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Impeachment ou golpe de 2016.

Breve estudo sob a ótica legal

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16/06/2016 às 21:11
Leia nesta página:

3. SOBERANIA DAS LEIS BRASILEIRAS

3.1. Propaganda difamatória do Processo de Impeachment e das instituições brasileiras

O Governo e seus aliados estão promovendo uma forte campanha difamatória sobre o processo de impeachment. Os palanques e tribunas públicas, pelo menos até que o afastamento da Presidente Dilma não tivesse sido determinado, estavam sendo utilizados para a divulgação de uma campanha de difamação contra o processo de impeachment. Campanha que prossegue no Congresso e nos palanques da militância.

A defesa da Presidente Dilma tornou-se prioridade para o seu partido, para seus parlamentares e até para seus aliados que exercem cargos públicos. Parlamentares, Ministros e outros agentes remunerados pelo Poder Público deixaram de lado suas prioridades institucionais para atuarem diuturnamente na defesa contra o impeachment da Presidente.

Um caso emblemático foi a dedicação integral do então Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardoso, à defesa da Presidente Dilma perante o Congresso Nacional, enquanto ações importantes para a Nação foram deixadas em segundo plano, como os Mandados de Segurança nº 34023, 34110 e 34122 que tramitam no Supremo Tribunal Federal, nos quais os Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais questionam o cálculo dos juros a serem aplicados às dívidas dos mesmos com a União. Os estados pretendem pagar sofrendo incidência da taxa Selic, enquanto a União espera receber a dívida com juros compostos (capitalizados). Os estados já obtiveram liminares que impedem a União de impor sanções tais como bloqueio de repasse de recursos federais, ainda que os autores das ações paguem as prestações utilizando o cálculo dos juros simples13. Enquanto o Advogado-Geral da União se esforçava para manter o Mandato da Presidente Dilma, os estados lutavam para impor seu entendimento. Na sessão do dia 27/04/16, mesma época do trâmite do impeachment no Congresso Nacional, o STF suspendeu o julgamento das ações por 60 dias. O prejuízo da União nos próximos anos pode chegar a R$ 402 bilhões14. Enquanto isso, o Advogado-Geral da União seguiu em defesa exclusivamente da Presidente da República em sua luta pessoal para vencer o impeachment. Assuntos urgentes como este da dívida dos estados também deveriam ter a mesma atenção.

Pois bem, aquele mesmo Ministro da Advocacia-Geral da União, que deveria defender os interesses da “União”, e por consequência suas instituições, sua honrabilidade, sua imagem etc, tornou-se um dos maiores difamadores das instituições brasileiras. É o que ele faz quando grita que o processo é ilegal, ilegítimo, sem provas, que a acusada estaria sendo injustiçada:

Estamos indignados. [A decisão é uma] ruptura à Constituição Federal, configura a nosso ver um golpe à democracia e aos 54 milhões de brasileiros que elegeram a presidenta, um golpe à Constituição. Temos hoje mais um ato na linha da configuração de um golpe, o golpe de abril de 2016, que ficará na história como um ato vergonhoso15.

O processo difamatório seguiu entre Parlamentares. Disse o Deputado Federal Givaldo Vieira (PT-ES)16:

Dilma, honesta, pode ser afastada por criminosos”. “É isso que vocês querem? Tirar o governo de uma pessoa que o mundo inteiro sabe que é do bem para entregar à dupla Temer e ao seu vice-réu, Cunha? Vão passar o governo a um sem-voto?

Disse o Deputado Federal Reginaldo Lopes (PT-MG)17:

Portanto, mesmo que os companheiros desta Casa não concordem, é uma tentativa de golpe. E mais uma vez a História será implacável com aqueles que propõem o golpe”. O parlamentar perguntou onde estavam os que perseguiram Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. “Todos estão na lata do lixo da História”, ressaltou.

