A Lei do Desarmamento (nº 10.826/03) não deixou, embora há tempos em estudo legislativo, de trazer alguns paradoxos jurídicos-penais em sua parte criminal. Sem ingresso sobre a questão político-criminal ou social do tema armas de fogo, a análise, aqui, se restringe ao tema penal propriamente dito. Assim, resumidíssima e articuladamente, se tem:
Nos arts. 12, 14, 16, 17 e 18, a lei equiparou arma, acessório e munição na mesma conduta e pena. Assim, tanto faz a tipicidade existir com arma, acessório ou munição. Acessório tem sua definição no art. 3º, II, do Decreto nº 3.665/0) (R-105): artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma. Deveras, receberá a mesma sanção quem tiver uma arma de fogo ou, por exemplo, uma luneta, uma mira telescópica, um silenciador de tiro ou até mesmo, um tripé. Isso, em Direito Penal, é um tanto que ilógico, pois a ofensividade ao bem jurídico parece em desnível, porque é bem clara a distinção lesiva entre uma arma e um acessório. Munição está definida no art. 3º, LXIV, também do R-105 como: artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais. Assim, um cartucho íntegro é munição. Deveras, qual a quantidade de munição que será considerada como crime? Um cartucho, cinco...? Destarte, projétil ou estojo não podem ser munição, já que não são artefatos completos.
No art. 13, parágrafo único, a responsabilidade do guardião está condicionada à comunicação do fato à polícia nas 24 horas após a ocorrência do furto, roubo ou extravio da arma, mas, s.m.j., o tempo deveria e deverá, ser contado após o conhecimento do fato pelo guardião.
A proibição parcial de fiança para o art. 14 é um tanto que ineficaz, pois será possível a concessão de liberdade provisória.
O disparo de arma de fogo no art. 15 agora tem subsidiariedade expressa, mas, em algumas situações, poderá ser complexa a identificação da finalidade do agente. E continua a questão da problemática do concurso com a posse ou porte da arma. Será que estas situações serão finalidade para outro crime?
O inc. V, do art. 16 reproduz o art. 242 da Lei nº 8.069/90 (ECA) e, portanto, derrogou este artigo definitivamente, tanto por ser lei mais nova sobre a mesma matéria e bem jurídico tutelado, como porque possui pena superior, atendendo ao disposto no art. 227, § 4º, da Const. Federal.
A proibição de liberdade provisória para os casos dos artigos 16, 17 e 18 deverá ser interpretada cum grano salis pelos pretórios, de igual modo a outras legislações com regra similar.
Quanto à competência jurisdicional, a novel lei parece ter rumado à Justiça Federal. Vê-se que a lei menciona o Sinarm, no âmbito do Ministério da Justiça e Polícia Federal. Após, atribui à Polícia Federal proceder aos registros e atualizações destes, bem conceder autorização para porte de arma. Assim, antes de tudo, o bem jurídico alcançado pela lei é a Administração Pública, na questão do controle das armas e, apenas, subsidiariamente, a segurança pública. Portanto, o interesse primordial está afeto à União. Ora, se toda lei volta-se para atribuições da União (Min. da Justiça e Exército) é porque a esta as condutas típicas afetam (art. 109, IV, da Const. Federal).
Sem embargo, muita polêmica ainda emergirá quando da dogmática. Aguarde-se.