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Da validade jurídica dos contratos eletrônicos

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7. conclusão

            O grande desafio do presente trabalho foi demonstrar que os contratos eletrônicos não inovam suficientemente a ordem jurídica a ponto de estabelecerem novos paradigmas avessos ao Direito Contratual consagrado. Em que pesem os avanços nas relações jurídicas, advindos da disseminação dos meios eletrônicos de comunicação, a celebração de negócios por meio da rede mundial de computadores é considerada, pela maioria dos juristas, apenas como uma nova técnica de formação de contratos, e não como um tipo contratual novo, restando preservados os princípios, elementos e requisitos fundamentais da contratação tradicional.

            Buscando responder às indagações que justificaram a eleição do presente tema para esta monografia, apresentamos o posicionamento majoritário da doutrina, seguindo uma tendência internacionalmente aceita, de que os contratos eletrônicos devem ser juridicamente considerados válidos e eficazes, desde que obedecidos alguns requisitos peculiares ao meio magnético em que são transmitidos. Vimos que a própria tecnologia, que trouxe à baila as benesses e comodidades das relações jurídicas celebradas pela via eletrônica, encarregou-se de proporcionar-lhes mecanismos capazes de lhes assegurar a autenticidade e a integridade que necessitam para adquirirem força probante em nossos tribunais.

            Começamos nossa dissertação com um breve estudo acerca da visão contratual clássica, sob a ótica da qual definimos o instituto tradicional do contrato como sendo um negócio jurídico firmado entre duas ou mais pessoas, que acordam sobre determinado objeto, estabelecendo entre elas obrigações e direitos não vedados pelo ordenamento jurídico, produzindo, destarte, uma norma jurídica individual que vincula as partes.

            Em seguida, apresentamos a autonomia da vontade, o consensualismo, a obrigatoriedade das convenções, a relatividade dos efeitos do negócio jurídico e a boa-fé como princípios fundamentais que devem reger todas as contratações, inclusive as celebradas em meio eletrônico. Analisamos cada um dos elementos e requisitos necessários à validade dos contratos, destacando que a legislação brasileira, em especial o artigo 129 do Código Civil, adota, como regra, a liberdade de formas para as declarações de vontade.

            Ainda dentro do enfoque contratual clássico, discorremos sobre as regras normativas e doutrinárias que orientam na determinação do momento e do local de formação do vínculo negocial. Para tanto, definimos e classificamos as declarações de vontade, salientando que, dependendo do instante em que o destinatário toma ciência de seu conteúdo, podem ser consideradas realizadas entre ausentes ou entre presentes, havendo diferença no tocante às normas a serem aplicadas em cada situação.

            Analisamos os conceitos de policitação, ou proposta, assim considerada a declaração inicial emanada do policitante, ou proponente, na qual este manifesta sua intenção de se vincular com a outra parte; e de oblação, ou aceitação, que nada mais é do que a declaração de vontade que vai ao encontro da proposta, manifestando a concordância da parte aceitante em aderir aos termos ofertados pelo policitante.

            Vimos a fundamental necessidade de se verificar com precisão o momento de formação do contrato e estudamos as principais teorias e subteorias relativas à aceitação feita entre ausentes. Frisamos que, não obstante a discordância de alguns doutrinadores, o legislador brasileiro adotou como regra a aplicação da teoria da declaração, também chamada agnição, na modalidade da subteoria da expedição, e concluímos, acompanhando Washington de Barros Monteiro, pela inexistência de conflito entre as normas dos artigos 1.085 e 1.086 do Código Civil, o que vale dizer que, com a expedição da anuência do aceitante, completa-se a formação do vínculo contratual, obrigando o proponente a cumprir sua oferta.

            Quanto ao local de formação do contrato, analisamos a aplicabilidade dos artigos 1.087 do Código Civil e 9º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil. O primeiro, de âmbito interno, reputa celebrado o contrato no lugar em que foi proposto; o segundo, voltado para o direito internacional privado, determina a aplicação da lei do país onde residir o proponente. Esclarecemos que não há contradição entre os referidos textos legais, sendo certo que ambos se complementam, na medida em que suas esferas de incidência são distintas.

            Por fim, encerrando a fase de estudo sob o prisma do Direito Contratual Clássico, tecemos alguns comentários sobre os contratos de adesão, definindo-os como aqueles em que as cláusulas do negócio jurídico são unilateralmente preestabelecidas por uma parte, não sendo permitido à outra discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

            Prosseguindo em nosso estudo, abordamos, a partir do surgimento dos primeiros sistemas computacionais, a origem e a evolução da internet, salientando a assustadora rapidez com que este novo meio de comunicação eletrônica difundiu-se no Brasil e no mundo. Baseados na definição de rede de computadores, esclarecemos o conceito dessa nova tecnologia, apontando a internet como uma rede mundial de computadores que interconecta redes de menores proporções. Na esteira desses pensamentos, concluímos que sua natureza jurídica é de um meio, e não de um lugar.