Artigo na página eletrônica do Partido dos Trabalhadores comenta um dos discursos do Senador Donizete Nogueira (PT-GO)18:

Ao finalizar o seu discurso, Nogueira salientou que o impeachment é uma farsa montada por aqueles que não conseguem ganhar no voto e querem ganhar no golpe. “É golpe porque não existe o crime. Desde o final de 2014 que estão impitimando a presidenta Dilma. Estavam procurando o crime, não acharam o crime, mas inventaram o crime”, completou.

Sem sucesso em sua defesa durante a admissão do processo na Câmara dos Deputados, a Presidente Dilma levou o discurso de golpe à impressa internacional. Em 22/04/16, durante coletiva de imprensa em Nova York ocorrida após a cerimônia de assinatura do Acordo de Paris para redução de emissão de dióxido de carbono, a Presidente afirmou19:

Golpe é um mecanismo pelo qual você tira pessoas do Poder por razões que não estão expressas na lei. Não há crime de responsabilidade contra mim. Os golpes militares se deram rompendo a Constituição. E no meu caso há um outro jeito de se dar o golpe: basta a mão (do voto dos congressistas), que é extremamente poderosa. Com ela você rasga a Carta Constitucional e está dado o golpe. Você rasga os princípios democráticos, está dado o golpe.

Se eu, que sou presidente da República, me sinto vítima de um processo ilegal, golpista e conspirador, imagine o que poderá ocorrer à população pobre do Brasil quando seus direitos forem afetados. A garantia de meu direito não é só minha, pessoal. É a de que a lei irá se sobrepor a qualquer interesse pessoal ou político na nação (...)

Naquela mesma ocasião, a Presidente Dilma afirmou que se o Senado acatasse a denúncia para o impeachment e a afastasse do cargo por até 180 dias, ela iria pedir ao Mercosul e à União das Nações Sul-Americadas (UNASUL) que suspendessem o Brasil devido à quebra do processo democrático no País.

Com esse discurso de golpe, a Presidente Dilma e seus aliados buscam enfraquecer e desacreditar as instituições e as leis brasileiras. Afirmar que existe um golpe em curso significa dizer que o cidadão não pode apresentar denúncia contra a Presidente, que o Presidente da Câmara não poderia apresentar o requerimento para deliberação do plenário da casa, que os Deputados Federais não poderiam votar pela aceitação ou rejeição da denúncia e que o Senado Federal não poderia conhecer do pedido e afastar a Presidente. Não é correto esse discurso pelos aliados da Presidente já que cada um desses atos possuem previsão na Constituição Federal e na Lei nº 1.079/50, como já se explanou neste trabalho.

Existe previsão legal para que o Congresso Nacional aceite e processe o Chefe do Poder Executivo em caso de denúncia de crime de responsabilidade. É inequívoca essa competência, que nesse caso não é meramente um poder, mas sim um dever legal.

O povo brasileiro anseia por verem os acusados processados, sejam eles conhecidos ou desconhecidos, poderosos ou humildes, civis ou autoridades. Nisso reside a legalidade, a igualdade e a verdadeira segurança institucional.

Desacreditar as instituições brasileiras, desacreditar os agentes públicos brasileiros, humilhar o Brasil perante as outras nações, os organismos e imprensa internacionais não ajuda a resolver os problemas do País.

Os muitos problemas brasileiros já são notícia diariamente interna e externamente graças ao trabalho da imprensa nacional e dos correspondentes internacionais, e mais recentemente graças à liberdade que a sociedade tem de postar nas redes sociais toda espécie de informação. Por isso, o Brasil não precisa e nem pode admitir que suas autoridades realcem uma imagem negativa do País.

Se o processo está previsto na lei, não há coerência no discurso de golpe. Tal discurso poderia configurar violação à moralidade prevista na Constituição Federal e à lealdade que os servidores são obrigados a manter para com as instituições.

A difamação das instituições não condiz com a conduta de qualquer cidadão, quanto mais de agentes eleitos ou nomeados para defender o País.

