1. INTRODUÇÃO
No direito brasileiro, inúmeros doutrinadores se esforçaram e ainda se esforçam para definir um conceito claro e preciso de casamento. Para Lafayette Rodrigues Pereira, citado por Pablo Stolze (2012, p.100), o casamento é o ato solene pelo qual duas pessoas de sexos diferentes se unem para sempre sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida. Já para Maria Helena Diniz, ora citada pelo mesmo, conceitua casamento como um vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa ao auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família.
Não obstante, quanto a sua natureza jurídica, trata-se de um instituto de direito privado não só jurídico, mas ético, social e politico.
Neste certame, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2014, p.141-142), para que exista o casamento são necessários três requisitos denominados essenciais: diferença de sexo, consentimento e celebração conforme expresso em lei (Lei nº 6.015/73).
Assim, a ausência de um desses requisitos pode ocasionar a inexistência do casamento, mas uma vez presente os três requisitos e estes falhos, assim como a celebração que for realizada por aquele que não possui competência exigida na lei, configurará invalidade (anulação) da relação matrimonial.
O artigo 1.550 do Código Civil de 2002 dispõe no seu rol taxativo as hipóteses de anulabilidade do casamento. No qual, uma delas é em detrimento ao vício de vontade, como por exemplo, o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge em relação ao defeito físico irremediável situado em seu inciso III, que será estudado minuciosamente por esse trabalho.
2. ERRO ESSENCIAL
Dentre as hipóteses de anulação de casamento previstas no Código Civil se destaca aquela quanto aos vícios da vontade, quais sejam: erro, ignorância e coação. O primeiro trata-se de uma falsa percepção da realidade, o seguinte é o completo desconhecimento da situação, e coação nada mais é do que pressão sobre a outra pessoa para que ela realize algum ato.
O artigo 1.556 do Código Civil admite a anulação do casamento por erro essencial, que pode ser entendido por uma falsa percepção da realidade. Carlos Roberto Gonçalves diz que para anular o casamento o erro deve ser relevante, pois não é qualquer defeito que o cessará. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014).
Para Francisco Amaral o erro essencial, ou substancial, exerce tamanha importância que, se ausente, a celebração do casamento não se realizaria. Diz ser essencial ou substancial porque se conhecida a realidade o casamento não se efetivaria, o agente, portanto, possui papel determinante, uma vez que manifestado o conhecimento do erro, obstaria a conclusão do negócio jurídico. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014).
As hipóteses de anulação devido erro essencial são previstas taxativamente pelo diploma legal, não cabendo por tanto ao magistrado decidir sobre quais situações fáticas podem ensejar a anulação. Casos que vão desde a intervenção à honra, boa fama ou identidade do outro cônjuge à ignorância de crime ou de defeito físico irremediável, entre outros casos arrolados pelo artigo. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014).
Ademais, o desacerto deve incidir sobre situações existentes antes da celebração do casamento, não conhecida pelo outro cônjuge, mas que só veio a ter conhecimento depois de formada a relação matrimonial. A título de exemplo tem-se o caso quando um dos cônjuges desconhece a restrição sexual de seu consorte antes de formar a sociedade conjugal, podendo o mesmo buscar a anulação do casamento.
Partindo de tal ideia, como forma de se ter uma melhor abordagem a respeito da dissolução da sociedade conjugal, depois de ter traçado algumas linhas gerais sobre o instituto do erro essencial, torna-se precípua individualizar o real objeto da explanação, qual seja debilidade sexual, instituto pertencente ao defeito físico irremediável.
3. DEBILIDADE SEXUAL
O casamento que era visto pela sociedade em geral como algo que possuía como objetivo primordial a procriação caiu por terra, hoje o casamento é mais amplo, possui agora como escopo a afetividade, esta que pode ser perpetrada de diversas formas. E, dentre tais possibilidades há a relação sexual. Entendida como um alto grau de intimidade e demonstração de amor entre cônjuges, algumas vezes exercendo tanto o ponto de união como também o motivo de término de relação, quando não “satisfativa”. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014).
Pode ser considerada não satisfativa quando ocorre a debilidade sexual, que nada mais é que a perca ou redução da saúde e vitalidade do sistema reprodutor, que reflete tanto na melhora da qualidade da vida sexual como no sistema nervoso em si. Tal debilidade, quanto ao instituto do erro essencial, pode ocorrer seja por defeito físico irremediável ou devido uma doença grave. (LIGUORI, Fernando, 2013).