            Antes de adentrar especificamente no tema dos contratos eletrônicos, procedemos à análise dos chamados documentos eletrônicos, assim definidos os documentos emanados, através do meio eletrônico, pela rede de computadores. Estudamos o conceito clássico de documento e verificamos que a doutrina, num primeiro instante, embasada na teoria geral dos documentos, estabeleceu a obrigatoriedade de este instituto ser exteriorizado em meio tangível, físico, palpável.

            Ressaltamos que, com a evolução do conceito, os documentos passaram a ser classificados em diretamente representativos ou indiretamente representativos, sendo os primeiros aqueles em que o efeito de sua representatividade se dá no momento em que são observados (e.g. papel, fotografias e escritos em geral), e os segundos aqueles que necessitam de um mecanismo intermediário para permitir a correta ciência de seu conteúdo (e.g. fitas-cassete, fitas de vídeo, disquetes). Nesse contexto, valendo-nos de opiniões de juristas renomados, pareceu-nos adequado inserir os documentos eletrônicos nesta última categoria de documentos, uma vez que necessitamos de um computador para operacionalizá-los. Torna-se inconcebível, portanto, persistir-se na idéia de que todo documento tem que, necessariamente, revestir-se da forma escrita para ser considerado como tal.

            Concluímos, assim, que o conceito tradicional de documento há de ser ampliado a fim de que se amolde às inovações tecnológicas já incorporadas ao nosso cotidiano, privilegiando não o meio onde o fato ou o pensamento estará representado, mas o registro do fato em si e sua perpetuação.

            Continuando, logramos justificar a validade jurídica dos documentos eletrônicos como meio de prova que não encontra óbice em ser admitido em nossos tribunais. Ao contrário, relevando-se os princípios da livre persuasão racional do juiz e da liberdade de forma, positivados em nosso ordenamento jurídico, além da inexistência de qualquer vedação legal específica, restou-nos comprovado que os documentos eletrônicos, num primeiro momento, têm amparo legal e doutrinário para serem aceitos como meios de prova lícitos, posto que apenas representam uma forma probatória não prevista pontualmente no Código de Processo Civil.

            Contudo, conforme vimos, há alguns entraves à aceitação pacífica dos documentos eletrônicos como meio de prova juridicamente válido, uma vez que a alta volatilidade do meio magnético permite que tais documentos sejam modificados sem deixar qualquer vestígio de alteração. Isso acarreta insegurança às partes no tocante à legitimidade e à integridade dos documentos eletrônicos, sendo necessário, portanto, algum procedimento assecuratório que permita aos contratantes reconhecer a autoria do documento recebido e constatar a inalterabilidade de seu conteúdo. Foi neste diapasão que analisamos a assinatura digital.

            Depois de uma sucinta explanação sobre a assinatura autógrafa tradicional (escrita) e suas funções, examinamos a assinatura digital como a solução suficientemente apropriada a conferir segurança e validade aos documentos eletrônicos, posto que, de forma simples e eficiente, utilizando-se da tecnologia da criptografia assimétrica, consegue resolver o problema da autenticidade e da integridade desses documentos, conferindo-lhes confiabilidade em relação à sua autoria e ao seu conteúdo.

            Conforme estudamos, a assinatura digital utiliza complexas e sofisticadas fórmulas matemáticas e vincula-se ao documento eletrônico gerado. Ela é única para cada documento e qualquer modificação posterior, por menor que seja, invalida a assinatura digital e possibilita à parte identificar alterações indevidas. Por assim ser, concluímos que, pelo elevado nível de segurança oferecido por esta tecnologia, um documento eletrônico "assinado" digitalmente pode, e deve, ser equiparado a um documento escrito e assinado de forma autógrafa por seu subscritor, até porque restarão atendidos todos os pressupostos de autenticidade e integridade exigidos pelo Código de Processo Civil.

            Diante dos avanços da assinatura digital, que, conforme mencionado, tem seu suporte técnico baseado na criptografia assimétrica de chaves públicas e privadas, citamos a importância de uma autoridade certificadora que fosse responsável, entre outras coisas, pela autenticação digital da chave pública, que seria feita a partir da segura comprovação da identidade das partes. Validada a relação entre tal chave e seu emitente, um certificado digital, constando todas as informações necessárias à segurança da transação eletrônica, seria emitido pela autoridade certificadora, valendo como prova da autenticação e da integridade do documento eletrônico.

