Alguém quer ser Michel Temer?

15/06/2016 às 11:03
Leia nesta página:

O golpe de estado que levou Michel Temer ao poder está rapidamente misturando ficção e realidade.

Ontem revi o filme Quero ser John Malkovich 1. O filme de Spike Jonze me fez imaginar como seria entrar na cabeça do tirano que assaltou o poder no Brasil através de um golpe de estado disfarçado de Impedimento.

Considero Quero ser John Malkovich um dos melhores filmes que já vi. O melodrama cômico começa quando Craig Schwartz, um artista fracassado, encontra em seu novo trabalho uma portinha que funciona como um portal que permite que ele permaneça 15 minutos na cabeça de John Malkovich.

A princípio Schwartz começa a explorar economicamente a novidade em sociedade com Maxine, uma colega de trabalho por quem ele se sente atraído. O negócio é um sucesso, as pessoas fazem fila para entrarem em John Malkovich. Mas as coisas se complicam quando a esposa dele, Lotte Schwartz - uma mulher complicada que tem um chipanzé com problemas psicológicos - entra em Malkovich e se apaixona por Maxine quando ela estava transando com o ator.

Instigado pelo desejo pela sócia e irado com a traição da esposa, Craig Schwartz entra na consciência de John Malkovich para transar com Maxine fazendo-a pensar que ela está com a mulher dele. Ao descobrir o engodo, a sócia do vigarista percebe que pode tirar proveito da situação, pois ela pode controlar Craig Schwartz que controla o bem sucedido e rico ator John Malkovich. Maxine convence Craig a ficar em Malkovich e a carreira do ator se transforma. Mas a história não termina ai.

Desesperada Lotte Schwartz procura o dono da empresa que contratou Craig Schwartz e descobre que ele pretende usar o portal para, junto com vários amigos, ocupar definitivamente John Malkovich. As duas cenas mais engraçadas do filme são as seguintes: Malkovich entra pelo portal e encontra suas diversas facetas; o expectador entra na consciência do macaco de Lotte Schwartz e descobre porque ele tinha problemas psicológicos.

O realismo fantástico da história não tem uma solução dramática. Novas complicações vão surgindo o tempo todo. Até mesmo no final, as coisas se complicam. Malkovich possuído por várias pessoas planeja entrar na filha de Maxine com Lotte Schwartz (concebida quando ela possuía o ator), mas tudo indica que a menina já está sendo explorada por Craig Schwartz, que continua tentando arrumar uma forma de possuir Maxine.

Do cinema para a realidade. O filme de Spike Jonze brinca com o mais humano de todos os sentimentos: o desejo ser outra pessoa, de ocupar o lugar de outra pessoa. É evidente que Michel Temer queria ocupar o lugar de Dilma Rousseff. Desde que se tornou vice ele cobiça a posição da chefe de estado eleita pelos brasileiros.

Michel Temer vazou a famigerada cartinha contra Dilma Rousseff. Antes da presidenta ser afastada do cargo, ele vazou o discurso de posse para estimular os golpistas. Temer tramou contra a titular do cargo que desejava e conseguiu, por fim, ser Dilma Rousseff. O problema é que ele não é Dilma Rousseff: Temer não tem um partido de massas, não conta com apoio dos sindicatos de trabalhadores e é odiado pelos movimentos sociais que pretende silenciar. Em menos de um mês, o interino começou a desmantelar o Estado brasileiro, a economia piorou e a popularidade dele, que já era baixa, despencou. Não bastasse isto, nos últimos dias Michel Temer foi pessoalmente citado como beneficiário de propinas investigadas na Operação Lava Jato.

Como seu modelo cinematográfico, o manipulador de bonecos no Congresso e na Mídia não conseguirá ser Dilma Rousseff por muito tempo. O interino transitório, que entrará para a história como “o breve”, é um duplo perfeito de Craig Schwartz. Michel Temer é um fracassado que quis ser outro alguém porque, sendo quem é - um espião dos EUA a serviço do mercado para maltratar o povo brasileiro e destruir nossa democracia - ele só conseguiu ser ninguém. Ao voltar a ser ninguém Temer reencontrará seu verdadeiro eu. E como John Malkovich o interino não conseguirá se recuperar do trauma de estar em si mesmo, porque ele corre o risco de ser ocupado por outro personagem: o presidiário que ele merece ser.

A política gosta da traição, mas a história odeia os traidores. Suponho que vários leitores deste texto gostariam de ser John Malkovich. Quantos gostariam de ser Michel Temer?

Se existisse um portal que permitisse vestir o corpo de Michel Temer, eu não ousaria deixar de ser quem sou para ser ninguém. Temer não tem nada que eu possa desejar. Homem velho e repugnante, ele queria entrar para a história e conseguiu. Mas não da maneira que ele imaginava. Temer traiu seu país, traiu a presidenta com quem se elegeu e traiu o projeto de governo que o levou ao poder. Em breve ele será traído por seus aliados.


Notas

1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Being_John_Malkovich

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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