Estupro de vulnerável: o ideal, o real e o pragmatismo jurídico

19/05/2016 às 09:50
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Análise sobre o crime de estupro de vulnerável, hoje etiquetado “Contra a Dignidade Sexual”, com ênfase à vítima menor de 14 anos.

  

Sumário: 1) Considerações preliminares; 2) O estupro de vulnerável. Crime hediondo; 3) A presunção de violência; 4) O dolo do agente. O erro de tipo; 5) A posição pacífica dos Tribunais Superiores; 6) Conclusão.

                                                                            

                                                                                                                         

  1. Considerações preliminares.

Tema instigante para os que militam na área criminal é o afeto aos crimes hoje etiquetados “Contra a Dignidade Sexual”. Dentro das novidades mais relevantes trazidas pelo diploma em 2009, a atinente à vítima menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável tem suscitado intensos debates no campo doutrinário e jurisprudencial.

O objetivo é pontuar e discutir casos em que a vítima nessa faixa etária consente com os atos libidinosos ou conjunção carnal ou detém alguma experiência sexual. E, no mais das vezes, quando há o consentimento e/ou experiência sexual da pessoa menor de 14 anos não há concorrência de emprego de violência ou grave ameaça por parte do agente, de sorte que fica a indagação sobre a responsabilidade penal à luz dos princípios da intervenção mínima e da ofensividade.

Atente-se que a criação do tipo do estupro de vulnerável teve por fim maior pôr fim à figura da presunção de violência ou violência presumida ou ficta, extirpando-a do cenário nacional e substituindo-a por situações fáticas que se adequassem imediatamente ao tipo. A intenção foi e é digna dos maiores elogios, que ora denominamos de ideal, contudo, em nosso sentir, não há como aplicá-la de modo absoluto, a todo e qualquer caso do cotidiano criminal, ao que denominamos real, a despeito de ilustradas opiniões doutrinárias naquele sentido, atualmente abraçadas pelo STF e pelo STJ.

Do cotejo entre o ideal e o real nosso desejo é estabelecer uma ponte para que o aplicador do direito pondere sobre o caminho a perfilhar, inclusive se o real conduzir ao pragmatismo. Por pragmatismo não pensamos na doutrina anglo-americana somente, mas na praticidade que os juízes podem imprimir para alcançar a sua justiça ao caso sub examine.

O estupro de vulnerável tem sua previsão expressa no art. 217-A com a seguinte redação: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos e, ainda, o equiparado no § 1º: Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

  1. O estupro de vulnerável. Crime hediondo.

Vulnerável, no aspecto etário, dentro da definição do legislador penal é o menor de 14 e o menor de 18 anos. Aquele constante dos arts. 217-A; 218; e 218-A e o segundo expresso nos arts. 218-B; 230, § 1º; 231, §2º, I; e 231-A, § 2º, inc. I. O menor de 14 anos recebeu a maior proteção porquanto o legislador se preocupa com a criança e com o infanto-juvenil, recém-ingresso na adolescência, ou seja, com a pessoa menos evoluída e desenvolvida no campo pessoal e sexual. Por esta dupla preocupação, fala-se que existem duas vulnerabilidades: a absoluta (menor de 14 anos) e a relativa (menor de 18 anos). Neste sentido: Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito Penal, vol. 4, p. 92; idem Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, p. 1105 e Julio F. Mirabete e Renato N. Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 1382.

Também é vulnerável aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa não possa oferecer resistência.

A vulnerabilidade veio, dissimuladamente, como pondera Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal, vol. 4, p. 97), ocupar o lugar da presunção de violência, constante do revogado art. 224 do diploma penal, que tinha o seguinte teor: Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

De todo modo, entendemos por correta a exclusão da figura da presunção (ideal), uma vez que esta deve ser evitada no Direito Penal, mormente quando contrária aos interesses do réu. Ora, presumia-se que ele obrou com violência, ao praticar ato sexual com pessoa não maior de 14 anos ou nas demais situações previstas no tipo. Contudo, em casos limítrofes, quando a vítima claramente tem noção das coisas do sexo e consente com tais atos, que rumo seguir?

Hungria já nos ensinava que essa presunção de violência tinha natureza relativa, ou seja, admitia prova em sentido contrário (Comentários ao Código Penal, vol. VIII, p. 230), visando a não transigência com a responsabilidade objetiva. Assim, era permitida a produção de provas que o levassem à absolvição, seja porque houve o consentimento, seja porque a vítima tinha vida dissoluta ou era afeita às coisas do sexo. Extirpada a presunção do texto legal, nasceu a vulnerabilidade e procurou-se sepultar a figura da presunção. Pelo menos este foi o intuito.

Não obstante, para importante fatia da doutrina nacional, da qual citamos alguns, Bitencourt e Nucci, ladeados por Rogério Sanches Cunha (in Manual de Direito Penal, p. 496), Capez e Prado (Código Penal Comentado, p. 468) e Damásio E. de Jesus (Código Penal anotado, p. 787), o instituto remanesce intocado (real). Senão se puder falar da presunção, pelo menos, como expressa Damásio: “a realização de atos libidinosos consensuais, notadamente quando diversos da conjunção carnal, oral ou anal, envolvendo adultos e adolescentes (pessoas com doze anos completos), sempre deverá ser analisado com cautela. O fato poderá ser formalmente típico, mas poderá não se revestir de tipicidade material, por não atentar contra a dignidade sexual do menor que já saiu da infância”.

