Análise crítica acerca da obra contra a perfeição:ética na era da engenharia genética, de Michael J. Sandel

24/05/2016 às 17:14
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O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise crítica sobre a obra Contra a perfeição – ética na engenharia genética, de autoria de Michael J. Sandel. Ressaltando algumas particularidades sobre o melhoramento genético no âmbito esportista.

  1. INTRODUÇÃO

No mundo em que vivemos a busca pela beleza e perfeição vem crescendo em um grau cada vez mais elevado. Um padrão de beleza vem sendo instituído na sociedade atual, fazendo com que pessoas submetam-se a inúmeros artifícios, muitas vezes não saudáveis ou muito menos confiáveis. Um dos grandes parceiros desta busca é a rede social, na qual mulheres e homens exibem seus corpos “perfeitos” em fotos e vídeos, querendo instituir de forma unilateral que aquele é o bonito, que aquele é o exemplo a ser seguido. Mas por quê? Por quê o corpo com quase zero por cento de gordura é o bonito? Por quê o homem tem que ser repleto de músculos bem definidos? Quem disse que esse era o bonito? O perfeito? São essas e outras indagações que são levantadas na obra Contra a Perfeição, de Michael J. Sandel,

  1. O MELHORAMENTO GENÉTICO E OS ATLETAS BIÔNICOS

Atrelado a essa caminhada que visa o corpo perfeito, as terapias de melhoramento e a engenharia genética vêm ganhando cada vez mais adeptos com o escopo de remodelar sua natureza e satisfazer seus anseios e desejos.

Em meio à busca pelo padrão de beleza instituído de forma unilateral, destacam-se os atletas biônicos, que na maioria das vezes se valem de todas as artimanhas genéticas capazes de melhorar e aperfeiçoar seu desenvolvimento. Mas as grandes perguntas que podemos fazer são: até que ponto seria ético a intervenção genética no desenvolvimento do atleta? Até que ponto isto não estaria interferindo e dando uma vantagem antiética ao atleta? Onde fica o espaço para o talento natural do atleta?

Tais perguntas muitas vezes não têm resposta. Ou se têm, divergem bastante entre as pessoas. O fato incontroverso é que quanto mais o atleta se deixa levar pela engenharia genética e pela terapia de melhoramento menos o seu desempenho equivale a sua própria conquista. Não podemos nos enganar e achar que o atleta biônico é o único e exclusivo responsável por suas conquistas e realizações. Na verdade, grande parte de tais conquistas e realizações ele deve ao médico, ao químico e ao farmacêutico responsáveis por seus suplementos e intervenções genéticas. Estes sim são os grandes e verdadeiros vitoriosos.

É bastante triste e lamentável que em virtude desta realidade o dom natural tem perdido espaço, o atleta talentoso por natureza tem sido “escanteado”. E se sobressai o atleta biônico, composto basicamente por artimanhas genéticas capazes de lhes atribuir um “talento”, o qual não “veio de fábrica”. Um grande problema é que a utilização destas drogas e remédios corresponde a uma espécie de atalho à vitória, à conquista, ignorando ou pelo menos diminuindo a importância do esforço, da dedicação e do talento natural.

É importante ressaltar certas indagações: até que ponto esses atletas geneticamente alterados devem ser tolerados? Até que ponto seria ético utiliza-se de tais intervenções? Qual o limite entre a ética e a trapaça na utilização destas artimanhas?

Acredito que os atletas biônicos corrompem a competição esportista saudável e ética, ao passo que deixam de valorizar o dom natural do ser humano. No livro Contra a Perfeição de Michael J. Sandel, o autor cita interessantes exemplos que nos fazem questionar até que ponto certas atitudes intervencionistas seriam éticas ou antiéticas, tais como o exemplo do jogador de golfe Tiger Woods, o grande nome do golfe americano. O atleta em questão enxergava incrivelmente mal, não conseguia nem ao menos distinguir as letras dos painéis de exames oftalmológicos. Porém, em 1999 ele passou por uma cirurgia de correção de visão que o fez vencer inúmeros torneios em seguida. O autor J. Sandel afirma que tendo em vista o caráter reparador da cirurgia esta foi bem aceita pela sociedade, mas e se ele tivesse se submetido ao procedimento cirúrgico apenas com o escopo de aprimorar sua visão? Deixando-a livre de todas as imperfeições possíveis. Seria ético? Não seria trapaça?

