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Da validade jurídica dos contratos eletrônicos

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6. legislação pertinente ao tema

            Não é difícil antever que, num futuro próximo, a realização de contratos pela rede mundial de computadores não será uma exceção, mas a regra. Mesmo já sendo possível, nos dias de hoje, atribuir aos documentos eletrônicos e, conseqüentemente, aos contratos eletrônicos, a validade que necessitam para serem juridicamente considerados como meio de prova autêntico e eficaz, a adoção de normas que regulamentem, de forma específica, o tema é imperioso para que, não só no Brasil, mas em todo o mundo, a negociação eletrônica possa romper as barreiras do misoneísmo, sem a necessidade de grandes malabarismos e controvérsias jurídicas para justificar sua aceitação, legitimidade e validez.

            Baseados nisso, apresentaremos a seguir um sucinto esboço do que vem sendo produzido no mundo e no Brasil em termos de legislação voltada especificamente para as transações eletrônicas e seus pressupostos de validade.

            6.1 A Lei Modelo da UNCITRAL e Breve Referência à Legislação Alienígena

            Em dezembro de 1996, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, conhecida pela sigla UNCITRAL (United Nations Commission On International Trade Law), com o intuito de estabelecer diretrizes para o uso dos meios eletrônicos de comunicação que pudessem ser seguidas pelos diferentes sistemas jurídicos, sociais e econômicos existentes no mundo, aprovou a chamada Lei Modelo da UNCITRAL sobre Comércio Eletrônico.

            Esta lei, de natureza principiológica, contou com a colaboração de juristas de todo o mundo, além de um grupo técnico de especialistas, todos empenhados em apresentar um conjunto de regras, internacionalmente aceitáveis, capazes de orientar os legisladores de cada país a eliminar os obstáculos atinentes à aceitação das vias eletrônicas como meio válido para as negociações, em especial aquelas decorrentes do chamado comércio eletrônico.

            Convém ressaltar que a Lei Modelo da UNCITRAL não pretende imiscuir-se no direito interno regulador da matéria contratual dos países, mas tão-somente, em conjunto com este, dissipar incertezas sobre o envio e o recebimento de declarações de vontade emanadas por meios eletrônicos de comunicação.

            A Lei Modelo, em seu artigo 2º, traz algumas definições que servem de base para a aplicabilidade e o correto entendimento das diretrizes constantes em seu texto. Vejamos:

            "Artigo 2 - Definições

            Para os fins desta Lei: Entende-se por ‘mensagem eletrônica’ a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou por meios similares incluindo, entre outros, ‘intercâmbio eletrônico de dados’ (EDI), correio eletrônico, telegrama, telex e fax;

            Entende-se por ‘intercâmbio eletrônico de dados’ (EDI) a transferência eletrônica de computador para computador de informações estruturadas de acordo com um padrão estabelecido para tal fim,

            Entende-se por ‘remetente’ de uma mensagem eletrônica a pessoa pela qual, ou em cujo nome, a referida mensagem eletrônica seja enviada ou gerada antes de seu armazenamento, caso este se efetue, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica;

            ‘Destinatário’ de uma mensagem eletrônica é a pessoa designada pelo remetente para receber a mensagem eletrônica, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica;

            ‘Intermediário’, com respeito a uma mensagem eletrônica particular, é a pessoa que em nome de outrem envie, receba ou armazene esta mensagem eletrônica ou preste outros serviços com relação a esta mensagem;

            ‘Sistema de Informação’ é um sistema para geração, envio, recepção, armazenamento ou outra forma de processamento de mensagens eletrônicas".

            Desses conceitos, podemos inferir que, conforme vimos anteriormente, a empresa provedora de acesso não é considerada parte nos contratos eletrônicos, uma vez que atua como mera intermediária entre o remetente e o destinatário das declarações de vontade, transmitidas como mensagens eletrônicas.

            O artigo 5º da Lei, no tocante ao reconhecimento jurídico das mensagens de dados, é bastante claro ao orientar que "não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem eletrônica".

            Quanto à forma escrita dos contratos, orienta a Lei que

            "Artigo 6 - Escrito

            1) Quando a Lei requeira que certa informação conste por escrito, este requisito considerar-se-á preenchido por uma mensagem eletrônica se a informação nela contida seja acessível para consulta posterior.

            2) Aplica-se o parágrafo 1) tanto se o requisito nele mencionado esteja expresso na forma de uma obrigação, quanto se Lei preveja simplesmente conseqüências para quando a informação não conste por escrito".

            Em outras palavras, sempre que a lei determinar que um negócio seja celebrado por escrito, poderá ser utilizada a forma eletrônica, em substituição ao meio tangível, desde que as informações permaneçam disponíveis e acessíveis para futuras consultas.

            A questão da assinatura eletrônica, já estudada por nós, é abordada no artigo 7º da Lei Modelo, que sugere a adoção de um método eficaz de identificar com segurança as partes contratantes e suas respectivas declarações de vontade emitidas de forma eletrônica. Além disso, tal método, orienta a Lei, deve ser suficientemente confiável e adequado para as finalidades do negócio jurídico celebrado. In verbis:

            "Artigo 7 - Assinatura

            1) Quando a Lei requeira a assinatura de uma pessoa, este requisito considerar-se-á preenchido por uma mensagem eletrônica quando:

            a) For utilizado algum método para identificar a pessoa e indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica; e

            b) Tal método seja tão confiável quanto seja apropriado para os propósitos para os quais a mensagem foi gerada ou comunicada, levando-se em consideração todas as circunstâncias do caso, incluindo qualquer acordo das partes a respeito.

            2) Aplica-se o parágrafo 1) tanto se o requisito nele mencionado esteja expresso na forma de uma obrigação, quanto se a Lei simplesmente preveja conseqüências para a ausência de assinatura".

            Uma das normas orientadoras mais importantes da Lei Modelo da UNCITRAL, a nosso ver, é a do artigo 9º. Neste dispositivo é revelada, de forma bastante clara, a tendência internacional de se admitir a validade e a força probatória das mensagens de dados, aí compreendidos os documentos e os contratos eletrônicos. Observe:

            " Artigo 9 - Admissibilidade e força probante das mensagens de dados

            1) Em procedimentos judiciais, administrativos ou arbitrais não se aplicará nenhuma norma jurídica que seja óbice à admissibilidade de mensagens eletrônicas como meio de prova

            a) Pelo simples fato de serem mensagens eletrônicas; ou,

            b) Pela simples razão de não haverem sido apresentadas em sua forma original, sempre que tais mensagens sejam a melhor prova que se possa razoavelmente esperar da pessoa que as apresente.

