O sistema prisional brasileiro e a reinserção social de ex-presidiários

21/05/2016 às 12:31
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Ausência de políticas públicas que auxiliem os reeducandos pós-cumprimento da pena representa desafio premente e inadiável.


RESUMO

O presente texto, fruto de pesquisa bibliográfica, analisa a situação atual do sistema penitenciário brasileiro e os desafios à reinserção social de milhares de homens e mulheres que compõe a população carcerária do país. Fundamentado na doutrina e pesquisas recentes, o autor questiona a capacidade de ressocialização do atual modelo prisional brasileiro, apontando o que seriam suas principais deficiências: das condições desumanas a que são submetidos os presos, apesar da legislação protetiva existente; passando pela quase inexistente capacidade de requalificar o detento e a notória ausência de debate mais amplo e sólido sobre o tema. Como resultado conclui-se que, frente ao alto percentual de egressos reincidentes, urge repensar o apoio dispensado ao ex-detento brasileiro, sob pena de que, por não fazê-lo, permita-se que estes continuem incorrendo na prática criminal. 

Palavras-chave: Sistema Prisional; Ressocialização; Recuperação.


ABSTRACT

The present text, the fruit of bibliographical research, analyzes the current situation of the Brazilian penitentiary system and the challenges to the social reintegration of thousands of men and women who make up the country's prison population. Based on doctrine and recent research, the authors question the ability of resocialization of the current Brazilian prison, aiming to model what would be its main shortcomings: the inhumane conditions to which they are subjected the prisoners, despite existing protective legislation; passing by the almost nonexistent ability to re-qualify the inmate and the notorious lack of wider and solid debate on the topic. As a result it was concluded that the high percentage of graduates infringers, urges rethink the support to the Brazilian ex-inmate, that, by not doing so, allow yourself that these continue incurring in criminal practice.

Keywords: Prison System; Resocialization; Recovery.

_____________
  Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected];


1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Alternativa contemporânea aos métodos clássicos (leia-se desumanos) que historicamente caracterizaram a retribuição por infrações penais, a pena privativa de liberdade é defendida pelo discurso jurídico atual como “necessária para que haja a ressocialização do indivíduo que foge das normas existentes para a manutenção da ordem na sociedade, caracterizando a sua conduta como criminosa” (VASCONCELLOS, 2007).
Preleciona a socióloga Fernanda Bestetti de Vasconcellos que cabe às instituições penais a aplicação de práticas que promovam o ideal ressocializador proposto. Equivale dizer, portanto, que “a reinserção social de um indivíduo só poderá ocorrer a partir do momento em que ele passar por este processo de ressocialização e reeducação”.
Por outro lado, no entanto, é fato sabido que sobram exemplos para ilustrar a deterioração do modelo prisional brasileiro. Do déficit expressivo de vagas nos presídios, perpassando por rebeliões, fugas, massacres e condições sub-humanas, acumulam-se problemas cujo impacto pode ser mensurado pelos altos índices de reincidência criminal.

Vários países da América Latina, dentre eles o Brasil, vem vivendo no campo da segurança pública um dos momentos mais críticos da sua historia. O sistema prisional brasileiro, por exemplo, vem passando por uma crise sem precedentes nos últimos anos. A população carcerária ultrapassou a marca de 400 mil internos. O aumento tem atingido a média de 5 a 7% ao ano, não representando concretamente o mesmo ritmo na criação de novas vagas. Seguindo esta perspectiva acelerada de crescimento, acredita-se que em menos de uma década esta população dobrará, registrando uma superlotação inimaginável para o sistema penitenciário hoje já superlotado (JULIÃO, 2008, p. 1).

Para contextualizar a gravidade do exposto pelo cientista social Elionaldo Fernandes Julião, faz-se necessário consultar números mais recentes. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), citados no levantamento encomendado ao Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e publicados em maio de 2015, a taxa de reincidência dos apenados postos em liberdade é da ordem de 70%.
O Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária de 2015 também ratifica a informação. O documento faz saber, por exemplo, que entre os anos de 1990 e 2014 a população prisional aumentou 6,7 vezes, passando de 90 mil pessoas presas para 607 mil. Da totalidade citada, 48% são jovens com menos de 30 anos de idade.
Além do inquestionável problema social é fácil, por conseguinte, concluir que igualmente aumentaram as despesas com o sistema prisional.

O custo de construção para cada vaga no sistema prisional varia entre 20 e 70 mil reais. Apesar desse enorme crescimento da população prisional e seus impactos econômicos, entre 1990 e 2013, os homicídios quase dobraram, passando de 31.989 para 50.806 (PNPCP, 2015).

