A ampla defesa e o contraditório nas sindicâncias no âmbito do Exército Brasileiro

25/05/2016 às 21:01
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Verifica-se, após uma singela análise técnica, que não há uma necessidade de observação da ampla defesa e do contraditório nas sindicâncias do Exército, simplesmente por não serem exigíveis. Sindicância não é processo, mas um procedimento administrativo.

  

1.      Introdução

Devido a exigência da observação dos institutos da ampla defesa e do contraditório em Sindicâncias no âmbito do Exército Brasileiro, o presente artigo possui, por escopo, esclarecer sobre a real necessidade de tal observação naqueles procedimentos administrativos.

2.      Desenvolvimento

Inicialmente, cabe colocar que os institutos da ampla defesa e do contraditório possuem previsão constitucional expressa. Ambos encontram-se previstos no inciso LV, do art. 5º, de nossa Constituição Federal, como se vê:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo (grifo nosso), e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

      Partindo da previsão constitucional, do contraditório e da ampla defesa em processo judicial ou administrativo, pode-se iniciar a análise do instituto sindicância. Sindicância pode ser definida como procedimento administrativo, em sede de Administração Pública, seja Direta ou Indireta, destinado a esclarecer fatos e questões, através da coleta de elementos de informação, coma finalidade de contribuição às medidas necessárias ao bom andamento do serviço público.

      Não pode deixar de ser mencionado que o instituto sindicância não é, necessariamente, destinado a apurar somente irregularidades. Tal pensamento configura um equívoco. Todo fato que carecer de elucidações, seja em sede de transgressões eventuais, ou de procedimentos com fulcro meritório, podem ser objeto de sindicância. Como pretende-se analisar a ampla defesa e o contraditório, obviamente limitar-se-á ao caráter disciplinar do instituto.

      O Mestre José Cretella Júnior¹ define sindicância como sendo o meio sumário para investigação de anormalidades no serviço público, haja ou não indiciados conhecidos, visando coletar os elementos suficientes para indicação de autoria e seguida abertura de processo disciplinar contra o funcionário público responsável, não sendo informada pelas garantias do contraditório e da ampla defesa, “porque não conclui por uma decisão contra ou em favor de pessoas, mas pela instauração de processo administrativo ou pelo arquivamento da sindicância”.

      A eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro² a classifica como um tipo de Processo Sumário. Ainda, lembra, a referida autora, que, após a análise da definição do Mestre José Cretella Júnior, a sindicância seria como uma fase inicial, preliminar à instauração do processo administrativo e que corresponderia ao inquérito policial que se realiza antes do processo penal.

      O saudoso professor Hely Lopes Meirelles5, com a lucidez que lhe é peculiar, define Sindicância (sindicância administrativa), como sendo o

“meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subsequente instauração de processo e punição ao infrator. Pode ser iniciada com ou sem sindicado, bastando que haja indicação de falta a apurar. Não tem procedimento formal, nem exigência de comissão sindicante, podendo realizar-se por um ou mais funcionários designados pela autoridade competente. Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de verificação de irregularidade, e não de base para punição equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal. É o verdadeiro inquérito administrativo que precede o processo administrativo disciplinar. Entretanto, a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para a validade da sanção aplicada”.

      Marçal Justen Filho³ entende ser essencial conhecer a natureza de processo administrativo para sindicância, no sentido de que todas as garantias inerentes ao devido processo legal se apliquem ao caso, ponto em que discordamos, de maneira óbvia. Continua, o citado autor, que o procedimento em tese “Trata-se, tão somente, de um processo administrativo com procedimento simplificado, em vista da reduzida gravidade da infração a ser apurada”. Por fim, o referido autor coloca que a sindicância se caracteriza pela simplicidade comportamental, ponto que, também, não se reveste de total veracidade, haja vista que existem Sindicâncias extremamente complexas, principalmente as relacionadas com o escopo contábil e fiscal.

      Após a citação dos eminentes juristas, peço vênia para esclarecer meu ponto de vista.

      Como mencionei, a Sindicância não serve, somente, para apurar infrações leves ou violações em sede administrativa. Trata-se de um procedimento administrativo de extrema utilidade e eficácia. Logo, não há menor possibilidade de equiparação do procedimento em pauta com a figura do Processo Administrativo. Ambos são distintos, servindo a fins específicos.

      O legislador constitucional foi claro, não cabendo interpretações extensivas. Processo é processo. Nele, todas as garantias constitucionais são latentes. Ampla defesa, contraditório, defesa técnica, perícias, enfim, todos os meios de prova legalmente admitidos, sob pena de nulidade absoluta.

      Efetivamente, o legislador constituinte quis falar em processo judicial e administrativo. Não citou, não deduziu e, muito menos equiparou aqueles com o procedimento e, muito menos, com a Sindicância, um instrumento administrativo por excelência, uma ferramenta da boa administração.