            2) Toda informação apresentada sob a forma de mensagem eletrônica gozará da devida força probante. Na avaliação da força probante de uma mensagem eletrônica, dar-se-á atenção à confiabilidade da forma em que a mensagem haja sido gerado, armazenada e transmitida, a confiabilidade da forma em que se haja conservado a integridade da informação, a forma pela qual haja se haja identificado o remetente e a qualquer outro fator pertinente".

            Maurício Matte e Regis Queiróz muito bem perceberam que a Lei Modelo, não só neste artigo, mas ao longo de suas exposições, adotou o chamado critério do equivalente funcional, ou seja, uma vez satisfeitos os requisitos elementares legalmente previstos para a validade de um determinado ato, este deve ser considerado válido, ainda que praticado sob uma forma não prevista em lei, desde que, naturalmente, não seja por esta vedada. É importante notar que tal critério já se encontra positivado em nosso ordenamento jurídico, em especial nos artigos 154, 244 e 332 do Código de Processo Civil Brasileiro.

            Em relação à formação eletrônica do vínculo contratual, feita por meio de declarações de vontade transmitidas pela rede de computadores, dispõe o artigo 11 da Lei Modelo que "salvo disposição em contrário das partes, na formação de um contrato, a oferta e sua aceitação podem ser expressas por mensagens eletrônicas. Não se negará validade ou eficácia a um contrato pela simples razão de que se utilizaram mensagens eletrônicas para a sua formação". Tal orientação é reforçada pelo artigo 12, que, de forma mais específica, prevê que "nas relações entre o remetente e o destinatário de uma mensagem eletrônica, não se negará validade ou eficácia a uma declaração de vontade ou outra declaração pela simples razão de que a declaração tenha sido feita por uma mensagem eletrônica".

            O artigo 13 da Lei Modelo estabelece normas gerais para verificação da autoria de uma mensagem eletrônica, indicando os casos em que a mesma poderá perder sua autenticidade. Também inferimos do referido texto normativo que serão consideradas válidas as mensagens eletrônicas emanadas sem a direta intervenção humana, e também aquelas enviadas por terceiros, desde que em nome da parte remetente e por essa autorizado. Vejamos:

            "Artigo 13 - Atribuição de mensagens de dados

            1) Uma mensagem eletrônica provém do remetente quando haja sido enviada pelo próprio remetente.

            2) Nas relações entre o remetente e o destinatário, uma mensagem eletrônica se considera proveniente do remetente se ela foi enviada:

            a) Por uma pessoa autorizada a agir em nome do remetente no tocante àquela mensagem eletrônica;

            b) Por um sistema de informação programado por, ou em nome do remetente, para operar automaticamente.

            3) Nas relações entre o remetente e o destinatário, o destinatário tem direito a considerar uma mensagem eletrônica como sendo do remetente e a agir de acordo em qualquer das seguintes hipóteses:

            a) Se o destinatário houver aplicado corretamente um procedimento previamente aceito pelo remetente a fim de verificar se a mensagem eletrônica provinha do remetente; ou

            b) Se a mensagem eletrônica recebida pelo destinatário houver resultado dos atos de uma pessoa cujas relações com o remetente ou com qualquer agente do remetente lhe hajam dado acesso ao método usado pelo remetente para identificar a mensagem eletrônica como sendo sua.

            4) O parágrafo 3) deixará de aplicar-se:

            a) A partir do momento em que o destinatário houver sido informado pelo remetente de que a mensagem eletrônica não é de sua emissão, e haja disposto de um prazo razoável para agir de acordo; ou

            b) Nos casos previstos na alínea b) do parágrafo 3), desde o momento em que o destinatário haja sabido ou devesse haver sabido, caso houvesse agido com a devida diligência ou empregado o procedimento pactuado, que a mensagem eletrônica não era do remetente.

            5) Sempre que uma mensagem eletrônica provenha do remetente ou se considere proveniente do remetente, ou sempre que o destinatário tenha direito a agir com base nessa presunção, o destinatário poderá, em suas relações com o remetente, considerar que a mensagem eletrônica recebido corresponde àquela que o remetente pretendeu enviar, e a agir de acordo. O destinatário não gozará deste direito quando saiba ou devesse saber, caso houvesse agido com a devida diligência ou empregado o procedimento pactuado, que a transmissão causou algum erro na mensagem eletrônica recebida.

            6) O destinatário poderá considerar cada mensagem eletrônica recebida como sendo uma mensagem eletrônica distinta e a agir de acordo, salvo na medida em que ela duplique uma outra mensagem eletrônica e o destinatário saiba ou devesse saber, caso houvesse agido com a devida diligência ou empregado o procedimento pactuado, que a mensagem era uma duplicata".

            Por fim, o artigo 15 da Lei Modelo da UNCITRAL apresenta preciosas orientações em relação ao momento e ao local de envio e recebimento das declarações de vontade transmitidas pela rede mundial de computadores. In verbis:

            "Artigo 15 - Tempo e lugar de despacho e recebimento das mensagens de dados

            1) Salvo convenção em contrário entre o remetente e o destinatário, o envio de uma mensagem eletrônica ocorre quando esta entra em um sistema de informação alheio ao controle do remetente ou da pessoa que enviou a mensagem eletrônica em nome do remetente.

            2) Salvo convenção em contrário entre o remetente e o destinatário, o momento de recepção de uma mensagem eletrônica é determinado como se segue:

            a) Se o destinatário houver designado um sistema de informação para o propósito de recebimento das mensagens eletrônicas, o recebimento ocorre:

            i) No momento em que a mensagem eletrônica entra no sistema de informação designado; ou

            ii) Se a mensagem eletrônica é enviada para um sistema de informação do destinatário que não seja o sistema de informação designado, no momento em que a mensagem eletrônica é recuperada pelo destinatário.

            b) Se o destinatário não houver designado um sistema de informação, o recebimento ocorre quando a mensagem eletrônica entra no sistema de informação do destinatário.

            3) Aplica-se o parágrafo 2) ainda que o sistema de informação esteja situado num lugar distinto do lugar onde a mensagem eletrônica se considere recebida de acordo com o parágrafo 4).

