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Por uma reconfiguração do espaço geográfico:

uma análise dos impactos da globalização nos territórios

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24/03/2004 às 00:00
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CONCLUSÃO

Uma análise da globalização como um fenômeno não somente econômico revelou-nos os impactos de tal processo na sociedade moderna, uma sociedade destradicionalizada, onde não existem mais fundamentos últimos e onde a razão não possui mais o status de dogma. Todas essas características da sociedade moderna foram acentuadas pela globalização, na medida em que a redução das distâncias espaço temporais fez com que o contato com o diferente revelasse quão contingente são todas as instituições e estruturas sociais.

O tradicional Estado-Nação, por exemplo, está delegando poderes para entidades supra-nacionais e já não causa tanto espanto a possibilidade de formação de um "governo mundial", o que estes fatos demonstram é que os Estados são organizações político-jurídicas construídas e, portanto, não são organizações naturais e imutáveis. Da mesma forma, os tradicionais modos de distribuição interna de poder, caracterizados pelos modelos clássicos de formas de Estado (Federal, Regional e Unitário), apresentam certas especificidades de acordo com a localidade, o que acaba revelando que modelos gerais e abstratos não são suficientes e necessários para lidar com a pluralidade existente na sociedade global atual.

Dessa forma, não nos surpreende a alternativa de criação de uma comunidade transnacional federada, na qual os Estados membros possuam distintas formas de Estado, atentando-se assim para as particularidades locais. Essa alternativa não está muito longe de ser implantada na União Européia, já que se fala na formação de uma federação, ao mesmo tempo em que os atuais membros de tal comunidade possuem diferentes modos de distribuição interna das competências, como resta evidente na análise desenvolvida sobre Portugal e Espanha.

Independentemente de qual configuração assuma o citado "governo mundial", ou mesmo comunidades transnacionais, bem como a modelação das competências no âmbito interno dos Estados, o fato é que há uma tendência de democratização e descentralização, fruto da crença de que uma maior participação popular pode ocasionar o surgimento de uma racionalidade não egoísta como a do mercado, capaz de gerar condições de convivência harmônica entre os diferentes, ou seja, capaz de gerar solidariedade entre estranhos. Somente com uma mudança de mentalidade, com uma alteração da relação entre os indivíduos e Estados no sentido de considerar o outro como igual apesar de suas diferenças, é que podemos pensar em uma inclusão ao mesmo tempo local e global, em uma outra globalização.


NOTAS

01."Um breve lembrete histórico pode ser apropriado neste ponto. Como todos sabem, o final dos anos 40 assistiram a um debate rigoroso dos defensores da união européia, entre aqueles que privilegiavam um enfoque funcional e aqueles que desejavam ver a criação precoce de um sistema federal. Como todos também sabem, o funcionalismo prevaleceu. O funcionalismo prevaleceu porque os interesses das nações-estados e a aspiração pela unidade européia poderiam, por assim dizer, unir forças na busca da integração gradual de setores-chave da economia. No início dos anos 50, os integracionistas pensaram que esse processo poria em movimento uma pressão irresistível, inevitável, com vistas a uma integração ainda maior, até que no final a união política surgiria espontaneamente. Foi um tipo de marxismo bastardo. A economia era a base, a política, a superestrutura; para mudar a metáfora, a economia era o cavalo puxando a carroça da política atrás." (Grifos nossos) (MARQUAND, 1997:282)

02"Mesmo a própria ciência, aparentemente oposta de forma tão integral aos modos tradicionais de pensamento, tornou-se um tipo de tradição. Ou seja, a ciência tornou-se uma "autoridade" que pode ser voltada de uma maneira relativamente inquestionável para enfrentar dilemas ou lidar com problemas." (GIDDENS, 1997:39-40)

3 Luhmann diria que essa "dependência" deve ser vista como a outra parte da "independência" dos sistemas, sendo esta última gerada pelo fechamento operacional, isto é, pelo fato dos sistemas produzirem eles próprios os elementos que necessitam para operar. Somente assim o direito, a política, a moral, e a economia, entre outros subsistemas, podem diferenciar-se uns dos outros. A "dependência", por sua vez, surge na medida em que uma decisão política ou econômica afeta o seu ambiente, isto é, é percebida e trabalhada pelos demais sistemas sociais. Como para tal autor não existe nenhum sistema com preponderância na sociedade, não é possível uma regulação dos mesmos, sendo que todos operam sem saber quais os efeitos que suas decisões ocasionarão nos demais subsistemas sociais. É justamente por isso que a sociedade atual é uma sociedade de risco, uma sociedade onde o conhecimento e a planificação não são capazes de gerar segurança. Sobre o conceito de risco para a Teoria dos Sistemas, ver: (DE GIORGI, 1998)

4 Aqui é interessante ressaltarmos que o contato com culturas diferentes faz com que as pessoas passem a sentir determinadas práticas tradicionais a que são submetidas como atrocidades, na verdade, o que ocorre é um processo de destradicionalização, uma reflexão crítica sobre as práticas sociais vigentes. Por outro lado, cabe dizer que o que garante a possibilidade de visualizarmos os excessos e abusos com relação aos direitos humanos é o fato de termos conceitos universalizáveis, conceitos estes que servem como padrão de julgamento.