Essa discussão a respeito de limite entre o ético e a trapaça quanto aos melhoramentos genéticos corresponde a um assunto bastante delicado e divergente. Acredito eu que cirurgias reparadoras são muito bem vindas aos atletas, não é a toa que o número de atletas que são obrigados a passar por procedimentos de reparação tais como no ombro, joelho, dentre outros é cada mais vai crescente. Mas entendo que as intervenções cirúrgicas deveriam parar por ai para serem bem aceitas no âmbito da ética do esporte.

Por outro lado, em virtude dos atletas biônicos há uma transformação do jogo em algo que deixa de ser um esporte e passa a ser um espetáculo, sem muito drama ou emoção. Tendo em vista os atletas são extremamente desenvolvidos, com um alto grau de aproveitamento e desempenho, durante a competição aquilo que era considerado algo heróico, uma jogada épica, por exemplo, deixa de ser, passando a ser considerado algo banal, já que muitos conseguem atingí-la.

Outro exemplo citado pelo autor é o uso pelos músicos dos chamados betabloqueadores, com o objetivo de atingirem um estado de espírito calmo no momento que antecede uma grande e importante apresentação. Mas isso nos faz pensar: seria ético o uso de tais medicamentos pelos músicos? Há quem argumente que não, fundamentando que um dos desafios de um bom músico é exatamente se apresentar superando o medo natural, a pressão tão comum nesse tipo de evento. Ao passo que há quem defenda que não há problema algum no uso dos mesmos, haja vista que tais medicamentos não tornariam ninguém um melhor músico.

Ouso discordar de tal pensamento, acredito que o uso de betabloqueadores por músicos os tornam sim melhores, haja vista que tiram deles aquela típica tensão pré-apresentação, tranqüilizando-os, dando espaço apenas ao talento natural deles, sem intervenção nenhuma de qualquer fator psicológico relacionado à falta de confiança ou nervosismo.

Podemos concluir que o uso desenfreado e cada vez mais ascendente da engenharia genética juntamente com as técnicas de melhoramento tem degenerado a essência do esporte, da competição saudável, dando espaço a um palco para um grande espetáculo de atletas que beiram à perfeição.

  1. PAIS PROJETISTAS E FILHOS PROJETADOS

Na sociedade atual ter um filho representa muito mais do que colocar uma criança no mundo, estando repleto de incertezas de como esta irá se comportar, de qual carreira irá escolher no futuro, quais qualidades ela irá apresentar. Hoje em dia o medo do inesperado transforma o mistério do nascimento em uma moldagem dos filhos.

Podemos dizer que a maioria dos pais não está mais aberta para o inesperado, muito pelo contrário, muitos deles se cercam de todas as opções possíveis para livrar-se de tais incertezas sobre seus filhos, moldando-os de acordo com seus anseios e desejos, transformando-os com base em suas próprias vontades.

Ao contrário de apenas aceitar seus filhos como estes vieram ao mundo, amando-os acima de tudo, vendo-os como dádivas e bênçãos, os pais optam por projetar o futuro dos mesmos ao máximo possível, utilizando-se muitas vezes da medicina para tal fim.

É nesse cenário que entra a modelagem genética dos filhos. Muitas pessoas poderiam se questionar sobre o que exatamente trata essa modelagem. Sobre até que ponto seria saudável e ético alterar geneticamente uma criança com o escopo de lhe proporcionar uma “melhor” condição de vida. Seria melhor na visão de quem? Dos pais? Será que caso a criança tivesse opção, ela escolheria tais intervenções genéticas apenas para maximizar seus potenciais? Talvez ela já estivesse satisfeita exatamente como ela é, como ela veio ao mundo.

A medicina é uma ciência muitas vezes milagrosa, sem a qual não poderíamos viver, tendo em vista que seu principal objetivo consiste em exatamente promover a saúde, o bem estar das pessoas, bem como curar-lhes suas doenças. O problema está exatamente no limite dos pais para com o uso da medicina.

