oposto, com a prática cada vez mais comum do trabalho informal, de dispensas disfarçadamente por justa causa e, ainda, maiores conflitos e agravamentos à saúde e capacidade laboral do trabalhador brasileiro que, mais que isso, é um cidadão que busca a garantia do pleno emprego e o apoio da Previdência Social.

Referências Bibliográficas

DE LITALA, II Contrato di Lavoro, Torino, 1937, p. 518, apud Júlio Bernardo do Carmo in Salário in natura ou em utilidades. In Curso de Direito do Trabalho – Estudos em Memória de Célio Goyatá (coord. BARROS, Alice Monteiro de.) 3a ed, São Paulo: Ltr, 1997, Vol II, pp. 29 a 52.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo LTR; 2002, p. 1034.

NUSDEO, Fabio. Fundamentos para uma Codificação do Direito Econômico. São Paulo: RT ,1995, p. 149.

VIANNA, Cláudia Salles Vilela. A relação de emprego e os impactos decorrentes dos benefícios previdenciários. LTR, 2007.

1STF – 2a Turma – RE 236.449-1/RS – Relator Ministro Maurício Correa. Ementa: Recurso Extraordinário. Constitucional, Administrativo. Lei 10002/93, do Estado do Rio Grande do Sul. Vale- refeição. Benefício concedido aos servidores em atividade. Extensão aos aposentados. Incidência do art. 40, §4o da Constituição Federal. Pressupostos. Inexistência.

2Súmula 282 do TST: Abono de faltas. Serviço médico da empresa. Ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros 15 (quinze) dias da ausência do trabalho.

3(TRT/SP - 00585200831202007 (00585200831202007) - RO -Ac. 3ªT 20101083593 - Rel. ANTERO ARANTES MARTINS – DOE 27/10/2010)

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Sobre o autor
Maria Rafaela de Castro

Juíza do Trabalho da 7a Região. Trabalhou como Juíza no TRT da 14a Região e como promotora de Justiça no Ministério Público do Estado de Rondônia. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Porto, em Portugal. Professora de Cursos Preparatórios.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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