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A obrigatoriedade de escrituração do pequeno empresário

22/03/2004 às 00:00
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Desde 1988, com a edição da atual Constituição Federal, o legislador constituinte procurou dar um tratamento favorecido aos pequenos empresários que, sob as leis brasileiras, tenham sua sede e administração no País (inciso IX, do art. 170 da CF) e no mesmo sentido, no art. 179 da Carta Magna, procurou garantir um tratamento jurídico diferenciado visando incentivá-los pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas obrigações por meio de lei.

Oito anos depois de editada a Constituição nenhuma lei, de cunho administrativo, previdenciário ou creditício, havia sido promulgada até que surgiu a Lei n. 9.317/96, que dispõe sobre o SIMPLES, que nada mais fez que dar um tratamento diferenciado de tributação, dependendo da receita bruta anual auferida, destinado a algumas categorias de negócios, não franqueando o benefício a todos os tipos de pequenos empreendimentos.

Na mesma linha, três anos mais tarde, foi editado o Estatuto da Microempresa, Lei n. 9.841/99, que apenas definiu (para fins tributários) o que seja microempresário e pequena empresa, mantendo o tratamento da legislação do SIMPLES e novamente considerando a receita bruta anual para a concepção do conceito.

Como há muito precisávamos renovar o Código Comercial (que data de 1850) e precisávamos tratar das atividades negociais dos comerciantes e prestadores de serviços, hoje chamados de empresários, o Novel Código Civil (lei n. 10.406/2002), em seu artigo 970, abordou a questão e, em linha com a Constituição, assentou que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. No mesmo diapasão, no parágrafo segundo, do artigo 1.179 do Código Civil, o legislador dispensou escrituração especial prevista no caput do próprio artigo 1.179, aos empresários descritos no citado art. 970.

A grande polêmica objeto de debates, neste aspecto, é que não há no Direito Comercial e no Direito Civil a definição de "pequeno empresário".

Para a análise hermenêutica da questão precisamos nos socorrer dos suplementos da analogia e da equidade e avaliar o que os outros ramos do Direito nos impõem, notadamente, as normas de Direito Público e especialmente as de Direito Constitucional e Financeiro.

O Direito Tributário definiu seu conceito baseado na Receita Bruta Anual do empreendedor, considerando a Lei do SIMPLES e o Estatuto da Microempresa, acima citados. Se não temos qualquer outra norma impositiva ou expositiva para definirmos pequeno empresário temos que usar as já existentes, visando o objetivo colimado pelo legislador que, efetivamente e constitucionalmente, quer que pequeno empresário não tenha a obrigatoriedade de observar normas complexas e científicas, próprias das Ciências Contábeis.

Se ultrapassada essa questão, ainda teríamos alguns aspectos de ordem prática como, por exemplo: a obrigatoriedade de utilização do Livro Diário? O que usaria o pequeno empresário para controlar suas contas, seus resultados, seus bens?

Mais uma vez, nos socorrendo da legislação tributária, a resposta estaria no parágrafo único do artigo 190, do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99 – Decreto n. 3.000/99), que concede à microempresa e a empresa de pequeno porte, inscritas no SIMPLES a dispensa de escrituração comercial desde que mantenham em boa ordem e guarda e enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes.

Essa dispensa é autorizada desde que se observe o seguinte:

I - Livro Caixa, no qual deverá estar escriturada toda a sua movimentação financeira, inclusive bancária;

II - Livro de Registro de Inventário, no qual deverão constar registrados os estoques existentes no término de cada ano-calendário;

III - todos os documentos e demais papéis que serviram de base para a escrituração dos livros referidos nos incisos anteriores.

Como o artigo 190, supramencionado, trata apenas das empresas que ingressaram no "SIMPLES", o pequeno empresário que não está integrado ou aquele que é legalmente proibido de integrar o "SIMPLES" (veja o art. 20, da IN SRF 355/2003) tem ainda a faculdade de optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido, que da mesma forma desobriga a escrituração contábil exigida pelo artigo 1.179 do Código Civil, à luz do disposto no parágrafo único, e respectivos incisos, do artigo 527, do RIR/99, que quase reprisam a dispensa prevista no artigo 190, do mesmo regulamento.

As verdadeiras condições para o pequeno empresário não utilizar o sistema contábil exigido no Código Civil são o seu enquadramento ou opção; a sua vontade de estar dispensado; e a observância de manter em boa ordem e guarda o Livro Caixa, o Livro de Inventário e todos os demais documentos que servirão de base para a escrituração desses livros e para a movimentação financeira da sociedade.

O Livro diário é obrigatório, na forma do artigo 1.184. Portanto, o pequeno empresário deve mantê-lo. As disposições contidas no próprio artigo 1.184 e artigos seguintes são obrigatórias aos empresários e sociedades empresárias que devem seguir o sistema contábil e a escrituração uniforme estabelecida no Código Civil (veja art. 1.179).

Por último, é de suma importância salientar que independentemente da obrigatoriedade ou não de uso de sistema contábil, a escrituração dos livros do empresário ou da sociedade empresária deverá ficar sob a responsabilidade de contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na localidade (veja art. 1.182 do Código Civil). Portanto, mesmo usando o livro caixa, toda a escrituração e os documentos pertinentes devem ficar a cargo de contabilista profissional.

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Sobre o autor
Luiz Cezar Pazos Quintans

Advogado no Rio de Janeiro (RJ). Professor de Direito do Petróleo da UERJ. Autor do Livro "Direito de Empresa" (Freitas Bastos, 2003).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANS, Luiz Cezar Pazos. A obrigatoriedade de escrituração do pequeno empresário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 258, 22 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4975. Acesso em: 23 nov. 2024.

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