            4) Salvo convenção em contrário entre o remetente e o destinatário, uma mensagem eletrônica se considera expedida no local onde o remetente tenha seu estabelecimento e recebida no local onde o destinatário tenha o seu estabelecimento. Para os fins do presente parágrafo:

            a) se o remetente ou o destinatário têm mais de um estabelecimento, o seu estabelecimento é aquele que guarde a relação mais estreita com a transação subjacente ou, caso não exista uma transação subjacente, o seu estabelecimento principal;

            b) se o remetente ou o destinatário não possuírem estabelecimento, se levará em conta a sua residência habitual".

            O parágrafo 4º do artigo, acima transcrito, deixa claro que o lugar onde as partes mantêm seus computadores não é um elemento determinante para fixar o local de expedição e recepção de uma declaração eletrônica de vontade. Segundo a disposição da UNCITRAL, uma declaração de vontade será considerada emitida pelo remetente e recebida pelo destinatário na localidade onde ambos mantiverem, respectivamente, seus estabelecimentos, salvo, é claro, convenção em contrário feito pelas partes. Se a parte, contudo, possuir mais de um estabelecimento, haverá de ser considerado aquele que guardar maior relação com o negócio jurídico firmado, sendo que, se não houver diferenciação entre os estabelecimentos, considerar-se-á aquele que for o principal para o desempenho das atividades comerciais do contratante. Em último caso, não possuindo as partes estabelecimento, a residência habitual de cada uma haverá de ser tida como local de emanação das respectivas declarações de vontade.

            Ainda sobre o artigo 15, verificamos, em seus parágrafos 1º e 2º, a exposição de valiosas diretrizes referentes à determinação do momento de envio e do momento de recepção das mensagens eletrônicas. A clareza do texto normativo dispensa maiores comentários, restando-nos apenas esclarecer que a designação de sistema diz respeito ao domicílio lógico para o qual deve ser enviada a mensagem, e a entrada de uma mensagem em um sistema deve ser entendida como o momento em que a informação enviada estará apta a ser processada pelo sistema computacional receptor.

            Em que pese a Lei Modelo da UNCITRAL ter sido elaborada com vistas a nortear e estabelecer regras gerais de regulamentação das negociações eletrônicas comerciais, não podemos negar sua inestimável contribuição para o fomento, a propagação e a aceitação, em nível mundial, das mensagens, documentos e contratos exteriorizados pela via eletrônica. O caráter internacional e orientador das disposições sugeridas na Lei Modelo tem levado muitos países, entre eles o nosso Brasil, a iniciar uma atividade legislativa especificamente direcionada a normatizar, no âmbito interno, as novas situações e circunstâncias jurídicas decorrentes do uso em massa dos meios eletrônicos de comunicação.

            A Alemanha foi o primeiro país da Europa a estabelecer normas jurídicas para as assinaturas digitais. Uma Lei Federal (Informations-und Kommunikationsdienste-Gesetz), publicada em 1º de agosto de 1997, menos de um ano após a aprovação da Lei Modelo da UNCITRAL, regulamentou a estrutura jurídica necessária para estabelecer as condições de segurança das assinaturas digitais, bem como permitir uma consulta pública a seus aspectos legais.

            Também a Argentina, por meio do Decreto nº 427/98, de 16 de abril de 1998, editado pelo Poder Executivo, abordou o uso das assinaturas digitais, restringindo-as, contudo, a certos atos internos praticados no âmbito da Administração Pública. Outrossim, está em tramitação neste país um anteprojeto de lei que pretende ampliar o uso dessas assinaturas, habilitando seu emprego à toda a nação, seguindo os preceitos internacionais inerentes ao princípio da liberdade de formas.

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            Seguindo a mesma limitação da Argentina, que, em verdade, representa uma característica presente em vários outros países latino-americanos, a Colômbia, com base na Lei nº 527, de 18 de agosto de 1999, disciplinou a aplicação dos requisitos jurídicos das mensagens de dados e sua transmissão; o comércio eletrônico, no que se refere ao transporte de mercadorias; as assinaturas e os certificados digitais, bem como as entidades de certificação e os subscritores de assinaturas digitais, entre outros institutos, cujo uso foi restringido à esfera da Administração Pública.

            Nos Estados Unidos da América já existem vários Estados que legislaram sobre o assunto da comunicação eletrônica de dados e seus pressupostos de segurança. As principais disposições normativas encontradas em solo norte-americano são: Utah Digital Signature Act, California Governmente Code (Section 16.5), Florida Electronic Signature Act of 1996 (Fla. Stat. ch. 282.70-75), Georgia Eletronic Records and Signatures Act (Ga. Code §§ 10-2-1 et seq.), Washington Eletronic Authentication Act (Wash. Rev. Code § 19.34.010.903). Dentre essas, destaca-se a legislação do Estado de Utah, que, ousadamente, equiparou os efeitos de uma assinatura digital certificada aos de uma assinatura autógrafa comum.

            Na França, em 29 de outubro de 1998, foi aprovada a Lei nº 2000-230, que representou uma significativa reforma do Código Civil Francês, no que tange à validação das novas tecnologias de informação eletrônica como meio de prova. A citada lei acrescentou ao Código Francês os artigos 1.316-1, 1.316-2, 1.316.3 e 1.316-4, que, tendo em vista sua singular importância, merecem ser transcritos:

            "Art. 1.316-1. O escrito sob a forma eletrônica é admitido como prova com o mesmo valor que o escrito sobre o suporte papel, sob a condição que possa ser devidamente identificada a pessoa a quem ele promana e que ele seja estabelecido e conservado nas condições necessárias a garantir a sua integridade.

            Art. 1.316-2. Quando a lei não tenha fixado outros princípios e, à falta de uma convenção válida entre as partes, o juiz resolverá os conflitos de prova literal considerando, por todos os meios, o valor mais verossímil dela, independentemente de qual seja o seu suporte.

            Art. 1.316-3. O escrito sobre suporte eletrônico tem a mesma força probante do escrito sobre o suporte papel.

            Art. 1.316-4. A assinatura necessária ao aperfeiçoamento de um ato jurídico identifica aquele que a apõe. Ela manifesta o consentimento das partes quanto às obrigações decorrentes de tal ato. Quando ela for aposta por um oficial público conferirá autenticidade ao ato. Quanto trata-se de assinatura eletrônica, deverá ela emanar de um procedimento confiável de identificação, garantindo o seu vínculo com o ato ao qual ela se refere. A confiabilidade de tal procedimento é presumida, até prova em contrário, quando a assinatura eletrônica for criada, a identidade do signatário é assegurada e a integridade do ato garantida, nas condições fixadas por decreto do Conselho de Estado".