Em sentido contrário, encontramos Celso Delmanto et alli (Código Penal Comentado, p. 705), Julio F Mirabete e Renato N. Fabbrini (ob. cit., p. 1383) e Rogério Greco (Código Penal Comentado, pp. 654/655).

Para Julio F. Mirabete e Renato N. Fabbrini:

“diante da redação do art. 217-A, não há mais que cogitar de presunção relativa de violência, configurando-se o crime na conjunção carnal ou ato libidinoso praticados com menor de 14 anos, ainda quando constatado, no caso concreto, ter ele discernimento e experiência nas questões sexuais (...). É irrelevante também se o menor já foi corrompido ou exerce a prostituição, porque se tutela a dignidade sexual da pessoa independentemente de qualquer juízo moral” (ob. cit., p. 1383).

O estupro de vulnerável, consoante dispõe o art. 1º, inc. IV, da Lei 8.072/90, é crime hediondo, tanto nas formas simples (caput e § 1º), como nas qualificadas (§§ 3º e 4º).

3) A presunção de violência

Ao contrário do previsto no estupro em sua forma fundamental, o de vulnerável prescinde do constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça, pelo fato da idade. Sempre que a vítima for menor de 14 anos, incide o tipo em apreço. Alcança toda situação em que a vítima concorda com o ato sexual, independente da motivação, i.e., seu consentimento é inválido. Trilhou o legislador pelo fato da idade como elementar do tipo, não admitindo qualquer relativização, ainda que se fundasse na presunção revogada ou no Estatuto da Criança e do Adolescente (até 12 e de 12 a 18 anos), ao empregar no tipo a expressão menor de 14 anos e não criança ou adolescente.

Como se sabe o estupro se dá mediante o emprego de violência real, pela coação física ou moral e a vítima não tem possibilidade de resistir. Na violência ficta, outrora prevista no ordenamento, o legislador reputava a conjunção carnal ou o ato libidinoso realizado com emprego de violência, ainda que contasse com o consentimento para a prática do ato sexual. Como a ofendida não possuía capacidade para consentir validamente ou para oferecer resistência, o crime se materializava, bastando combinarem-se os tipos do estupro (art. 213) e/ou atentado violento ao pudor (art. 214) com a presunção legal (art. 224) para se aperfeiçoar o crime. Atualmente, a conjunção carnal e os atos libidinosos integram o tipo penal do estupro (art. 213), de modo que basta o acréscimo da elementar “menor de 14 anos” para a adequação imediata ao estupro de vulnerável (art. 217-A), independentemente da modalidade de violência empreendida pelo agente. Porém, em nosso sentir, quando houver o consentimento da vítima (homem ou mulher), dúvidas surgirão sobre o reconhecimento da responsabilidade penal do imputado, impondo-se uma análise individuada, caso a caso, para formação do convencimento judicial.

Para termos uma noção da evolução da presunção de violência no Brasil, conveniente nos abeberar em Nélson Hungria, em seus Comentários ao Código Penal.

Leciona que: “Fiel a um tradicional critério jurídico-penal, que remonta a Carpsovio, o Código presume ou finge a violência, nos crimes sexuais, quando a vítima por sua tenra idade ou morbidez mental, é incapaz de consentimento ou, pelo menos, de consentimento válido (...). O consentimento (no sentido natural) pode existir (e existe na maioria dos casos), embora não seja juridicamente válido. Não importa, porém, que seja válido ou inválido o consentimento, ou haja estado de indiferença ou de incapacidade de manifestação da vontade: desde que não se apresente uma reação ou defesa a conjurar, não há o pressuposto da violência real.” (ob. cit., p. 225). Mais adiante, acrescenta: “Quem não pode consentir, dissentiu. Se os impúberes ou dementes não podem consentir, deve entender-se que dissentiram, e, assim, o abuso sexual contra eles praticado tem caráter de violento. O raciocínio é, sem dúvida, sofístico. O incapaz de querer é também incapaz de não querer” (ob. cit., p. 226).

No Brasil, a presunção de violência já era prevista no Código republicano de 1890, que em seu art. 272 preconizava: “Presume-se commettido com violencia qualquer dos crimes especificados neste e no capitulo precedente, sempre que a pessoa offendida fôr menor de 16 anos”.

Nélson Hungria refere que na Exposição de Motivos do Código de 1940, o Ministro Francisco Campos enfatizou a necessidade de progresso em face do Código de 1890 com os seguintes argumentos: “O fundamento legal da ficção legal de violência, no caso dos adolescentes, é a innocentia consilii do sujeito passivo, ou seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais, de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento. Ora, na época atual, seria abstrair hipocritamente a realidade o negar-se que uma pessoa de 14 anos completos já tem uma noção teórica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e do risco que corre, se se presta à lascívia de outrem” (ob. cit., p. 228).