Podemos enxergar basicamente dois âmbitos de utilização da ciência médica, quais sejam: a cura e o melhoramento de algo já saudável. O problema consiste no limite da utilização dos artifícios médicos para melhorar algo já saudável, apenas visando maximizar o potencial da criança, muitas vezes modificando-a geneticamente para isso, para assim permitir que ela alcance com maior facilidade o sucesso na sua vida. Muitas vezes os pais acabam ultrapassando o limite do uso saudável de tais artifícios, passando a criar uma espécie de competição cada vez maior entre as crianças.

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Como é destacado no livro, é claro que a utilização da terapia de melhoramento dentro dos padrões éticos pode ser bastante saudável e vantajosa para a criança, como no caso da ortodontia e da utilização de hormônios nos casos de crianças com problemas de crescimento. Nesses casos a modificação na criança é extremamente válida e vantajosa para ela, tendo em vista que irá apenas aperfeiçoá-la dentro dos limites comuns entre as outras crianças.

Muitos pais não conseguem parar por aí, e com isso acabam utilizando-se cada vez mais e mais de tais artifícios, buscando assim a perfeição da criança, buscando promover a excelência das mesmas a todo custo, transformando-se em pais que deixam de amar seus filhos com “apenas” os atributos que estes foram abençoados naturalmente, e passam a ser extremamente ambiciosos na busca pelo filho considerado perfeito. É o famoso filho projetado por pais projetistas.

Mas o que seria um filho considerado perfeito? Esta perfeição foi construída com base em que padrões? Na minha humilde opinião, o perfeito para um pode não ser o perfeito para o outro, muito pelo contrário, podem ser perfeitos opostos. Os filhos projetados de pais projetistas são bastante comuns no meio esportivo. Nesse meio, os pais fazem de tudo para moldar suas crias para o sucesso, visando transformá-las em vencedores, como o exemplo das irmãs Williams, citado na obra de Sandel. Serena e Venus são consagradas no meio esportivo e destacam-se das demais em função da excelência das mesmas, do talento indiscutível. Muitos podem se perguntar: será que é de família todo esse talento? Será que ambas foram agraciadas pelo dom do tênis? Não podemos excluir totalmente o talento genético de ambas, é claro. Mas sejamos certos que a carreira extremamente vitoriosa de ambas não se resume à talento nato. Não. Haja vista que o pai das irmãs já declarou abertamente que planejou a carreira das filhas, fazendo de tudo para que ambas trilhassem o caminho do sucesso no esporte. Não é a toa que ambas são colecionadoras de inúmeros títulos, dentre estes, incontáveis Grand Slams.

Os chamados hiperpais, que fazem de tudo para que seus filhos atinjam o sucesso projetado por aqueles são, muitas vezes, autores da famosa intimidação parental, bastante comum no meio esportivo. Refere-se às atitudes dos pais durante competições de seus filhos projetados, que ultrapassam assim a barreira do incentivo e apoio moral e passam a representar um medo, uma pressão, exatamente uma intimidação para o bom desempenho dos filhos. Com isso, os filhos se sentem obrigados a mostrar o seu melhor, a mostrar resultado aos pais por todo o esforço destes para àqueles, o que acaba levando a um empenho acima do normal, ocasionando cada vez mais lesões por esforço excessivo.

  1. CONCLUSÃO

Com base em todo o exposto, podemos concluir que a busca pela perfeição está cada vez mais difundida na atualidade. As pessoas valorizam o artificial, o modificado geneticamente em detrimento do natural, em função da busca pelo padrão de beleza, de sucesso, criados e impostos pela sociedade, sendo disseminados de forma ascendente pelas redes sociais. Só nos resta tentar inverter esta lamentável realidade, dando assim o valor certo às coisas certas.

  1. REFERÊNCIAS

SANDEL, Michael J. Contra a Perfeição: ética na era da engenharia genética. 1ª.ed. Tradução por Ana Carolina Mesquita. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2013

SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. 6ª Edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

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