            Na Itália, há vários dispositivos legislativos que visam a regulamentar a criação, o arquivamento e a transmissão de documentos e contratos eletrônicos. Dentre eles, enumerados a Lei nº 59/1997, o Decreto nº 513/1997, o Decreto do Presidente do Conselho de Ministros, de 08.02.1999, e o Decreto Legislativo nº 185, de 22.05.1999.

            Em Portugal, o Decreto-Lei nº 290-D/1999 e o Decreto-Lei nº 375/99 são considerados pelos juristas como representantes do que há de mais avançado em matéria de comércio eletrônico.

            É importante notar que, via de regra, as legislações internas dos países europeus, membros da União Européia, seguem orientações gerais previstas em alguns dispositivos normativos supranacionais, elaborados pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Européia. Entre eles, citamos a Diretiva de Assinatura Eletrônica COM (1998)297, Diretiva de Comércio Eletrônico COM (1998)586, a Comunicação COM (1997)157 e a Diretiva nº 97/7, todas voltadas à eliminação de barreiras para o reconhecimento jurídico dos contratos eletrônicos e das transações eletrônicas em geral.

            Na esteira desses pensamentos, vários países, em todo o mundo, têm buscado criar legislações a fim de contemplarem, em seu ordenamento jurídico, regras de segurança e de admissibilidade das tecnologias eletrônicas. Além dos países já citados, existem outros, como por exemplo, o Chile (Decreto Supremo nº 81/1999), a Espanha (Real Decreto-Lei 14/1999) e Singapura (Eletronic Transations Act - 1998 e Eletronic Transations (Certification Authority) Regulations - 1999), que possuem normas legais positivadas e em uso, entretanto, a maioria das nações não dispõe, ainda, de leis aprovadas, mas apenas de projetos legislativos em trâmite, como é o caso da Austrália, da Áustria, da Bélgica, do Canadá, da Índia, da Irlanda, da Malásia, da Espanha, da Dinamarca, da Finlândia, do Reino Unido e do nosso Brasil.

            6.2 Projetos de Lei em Tramitação no Brasil

            Não obstante a Lei Modelo da UNCITRAL ter sido aprovada há quase seis anos, o Brasil, até a presente data, não conseguiu aprovar uma legislação específica que se destine a resguardar as transações eletrônicas e seus principais requisitos de segurança. Isso não quer dizer que o Poder Legislativo brasileiro esteja inerte ou apático em relação a temas tão importantes quanto os documentos eletrônicos, as assinaturas digitais e as autoridades certificadoras. Ao contrário, existem algumas disposições normativas esparsas e vários projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que se referem, direta ou indiretamente, ao assunto. Alguns deles são:

            -PL nº 4.102-A/1993:define crimes praticados por meio de computador relacionados à inviolabilidade de dados e informações (PLS nº 151/1991, na origem);

            -PLS nº 22/1996:dispõe sobre os documentos produzidos e os arquivados em meio eletrônico;

            -PLS nº 234/1996:define crime contra a inviolabilidade de comunicação de dados de computador;

            -PL nº 1.713/1996:dispõe sobre o acesso, a responsabilidade e os crimes cometidos nas redes de computadores;

            -PL nº 2.644/1996:dispõe sobre a elaboração, o arquivamento e o uso de documentos eletrônicos;

            -PL nº 3.173/1997: dispõe sobre os documentos produzidos e arquivados em meio eletrônico;

            -PL nº 3.258/1997:dispõe sobre crimes cometidos por meio de redes de computadores;

            -PL nº 3.692/1997:regulamenta a publicação de listas de assinaturas da internet;

            -Lei nº 9.528/1997:possibilita a constituição eletrônica do crédito previdenciário;

            -PL nº 84/1999 :dispõe sobre os crimes de informática, prevendo sete modalidades de delitos relativos a danos causados ao dados armazenados em computador e acessos indevidos e não autorizados ao sistema computacional de terceiros.

            -IN SRF nº 156/1999:atribui validade probante ao documento eletrônico;

            -PLS nº 672/1999: regula o comércio eletrônico no que tange às informações geradas, enviadas, recebidas ou arquivadas eletronicamente no contexto das atividades comerciais;

            -PLS nº 674/1999:altera a Lei nº 8.666/1993 com vistas a incentivar o uso da internet para licitação;

            -PL nº 1.483/1999:institui a fatura eletrônica e a assinatura digital nas transações de comércio eletrônico;

            -PL nº 1.489/1999: dispõe sobre a validade de registros magnéticos para elaboração de denúncias contra o poder público;

            -PL nº 1.530/1999:determina a obrigatoriedade de a Administração Pública manter dados sobe licitações na internet;

            -PL nº 1.589/1999:dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital;

            -Lei nº 9.800/1999: possibilita a transmissão de peças ao Poder Judiciário por meios eletrônicos;

            -PL nº 2.589/2000:altera o parágrafo único do artigo 541 do Código de Processo Civil para também admitir as decisões disponíveis em mídia eletrônica;

            -PL nº 2.765/2000:dispõe sobre a adoção de mecanismos de segurança para o Imposto de Renda via web;

            -PL nº 3.016/2000:trata do registro das transações de acesso a redes de computadores de uso público;

            -PL nº 3.587/2000 :estabelece normas para a infra-estrutura de chaves públicas do Poder Executivo Federal;

            -PL nº 4.906/2001:dispõe sobre o valor probante do documento eletrônico e da assinatura digital, regula a certificação digital e institui normas para as transações de comércio eletrônico;

            -MP nº 2.200/2001:institui a ICP-Brasil (Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras) e dá outras providências relativas à comunicação eletrônica.

