INTRODUÇÃO
O Mandado de Segurança, hoje previsto no art. 5, LXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), consiste em remédio constitucional há muito tempo presente em nosso ordenamento jurídico. Quer dizer, ele não se trata de inovação do ordenamento jurídico constitucional inaugurado em 1988.
De fato, o mandado de segurança vem tutelando os direitos líquidos e certos das pessoas físicas e jurídicas bem antes da CRFB/88, garantindo aos membros da sociedade uma certa segurança e uma ferramenta de repressão a abusos e ilegalidades perpetradas pelos agentes públicos.
Nesse ínterim, passemos a discorrer um pouco mais sobre a evolução histórico da heróica garantia constitucional em comento.
DESENVOLVIMENTO
O mandado de segurança é ação constitucional de rito especial utilizada para tutelar direito lesado ou em vias de sê-lo por ato de autoridade pública ou de pessoa que a esteja substituindo em sua função, desde que haja desvio no comportamento administrativo, quando a tutela perquirida não puder ser amparada por ações mais específicas, como o habeas corpus e o habeas data.
O writ está previsto no art. 5°, LXIX, da CF, enquadrando-se na categoria de direito fundamental de todo indivíduo, consistindo, pois, em verdadeira garantia contra ações e omissões da Administração Pública, consubstanciadas em uma conduta ilegal ou abusiva do agente responsável pela coação.
Ora, sabe-se, então, que o writ of mandamus foi elencado na Constituição da República como garantia fundamental do cidadão contra abusos da Administração Pública.
Em seu nascedouro, na Constituição de 1934, o mandado de segurança surgiu como resultado de uma construção histórico-jurídica conhecida como “Doutrina Brasileira do Habeas Corpus”, que teve expoente no ilustre jurista Ruy Barbosa e cuja teoria voltava-se para uma interpretação ampliativa do texto da Constituição de 1891, visando à utilização do habeas corpus para a proteção não apenas do direito de ir e vir, mas de qualquer outra liberdade individual, uma vez que a previsão para impetração do writ, no dispositivo constitucional da época, era de seu cabimento quando o indivíduo sofresse ou se achasse em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder1.
Por não se delimitar exatamente a qual tipo de liberdade visava o instrumento, buscou-se-lhe dar a maior extensão possível, como forma de proteger o cidadão.
A ampliação do instituto, então, fora aceita na jurisprudência e assim foi aplicado o habeas corpus, até a Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926, que alterou, dentre outras passagens, o texto do art. 72, reduzindo, pois, o objeto do writ para que fosse cabível apenas para a liberdade de locomoção, restringindo, assim, sua abrangência e impedindo sua aplicação para remediar o constrangimento às demais liberdades individuais.
Sucedendo à Constituição de 1891, foi promulgada a Carta de 1934, que, superando o hiato provocado pela EC de 1926, instituiu oficialmente a ação de mandado de segurança, grande conquista para o direito dos cidadãos brasileiros e cujo objeto era justamente aquele que se procurava tutelar com a anterior Teoria do Habeas Corpus, tal qual perdura até os dias hodiernos: o direito de se proteger contra o desvio da Administração Pública.
O inovador dispositivo constitucional foi mantido em praticamente todas as Constituições brasileiras desde então.
Essa breve digressão histórica presta-se a facilitar a compreensão acerca da finalidade do nobre remédio constitucional, entendendo-se sua origem e sua razão de existir no Ordenamento Jurídico brasileiro.
O objeto do writ é e sempre foi único, específico e, por isso mesmo, especial. Por tais razões a sua previsão constitucional:
Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
LXIX – Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
O mandado de segurança, como se vê, presta-se – tal qual sempre o fez – a assegurar direito líquido e certo em face de ato abusivo ou ilegal de autoridade pública.
Verificam-se, portanto, como pré-requisitos cumulativos à impetração do writ: a) um agente público com esfera de competência; b) direito incontestável do impetrante; e c) o ato coativo eivado de ilegalidade ou abusividade.
A propósito disso, é pacífico em nossa jurisprudência e doutrina o posicionamento segundo o qual no polo passivo do mandado de segurança deve figurar a autoridade que praticou o ato imputado ou autoridade que tenha competência para determinar a prática do ato ou sua abstenção. Nesse sentido, lúcidas são as considerações do saudoso Hely Lopes Meirelles:
Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática de ato impugnado e não superior que a recomenda ou baixa normas para sua execução. Não há confundir, entretanto, o simples executor material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificadamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela. Exemplificando, numa imposição fiscal ilegal, atacável por mandado de segurança, coator não é o Ministro ou Secretário da Fazenda que expede instruções para a arrecadação dos tributos, nem o funcionamento subalterno que cientifica o contribuinte da exigência tributária; coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe sanções fiscais respectivas, usando do seu poder de decisão. (Direito Administrativo Brasileiro, 9ª edição, pp. 34/35, Malheiros Editores).
A autoridade coatora, para fins de mandado de segurança, deve ser apontada como aquela que, por integração de sua vontade, concretiza a lesão.
Além disso, acerca do que se entende por direito líquido e certo e impossibilidade de dilação probatória, temos de ressaltar a posição do eminente jurista FRANCISCO CAMPOS, in verbis:
“O mandado de segurança não comporta, por sua natureza, a solução de questões de fato, quando estas constituem o foco da controvérsia. As únicas provas a serem apreciadas, no mandado de segurança, são as preconstituídas ou que se oferecem, desde logo, ao exame do Juiz”. (In Direito Administrativo, 1958, volume II, página 16)
HELY LOPES MEIRELES, administrativista de renome, também leciona:
Direito líquido e certo comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de mandado de segurança”. (In Mandado de Segurança e Ação Popular, 3ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1975, página 16).
Nessa perspectiva, por se tratar de remédio que visa a impugnar ato de autoridade pública e, portanto, ato administrativo, cumpre frisar que a prova é de suma importância nesse tipo de ação. Isso porque os referidos atos gozam de presunção de veracidade e de legitimidade, de modo que somente prova robusta poderá descontituir tal presunção relativa.
No tocante ao tema, cumpre destacarmos as seguintes lições do eminente doutrinador José dos Santos Carvalho Filho:
“Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais, como bem anota DIEZ. Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da estrutura do Estado”.( Carvalho filho, José dos Santos. Manual de Direito Admnistrativo. 25º Ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 120).
CONCLUSÃO
Dessa forma, percebe-se que houve um longo processo de maturação do mandado de segurança em nosso ordenamento jurídico, iter esse fundamental para a compreensão da completa importância dessa ferramenta aos membros de uma sociedade baseada nos precitos republicanos, elevado a garantia de princípio fundamental (art. 1º, CRFB/88).
Com efeito, em uma República, instala-se o regime de responsabilidade dos administradores públicos, o que inclui a possibilidade dos administrados questionarem os atos emanados do poder público.