Daí, o Código Penal trazer a lume a redução da idade da presunção de 16 para 14 anos, com o acréscimo de duas novidades nas alíneas b e c: “Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (quatorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”. A evolução do mundo, entre “contínuas, profundas e radicais transformações, não se poderia, realmente, esperar que o direito penal, em matéria sexual, permanecesse numa postura de total indiferença e que continuasse a adotar conceitos (ou preconceitos?) já esgotados de significado. Teve, como é óbvio, de adotar novas posições, de passar por um processo de recomposição e de reavaliação. Antes de tudo, renunciou à tendência de ditar normas em nome da moralidade e declarou sua neutralidade em face de diversas modalidades de orientação ou opção sexual”, segundo Alberto Silva Franco e Tadeu Antonio Dix Silva (Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência, p. 1096). A mudança de mentalidade, após 50 anos, da sociedade formatou o passo natural para a redução da idade, na violência ficta.

Nada obstante, a presunção de violência sempre carregou esse componente criticável no Direito Penal: presumir contra o réu.

Por conta da evolução das teorias, do pensamento do direito, independente de seu ramo, público ou privado, após a edição da Constituição Cidadã de 1988, a presunção recebeu críticas de alguns setores da doutrina, acoimada de inconstitucional ou por não ter sido recepcionada. Neste sentido, Luiz Flávio Gomes defendeu a necessidade de reconstrução do tipo penal (apud Código Penal e sua interpretação, pp. 1094/1095).

Na esteira desses pensamentos inovadores, foi tentada, sem sucesso, a alteração do texto legal, mediante reforma da Parte Especial do Código Penal, na década de 90. Independente de ideologias, o ponto comum alinhavado pontuava ser imprescindível uma redação que protegesse as crianças, mormente após a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, o limite de 12 anos de idade foi pautado em 1994 como razoável para se reprimir qualquer constrangimento à criança.

Na ocasião, a Primeira Subcomissão de Reforma trouxe dois novos tipos penais, a saber: “Violação sexual de menor. Art. 135. Praticar cópula vaginal ou anal com menor de doze anos de idade: Pena – reclusão, de cinco a dez anos”; e, “Abuso sexual de menor. Art. 136. Praticar com menor de doze anos de idade, ato libidinoso grave diverso da cópula vagina ou anal. Pena – reclusão, de três a seis anos”.

Como se sabe, a reforma pretendida não evoluiu...

Descuidando dessa progressão de pensamento, o legislador vem em 2009 e edita a Lei 12.015/09, optando por manter a idade de 14 anos como paradigma para construção do tipo penal do estupro de vulnerável, em substituição ao art. 224.

Tanto se mostrou desconforme à razoabilidade, que no Anteprojeto de Reforma do Código Penal entregue ao Congresso Nacional, no ano de 2012, a Comissão Redatora prevê o crime de estupro de vulnerável com a seguinte redação: “Estupro de vulnerável. Art. 186. Manter relação sexual vaginal, anal ou oral com pessoa que tenha até doze anos: Pena – prisão, de oito a doze anos”.

Curioso o proceder do legislador de 2009, mas, claramente, decidiu repudiar a vulnerabilidade absoluta aos 12 anos de idade e estendê-la até os 14 anos, contrariando a lógica e o bom senso que estiveram presentes nas alterações legislativas acima pontuadas. Ora, se antes de 1940, a redução de 16 para 14 anos foi considerada imponível, porquanto o Ministro Francisco Campos preocupava-se com a hipocrisia de uma realidade insofismável, de que os adolescentes à época (1940) detinham algum conhecimento das coisas do sexo, de modo que a redução em dois anos era mais que razoável, afigure-se o quadro atual, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente define os limites etários para diferenciar criança de adolescente. Não podemos olvidar, diferentemente do que ocorria na primeira metade do Século XX, que a mídia, em especial a televisiva, ingressa em nossos lares levando cenas de nudez, ócio, erotismo e sensualidade em todos os horários do dia, através das novelas, reality shows e similares.

Se em 1940, a adolescência era considerada evoluída a ponto de justificar a redução da presunção de violência nos crimes sexuais para 14 anos, incompreensível nosso legislador, quase 70 anos após, optar por manter inalterado o mesmo paradigma. A quadra histórica atual mostra os recém-ingressos na adolescência comportando-se como conhecedores das coisas do sexo de forma altamente precoce; jovens de doze e treze anos namoram e se relacionam erótica e sexualmente com o consentimento dos pais e até porque a educação sexual está inserida no currículo escolar. Para nós, a manutenção da idade de 14 anos, desprezando o Estatuto da Criança e do Adolescente, revela absoluto e incompreensível descompasso com a realidade. O legislador tratou e agora os tribunais pátrios lançam ao mesmo patamar o namorado e o estuprador, como poderemos conferir adiante.

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Tivesse reduzido a idade para menor de 12 anos e as polêmicas decorrentes de crimes praticados contra os adolescentes praticamente findariam. No máximo, cingir-se-iam a casos pontuais de relevância mínima, considerado o contexto atual.

Em suma, pensamos que foi malograda a opção do legislador, haja vista ter deixado aberto a via da presunção de violência em situações específicas, como pensa boa parte de nossos doutrinadores.