5 Ao falar sobre os diferentes níveis de desenvolvimento das economias dos países membros da União Européia, explicitando as dificuldades de uma ação econômica integrada, tendo em vista as desvantagens que deverão ser compensadas pelas economias mais fracas, bem como o receio do dumping salarial que poderia prejudicar as economias mais fortes, Habermas declara: Delineia-se um cenário desfavorável e conflituoso para os diferentes tipos de sistemas de seguro social que continuam sob a responsabilidade do Estado nacional. Enquanto uns temem a perda de seus privilégios de custo, outros sofrem com a perspectiva de um nivelamento por baixo." (HABERMAS, 2003:117)

6 Faz-se referência aqui e no título desta parte de nosso trabalho ao texto de Anthony Giddens (GIDDENS, 1997) e, indiretamente, ao livro de Aldous Huxley.

7 Essa idéia de que realidade e ideologia se confundem, com a disseminação de um discurso único da globalização, devemos a Milton Santos. Nesse sentido, conferir: (SANTOS, 2000).

8 Giddens também defende a sociedade cosmopolita, senão vejamos: "A identidade nacional só pode ter uma influência benéfica se for tolerante à ambivalência, ou à múltipla afiliação. Indivíduos que são simultaneamente ingleses, britânicos, europeus, e têm algum senso abrangente de cidadania global, podem encarar uma de suas identidades como prioritária, mas isso não os impede de aceitar também outras." (GIDDENS, 1999:142)

9 A terceira via é apresentada como uma alternativa à social-democracia tradicional e ao neoliberalismo, só que, tendo em vista a postura adotada de amenização das mazelas da globalização, várias são as pessoas que criticam tal pensamento político como sendo mais uma vertente do neoliberalismo. "Do ponto de vista normativo, os protagonistas da "terceira via" estão se afinando com uma corrente do liberalismo que considera a igualdade social unicamente do lado do input, reduzindo-a a igualdade de oportunidades. Deixando de lado esse empréstimo moral, a diferença entre Margaret Thatcher e Tony Blair evanesce, a partir do momento em que a nova esquerda parece alinhar-se com o imaginário ético do Neoliberalismo. Penso, aqui, na disposição em aceitar a ética de uma "forma de vida orientada pelo mercado mundial", que espera que todo cidadão se forme para ser o "empresário de seu próprio capital humano"." (HABERMAS,2003:114)

10 É interessante lembrarmos aqui que da perspectiva luhmanniana, como a economia e a política são sistemas funcionalmente diferenciados e fechados, não há possibilidade de um pleno controle político da economia, o que é apontado pela teoria como causa do fracasso do Estado de Bem-Estar Social. "O equívoco de tentativas como a de HABERMAS aparece, então, óbvio: parte-se de uma descrição da globalização como um fenômeno sobretudo econômico que pode ser corrigido politicamente através do estabelecimento de novas formas de inclusão que geram, também, novas exclusões" (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, s.d:30). Giddens, de certa forma, também visualiza uma restrição à regulamentação política do mercado, senão vejamos: "De acordo com o modelo cibernético, um sistema (no caso do socialismo, a economia), pode ser mais bem organizado sendo subordinado a uma inteligência diretiva (o Estado, entendido de uma forma ou de outra)."(GIDDENS, 1997:42) e "Por razões já discutidas (complexidade social), o Estado pode funcionar só até certo ponto como uma inteligência cibernética. Entretanto, as limitações do neoliberalismo, com sua idéia do Estado mínimo, tornaram-se muito aparentes." (Texto grifado é nosso) (GIDDENS, 1997:50).

11"A teoria do discurso, que obriga ao processo democrático com conotações mais fortemente normativas do que o modelo liberal, mas menos fortemente normativas do que o modelo republicano, assume por sua vez elementos de ambas as partes e os combina de uma maneira nova." (HABERMAS, 2002:280) Habermas retira do liberalismo a importância dos procedimentos para a moderna configuração do direito, e da visão republicana incorpora a característica dialógica/discursiva presente na formação da vontade e opinião públicas.

