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Dos depósitos judiciais e o seu levantamento integral face à decadência do direito da Fazenda Pública efetuar o devido lançamento fiscal

24/03/2004 às 00:00
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Introdução

Trata o presente de um resumido estudo acerca da possibilidade de, nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, levantar-se integralmente os valores depositados judicialmente, mesmo havendo prolação judicial, no todo ou em parte, contrária ao contribuinte-depositante, uma vez que, se contados cinco anos da ocorrência do fato gerador do tributo em discussão na medida judicial, e em não havendo a devida constituição do crédito tributário pela pertinente via do lançamento de ofício, operar-se-á a decadência do direito do Fisco em realizar tal constituição.


Dos Depósitos Judiciais e o seu Levantamento Integral Face à Decadência do Direito de Lançar

Buscando resguardarem-se de eventual autuação por parte da Fisco nas diversas esferas, várias empresas propuseram, principalmente ao longo desta última década, marcada pelas inconstitucionalidades da legislação tributária face à nova Constituição da República de 1988, ações judiciais visando obterem o reconhecimento da inexigibilidade de diversas exações.

Em sua grande maioria os magistrados de primeiro grau concediam medida liminar para que, mediante depósito judicial, restasse suspensa a exigibilidade da exação questionada, nos termos do artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Com o trânsito em julgado, por vezes ficou declarada a completa inconstitucionalidade, e, por vezes, a inconstitucionalidade restou apenas parcial, declarando-se devido parte do tributo em discussão.

Vêm entendendo as Fazendas Públicas que, deverão ser previamente convertidos em renda em favor do respectivo ente tributante os valores devidos a título das exações discutidas, oriundos de eventuais diferenças observadas nos depósitos judiciais realizados a menor, ou, até mesmo, não realizados, para que somente então seja levantado em favor do contribuinte o saldo restante, equivalente à aplicação das legislações declaradas inconstitucionais.

Todavia, não seria só um direito, mas também um dever dos agentes fiscais, oportunamente, autuar as empresas por qualquer ausência ou insuficiência de depósito, uma vez que a autoridade responsável pela administração do tributo discutido na demanda figura(ou) como parte, tendo, assim, ciência de todos os atos praticados no feito, notadamente com relação à efetivação dos depósitos. Portanto, à Administração Tributária, na figura de seu representante, foi franqueado o acesso aos autos do processo durante todo o seu curso, desde a sua distribuição, concordando, desta forma, face à ausência de manifestação, tacitamente, com valores ali depositados.

Eventual ausência, insuficiência ou intempestividade dos depósitos efetuados implicaria simplesmente na não suspensão da exigibilidade dos créditos em discussão, o que ocasionaria a abertura de um prazo decadencial de cinco anos para o lançamento.

Cabe à Administração Tributária, desta forma, a averiguação da correição dos valores depositados, e consequentemente, a obrigação de compelir o contribuinte-depositante ao recolhimento da contingência resultante da diferença entre os valores declarados judicialmente devidos e aqueles efetivamente depositados, através, é claro, da devida constituição do eventual crédito tributário mediante o pertinente procedimento administrativo de lançamento.

Frise-se que a averiguação do correto recolhimento ou depósito, que respectivamente extingue ou suspende a exigibilidade da exação questionada somente nos limites dos mesmos, é incumbência exclusiva do Fisco, e não das empresas autoras ou mesmo dos Juízos competentes, devendo a autoridade administrativa, desde que não perecido o seu direito de lançar, constituir o suposto crédito tributário.

A doutrina pátria posiciona-se no sentido de ensaiar uma negativa à conotação de lançamento fiscal que se tenta atribuir às decisões judiciais, quando afirma pela "incompetência do juiz para fazer o lançamento. (...)" [1]. Ensina-nos que "nos mandados de segurança e nas ações declaratórias, em que são efetuados pelo contribuinte voluntariamente para evitar a fluência dos juros de mora e da correção monetária e a aplicação da multa (art. 63 da Lei n. 9.430/96), apenas poderão ser levantados pela Fazenda após a exibição do seu título de crédito consubstanciado na nota de lançamento ou na certidão de dívida ativa, tendo em vista que a sentença judicial, no caso, não possui eficácia constitutiva com relação ao crédito tributário; além disso, o próprio CTN prescreve que a suspensão do crédito refere-se a sua exigibilidade (art. 151), isto é, só se suspende o crédito já constituído pelo lançamento, donde se infere que o depósito integral da quantia reclamada não inibe a Fazenda Pública de providenciar a constituição do crédito." [2]

Portanto, conforme ficará sobejamente demonstrado, quando diante da ausência de lançamento fiscal por parte da autoridade administrativa, operar-se-á a decadência do direito desta constituir o crédito tributário se passados cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador do tributo em discussão, devendo ser às empresas que depositaram judicialmente tais quantias com a finalidade de verem suspensa a exigibilidade do crédito tributário devolvido não somente a parte incontroversa, referente àquilo cobrado nos termos da legislação atacada e declarada inconstitucional, mas a totalidade dos valores depositados.


