Esse trabalho busca demostrar a necessidade de termos organismos de direitos humanos bem consolidados e atuantes, mostrando seu protagonismo histórico desde sua gênese aos dias atuais, tratando, por fim, do aparente repúdio demonstrado por parte da sociedade contemporânea, que vêm os organismos de diretos humanos como inimigos da paz social, introduzindo jargões jocosos do tipo “direito dos manos”, em alusão a ser protetor das pessoas que ferem o ordenamento jurídico pátrio, entre outros, e deixando uma reflexão para os leitores.
Direitos humanos sem dúvidas são os mais elementares direitos da pessoa humana, percorrendo entre os direitos civis e políticos tais como direito a vida, liberdade, habitação, educação, saúde, distribuição igualitária de renda, entre outros.
Os conceitos de direitos humanos são notados na sociedade desde a primeira era bíblica, conhecida por velho testamento, nos Livros de Moisés nota se, através das suas Leis, grande preocupação social pelas minorias e excluídos tais como viúvas, forasteiros, pobres, órfãos, e até mesmo os endividados. E continua a ser visto no Novo Testamento (segunda parte da Bíblia), Jesus Cristo em vários de seus atos e pronunciamentos salientou a importância do direito de ir e vim (curando paralíticos), liberdade de expressão (...Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da sua boca), e em sua afirmação que valida a importância das Leis de Moisés (Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas sim cumprir – São Mateus 5:17).
Por outro lado, vemos também na história Bíblica a legitimidade de sacrifícios humanos, devidamente estabelecida pelos Estados, feriando assim a atual visão ocidental de direitos humanos.
Séculos depois, temos em Immanuel Kant (1724 - 1804), um dos grandes filósofos que moldaram a ideia de direitos humanos até os nossos dias, sendo considerado por muitos, fonte indelével de inspiração para cartas constitucionais de vários países, onde impera a democracia e aceitação da supremacia dos direitos humanos.
Já organismos de direitos humanos como vemos hoje foram criados logo após a segunda guerra mundial, utilizando palavras da professora Flávia Piovesan “A internacionalização dos direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, o que resultou no extermínio de onze milhões de pessoas. O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça — a raça pura ariana. No dizer de Ignacy Sachs, o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio concebido como projeto político e industrial.” (Piovesan Flávia – Direitos Humanos e o Direito Internacional Público 15ª ed).
E esse grande atentado contra os direitos humanos fez com que os Estados criassem um organismo para buscar compelir a reincidência dos mesmos episódios, e mostrando que a soberania estatal não poderia ser absoluta, deveria ser limitada quando, por exemplo se trata de direitos humanos, criando se assim, em 1945, a Organização das Nações Unidas – ONU.
Já em tempos mais recentes, o nosso País viveu um período de ruptura democrática, onde registros históricos mostram que os direitos humanos deixaram de ser a regra de tratamento do Estado para com a sociedade, e aqueles que discordavam dos rumos da política eram presos injustificadamente, torturados, e em muitos casos mortos e seus corpos tidos como desaparecidos, em uma evidente tentativa de sumir com as provas dos bárbaros crimes.
Nesse lamentável período histórico, houve evidente dissociação entre Estado e Direitos Humanos, uma vez que o Estado deve ser o garantidor dos direitos humanos vimos ai um choque entre ativistas dos direitos humanos, representando a sociedade, e a rígida intervenção do Estado. Neste momento a sociedade clamava por direitos humanos e o Estado fazia um temeroso contraponto de divergência.
Vencido esse período histórico, promulgada a Constituição Federal de 1988, Constituição Cidadã, onde o legislador buscou perpetuar os direitos humanos, em parte dentro das cláusulas pétreas de direitos fundamentais dos cidadãos, e outra parte em textos esparsos na mesma carta, com isso vimos um grande empoderamento dos direitos humanos, e posteriormente a busca da efetividade dos direitos sociais previsto na carta magna.