      Como o assunto em pauta é Sindicância, em sede disciplinar, obviamente sabe-se que o instituto não irá punir ninguém, pois se assim for feito, restará configurada a impropriedade do objeto. O instituto estará ultrapassando os delimitados fins para os quais fora criado.

      Se constatada a existência de quaisquer violações, há que ser instalado o devido processo punitivo, surgindo aí a necessidade de observância da garantia constitucional supramencionada, respeitando o princípio do devido processo legal, tudo de forma racional e ponderada, cumprindo, exatamente, o fim que o legislador constitucional quis, sem meias palavras, meios entendimentos, extensões descabidas ou desvirtuamentos. As palavras não são, na Lei, colocadas em vão, e muito menos com sentidos obscuros. Ainda, não se trata de Tipo Aberto. O Texto Constitucional é claro, cristalino.

      Seguem jurisprudências, que coadunam com o entendimento por mim abarcado:

STF: “2. Pretendida a anulação de ato de demissão com retorno ao cargo antes do ocupado. Alegada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 3. A pena de demissão não resultou da sindicância, mas, sim, de posterior processo administrativo disciplinar, no qual foi assegurado o exercício de ampla defesa. 4. Hipótese em que a sindicância é mero procedimento preparatório (grifo nosso) do processo administrativo disciplinar” (MS nº 23.410/DF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes. Julg. 2.8.2004. DJ, 10 set. 2004).

“A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administrativo disciplinar como na sindicância especial que lhe faz as vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subsequente”  (grifo nosso) (MS nº 22.791/MS, Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso. Julg. 1º.11.2003. DJ, 19 dez. 2003).

STJ: “2. A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar (grifo nosso), ainda sem a presença obrigatória de acusados” (MS nº 10.828/DF, Terceira Seção. Rel. Min. Paulo Gallotti. Julg. 28.6.2006. DJ, 2 out. 2006).

 

      Como pôde ser observado, não restam dúvidas sobre o posicionamento de nossos Tribunais Superiores a respeito da ampla defesa e do contraditório em sede de Sindicância, desde que o instituto seja destinado a apurar e não a punir. A punição, se advier, deverá ser aplicada mediante a observância de um procedimento punitivo e não de um procedimento investigatório. Portanto, trata-se de dois institutos distintos, com finalidades específicas, restando resguardados, naquele último, a ampla defesa e o contraditório, ambos com todos os meios legais probatórios a eles inerentes.

      Dando continuidade à exposição, no âmbito do Exército Brasileiro, existe uma preocupação latente com os institutos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, desde o início de seus procedimentos de Sindicância.

      No Capítulo IV, da Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012 (EB 10-IG-09.001), encontra-se a expressa menção aos institutos: “Do Contraditório e da Ampla Defesa”. O art. 15, da Portaria em tese, é explícito:

“Art. 15. A sindicância obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos a ela inerentes.

Parágrafo único. Para o exercício do direito de defesa será aceita qualquer espécie de prova admitida em direito, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia, ou contra a defesa”.

      Como pôde ser visto, presente está a necessidade de observância aos institutos constitucionais. Mas, com a devida vênia, desnecessária tal observação, principalmente por ser sabido que a sindicância não pune. Ela servirá, no máximo, como ponto de apoio para uma eventual sanção, podendo servir, inclusive, como base para um futuro Inquérito Policial Militar (IPM). Trata-se de procedimento eminentemente investigatório, como o IPM. A diferença entre ambos reside na destinação, no objetivo pretendido. A sindicância surge quando existem infrações administrativas ou diante de outras necessidades administrativas quaisquer. Já o Inquérito Policial Militar, apura Crimes de natureza militar, de forma similar ao Inquérito de Polícia Civil, guardadas as devidas diferenças e proporções.

      O surgimento da observação dos institutos da ampla defesa e do contraditório se dá, em sede civil, quando surge a figura do Processo, seja Administrativo, seja Judicial. No caso do Exército Brasileiro, surge com o Formulário de Apuração de Transgressões Disciplinares – FATD, verdadeiro processo punitivo sumário, ou, em caso de Inquérito, com a recepção da denúncia efetuada pelo Ministério Público Militar, quando, efetivamente, haverá o nascimento do processo.

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      Merece ser colocado que a não observância das garantias constitucionais maculará de nulidade todo procedimento adotado. Por outro lado, se não houver prejuízo para a defesa, não há que se falar em nulidade.

      Guilherme de Souza Nucci6 define nulidade como sendo “...o vício, que impregna determinado ato processual, praticado sem a observância da forma prevista em lei, podendo levar à sua inutilidade e consequente renovação”. Trata-se de um defeito, de ordem jurídica, que pode invalidar, total ou parcialmente, todo ato, procedimento ou processo. Obviamente, a não concessão do direito de defesa, da ampla defesa ou do contraditório constitui uma afronta ao devido processo legal, configurando, portanto, causa de nulidade absoluta, total.