Da Constituição do Crédito Tributário Mediante Medida Liminar

Depreende-se claramente da leitura dos artigos 151 [3], 113 [4] e 142 [5], todos do Código Tributário Nacional, a existência de um dever por parte da autoridade administradora do tributo em proceder ao lançamento fiscal, no intuito de constituir-se o suposto crédito tributário em discussão na medida judicial, mesmo diante de medida liminar deferida, com a finalidade de prevenir a decadência, ficando, entretanto, impedida de valer-se dos meios coercitivos para exigir os valores que encontram-se amparados por tal medida judicial.

Induvidoso é que o lançamento fiscal, atividade funcional e privativa da autoridade administrativa, apresenta-se como meio idôneo à constituição do crédito tributário, atividade esta que sequer por medida liminar poderá ser inibida.

Esta é a hermenêutica aplicada inclusive em nossa legislação [6], reconhecedora da possibilidade de constituição do crédito tributário com a finalidade de prevenir a decadência deste direito outorgado ao Fisco.

As normas contidas no artigo 151 do Código Tributário Nacional em momento algum visam suspender o direito da Fazenda Pública em constituir o crédito tributário através do lançamento, atribuindo assim liquidez e certeza à obrigação tributária existente, mas sim, suspendem a sua exigibilidade, ou seja, a prática de atos tendentes à cobrança do tributo contra o qual se insurge judicialmente o contribuinte.

A suspensão da exigibilidade, decorrência da concessão liminar, literalmente, é a suspensão apenas no que diz respeito à exigibilidade do crédito tributário, nada se relacionando com a sua constituição. Para o caso ora analisado podemos dizer que a exigibilidade está ligada ao prazo prescricional, enquanto que a constituição diz respeito à prazo de natureza decadencial.

Considerando, portanto, o prazo decadencial que possui a Administração Tributária para realizar a constituição do crédito tributário, qual seja, o prazo de 5 (cinco) anos que tem o seu termo a quo na ocorrência do fato gerador para os casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, conforme a conjugação do disposto nos artigos 173 [7] e 150, §4º [8], ambos do CTN, prazo este que não se sujeita à interrupção ou suspensão, sequer por ordem judicial, se esta não proceder ao lançamento, constituindo devidamente o crédito tributário, decairá do seu direito potestativo de cobrar a referida obrigação tributária.

Ou seja, a decadência se opera automaticamente pelo decurso do prazo nela previsto. Sua consumação é fatal. Somente com o exercício efetivo do direito potestativo atribuído à administração tributária, dentro do prazo previsto, é que se pode obstar tal consumação.

Nossos Tribunais Superiores posicionam-se no sentido de corroborar com o entendimento ora trazido à baila, afirmando que " (...) o prazo para lançar não se sujeita a suspensão ou interrupção, sequer por ordem judicial; (...) a liminar em mandado de segurança pode paralisar a cobrança, mas não o lançamento." [9]

Portanto, vemos claramente que a Administração Tributária possui um prazo peremptório para iniciar o seu procedimento administrativo de cobrança da obrigação tributária existente, e, em não iniciando este naquele prazo previsto, falecerá esta possibilidade.

Desta forma, não constituído o crédito tributário, não há que se cogitar a cobrança, menos ainda o pagamento, que dar-se-á com a conversão em renda (art. 156, VI do CTN [10]), devendo-se, diante da ocorrência da decadência do direito à constituição do suposto crédito tributário por parte da Fazenda Pública, ser deferido o levantamento integral dos valores depositados em favor do contribuinte.

Não se pode, conforme anteriormente afirmado, sequer, aduzir-se que com a formação da coisa julgada estaria declarada a existência da relação jurídica, e, portanto, devido seria o tributo, mesmo sem a constituição do crédito tributário. Chega-se a cogitar, por absurdo, que a decisão judicial, em não havendo o lançamento fiscal por parte da autoridade administrativa, terá a sua eficácia, qual seja a de constituição.

Tal não se pode admitir, ao arrepio do artigo 142 [11] do Código Tributário Nacional, o qual prevê a atividade de lançamento como privativa da autoridade administrativa.