            Face aos anteprojetos e textos normativos expostos, verificamos que não estão sendo poucas as tentativas de nossos legisladores de inserir, no contexto do ordenamento jurídico pátrio, normas que disciplinem, com abrangência e da forma mais segura e eficaz possível, as negociações jurídicas celebradas em meio eletrônico. Exemplos marcantes disso podem ser encontrados nos artigos 5º, 11 e 12 do PLS nº 672/1999, que reconhecem a validade das informações sob formato eletrônico e também do contrato celebrado por meio de troca de mensagens eletrônicas, considerando legítimas as declarações de vontade assim expressas. Outro exemplo, é o artigo 16 do Decreto nº 3.587/2000, que promete conferir aos documentos armazenados e transmitidos em meio eletrônico, óptico, magnético ou similares, a mesma validade, reconhecimento e autenticidade conferidos aos escritos em papel.

            Infelizmente, ao contrário do que se possa imaginar, o Projeto do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que entrará em vigor no ano de 2003, inova muito pouco no que diz respeito à normatização das transações eletrônicas. As poucas disposições legais referentes ao tema, trazidas pelo novo Código, foram por nós citadas quando dissertávamos sobre os contratos eletrônicos interpessoais.

            Dentre os vários anteprojetos e textos legais mencionados, merecem especial destaque os Projetos de Lei nº 1.589/1999 e nº 4.906/2001, por serem os mais completos, melhor elaborados e por estarem baseados nas orientações internacionais sugeridas pela Lei Modelo da UNCITRAL, o que proporcionará uma maior compatibilização do ordenamento jurídico brasileiro com as tendências que têm sido mundialmente aceitas para as negociações eletrônicas e seus pressupostos de validade.

            O Projeto de Lei nº 1.589/1999 foi uma iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, que, por intermédio de uma Comissão de Informática, elaborou o anteprojeto e o entregou ao ilustre Deputado Michel Temer, à época, Presidente da Câmara dos Deputados. O principal escopo deste Projeto de Lei era justamente regular o comércio eletrônico, a validade jurídica dos documentos eletrônicos e a questão da assinatura digital, chegando a abordar temas complexos, como a implantação de um sistema de certificação de chaves públicas e privadas. Dada sua abrangência e importância, a ele foi apensado o PL nº 1.483/1999, que, como vimos, também dispunha sobre a assinatura digital.

            Nas justificativas do Projeto de Lei da OAB/SP, como é mais conhecido pelos juristas o PL 1.589/1999, podemos verificar a preocupação do legislador brasileiro em nivelar as normas de direito interno de nosso país com as diretrizes internacionais referentes às transações eletrônicas. Vejamos alguns trechos da justificação apresentada pela OAB/SP quando da entrega do anteprojeto à Câmara dos Deputados:

            "1. Os avanços tecnológicos têm causado forte impacto sobre as mais diversas áreas do conhecimento e das relações humanas. O comércio eletrônico representa um dos exemplos mais significativos dessa verdadeira revolução social.

            2. O direito, por sua vez, tem por uma de suas principais características o hiato temporal existente entre o conhecimento das mudanças sociais, sua compreensão, as tentativas iniciais de tratá-las à luz de conceitos tradicionais e, finalmente, a adoção de princípios próprios para regular as relações que delas resultam. Essa característica, que tem o grande mérito de assegurar a segurança jurídica mesmo nas grandes revoluções sociais, encontra, porém, na velocidade com que a tecnologia as têm causado, também seu impacto, requerendo seja menor o tempo necessário para adoção de disciplina para as novas relações sociais.

            3. Diversos países já adotaram leis especiais tratando das transações eletrônicas, especialmente no que se refere à questão do documento eletrônico e da assinatura digital.

            ...

            10. Não há, no Brasil, lei tratando do documento eletrônico ou da assinatura digital. Nem há projetos dispondo sobre essas matérias As normas tradicionais sobre documentos restringem-se hoje àqueles apostos em suportes físicos – em geral, papel -, e poderiam sofrer debate intenso até que se estabelecesse servirem ou não ao documento eletrônico. Mais grave ainda é a situação da assinatura digital, já que, neste caso, a falta de regulamentação própria que considerasse inclusive os aspectos de segurança poderia levar a graves distorções em seu emprego.

            11. Por outro lado, também não temos leis dispondo sobre o comércio eletrônico, o que parece fundamental, para criar a segurança jurídica imprescindível aos empresários e aos consumidores, para seu melhor desenvolvimento.

            12. Diante disso, e considerando que o hiato temporal do direito, inicialmente referido, poderia representar embaraço ao rápido desenvolvimento do comércio eletrônico, bem como para evitar distorções no uso desse importante instrumento, é que a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, por sua Comissão Especial de Informática Jurídica, desenvolveu o presente anteprojeto de lei, dispondo não apenas sobre o comércio eletrônico, mas também sobre seus principais instrumentos – o documento eletrônico e a assinatura digital."

            Antes de passarmos a expor os tópicos mais relevantes do Projeto de Lei da OAB/SP, convém ressaltar que, em 20 de junho do ano pretérito, após diversas audiências públicas, o diligente Deputado Júlio Semeghini, do PSDB de São Paulo, apresentou um substitutivo ao referido anteprojeto, que acabou resultando no PL nº 4.906/2001, já citado por nós. Basicamente, o substitutivo sugerido alterou alguns termos técnicos utilizados pelo PL nº 1.589/1999 e explicitou algumas diretrizes principiológicas constantes na Lei Modelo da UNCITRAL.

            Neste contexto, buscaremos traçar um breve paralelo entre o Projeto de Lei da OAB/SP e o seu substitutivo, apontando as principais alterações sofridas pelo primeiro e as inovações sugeridas pelo segundo, ressaltando que a essência do conteúdo de ambos os anteprojetos é a mesma, na medida em que a maioria dos artigos do PL nº 1.589/1999 foi repetida, na íntegra, pelo substitutivo.

            Os dois primeiros artigos do Projeto de Lei da OAB/SP esclarecem que o objetivo da lei é "regular o comércio eletrônico, a validade e o valor probante dos documentos eletrônicos, bem como a assinatura digital", devendo sua aplicação e interpretação serem pautadas nas regras que norteiam "o contexto internacional do comércio eletrônico, o dinâmico progresso dos instrumentos tecnológicos, e a boa-fé das relações comerciais".

            O anteprojeto da OAB/SP, em seu artigo 3º, determina que nenhuma autorização especial será exigida para a realização de negócios jurídicos pela rede mundial de computadores, corroborando a aplicação do princípio da boa-fé nas contratações celebradas pela via eletrônica.

            O artigo 4º, nas letras de "a" e "g", enumera as informações mínimas que devem estar inseridas, de forma clara e inequívoca, nas ofertas de contratação eletrônica, a fim de resguardar dados capazes de assegurar a autoria e a identificação, física e lógica, do policitante, bem como dos sistemas de segurança utilizados na negociação.