      Mirabete4, com perfeita técnica, nos traz algumas noções gerais sobre nulidades. Ele nos ensina que:

“Quanto à natureza jurídica das nulidades, há os que entendem ser ela um vício ou defeito, que pode tornar ineficaz o ato ou parte dele, e outros que é ela uma sanção que, no processo, é de ser o ato processual considerado como não realizado. Na verdade, há, na nulidade, um duplo significado: um indicando o motivo que torna o ato imperfeito, outro que deriva da imperfeição jurídica do ato ou sua inviabilidade jurídica. A nulidade, portanto, é, sob um aspecto, vício, sob outro, sanção. Fala-se, quanto às classificações doutrinárias das nulidades, em atos inexistentes, em que há falta de um elemento que o direito considera essencial; em ato nulo, aquele que não produz efeitos até que seja convalidado e, se isto não for possível, nunca os produzirá; em ato anulável, que produz efeitos até que seja invalidado. Há também os chamados atos irregulares, em que há violação da forma legal e não violação do fundo que a informa, sem reflexos na sua eficácia”.

      O art. 563 de nosso Código de Processo Penal é cristalino ao dispor que “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

      Acompanhando o raciocínio supra, o Art. 499 do Código de Processo Penal Militar – CPPM7, é claro ao dispor que “Nenhum ato judicial será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

      Os dispositivos anteriormente citados mostram a atuação do princípio geral de que, inexistindo prejuízo, não será proclamada a nulidade do ato processual, mesmo que em desacordo com formalidades legais. Trata-se do princípio “Pas de Nullité sans Grief”. E tal princípio não configura, nem nunca configurará, uma afronta ao devido processo legal.

      Por fim, pode ser entendido que se não existir nulidade, em sede processual, se não houver prejuízo de grave ordem, não haverá de ser cogitada a nulidade de uma sindicância, um procedimento administrativo por excelência, pela não observância da ampla defesa e do contraditório, principalmente pela ausência expressa de previsão legal. Mais uma vez, processo administrativo e processo judicial diferem, em muito, do procedimento administrativo intitulado sindicância.

3.      Conclusão

Diante do exposto, respeitando todas as opiniões divergentes, com o objetivo de simplificar entendimentos e afastar dissabores e discussões desnecessárias, podem ser tiradas algumas conclusões óbvias:

a)      nos procedimentos administrativos em que não sejam objeto a apuração de crimes, sejam comuns ou militares, dentre os quais podemos incluir as Sindicâncias, não há que se falar em ampla defesa ou contraditório;

b)      processo administrativo e processo judicial não se confundem com procedimentos administrativos. Sindicância é procedimento administrativo por excelência;

c)      ampla defesa e contraditório possuem previsão constitucional, em sede de processo administrativo e processo judicial;

d)     não existe necessidade de ampla defesa e de contraditório se do procedimento adotado não resultar punição que qualquer ordem. Havendo probabilidade de punição, sanção ou qualquer outra medida restritiva, há que se fazer presente a ampla defesa e o contraditório, respeitando-se o devido processo le;

e)      nas Forças Armadas, em especial no Exército Brasileiro, existe previsão, desnecessária, de ampla defesa e contraditório em sindicâncias;

f)       a não observação da ampla defesa e do contraditório, em sede de sindicância, desde que não punitiva, não resultará qualquer afronta ou nulidade, devendo, aqueles institutos, estarem presentes em sede de processo punitivo, seja sumário ou não;

g)      o Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar – FATD, em uso no Exército Brasileiro, configura-se como um processo punitivo sumário. Logo, deverá ser oportunizada defesa coerente, mediante a observação dos institutos da ampla defesa e do contraditório, bem como das demais garantias constitucionais previstas, se assim forem necessárias; e

h)      não há que se falar em nulidade de processo, ou de procedimento, se não houve comprovado prejuízo à defesa ou à acusação, quer no meio civil, quer no meio militar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.      CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.

2.      DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.

3.      FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.

4.      MIRABETE, Júlio Fabrini. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2007.

5.      MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

6.      NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

7.      NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal militar comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

 

DIPLOMAS

1.      Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 – 2015.

2.      Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012, do Comandante do Exército (EB10-IG-09.001)

 

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Sobre o autor
Douglas Mattoso Carneiro

Advogado, especialista nas áreas Empresarial, Tributária, Criminal, Administrativa, Militar e Trabalhista. Experiência de mais de 30 anos na área do Direito Público e Militar. Professor

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Esclarecimento técnico aos militares e aqueles que labutam na seara do direito militar.

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