Não obstante nossa argumentação, os Tribunais Superiores, leia-se: Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça perfilham a tese da absoluta “intangibilidade sexual dos menores de 14 anos”, como leciona Damásio de Jesus. E pensam assim, em defesa da estabilidade jurídica e de entendimento uniforme dos tribunais pátrios, preconizando a responsabilidade objetiva para toda e qualquer hipótese em que sobrevenha conjunção carnal ou ato libidinoso diverso dela envolvendo menores de 14 anos.

4 – O dolo do agente. O erro de tipo.

Para a configuração do crime em estudo impõe-se que o agente tenha pleno conhecimento da menoridade da vítima, i.e., homem ou mulher menor de 14 anos. A dúvida sobre a idade, enfermidade ou doença mental da vítima pode caracterizar o dolo eventual. O erro de tipo exclui o dolo, tornando o fato atípico; pode, nas circunstâncias, configurar outro crime (CP, arts. 213 e 215).

Consoante Santiago Mir Puig ao tratar do erro invencível: “El error invencible excluirá tanto el dolo como la imprudência, por lo que em principio dará lugar a la impunidad, pues em el Derecho positivo general sólo se prevén tipos dolosos o tipo culposos, de modo que la pura causación de um resultado lesivo sin dolo ni imprudência resulta atípica” (Derecho Penal – Parte General, p. 270).

Imperativo observar que, não raro nos dias atuais a mulher quer conquistar o homem, diferentemente de outrora. Basta ouvir e nos inteirarmos de uma realidade fática e nos afastarmos um pouco das letras para compreender o que flui nas ruas: as músicas de estilo funk exortam as mulheres à prática de atitudes eróticas que a levarão à conquista do parceiro desejado. O homem passa a ser o objeto de desejo. Essas lições ouvidas por crianças e pré-adolescentes, em rádios e TV, são reais e penetram em seu imo e o resultado pode e precisa ser analisado no caso concreto.

Neste tópico, exemplos vários podem ser mencionados, tais como, de jovens vestidas de forma extravagante e provocante em “baladas”. Perfeitamente crível que ela seduza outrem do mesmo sexo ou não, dizendo-se maior de 14 anos ou silenciando a respeito, mas transmitindo a impressão de ser maior; ainda há aquelas que se utilizam de cópia de cédula de identidade falsa para ingressar em eventos, como festas rave ou danceterias.

Lembrando Cezar Roberto Bitencourt, nos autos da Apelação n. 0001514-26.2012.8.26.0306, cuja ementa será reproduzida, o Juiz Airton Vieira aduz sobre situações que tendem a comprometer a capacidade de real compreensão do agente:

"Logicamente, não se pode desprezar a possibilidade, bastante frequente, da ocorrência de erro de tipo em relação à idade do menor, sendo, ademais, impossível determinar-se ao 'consumidor' que, antes de qualquer ato de libidinagem, exija a apresentação de documentos, os quais, ainda assim, podem não ser verdadeiros. Nesse meio, por outro lado, é comum que menores tenham aparência envelhecida além de sua idade real, decorrente de insônia (noites mal dormidas), ingestão excessiva de álcool, enfim, os maus-tratos que a vida devassa lhes oferece contribuem para aparência de 'amadurecimento' (entenda-se envelhecimento) precoce. Esses aspectos, suficientemente idôneos para levar ao erro, afastam a tipificação do crime, por ausência de dolo." (Tratado de Direito Penal, Parte Especial, 4 Volume, 5ª edição atualizada, Editora Saraiva, 2011).

Vejamos algumas decisões locais e de tribunais superiores que reconheceram o erro de tipo pelo fato da idade:

Apelação. Estupro de vulnerável. Recurso defensivo. Absolvição pretendida. Procedência.  Réu que negou ter conhecimento da idade da menor. Relação sexual consentida entre a vítima e o acusado. Testemunhas dando conta de que a ofendida aparentava ter mais idade do que realmente tinha. Inexistência de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Violência presumida que não tem caráter absoluto, devendo ser analisada com acuidade caso a caso. Precedentes. C. STJ. Absolvição de rigor. Sentença reformada. Recurso provido. (TJ-SP – APL: 21683320078260453 SP 002168-33.2007.8.26.0453, Relator: Salles Abreu, Data de Julgamento: 07/08/2012, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 09/08/2012).

APELAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ERRO DE TIPO CONFIGURADO COM RELAÇÃO À PRÁTICA DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AUSÊNCIA DE DOLO. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VULNERABILIDADE QUE CEDE ESPAÇO ANTE AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. PROVIMENTO DO RECURSO DA DEFESA. 1. Insuficiência de provas quanto ao crime de estupro de vulnerável. A prova oral judicial não foi apta a confirmar, categoricamente, que o réu tinha conhecimento que a vítima era menor de 14 (catorze) anos. A presunção desta última, segundo o entendimento jurisprudencial majoritário, é absoluta, nada obstante entenda que tal presunção deva ser relativizada em situações excepcionais, devendo ser analisada, pormenorizadamente, em cada caso concreto. Existência de prova, nos autos, de que a vítima mentiu sobre a sua idade para o réu, com o escopo de manter relações sexuais, de natureza consensual, nada obstante menores de 14 (catorze) anos não possam livremente consentir, tudo a levar a crer que ele não tinha condições de pressupor que se tratava de uma menor de 14 (catorze) anos. Erro de tipo caracterizado, razão pela qual a sua absolvição, por ausência de dolo, é medida que se impõe. Precedentes da Doutrina e da Jurisprudência. 2. Provimento do recurso defensivo. (TJ-SP nº 0001514-26.2012.8.26.0306, Relator: Airton Vieira, Data de Julgamento: 20/08/2015, 1ª Câmara Criminal Extraordinária).