            O Capítulo IV, Título II, do PL da OAB/SP trata, com certa timidez, a questão da contratação eletrônica. São apenas três artigos, do 6º ao 8º, onde o legislador se preocupou em estabelecer normas direcionadas à oferta pública de bens, serviços ou informações a distância. Dispõem os artigos 6º e 7º que a proposta deve ser realizada em ambiente seguro, devidamente certificado, e que, no caso de aceitação da oferta, "os sistemas eletrônicos do ofertante deverão transmitir uma resposta eletrônica automática, transcrevendo a mensagem transmitida anteriormente pelo destinatário, e confirmando seu recebimento".

            Visando a positivar o entendimento já firmado em âmbito internacional, o Capítulo V, Título II, do anteprojeto, mais especificamente seus artigos 9º e 11º, exime a empresa provedora de acesso à internet de qualquer responsabilidade pelo conteúdo das informações transmitidas, desobrigando-a de vigiar ou fiscalizar os dados transmitidos ou armazenados. Vale dizer que, como estudamos anteriormente, o provedor nada mais é que um mero intermediário e, como tal, não pode ser considerado parte nas negociações eletrônicas. Convém ressaltar, entretanto, que a ausência de responsabilidade da empresa provedora é a regra, mas que comporta algumas exceções, previstas no artigo 10 e no parágrafo único do artigo 11 do anteprojeto:

            "Art. 10. O intermediário que forneça ao ofertante serviços de armazenamento de arquivos e de sistemas necessários para operacionalizar a oferta eletrônica de bens, serviços ou informações, não será responsável pelo seu conteúdo, salvo, em ação regressiva do ofertante, se:

            a) deixou de atualizar, ou os seus sistemas automatizados deixaram de atualizar, as informações objeto da oferta, tendo o ofertante tomado as medidas adequadas para efetivar as atualizações, conforme instruções do próprio armazenador; ou

            b) deixou de arquivar as informações, ou, tendo-as arquivado, foram elas destruídas ou modificadas, tendo o ofertante tomado as medidas adequadas para seu arquivamento, segundo parâmetros estabelecidos pelo armazenador.

            Art. 11. O intermediário, transmissor ou armazenador, não será obrigado a vigiar ou fiscalizar o conteúdo das informações transmitidas ou armazenadas.

            Parágrafo único. Responde civilmente por perdas e danos, e penalmente, por co-autoria do delito praticado, o armazenador de informações que, tendo conhecimento inequívoco de que a oferta de bens, serviços ou informações constitui crime ou contravenção penal, deixar de promover sua imediata suspensão, ou interrupção de acesso por destinatários, competindo-lhe notificar, eletronicamente ou não, o ofertante, da medida adotada."

            O Título III do PL da OAB/SP trata mais especificamente dos documentos eletrônicos. Em seu Capítulo I, há normas regulamentando a eficácia jurídica desses documentos, sendo clara a disposição de que um contrato eletrônico deverá, obrigatoriamente, estar assinado mediante sistema criptográfico de chave pública, sem o que não será considerado um documento original para os fins jurídicos a que se destina. Ademais, deverá o contrato ser certificado pela autoridade competente, que poderá ser pública ou privada, sob pena de não estar preenchido um requisito essencial à validade do documento eletrônico, assim previsto no anteprojeto.

            Sobre esse tema, é mister a transcrição dos artigos 14, 16 e 33, que, de forma objetiva, estabelecem critérios para diferenciar cópia e original de um documento eletrônico, além de determinar seus pressupostos de autenticidade, que, como dito, estão diretamente ligados à sua certificação. Vejamos:

            "Art. 14. Considera-se original o documento eletrônico assinado pelo seu autor mediante sistema criptográfico de chave pública.

            § 1º Considera-se cópia o documento eletrônico resultante da digitalização de documento físico, bem como a materialização física de documento eletrônico original.

            § 2º Presumem-se conformes ao original, as cópias mencionadas no parágrafo anterior, quando autenticadas pelo escrivão na forma dos arts. 33 e 34 desta lei.

            § 3º A cópia não autenticada terá o mesmo valor probante do original, se a parte contra quem foi produzida não negar sua conformidade.

            ...

            Art. 16. A certificação da chave pública, feita pelo tabelião na forma do Capítulo II do Título IV desta lei, faz presumir sua autenticidade.

            ...

            Art. 33. A assinatura digital do tabelião, lançada em cópia eletrônica de documento físico original, tem o valor de autenticação".

            É interessante notar que a certificação da chave pública feita pelo tabelião é revestida de uma presunção de autenticidade, conforme prescreve o artigo 16 supracitado. O mesmo, entretanto, não ocorre quando a certificação é feita por particular. Nesse caso, será considerada uma simples declaração deste, não gerando qualquer efeito perante terceiros.

            Por força do princípio da boa-fé, há uma presunção juris tantum de se considerarem verdadeiras as informações constantes no documento eletrônico, desde que observadas algumas características imprescindíveis à assinatura digital, apontadas no artigo 15 do anteprojeto:

            "Art. 15. As declarações constantes do documento eletrônico, digitalmente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário, desde que a assinatura digital:

            a) seja única e exclusiva para o documento assinado;

            b) seja passível de verificação;

            c) seja gerada sob o exclusivo controle do signatário;

            d) esteja de tal modo ligada ao documento eletrônico que, em caso de posterior alteração deste, a assinatura seja invalidada; e

            e) não tenha sido gerada posteriormente à expiração, revogação ou suspensão das chaves". (grifos acrescidos)

            A mesma presunção é feita em relação à data de emissão do documento eletrônico, admitindo-se prova em contrário por todos os meios lícitos reconhecidos pelo nosso ordenamento jurídico.

            No tocante à questão probatória, dispõe o artigo 20 do anteprojeto que deverão ser aplicadas aos documentos eletrônicos as disposições normativas pertinentes à prova documental, respeitadas as regras específicas constantes no texto legal ora estudado, em especial as dos parágrafos 1º e 2º do artigo 19:

            "Art. 19. Presume-se verdadeira, entre os signatários, a data do documento eletrônico, sendo lícito, porém, a qualquer deles, provar o contrário por todos os meios de direito.