E nesse contexto surge então o confronto entre dois termos, direitos humanos e direitos fundamentais do cidadão, sabemos que os termos não são sinônimos, mas é fácil ver populares o acharem. E acabar por se confrontarem com as máximas populares do tipo “onde estavam os direitos humanos quando ocorreu determinado crime contra um pai de família ou uma retaliação do crime contra um policial?” ou de forma pejorativa o apelidar de “direito dos manos”. Vemos ainda argumentos que ensejam que os presidiários não têm legitimidade para serem beneficiários dos direitos humanos. Mas cabe importar que os direitos humanos extravasam os limites do termo direitos fundamentais do cidadão, pois para gozar a cidadania, o Estado exerce seu poder de soberania e elenca seu rol de atributos necessários para tal, podendo limitar ou taxar, como por exemplo impor limite por faixa etária, abaixo de determinada idade não tem a cidadania plena, ou se analfabeto não pode exercer a cidadania, sendo excluído de sufrágios universais, por exemplo. Enquanto isso os direitos humanos abarcam todos os humanos independente de etnia, religião, sexo, idade ou posicionamento político, os direitos humanos contemplam a pessoa natural, pelo simples fato dela ser humana, o que fica claramente evidenciado que o direito a cidadania não é universal, enquanto os direitos humanos são além de natural, os são universal, não precisando estar codificado para que a infringência ao mesmo incomode a consciência universal. Direitos universais são aqueles que sem dúvidas, dentro da cultura ocidental, são cogentes, pois não há discursão a respeito da permissibilidade da prática da escravidão, ou trabalho infantil, é impensado falar sobre penas cruéis aos presos, por mais bárbaro que tenha sido o crime por ele praticado, a consciência universal tem bem consolidado que tais garantias nos garante uma sociedade mais civilizada.
Tem se ainda que compreender que quando o Estado comente um crime contra os direitos humanos, quem o cometeu foi um agente do Estado, uma pessoa, pois sabemos que o Estado é uma ficção, e a pena por tal crime é pessoal, por esse motivo, quando um agente do Estado, em nome dele, comete um crime contra os direitos humanos e o Estado se mantem silente e inerte os organismos de direitos humanos devem agir, para assegurar a garantia dos direitos universais, independentemente se tal vítima é autora ou não de outros crimes, pois como já tratamos aqui, mesmo os criminosos são titulares dos direitos humanos, por esse ser universal e não poder ser relativizado. Por outro lado, quando acontece um crime de estupro, por exemplo, por mais que seja repudiado pela sociedade, sabemos que o Estado tem a obrigação de agir, como policiais, delegados, ministério público, judiciário todos em prol de mostrar o repúdio da sociedade e aplicar as penas constantes na legislação vigente, tendo assim uma resposta a sociedade. O que dificilmente acontece quando o crime é patrocinado pelo Estado, pelas razões expostas os organismos de direitos humanos atuam na proteção de presos e suspeitos, pois os mesmos estariam em boa parte dos casos a mercê da própria sorte, lutando sozinhos contra o forte poder estatal.
Temos então que prezar pela manutenção e aprimoramento dos organismos de defesa dos direitos humanos, mesmo que em alguns momentos a sociedade possa discordar de sua atuação, pois temos que lembrar que o direito deve se pautar pelo DEVER SER e não pelo que É, temos que buscar a implementação real dos direitos fundamentais, direitos universais, enfim direitos humanos ainda que muitas vezes possamos reconhecer que as estatísticas mostram números que geram medo e insegurança, mas devemos buscar vislumbrar uma sociedade mais justa, onde o direito a vida e a igualdade possam ser plenamente respeitados.
Como sociedade não podemos buscar desestabilizar o trabalho de organismos que se empenham na garantia do cumprimento dos direitos humanos, em palavras do secretário geral da ONU temos o seguinte:
As Nações Unidas não poderiam desenvolver seu valioso trabalho na área de direitos humanos sem a ajuda de seus colaboradores. Quando essas pessoas se sentem intimidadas e sofrem represálias, elas são as vítimas, porém, todos nos tornamos menos seguros. Quando sua cooperação é reprimida, nosso trabalho em prol dos direitos humanos é comprometido. (Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, Relatório Anual sobre Cooperação com as Nações Unidas, 13/08/2012).
Não foi pretensão nossa aprofundar na temática de direitos humanos e sim mostrar de forma simples a importância desse instrumento para a real democracia, e para o exercício pleno dos nossos direitos.
E por fim, espero ter levado a reflexão que para o melhor funcionamento dos organismos de direitos humanos é primordial que a sociedade como um todo possa se posicionar e analisar as demandas dos organismos de direitos humanos como sendo algo de importância impar para cada indivíduo bem como para toda a sociedade, pois pensar diferente é um atentado contra a segurança de cada um.
Referência
Piovesan, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 15ª edição.
Almeida, Guilherme de Assis, Direitos Humanos e Não-Violência. DIREITOS HUMANOS E NÃO-VIOLÊNCIA.
https://nacoesunidas.org