Destarte, diante das questões explicitadas, verifica-se a complexidade e relevância da abordagem do tema. 


2 – ALTERNATIVAS À REINCIDÊNCIA

Para compreender o sistema prisional e como o apoio dispensado ao apenado interfere no processo de ressocialização, não se deve perder de vista elementos essenciais, como o contexto econômico, social e politico vivenciado pelo preso, bem como pela sociedade em que este está inserido.
Impensável não conceber, por exemplo, que tanto as condições materiais e objetivas de vida como os fatores subjetivos, de inserção social, ética e politica têm papel imprescindível na recuperação do apenado. Indivíduos com oportunidades mais justas tem, sem dúvida, maior possibilidade de reintegração na sociedade.
Infelizmente, no entanto, não é o que se verifica no momento atual.

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Percebe-se a falência do sistema prisional através de problemas recorrentemente enfrentados, tais como déficit expressivo de vagas nos presídios, rebeliões, fugas e altos índices de reincidência criminal. A prisão perdeu (se é que algum dia o teve) seu papel de instituição ressocializadora e promotora da reeducação dos indivíduos para tornar-se apenas um local que favorece a socialização em uma cultura carcerária. Mesmo as iniciativas que visam à formação educacional e profissional dentro das instituições carcerárias possuem, sobretudo, o objetivo de preenchimento do ócio dentro da unidade, não se constituindo efetivamente em instrumento de reeducação dos indivíduos (VASCONCELLOS, 2007).

A autora chama atenção para fato grave. Na opinião de VASCONCELLOS, ainda que exista norma legal regulamentando o assunto, os mecanismos retributivos de nosso país são notoriamente voltados à proteção do patrimônio e dos indivíduos, em detrimento a ressocialização, de fato, do apenado.

Considerando que o sistema prisional brasileiro não está comprometido com a questão da ressocialização, como se infere a partir da ausência de políticas voltadas para tal objetivo, e como se pode tomar a ausência de política como uma forma de política, é lícito pensar que o modelo vigente de encarceramento possua, de fato, outros objetivos que não os explicitados no discurso jurídico. O modelo brasileiro possui, na realidade, um caráter muito mais presente de uma suposta proteção dos cidadãos e defesa social – do patrimônio e dos indivíduos – do que propriamente de ressocialização do transgressor. Ou seja, ele estaria mais voltado para aqueles que estão fora dos presídios, visando a garantir sua segurança ao privar da liberdade aqueles indivíduos considerados perigosos para a coletividade (2007).

Por abstração lógica conclui-se que repensar a conduta das instituições penais, mais do que necessário, faz-se determinante para recuperar seus internos e internas. A proposta de reintegrar todo e qualquer apenado carece do entendimento de que somente com oportunidades concretas de reinserção social, enquanto sujeitos de direitos, é que será́ possível a cada um construir novos caminhos. 


3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

É patente a inexistência de movimento político, ou mesmo ideológico, que prime pela discussão madura sobre o tema objeto do presente texto. Pelo contrário. Sobram defensores de metodologias que ampliem a segregação do individuo apenado, justificando-se no temor causado pelos episódios cada vez mais frequentes de violência e desordem social. 
Ao esboçar algumas ideias, o objetivo do artigo hora exposto foi convidar o leitor à reflexão sobre os aspectos que envolvem a privação de liberdade. A falta de políticas públicas que auxiliem os reeducandos pós-cumprimento da pena representa, como se viu ao longo da dissertação, desafio premente e inadiável.
A valorização discursiva de uma proposta de ressocialização do indivíduo internado, com foco nas políticas de reinserção social mostra-se, portanto, o caminho mais promissor para o amadurecimento das instituições de controle social. 
    

REFERÊNCIAS 

VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti. Trabalho prisional e reinserção social: função ideal e realidade prática. Revista Sociologia Jurídica, n. 5, 2007.

JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Educação de jovens e adultos em situação de privação de liberdade: desafios para a política de reinserção social. Revista de educação de jovens e adultos, v. 2, n. 1, p. 1-116, 2008.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA, Reincidência Criminal no Brasil. 2015. Disponível em < http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf>. Acesso em 10 abr. 2016.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (Brasil). Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 2015. Disponível em < http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/cnpcp-1/imagens-cnpcp/plano-nacional-de-politica-criminal-e-penitenciaria-2015.pdf/view>. Acesso em 10 abr. 2016.

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Sobre o autor
Wellington Cacemiro

Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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