12 Tradicionalmente, o federalismo caracteriza-se pela atribuição aos seus entes, a União e os Estados, de competências não somente administrativas e legislativas ordinárias, mas também de competências legislativas constitucionais, existindo assim um poder constituinte decorrente. No Estado Regional, os entes possuem competência legislativa ordinária e administrativa, sendo que os seus Estatutos devem ser aprovados pelo poder central. Por último, no Estado Unitário há transferência de competências administrativas, e não de legislativas, sequer as ordinárias. Para um maior estudo sobre o tema, ver: (MAGALHÃES, 2000:13/21)

13 Sobre o tema, conferir: (SILVA, 1997:103)

14 Outra idéia apresentada por tal autor refere-se à "miniaturização dos Estados-Membros", ou seja, o desmembramento dos Estados, com a criação de entes territorialmente menores. Sobre o tema, ver: (MAGALHÃES, 1999:125)

15"A existência de duas regiões autônomas, ainda que com ampla esfera de autonomia política, não justifica a qualificação de Portugal como "Estado unitário regional" ou, ainda menos, como "Estado regional", visto que, para além da equivocidade desta última expressão, a verdade é que a regionalização política traduzida nas regiões autónomas não abrange senão uma pequena parte do país, pois que o território continental não está constitucionalmente erigido em região autonómica, nem dividido em regiões autónomas, mas sim e apenas em regiões administrativas (de resto, ainda não constituídas), que são apenas "autarquias locais", sem o alcance político das regiões autónomas. Existe uma componente regional na organização unitária do Estado, mas não um princípio geral de organização política regional do Estado." (Grifos nossos) (CANOTILHO. MOREIRA, 1991:91)

16"Em 1980 o território foi dividido entre 70 comunidades autônomas, cada qual encampando uma ou mais províncias que passaram a existir naquele momento. Cada comunidade autônoma é governada por estatuto autonômico proveniente de uma Assembléia Legislativa unicameral, eleita por sufrágio universal. Os membros da Assembléia selecionam o Presidente pela hierarquia." (COSTA, 2000:140)

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17 Apenas a título ilustrativo, cabe lembrarmos a crítica de Avritzer com relação à colocação da mídia, numa sociedade em que as distâncias espaço-temporais foram reduzidas, como fator gerador de uma maior democratização: "...me parece necessário preservar, em uma teoria da esfera pública, a noção de que a crítica em relação àquilo que se recebe não é automática e que apenas o contacto com a diferença não é suficiente para gerar uma postura crítica. Aqui, a meu ver, seria o lugar de reentrada da perspectiva habermasiana da relação entre publicidade e interação, que nos permite lembrar que a TV e o rádio geram fóruns de discussão nos bares, no interior da família, entre amigos e no local de trabalho e que é nesses locais interativos que o potencial da crítica continua estando localizado." (AVRITZER, s.d.:3)

18"O Município no Brasil organizou-se a partir da experiência portuguesa que simplesmente foi transplantada para o Brasil-Colônia. Com a fraca presença do Estado português no vasto território da Colônia, o poder local privado tomou a estrutura do Estado no Município, trazendo desde então a grave confusão entre espaço público e espaço privado." (MAGALHÃES, 1999:126/127)

19 Confirmando, a grosso modo, a nossa tese, temos: "A divisão de poderes entre o governo central e as comunidades autônomas era imprecisa e ambígua até 1980, mas ao Estado foi determinada a responsabilidade pelas questões financeiras, criando-se assim uma forma de controle das atividades das comunidades autônomas." (COSTA, 2000:140)

20"Hoje, identidades nacionais devem ser sustentadas num meio colatorativo, em que não terão o nível de exclusividade que tiveram outrora, e em que outras lealdades existem a seu lado. O resultado disso, como em outra áreas da sociedade, é uma construção mais aberta e reflexiva da identidade nacional – que assinala o que a nação tem de distintivo e suas aspirações, mas numa forma menos convicta do que antes." (GIDDENS, 1999:146)


BIBLIOGRAFIA:

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CANOTILHO, J. J. Gomes. MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Editora Coimbra, 1991. 310p.

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SOUSA, Marcelo Rebelo de. "Introdução". In: Constituição da República Portuguesa e Legislação Complementar. Lisboa: Editorial Notícias,1992. 613p.

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Sobre a autora
Ana Paula Repolês Torres

Bacharel e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Doutoranda em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG e bolsista da FAPEMIG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ana Paula Repolês. Por uma reconfiguração do espaço geográfico:: uma análise dos impactos da globalização nos territórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 260, 24 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4923. Acesso em: 19 dez. 2024.

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