STJ: “I – Na denominada violência ficta, em verdade, a proibição contida na norma é a de que não se pratique conjunção carnal ou outro ato libidinoso, conforme o caso, com pessoas que se encontram nas situações previstas no art. 224 do Código Penal. O error aetatis, na hipótese da presunção insculpida na alínea a, afetando o dolo do tipo, é relevante (art. 20, caput, do Código Penal) e afasta a adequação típica (precedentes) (...)”. (RSTJ 159/570).

STJ: “Habeas Corpus – Penal – Relações sexuais com menor de 14 anos de idade – Violência ficta – Erro de tipo. Inexiste empeço legal à aplicação do error aetatis em relação à presunção de violência, se caracterizado em concreto, por sua relevância, tendo presente o disposto no art. 2º, caput, do Código Penal. O error aetatis, afetando o dolo do tipo, é sobranceiro, ‘afastando a ade3quação típica e prejudicando, assim, a quaestio acerca da natureza da presunção’. Ordem concedida para absolver o acusado” (RSTJ 126/361).

Não se pode conceber o magistrado um ser frio, unicamente afeito à letra da lei, sem ponderar para o caso concreto e se atrelar a precedentes, sem avaliar o contexto do que lhe foi trazido. Guilherme de Souza Nucci orienta que: “Muitas pessoas, embora menores de 14 anos, podem aparentar a terceiros já ter atingido a referida idade. Há as que possuem um corpo físico avantajado ou se maquiam em excesso; outras, pelas suas atitudes (ex.: prostituição de longa data), parecem ter mais idade do que realmente têm; enfim, a confusão com o elemento do tipo menor de 14 anos pode eliminar o dolo” (Código Penal Comentado, p. 1107). A título de ilustração, no voto prolatado nos autos do HC 109.206/RS, em 16.11.2011, o Ministro Luiz Fux acenou que “a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a violência no crime de estupro contra menor de quatorze é absoluta, não tem relevância para o deslinde do caso se a vítima aparentava ter idade um pouco acima dos quatorze anos ou dos dezoito anos que afirmara ter”.

Lecionam Jescheck e Weigend:

“Existe error de tipo cuando el autor no conoce uno de los elementos a los que el dolo debe extenderse según el tipo que corresponda. La consecuencia verdaderamente obvia de um error de esta naturaleza la expressa el § 16: el autor actúa sin dolo. La disposición es aplicable analógicamente a circunstancias que, aunque em realidad no pertenecen al tipo, deben ser abarcadas por el dolo como por ejemplo sucede com las circunstancias que agravan la pena en el marco de la determinación de ésta (...). Internamente el error de tipo puede consistir tanto em uma representación falsa como tanbién em la falta de representación, pues muy genericamente el error significa la no coincidência entre la consciencia y la realidad.” (Tratado de Derecho Penal, Parte General, pp. 328-329).

5 – A posição pacífica adotada nos Tribunais Superiores.

Por todos os decisórios emanados do Superior Tribunal de Justiça, elegemos um do ministro Sebastião Reis Júnior, exarado nos autos do Recurso Especial 1.371.163, do Distrito Federal, em 25/06/2013. Neste, o Magistrado bem elucidou que as eventuais divergências iniciais existentes naquele sodalício, quanto à manutenção do instituto da presunção de violência ter caráter relativo, restaram superadas. Pondera que, atualmente, o entendimento uniforme é no sentido de que a presunção tem caráter absoluto. Como é cediço, após o Supremo Tribunal Federal pôr uma pá de cal sobre o assunto, restava ao Superior Tribunal se afinar com a Corte Suprema de nosso país, abandonando posições pessoais divergentes, em favor da unidade de pensamento.

Vejamos a ementa do acórdão em estudo, para em seguida mostrarmos as considerações lançadas pelo magistrado quanto à justificativa da necessidade de unificação da jurisprudência superior:

In verbis:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 217-A DO CP. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONTINUIDADE DELITIVA. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. RELACIONAMENTO AMOROSO. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA E PRÉVIA EXPERIÊNCIA SEXUAL. VIDA DISSOLUTA. IRRELEVÂNCIA PARA A TIPIFICAÇÃO PENAL. PRECEDENTES. CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO A QUO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1. O cerne da controvérsia cinge-se a saber se a conduta do recorrido - que praticou conjunção carnal com menor que contava com 12 anos de idade - subsume-se ao tipo previsto no art. 217-A do Código Penal, denominado estupro de vulnerável, mesmo diante de eventual consentimento e experiência sexual da vítima.