3.1 IGNORÂNCIA DE DEFEITO FÍSICO IRREMEDIÁVEL OU DE MOLÉSTIA GRAVE
O artigo 1.557 do Código Civil, inciso III, em um rol taxativo, cita como uma das causas justificadoras para a anulação do casamento civil, por erro essencial, a ignorância de defeito físico irremediável ou de moléstia grave e transmissível.
Art. 1.557 Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
III - A ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
Como bem expresso no artigo supracitado, ambos os quesitos devem existir antes da celebração do casamento. Tal anterioridade é considerada característica do instituto do erro essencial.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a moléstia grave para caracterizar-se defeito, deve haver transmissão seja por contágio seja por herança, numa gravidade tamanha que coloque em temeridade a saúde do outro cônjuge, devendo tal moléstia ser anterior ao casamento, assim como as demais hipóteses de erro. Desta maneira, tal enfermidade possui requisitos cumulativos, ser grave e transmissível. Infere-se nessa preposição uma preocupação por parte do legislador com a proteção da família, como forma de obstar a propagação dos males à coletividade.
Em um conceito médico-doutrinador pode se entender por defeito físico irremediável como algo que impede a celebração do casamento, uma anomalia que por ser intratável prejudicaria a relação do casal pondo fim ao matrimonial. A mesma se exterioriza por deformidades dos órgãos genitais, anomalias orgânicas ou funcionais como, o sexo dúbio, o hermafroditismo, a impotência sexual entre outros. É válido ressaltar que tal irremediabilidade caracteriza-se pela impossibilidade de tratamento médico.
Deve se esclarecer que tais anomalias provem tanto de origem orgânica quanto psíquica. Pois, a sociedade conjugal pode ser anulada mesmo que a alguma deformidade não impeça a relação sexual, mas que de alguma forma reflita aversão do outrem ou sacrifícios para execução do ato. Ademais, muitas das vezes o defeito pode não estar localizado no órgão sexual, já basta que tal defeito esteja atuando como inibidor da libido, a titulo de exemplo pode se citar a falta de seios. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014).
Aufere-se, que deverão estar presentes os três requisitos para possibilitar a anulação do casamento: ser o defeito anterior ao casamento, ser esse irremediável, e que tal defeito seja desconhecido pelo outro cônjuge, pois uma vez conhecida a patologia não irá se permitir a anulação, já que se trata de requisitos cumulativos.
O trabalho em questão busca restringir o tema ao fato da impotência sexual, como uma das causas presentes no instituto do defeito físico irremediável, aquela é tida como um dos exemplos mais evidentes e motivacionais para o término da relação matrimonial. A mesma se apresenta de três formas: coeundi (instrumental, inaptidão para a cópula), gerandi (impossibilidade de fecundação) e concipiendi (incapacidade para a concepção). (LAPENDA, Marcelo do Rêgo Barros, 2002).
Somente a impotência do tipo couendi, propriamente dita, que realmente autoriza a anulação do casamento, as demais que encontram-se no seara da esterilidade não mais permitem, pois a relação matrimonial atual não tem como escopo a procriação, mas sim a união afetiva e espiritual.
Portanto, a impotência sexual que permite a anulação do casamento é aquela que obsta a conjunção carnal, por consequência impede um dos fins do casamento, que seria a procriação. Fins estes que seriam o objeto principal da debilidade sexual generandi, a chamada esterilidade, que por sinal não é considerada justificativa para a sua dissolução, pois em nada impede a união afetiva dos cônjuges, que é a cerne do matrimônio. (OLIVEIRA, José Lopes de p.99).
Quanto a isto, há jurisprudência a despeito dos meios legais de probabilidade dos fatos acerca da impotência que irá permitir que se anule o casamento:
ANULACAO DE CASAMENTO. IMPOTENCIA 'COEUNDI'. IRRELEVANCIA PROVA PERICIAL, NAS CIRCUNSTANCIAS DO CASO CONCRETO. SENTENCA DE PROCEDENCIA MANTIDA. VOTO VENCIDO: PARA AUTORIZAR A ANULACAO DO CASAMENTO, A IMPOTENCIA INSTRUMENTAL DEVE SER PROVADA, NAO SENDO PARA ISSO SUFICIENTE A ALEGACAO DA AUTORA E O SILENCIO DO REU, NEM OS BOATOS DE QUE ESTE NAO SATISFIZERA A VOLUPIA DE UMA NAMORADA E, NA INFANCIA, ERA DADO A PRATICAS HOMOSSEXUAIS. (Reexame Necessário Nº 38194, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Athos Gusmão Carneiro, Julgado em 23/06/1981) (TJ-RS - REEX: 38194 RS, Relator: Athos Gusmão Carneiro, Data de Julgamento: 23/06/1981, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia).