            § 1º Após expirada ou revogada a chave de algum dos signatários, compete à parte a quem o documento beneficiar a prova de que a assinatura foi gerada anteriormente à expiração ou revogação.

            § 2º Entre os signatários, para os fins do parágrafo anterior, ou em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular na data:

            I - em que foi registrado;

            II - da sua apresentação em repartição pública ou em juízo;

            III - do ato ou fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento e respectivas assinaturas".

            Consagrando o princípio da livre persuasão racional do juiz, o artigo 22 estabelece que "o juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento eletrônico, quando demonstrado ser possível alterá-lo sem invalidar a assinatura, gerar uma assinatura eletrônica idêntica à do titular da chave privada, derivar a chave privada a partir da chave pública, ou pairar razoável dúvida sobre a segurança do sistema criptográfico utilizado para gerar a assinatura".

            Por ser matéria de relevante importância para a validade dos contratos eletrônicos, o Título IV do PL da OAB/SP dedica-se a esmiuçar os procedimentos para a certificação eletrônica dos negócios jurídicos celebrados em meio magnético e as informações mínimas que devem constar no certificado de autenticidade das chaves públicas, a fim de garantir a segurança das transações. A Seção II (artigos de 27 a 30) estabelece regras para revogação da certificação eletrônica e a Seção VI, no artigo 36, caput, autoriza os Cartórios de Registro de Título e Documentos a procederem "à transcrição e ao registro de documentos eletrônicos particulares, para os fins previstos na Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973".

            O artigo 35 do anteprojeto versa sobre a responsabilidade dos tabeliães, dispondo que "o tabelião é responsável civilmente pelos danos diretos e indiretos sofridos pelos titulares dos certificados e quaisquer terceiros, em conseqüência do descumprimento, por si próprios, seus prepostos ou substitutos que indicarem, das obrigações decorrentes do presente diploma e sua regulamentação".

            Questão bastante controvertida e que tem causado discussões entre os juristas é a que se refere as novas competências atribuídas ao Poder Judiciário pelo artigo 37 do PL da OAB/SP. Estabelece o referido texto legal que seria da competência do Judiciário: autorizar os tabeliães a exercerem atividade de certificação eletrônica; regulamentar o exercício das atividades de certificação, obedecidas as disposições do anteprojeto; fiscalizar o cumprimento, pelos tabeliães, do disposto no projeto de lei e nas normas por ele adotadas, quanto ao exercício de suas funções; e impor as penalidades administrativas cabíveis, obedecido o processo legal, e independente das responsabilidades civis e penais dos tabeliães e seus oficiais.

            Sobre o assunto, manifesta-se Luis Henrique Ventura asseverando que:

            "O Projeto de Lei visa atribuir ao Poder Judiciário a competência de regulamentar e fiscalizar as atividades de comércio realizadas no Brasil. Parece que o Poder Judiciário não dispõe de pessoal e nem de competência técnica para isso. Será que não seria interessante que se seguisse a tendência de se criar uma agência reguladora? Assim como já existem a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), a ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), poderia ser criada a ANDEL (Agência Nacional da Documentação Eletrônica), com a finalidade de estabelecer regras e fiscalizar as atividades de comércio eletrônico. Afinal, as atividades previstas no art. 37 do Projeto (autorização, regulamentação, fiscalização e punição administrativa) são eminentemente administrativas, mais adequadas a uma autarquia que ao Poder Judiciário".

            Acompanhamos na íntegra o posicionamento do eminente doutrinador, uma vez que, como é sabido, o Poder Judiciário não tem recursos humanos e técnicos suficientes para bem desempenhar as atribuições que lhe estão sendo impostas pelo anteprojeto. Ademais, como foi dito pelo ilustre professor, tratam-se de tarefas essencialmente administrativas, não justificando, portanto, sobrecarregar o Judiciário em uma seara que não corresponde a suas atividades precípuas de órgão jurisdicional.

            Ainda dispondo sobre competências, o PL da OAB/SP amplia as atribuições do Ministério da Ciência e da Tecnologia, impondo-lhe, em suma, a fiscalização e a regulamentação dos aspectos técnicos, normativos ou não, do exercício da atividade de certificação eletrônica pelos tabeliães.

            Em seu Título VI e VII, o anteprojeto estabelece sanções administrativas e penais dentro do contexto da negociação eletrônica e de seus institutos específicos. A desobediência a alguns dispositivos previstos no Projeto de Lei, primordialmente os relativos à certificação eletrônica, pode ensejar, aos tabeliães, multas de variam de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), além de suspensão, cancelamento e cassação do certificado e da autorização para exercício da atividade.

            Na esfera penal, o anteprojeto equipara o meio eletrônico ao escrito tradicional, incorrendo nas penas dos artigos 293, 297, 298, 299, 300, 305 e 314 do Código Penal, respectivamente, aqueles que: falsificarem, com fabricação ou alteração, certificados eletrônicos públicos ou utilizarem uma versão falsificada destes; falsificarem, no todo ou em parte, documento eletrônico público, ou alterarem, indevidamente, um verdadeiro; falsificarem, no todo ou em parte, documento eletrônico particular, ou alterarem, indevidamente, um verdadeiro; omitirem, em um documento eletrônico, público ou particular, declaração que dele deva constar, ou inserir declaração falsa ou diversa da que deveria constar, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante; reconhecerem como verdadeira, no exercício da função pública, uma assinatura eletrônica que não o seja; destruírem, suprimirem ou ocultarem, em benefício próprio ou de outrem, documento eletrônico público ou particular verdadeira, de que não poderiam dispor; e extraviarem qualquer documento eletrônico, de que se tem guarda em razão do cargo, ou o sonegarem ou inutilizarem, total ou parcialmente.

            Por fim, acolhendo as disposições normativas internacionais e, sem dúvida alguma, inserindo o Brasil dentro de uma favorável e promissora situação de desenvolvimento do comércio eletrônico em escalas mundiais, estabelece o artigo 50 do Projeto de Lei nº 1.589/1999 que "as certificações estrangeiras de assinaturas digitais terão o mesmo valor jurídico das expedidas no país, desde que entidade certificadora esteja sediada e seja devidamente reconhecida, em país signatário de acordos internacionais dos quais seja parte o Brasil, relativos ao reconhecimento jurídico daqueles certificados".