2. Para a configuração do delito de estupro de vulnerável, são irrelevantes a experiência sexual ou o consentimento da vítima menor de 14 anos. Precedentes.

3. Para a realização objetiva do tipo do art. 217-A do Código Penal, basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, o que efetivamente se verificou in casu.

4. Recurso especial provido para condenar o recorrido em relação à prática do tipo penal previsto no art. 217-A, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, e determinar a cassação do acórdão a quo, com o restabelecimento do decisum condenatório de primeiro grau, nos termos do voto. (STJ – RE 1.371.163/DF, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 25/06/2013, T6 - SEXTA TURMA).

O caso submetido ao STJ consistiu no namoro entre JFJ, um homem de 30 anos e AAF, uma recém-adolescente de 12 anos, na cidade de Samambaia, no Distrito Federal. Aquele pediu a mão de AAF em namoro à mãe, e esta lhe negou, justamente por conta da idade da filha.

A menina fugiu de casa e foi acolhida em casa de amigos de JFJ. No período de 06 de janeiro de 2010 a 03 de fevereiro de 2010, no interior da casa dos amigos, JFJ manteve conjunção carnal, por pelo menos 04 vezes, com AAF.

Sobreveio condenação em primeiro grau, a uma pena de 9 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) em continuidade delitiva.

Nada obstante, o Tribunal distrital, por unanimidade, absolveu o recorrido, cuja ementa tem o seguinte teor:

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A, CP). RECURSO DO RÉU. COMPROVAÇAO DA MENORIDADE DA VÍTIMA. FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO. ATOS. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE QUE DEMONSTROU TER CONSENTIDO NA CONSUMAÇAO DO ATO SEXUAL NUM CONTEXTO DE RELACIONAMENTO AFETIVO. CONSENTIMENTO VÁLIDO. FATO QUE NAO CONSTITUI INFRAÇAO PENAL. RECURSO PROVIDO.

1. Não se mostra essencial a juntada da certidão de nascimento da suposta vítima menor de 14 (catorze) anos para configuração do tipo penal previsto no art. 217-A do Código Penal, quando todos os elementos probatórios atestam tal fato.

2. Não se pode admitir a ocorrência do delito de estupro de vulnerável, quando a vítima menor de 14 anos, de maneira válida e consciente, consente na prática de atos sexuais com outra pessoa maior, dentro de um contexto de relacionamento afetivo.

3. Recurso provido.

No acórdão em que cassa o acórdão supra, o Ministro tece ampla e profunda discussão sobre a busca de um entendimento comum entre as Cortes Maiores da Nação. Citando colega da Corte que, igualmente clama por esta unidade:

“Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte, Melhor será extingui-la” (AgRg nos EREsp n. 228.432, DJ 18/3/2002, Ministro Humberto Gomes de Barros).

Mais, mencionando voto seu anterior, nos autos do EREsp n. 1.021.634, justificara a necessidade de unificação dos entendimentos entre as maiores Cortes, com os seguintes argumentos:  

(...)

A questão em apreço é por demais conhecida: discute-se, como bem definiu a eminente Relatora, se a violência presumida referida no art. 224 do Código Penal deve ou não ser relativizada quando a vítima for menor de 14 anos. A Ministra Maria Thereza concluiu que a violência presumida deve ser relativizada conforme a situação do caso concreto. Pediu vista o Ministro Gilson Dipp, que, após cuidadoso levantamento da jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal, concluiu que a presunção de violência é absoluta. Não teria dúvidas em aderir aos votos da eminente Relatora e do Ministro Og Fernandes no sentido de que a violência presumida deve ser relativizada de acordo com a situação concreta dos autos. Porém preocupou-me e muito, sendo o motivo pelo qual pedi vista, a farta, reiterada e atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto em tela relacionada pelo Ministro Gilson Dipp. E preocupou-me porque não acho razoável que uma jurisprudência consolidada e contemporânea da Suprema Corte venha a ser desrespeitada por Tribunal, seja ele federal, estadual ou nacional. Não tem sentido o Superior Tribunal de Justiça mostrar ressalvas, em diversas oportunidades, ao descumprimento pelos tribunais inferiores da interpretação por ele fixada dentro de sua competência constitucional e desrespeitar entendimento uniforme e reiterado daquele que tem o poder, inclusive, de reformar nossas decisões. Entendo que, no momento por que passamos, é essencial que o Judiciário transmita ao jurisdicionado confiança e é indiscutível que, como já disse Marcelo Alves Dias de Souza (Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante , Ed. Juruá, 2006, pág. 299), "a obediência aos precedentes judiciais é um fator – não o único, é óbvio – que pode ajudar na estabilidade de nosso sistema jurídico. Além de dar aos cidadãos um sentido de confiança, por implicar a consolidação, no presente e para o futuro, de opiniões bem fundamentadas e tidas por acertadas". Ao analisar a questão da segurança jurídica quanto à necessidade de o Judiciário transmitir para o jurisdicionado um pensamento coerente, estável, uniforme, o Prof. Marcelo Alves Dias de Souza nos apresenta lição altamente esclarecedora de Ehrlich (grifo nosso):