A Presidente e seus aliados não podem reclamar do processo por ser este uma decorrência da lei, e nem poderiam reclamar de um julgamento antes de saber a sentença.

Os votos conferem a legitimidade para que os Parlamentares exerçam as atribuições previstas na Constituição Federal e nas leis. Não se pode pensar que apenas o mandato Presidencial é legítimo. Portanto, a campanha difamatória não é legítima, mas ao contrário fere severamente os interesses nacionais.

3.2. Opiniões estrangeiras demonstram desconhecimento dos processos legais brasileiros e desrespeito às leis brasileiras

É preciso que haja cautela da parte de Estados, autoridades, organismos e indivíduos estrangeiros sobre a situação política brasileira, principalmente no que se refere ao processo de impeachment. A falta de conhecimento acerca das normas que regulam os atos, ou a informação inconsistente podem produzir julgamentos equivocados e, quem sabe, até mesmo medidas equivocadas.

No dia 15/04/16, o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro20, afirmou que:

Para nós o feito fundamental é que está sendo realizado um processo de impeachment de uma presidenta [Dilma Rousseff] que não é acusada de nada, não responde por nenhum ato ilegal. É algo que verdadeiramente nos preocupa, sobretudo porque vemos que entre os que podem acionar o processo de impeachment existem congressistas acusados e culpados. É o mundo ao contrário.

Certamente o Secretário-Geral da OEA emitiu essa opinião sem conhecer o Parecer do Tribunal de Contas da União, sem ter vista do requerimento de impedimento protocolizado na Câmara dos Deputados entre outros documentos. Afirmar ao mundo que “Dilma não é acusada de nada” demonstra desconhecimento das leis brasileiras e demonstra falta de fé nas instituições brasileiras.

No Brasil, os indícios de autoria e materialidade são suficientes para a abertura de processo contra qualquer cidadão ou qualquer autoridade. Não pode haver perseguição, como também não pode haver privilégio. Os estrangeiros ignoram que a existência de um processo não traduz uma condenação, mas apenas um procedimento apuratório.

Opiniões como estas nada mais são do que desrespeito à soberania brasileira.

Em 18/01/2015 o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira foi executado na Indonésia por ter adentrado naquele País com treze quilos de cocaína escondidos dentro de uma asa delta em 2004. Houve muita crítica e esforço diplomático no sentido de evitar a aplicação da pena capital, a ponto de estremecerem as relações entre Brasil e Indonésia.

Sobre a questão, em 16/01/15 o Presidente da Indonésia, Joko Widodo21, enviou carta à Presidente Dilma onde, entre vários trechos destacam-se:

Gostaria de sublinhar que, de acordo com a lei indonésia, o tráfico de drogas ilícitas inflige um crime grave devido ao seu impacto destrutivo para a sociedade e para o desenvolvimento da nação (...)

O governo da Indonésia assegurou que o processo legal fosse integralmente aplicado em seus casos e todos os seus recursos legais disponíveis foram empreendidos, de acordo com o sistema legal indonésio (...)

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Uma nota do Governo Indonésio emitida após a Presidente Dilma ter recusado credencial de embaixador a um nomeado da Indonésia dizia que a Indonésia é um Estado Soberano e possui sistema judiciário independente e imparcial, e nenhum país estrangeiro pode interferir na aplicação das suas leis dentro da sua jurisdição, incluindo a aplicação das leis que tratam do tráfico de drogas22 .

Ora, é compreensível a discordância com a aplicação da pena capital, que aliás, é aplicada em Países como Estados Unidos e China. No entanto, a soberania dos Países deve ser respeitada.

Nisso reside a democracia, no respeito à legislação vigente no País. Assim também deve ser em relação ao Estado Brasileiro.