            Quanto ao recente Projeto de Lei nº 4.906/2001, substitutivo ao qual encontram-se apensados, como dissemos, o PL da OAB/SP e o PL nº 1.483/1999, temos a dizer que, em suma, sua essência é a mesma do PL nº 1.589/1999, chegando a reproduzir fielmente a grande maioria dos artigos deste, alterando alguns termos técnicos constantes no referido anteprojeto e adequando-o juridicamente à rigorosa, porém necessária, técnica legislativa prevista na Lei Complementar nº 95/1998, alterada, há pouco tempo, pela Lei Complementar nº 107/2001. Outrossim, o substitutivo apresenta alguns avanços normativos que, a bem da verdade, fazem com a legislação brasileira se assemelhe mais ainda às disposições orientadoras da Lei Modelo da UNCITRAL.

            Tal qual o artigo 2º da Lei Modelo, o PL nº 4.906/2001, também em seu artigo 2º, apresenta alguns conceitos importantes e bastante úteis à boa compreensão e interpretação do anteprojeto, definições estas que não foram apostadas no PL da OAB/SP. Vejamos quais são:

            "Art. 2º Para os efeitos desta lei, considera-se:

            I – documento eletrônico: a informação gerada, enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, opto-eletrônicos ou similares;

            II – assinatura digital: resultado de um processamento eletrônico de dados, baseado em sistema criptográfico assimétrico, que permite comprovar a autoria e integridade de um documento eletrônico cifrado pelo autor com o uso da chave privada;

            III – criptografia assimétrica: modalidade de criptografia que utiliza um par de chaves distintas e interdependentes, denominadas chaves pública e privada, de modo que a mensagem codificada por uma das chaves só possa ser decodificada com o uso da outra chave do mesmo par;

            IV – autoridade certificadora: pessoa jurídica que esteja apta a expedir certificado digital;

            V – certificado digital: documento eletrônico expedido por autoridade certificadora que atesta a titularidade de uma chave pública;

            VI – autoridade credenciadora: órgão responsável pela designação de autoridade certificadora raiz e pelo credenciamento voluntário de autoridades certificadoras.

            Parágrafo único. O Poder Público acompanhará a evolução tecnológica, determinando a aplicação das disposições constantes desta lei para a assinatura digital a outros processos que satisfaçam aos requisitos operacionais e de segurança daquela".

            Ousadamente, o artigo 3º do substitutivo reproduz quase que integralmente a orientação do artigo 5º da Lei Modelo da UNCITRAL, determinando que "não serão negados efeitos jurídicos, validade e eficácia ao documento eletrônico, pelo simples fato de apresentar-se em forma eletrônica". Com isso, o legislador pátrio, objetiva e claramente, extirpa qualquer dúvida quanto à perfeita aceitação dos documentos eletrônicos como meio de prova no âmbito do judiciário.

            Outra grande inovação do PL nº 4.906/2001 diz respeito ao tratamento dispensado às autoridades certificadoras. O substitutivo apresenta disposições muito mais abrangentes e pormenorizadas que os anteprojetos a ele apensados, adotando princípios gerais obrigatórios ao desempenho da atividade de certificação digital. Estes estão expressamente dispostos no artigo 16, que prescreve:

            "Art. 16 A atividade de certificação digital será regida pelos seguintes princípios:

            I - liberdade de contratação, observadas as normas de defesa do consumidor;

            II - preservação da privacidade do usuário;

            III - dispensa de autorização prévia;

            IV - direito do usuário a ser adequadamente informado sobre o funcionamento dos sistemas criptográficos utilizados e os procedimentos técnicos necessários para armazenar e utilizar com segurança a chave privada;

            V - vedação à exigência de depósito de chaves privadas pela autoridade certificadora".

            De igual forma, o texto do substitutivo também é mais detalhista em relação à contratação no âmbito do comércio eletrônico. O artigo 26 dispõe especificamente sobre o momento em que se deve considerar manifestada uma declaração de vontade emitida por meio da rede de computadores, enquanto que o artigo 27 determina quando o documento eletrônico há de ser tido como enviado pelo remetente e recebido pelo destinatário. Interessante notar que o PL nº 4.906/2001, observados alguns requisitos, equipara a expedição de um documento eletrônico à remessa por via postal registrada ou à remessa postal com aviso de recebimento. Vejamos os dispositivos relacionados ao assunto:

            "Art. 26 Sem prejuízo das disposições do Código Civil, a manifestação de vontade das partes contratantes, nos contratos celebrados por meio eletrônico, dar-se-á no momento em que o destinatário da oferta enviar documento eletrônico manifestando, de forma inequívoca, a sua aceitação das condições ofertadas.

            § 1º A proposta de contrato por meio eletrônico obriga o proponente quando enviada por ele próprio ou por sistema de informação por ele programado para operar automaticamente.

            § 2º A manifestação de vontade a que se refere o caput deste artigo será processada mediante troca de documentos eletrônicos, observado o disposto nos arts. 27 a 29 desta lei.

            Art. 27 O documento eletrônico considera-se enviado pelo remetente e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrônico definido por acordo das partes e neste for recebido.

            Art. 28 A expedição do documento eletrônico equivale:

            I – à remessa por via postal registrada, se assinado de acordo com os requisitos desta lei, por meio que assegure sua efetiva recepção; e

            II - à remessa por via postal registrada e com aviso de recebimento, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente e por este recebida.

            Art. 29 Para os fins do comércio eletrônico, a fatura, a duplicata e demais documentos comerciais, quando emitidos eletronicamente, obedecerão ao disposto na legislação comercial vigente".

            Em síntese, essas foram as inovações trazidas pelo substitutivo, sendo que, quanto ao mais, apenas reproduz, como dissemos, a maioria dos artigos constantes no PL da OAB/SP.

            Diante do exposto, podemos perceber que, ao contrário do que alguns afirmam, o Brasil não se encontra numa situação de inércia legislativa referente ao tema dos documentos eletrônicos e das negociações celebradas por meio da rede mundial de computadores. A contrario sensu, há todo um esforço do Poder Legislativo para regulamentar a matéria e, com isso, inserir nosso país no rol daqueles cujas situações jurídicas decorrentes das transações eletrônicas encontram-se amparadas e regradas pelo ordenamento jurídico, proporcionando ao Judiciário atingir sua finalidade maior que é a correta prestação jurisdicional a todos os casos concretos levados à sua apreciação.

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Da validade jurídica dos contratos eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4992. Acesso em: 25 abr. 2024.

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