A norma de decisão contém a proposição geral em que se baseia a decisão e, desse modo, estabelece a pretensão de que é uma verdade válida, não apenas para o caso específico, mas também para todo caso igual ou parecido [...] Essa é a lei da estabilidade das normas legais, que é de tão imensa importância para a criação do direito. Ela baseia-se, em primeiro lugar, na psicologia social. Dar decisões contrárias em casos iguais ou parecidos não seria direito, mas sim arbitrariedade e capricho. Também se baseia numa certa saudável qualidade econômica de pensamento. O gasto de trabalho intelectual que, sem dúvida, está sempre envolvido na procura de normas de decisões, muitas vezes pode ser evitado dando-se uma decisão segundo uma norma que já foi encontrada. Além disso, há uma grande necessidade social de normas estáveis, o que torna possível, em certa medida, prever e predizer as decisões e, desse modo, colocar um homem em condições de tomas as providências necessárias de acordo com isso. A lei da estabilidade das normas jurídicas de decisão funciona, sobretudo, no tempo. O Tribunal não irá, sem uma boa causa, afastar-se de uma norma que aplicou na decisão de um caso enquanto a norma for lembrada, e, com frequência são tomadas medidas especiais para impedir que sejam esquecidas. Mas também funciona no espaço: pois as normas para decisão que foram encontradas por um tribunal serão prontamente aplicadas por outros tribunais que existem na mesma esfera de influência, se não por outra razão, a fim de evitar o provável trabalho de encontrar normas [...]

Na mesma linha interpretativa de estabilidade das decisões por parte dos Tribunais, recorda voto da lavra do Ministro Luiz Fux, quando indeferiu liminar nos autos do HC n. 109.206, em 08/08/2011, nos seguintes termos:

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a violência em relação à vítima não maior de 14 (quatorze) anos, de que trata o artigo 224, “a” do Código Penal, na redação anterior à Lei n. 12.015/2009, é absoluta, consoante se vê dos seguintes julgados [...] O precedente invocado nas razões da impetração (HC 73.662), prestigiando a tese da relatividade da presunção de violência, consubstanciou caso isolado nesta Corte, restando, conforme afirmado no HC 81.268, acima citado, suplantado por sucessivos julgamentos de ambas as Turmas deste Tribunal em sentido contrário.

E fecha o raciocínio, pontuando pela cassação do acórdão com o restabelecimento do decisum condenatório de primeiro grau:

“O fato é que a condição objetiva prevista no art. 217-A se encontra presente e, portanto, ocorreu o crime imputado ao recorrido. Basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, o que efetivamente se verificou in casu (...) para se caracterizar o crime de estupro de vulnerável, sendo dispensável, portanto, a existência de violência ou grave ameaça para tipificação do estupro de vulnerável, conduta descrita no art. 217-A do Código Penal”.

No mesmo sentido do texto, o Desembargador aposentado Walter de Almeida Guilherme, então Ministro convocado junto ao TJ/SP teceu importante lavra sobre o tema da unidade, nos autos do Recurso Especial n. 1.366.189/AC, em 26/11/2014, como se vê a seguir:

(...). Quanto ao recurso especial, verifico que a insurgência merece prosperar.

Com efeito, a celeuma em torno do tema é antiga, já tendo a matéria sido discutida nesta Corte Superior por diversas vezes. Aqueles que defendem a relativização da presunção de violência levam em consideração as mudanças ocorridas na sociedade desde a edição do Código Penal. Já os que têm entendimento contrário sustentam ser indispensável a proteção dos menores de 14 (quatorze) anos, haja vista se tratarem de indivíduos ainda em desenvolvimento.

A Terceira Seção manifestou-se novamente, por meio de embargos de divergência julgados recentemente, no sentido de que se mostra indiferente a condição da vítima para caracterização da violência presumida, a qual se constitui com a mera constatação da idade da vítima à época dos fatos. De fato, a lei reconheceu, de forma objetiva, que pessoas menores de 14 (quatorze) anos não seriam suficientemente desenvolvidas para decidir sobre seus atos sexuais.

E finaliza enfatizando a uniformidade reinante no Supremo Tribunal Federal, com base em decisão da lavra da Ministra Laurita Vaz, em embargos de divergência sobre o tema em comento, in verbis:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 213 C.C 224, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 12.015⁄2009. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CONSENTIMENTO DAS VÍTIMAS. IRRELEVÂNCIA. INCAPACIDADE VOLITIVA. PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL DO MENOR. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA EXAME DAS DEMAIS TESES VEICULADAS NA APELAÇÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. A literalidade da Lei Penal em vigor denota clara intenção do Legislador de proteger a liberdade sexual do menor de catorze anos, infligindo um dever geral de abstenção, porquanto se trata de pessoa que ainda não atingiu a maturidade necessária para assumir todas as consequências de suas ações. Não é por outra razão que o Novo Código Civil Brasileiro, aliás, considera absolutamente incapazes para exercer os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, proibidos de se casarem, senão com autorização de seus representantes legais (art. 3.º, inciso I; e art. 1517). A Lei Penal, por sua vez, leva em especial consideração o incompleto desenvolvimento físico e psíquico do jovem menor de quatorze anos, para impor um limite objetivo para o reconhecimento da voluntariedade do ato sexual. 2. A presunção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga redação do art. 224, alínea a, do Código Penal, possui caráter absoluto, pois constitui critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como de um inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior; tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima. 3. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento "quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015⁄09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida." (HC 105558, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22⁄05⁄2012, DJe de 12⁄06⁄2012). No mesmo sentido: HC 109206⁄RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18⁄10⁄2011, DJe 16⁄11⁄2011; HC 101456, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09⁄03⁄2010, DJe 30⁄04⁄2010; HC 93.263, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe 14⁄04⁄2008, RHC 79.788, Rel. Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, DJ de 17⁄08⁄2001. 4. Embargos de divergência acolhidos para, afastada a relativização da presunção de violência, cassar o acórdão embargado e o acórdão recorrido, determinando o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que as demais teses veiculadas na apelação da Defesa sejam devidamente apreciadas. (EREsp 1152864⁄SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26⁄02⁄2014, DJe 01⁄04⁄2014).