CONCLUSÃO

O processo de impeachment é agressivo tanto para o denunciado quanto para a sociedade, pois instaura momentos de tensão, de dúvida e risco à estabilidade institucional. O Congresso Nacional tem suas atividades prejudicadas devido à necessidade de dedicação ao processo de impedimento. O Poder Executivo não consegue implementar novas ações, prejudicando a prestação dos serviços públicos à população. No entanto, nada disso pode justificar o distanciamento da legalidade, a aceitação da quebra de confiança por parte do mandatário da população. Ou seja, ainda que constrangedor o processo de impeachment é necessário.

Dizer que o processo de impeachment da Presidente Dilma é golpe significa colocar um mandato eletivo acima das leis brasileiras. Mandato de ninguém está acima da lei.

O processo de impeachment só existe porque possui parecer técnico do Tribunal de Contas da União apontando irregularidades e violação às leis orçamentárias, de modo que as condutas se amoldam a crime de responsabilidade, crime de responsabilidade fiscal e crime contra a lei orçamentária. Dessa forma, é incoerente dizer que a Presidente Dilma não é acusada de crime algum.

É essencial que os indivíduos reflitam sem a paixão partidária, sem o posicionamento unilateral. Essencial também que as autoridades nacionais ou internacionais respeitem a ordem jurídica brasileira. Para isso é necessário reconhecer que a tese de golpe não se sustenta porque:

  1. o cidadão tem o direito subjetivo e o dever moral de denunciar as irregularidades perante os órgãos competentes para apuração nos termos do art. 5º, XXXIV da Constituição Federal, e isso inclui denúncias que podem gerar o impedimento do Chefe de Estado nos termos do art. 14 da Lei nº 1.079/50;

  2. a Câmara dos Deputados tem a competência e o dever de receber denúncias contra qualquer irregularidade nos termos do art. 58, §2º, IV da Constituição Federal, e receber as denúncias de impedimento contra o Chefe do Poder Executivo nos termos do art. 14, da Lei nº 1.079/50. E na Câmara, a autoridade competente para o recebimento e adoção das primeiras providências é o seu Presidente, sob risco de incorrer em crime de Prevaricação (art. 319 do Código Penal) se não o fizer;

  3. a Câmara dos Deputados atentou para o Parecer e o encaminhamento do Tribunal de Contas da União a respeito das contas da Presidência da República, onde os técnicos (funcionários de carreira) identificaram irregularidades, prestando indícios mais do que suficientes para apurar a ocorrência de crime contra a Lei Orçamentária, crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e crime de responsabilidade;

  4. segundo o art. 86 da Constituição Federal, a Câmara dos Deputados tem a competência de deliberar se aceita ou não a acusação contra o Presidente da República em caso de crimes de responsabilidade;

  5. segundo art. 86 da Constituição Federal, o Senado é o tribunal competente para o julgamento do Chefe de Estado no caso de admissão da acusação por crime de responsabilidade pela Câmara dos Deputados;

  6. o afastamento da Presidente Dilma é etapa prevista no art. 86, §1º, II da Constituição Federal, sendo o processo instaurado pelo Senado Federal.

Todo o ocorrido até o afastamento da Presidente consiste apenas nos procedimentos prévios ao processo. O exame detido das provas e a sentença final depende do Senado.

Enfim, a lição que a sociedade precisa aprender de tudo isso é que a lei cria um padrão de conduta que deve ser observado por todos, grandes ou pequenos, civis ou autoridades. Ainda que a lei não seja perfeita, inegável é que foi elaborada sob procedimentos democráticos, sob o crivo de lutas, embates, discussões, mas denota exercício da soberania popular por meio de representantes escolhidos nas urnas.

A outra grande lição, e que deve ser aprendida pelos demais governantes, presentes e futuros, é a de que o povo está cada vez menos tolerante com o ilícito e com a corrupção. O exercício de um mandato, por qualquer indivíduo e partido, terá de ser encarado com mais seriedade daqui para frente.

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Sobre o autor
André Luís da Silva Gomes

Advogado. Membro da Comissão em Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente, do Idoso e da Pessoa com Deficiência da 30ª Subseção da OABMG. Ex-Conselheiro Tutelar por dois mandatos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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