A decisão judicial não tem o condão de constituir o crédito tributário, sendo que " (...) os Tribunais, de qualquer grau, podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, mas com efeito meramente declaratório, sem qualquer carga de executabilidade, mesmo que alcance a coisa julgada." [12]

Portanto, admitir tal posição é inaceitável! A atividade de lançamento é exclusiva da autoridade administrativa e a decisão judicial não tem o condão de constituir crédito tributário.


Conclusão

Diante do todo acima exposto, inevitável é a conclusão de que o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário não há de ser interrompido, ou tampouco suspenso por medida liminar.

Deverá, portanto, a autoridade administrativa fiscal efetuar, dentro do prazo que lhe é facultado, consoante determinação legal, a constituição do crédito tributário mediante o pertinente procedimento administrativo, sob pena de caducar este seu direito.

Destarte, com esteio nas razões acima alinhavadas, quando não houver sido efetuado no prazo legalmente estipulado o lançamento destinado a prevenir a decadência, em consonância com o estabelecido no artigo 63 da Lei nº 9.430/96, incabível será cogitar que os valores depositados em juízo sejam de pronto convertidos em renda, conquanto exista decisão transitada em julgado determinando tal providência.

Em suma, uma vez que decaído o direito da Fazenda Pública de lançar, constituindo o crédito tributário, e, posteriormente, exigir o tributo depositado em juízo por força de medida liminar, não deve a autoridade competente criar obstáculos à liberação dos valores em favor do contribuinte, dos referidos depósitos, quando oportunamente requeridos por este, conforme assim amplamente reconhecido por nossos tribunais [13].

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Notas

1Hugo de Brito Machado in "Revista Dialética de Direito Tributário nº 47, pág. 56 e ss.

2 Ricardo Lobo Torres

, in "Comentários ao Código Tributário Nacional / Ives Gandra da Silva Martins – coordenador" – São Paulo : Saraiva, 1998, pág. 319.

3

"Art. 151 – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I – moratória;

II – o depósito do seu montante integral;

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

Parágrafo Único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito suspenso, ou dela conseqüentes."

4

"Art. 113 – A obrigação tributária é principal ou acessória.

§1º - A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§2º - A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§3º - A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária."

5

"Art. 142 – Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo Único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional."

6

"Lei nº 9.430/96:

Art. 63 – Não caberá lançamento de multa de ofício na constituição do crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributos e contribuições de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma do inciso IV do artigo 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

§1º - O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a suspensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer procedimento de ofício a ele relativo.

§2º - A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou a contribuição."

7

"Art. 173 - O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo Único - O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."

8

"Art. 150 – O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

omissis

§4º - Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada ocorrência de dolo, fraude ou simulação."

9

Recurso Especial nº 119.986/SP, da relatoria da Exa. Min. Eliana Calmon. O mesmo entendimento foi emanado pelo Exmo. Ministro Milton Luiz Pereira, no Recurso Especial nº 106.593/SP, publicado no Diário da Justiça de 31.08.1998, bem como o foi no Agravo de Instrumento nº 2001.02.01.032670-4, 1ª Turma do TRF da 2ª Região.

10

"Art. 156 – Extinguem o crédito tributário:

omissis

VI – A conversão de depósito em renda;"

11

"Art. 142 – Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível."

12

Recurso Especial nº 233.662/GO, Rel. Min. José Delgado.

13REsp 332.693/SP – 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Eliana Calmon: "TRIBUTÁRIO – CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – DECADÊNCIA. 1 – O fato gerador faz nascer a obrigação tributária, que se aperfeiçoa com o lançamento, ato pelo qual se constitui o crédito correspondente à obrigação (arts. 113 e 142 do CTN). 2 – Dispõe a FAZENDA do prazo de cinco anos para exercer o direito de lançar, ou seja, constituir o crédito tributário. 3 – O prazo para lançar não se sujeita a suspensão ou interrupção, nem por ordem judicial, nem por depósito do devido. 4 – COM DEPÓSITO, OU SEM DEPÓSITO, APÓS CINCO ANOS DO FATO GERADOR, SEM LANÇAMENTO, OCORRE A DECADÊNCIA. 5 – Recurso especial provido." (grifo nosso)

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Sobre o autor
Guilherme Doin Braga

Advogado no Rio de Janeiro, Membro do Escritório De Rosa, Siqueira, Almeida, Barros Barreto e Advogados Associados, Pós Graduando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Guilherme Doin. Dos depósitos judiciais e o seu levantamento integral face à decadência do direito da Fazenda Pública efetuar o devido lançamento fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 260, 24 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4988. Acesso em: 29 mar. 2024.

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