            6) Conclusão.

            A posição pacífica dos Tribunais Superiores no sentido de que a condição objetiva prevista no art. 217-A uma vez ocorrida impõe a condenação do agente, em nosso sentir, conquanto seja o ideal, não é a melhor solução para o problema da presunção de violência que se arrasta há mais de um século em nosso país. Basta, pois, que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, para a adequação típica ser reconhecida. O consentimento ou a experiência sexual pretérita são indiferentes, em especial porque o consentimento é inválido e de valor algum o conhecimento das coisas do sexo.

Assume-se uma postura contrária ao bom senso, ao razoável, ao real, e se pune quem for, bastando ter incidido nas elementares do dispositivo, sem se avaliar o fato e as circunstâncias. Em outras palavras, ainda que estejam casados e com filho da relação espúria, haverá de sobrevir condenação. Mesmo que a união tenha sido abençoada pelos pais, a condenação é irrefragável.

            Vimos que em 1940, operou-se a redução da idade da presunção de violência de 16 para 14 anos. Quase 70 anos após, com o Estatuto da Criança e do Adolescente definindo os parâmetros entre criança (até 12 anos) e adolescente (acima de 12 anos e até 18), além de uma tentativa de alteração da Parte Especial do Código Penal, o legislador permaneceu alheio, de sorte que não se pode negar que à luz do mundo globalizado em que vivemos, os jovens possuem, sim, condições de anuir com atos sexuais. Ora, se o ideal é a sintonia entre todos os organismos do Poder Judiciário através de decisões uniformes, objetivas, distantes de paixões e de convicções pessoais, ao estilo de precedentes incorruptíveis e vinculantes, com o constante aperfeiçoamento da estabilidade, à evidência esta postura compromete uma avaliação real e situacional, mais acurada das circunstâncias que permearam o fato, da motivação que resultou no ato libidinoso ou na conjunção carnal sem violência.

Por conta desta análise, conquanto o ideal fosse o melhor na esteira do entendimento jurisprudencial, preferimos o real, com ênfase no fato, na voluntas, nas circunstâncias que conduziram o agente à prática do ato. Daí, pensamos que o pragmatismo judicial (ativismo) há de ser adotado nos casos em tela. Não só o pragmatismo defendido teoricamente na doutrina americana, mas o pragmatismo literal do magistrado que busca a justiça no caso concreto. Se o pragmatismo é uma teoria sobre a atividade judicial, onde pensar o direito sob a ótica pragmatista implica em compreendê-lo em termos comportamentais, isto é, o direito passa a ser definido pela atividade realizada pelos juízes; ser pragmático, no aspecto jurídico-humanitário, implica em promover considerações de ordem prática, ponderar o bom senso, ser realista e objetivo.

Não é difícil concluir que a idade de 12 anos pode e deve ser o marco definitivo para se estabelecer a vulnerabilidade, contudo até que se chegue a tanto, o melhor caminho é trilhar pela atipicidade do fato quando o ofendido consentir ou souber das coisas de cunho sexual e tiver de 12 até 14 anos (+ de 12 e – de 14 anos).

Já disse Guilherme de Souza Nucci:

“o legislador, na área penal, continua retrogrado e incapaz de acompanhar as mudanças de comportamento reais na sociedade brasileira, inclusive no campo da definição de criança ou adolescente. Perdemos uma oportunidade impar para equiparar os conceitos com o Estatuto da Criança e do Adolescente (...). Logo a idade de 14 anos deveria ser eliminada desse cenário. A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta, quando se trará de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior de 12 anos). Desse modo, continuamos a sustentar ser viável debater a capacidade de consentimento de quem possua 12 ou 13 anos, no contexto do estupro de vulnerável”. (Manual de Direito Penal, pp. 870/871).

BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 4: parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública, 6 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

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GRECO. Rogério. Código Penal Comentado. 5 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2011.

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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

_________________________. Manual de Direito Penal. 9 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

PUIG, Santiago Mir. Derecho Penal – Parte General. 8 ed. Montevideo-Buenos Aires: B de F Ltda, 2008.

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Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

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