O casamento a ser anulado com base no erro essencial devido efeito físico irremediável terá de ser provado por meios convincentes, não bastando a simples alegação da parte requerente e a taciturnidade do requerido.
4. EFEITOS JURÍDICOS
Não obstante, tal anulação reflete, evidentemente e indispensavelmente, na seara jurídica, por ser o meio mais seguro para se dissolver o matrimônio. A parte legitima que não é capaz mais de conviver com tal defeito físico irremediável, poderá fazer uso da ação anulatória de efeito ex nunc, isto é, só produzirá efeitos a partir da sua prolação, não retroagindo. (GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014, pág.150).
Por se tratar de um tipo de ação de estado, que versa sobre direitos indisponíveis, faz-se necessário a intervenção do Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, assim como dispõe artigo do Código de Processo Civil de 2015. Deve-se mencionar ainda que a mesma possui prazo decadencial para ser impetrada.
Segundo Pablo Stolze (2012, p.232) “anulado o matrimônio, a sentença que o invalida retrotrai os seus efeitos para atingi-lo ab initio, cancelando inclusive o seu registro, razão por que os cônjuges retornam ao estado civil de solteiro.” Outra consequência advinda do instituto da anulação, o estado civil, diferente do divórcio que daria o status divorciado, após ser realizado, este permitiria aos cônjuges que retomassem o estado civil de solteiro que possuíam antes da união.
Seguindo nessa linha, deverá se observar quanto à culpa presente na anulação da relação conjugal, assim como predispõe o texto legal do Código Civil de 2002:
Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:
I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;
II - na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial.
Caso o casamento que seja anulado em concorrência de culpa por parte de um dos cônjuges, aquele que desse causa à invalidade, implicará em perdas e danos ao cônjuge inocente. Pablo Stolze critica tal medida, uma vez que é de extrema dificuldade a sua mensuração na vida afetiva que se desfaz, bastando apenas que o cônjuge gerador da invalidade suportasse no caso concreto seus efeitos sancionatórios. E, ainda menciona o Estatuto das Famílias, que não regulamentou acerca das consequências da anulação por ser de tão difícil a sujeição da culpa. (GLACIANO, Pablo Stolze, 2012, pág.232).
Ademais, quanto ao instituto da anulação por erro essencial, este poderá recaí até mesmo na esfera penal, assim como é disposto no artigo 236 do Código Penal. Onde é tipificado como crime de “Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento”, aquele que induz outrem a contrair casamento sob a seara do erro essencial, ou até mesmo devido a omissão de impedimento para a celebração.
Busca-se proteger a constituição familiar, pois se trata de um tema que repercute de todas as formas, sendo necessária ser preservada até mesmo diante do campo penal. E uma vez configurado tal infortúnio, o detentor do defeito físico irremediável ou de moléstia grave transmissível, capaz de causar grave prejuízo ao parceiro ou aos seus descentes, será penalizado. (LAPENDA, Marcelo do Rêgo Barros, 2002).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como explanado, o casamento atual não é mais tido como algo que atrela eternamente os cônjuges, uma vez que, o mesmo possui como desígnio a afetividade e não mais a procriação, podendo ser dissolvido por diversos meios, tais como o divórcio, falecimento, anulação, entre outros.
Desta maneira, o direito brasileiro permite a anulação de casamento por erro essencial quanto à pessoa, segundo dispõe o texto legal civilístico, pois uma vez configurado tal erro e comprovado a existência da ignorância de um dos cônjuges quanto àquele, podererá o casamento ser dissolvido.
Vale ressaltar, que um defeito físico irremediável pode perfeitamente, com os avanços da medicina, tornar-se remediável, desconstituindo-se, assim, a causa da anulabilidade do matrimônio.
Ademais, com a evolução do conceito de casamento, hoje em dia ao contrair matrimônio o objetivo da pessoa não está mais respaldado ao acesso ao coito, mas sim o de vivenciar os momentos de prazer físico e de vivência do mais sublime dos sentimentos que é o amor.
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