            Tendo analisado a Teoria Geral dos Contratos e constatada a validade jurídica dos documentos eletrônicos, adentramos, finalmente, à questão da negociação feita por meio eletrônico. Verificamos que o chamado contrato eletrônico não difere de qualquer outro contrato, antes, configura-se apenas num novo meio de celebração contratual não previsto especificamente na legislação brasileira.

            Apresentamos alguns conceitos de contrato eletrônico oferecidos pela doutrina, sendo o de Erica Barbagalo o que mais nos pareceu completo e elucidativo: "acordos entre duas ou mais pessoas para, entre si, constituírem, modificarem ou extinguirem um vínculo jurídico, de natureza patrimonial, expressando suas respectivas declarações de vontade por computadores interligados entre si".

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            Além dos já citados princípios do Direito Contratual Clássico, adicionamos ao rol destes alguns outros que são peculiares à celebração de contratos pela via eletrônica, particularmente por causa das características inerentes ao meio magnético. São eles os princípios da identificação, da autenticação, do impedimento de rejeição, da verificação e da privacidade.

            Para melhor compreensão e abordagem do tema, adotamos a classificação que Mariza Delapieve Rossi faz em relação aos contratos eletrônicos. São três modalidades, a saber, os contratos eletrônicos intersistêmicos, os interpessoais e os interativos. Os primeiros referem-se àqueles negócios jurídicos cujas declarações iniciais de vontade são emitidas pelas partes da forma tradicional, normalmente por meio de contrato escrito, estabelecendo regras gerais para posteriores contratações derivadas que ocorrerão eletronicamente entre os sistemas de computador das partes.

            Ao contrário do acontece com a modalidade intersistêmica, nos contratos eletrônicos interpessoais o computador não é apenas um meio de comunicação entre as partes, mas tem uma importante e fundamental participação na formação de vontade dos contratantes e na instrumentalização da relação jurídica, que se caracteriza pela interação humana em ambos os extremos do negócio celebrado. Atentos ao aspecto da simultaneidade entre a emissão e a recepção da declaração de vontade de uma parte para outra, subdividimos os contratos eletrônicos interpessoais em simultâneos e não-simultâneos. Os primeiros considerados pela doutrina como celebrados entre presentes, e os segundos, entre ausentes.

            A última modalidade vista por nós foi a dos contratos eletrônicos interativos, nos quais uma pessoa interage com um sistema destinado ao processamento eletrônico de informações. Conforme dissemos, trata-se da categoria mais comum de contratos eletrônicos, onde, de um lado, há uma pessoa desejosa em celebrar um determinado negócio jurídico, e, do outro, um equipamento de informática, previamente preparado para disponibilizar produtos e/ou serviços a todos que estiverem conectados à rede de computadores. Em regra, a conclusão desses contratos é feita mediante acesso a web sites que oferecem produtos e/ou serviços pela rede de computadores por meio de suas páginas eletrônicas.

            Acompanhando a doutrina majoritária, manifestamos nosso posicionamento de que os contratos eletrônicos não constituem uma nova modalidade de contrato, mas apenas um novo meio de formação do vínculo negocial. Partindo desse entendimento, reanalisamos os requisitos de existência e validade dos contratos e os aspectos relativos à formação do vínculo negocial dentro do contexto do meio eletrônico.

            Traçando um paralelo entre a contratação feita de forma tradicional, por instrumento escrito, e a eletrônica, por meio de rede de computadores, detalhamos cada um dos requisitos, objetivos e subjetivos, tidos como condição de validade dos contratos, abordando, separadamente, a satisfação de tais pressupostos dentro de cada modalidade de contrato eletrônico.

            Ao avaliar a formação dos contratos eletrônicos, discorremos sobre a validade das manifestações eletrônicas de vontade, o local e o momento de concretização do vínculo negocial eletrônico. Verificamos que, na essência, permanecem válidos os estudos feitos quando discorríamos sobre a teoria contratual clássica, sendo que os avanços advindos da internet e das relações jurídicas criadas em meio magnético não fogem à égide do direito contratual positivado.

            Finalizando nosso trabalho, realizamos um breve estudo da legislação alienígena que vem se destacando no campo das transações eletrônicas. Evidenciamos a Lei Modelo da UNCITRAL, por ser uma referência internacional que vem norteando as disposições normativas de vários países do mundo e tecemos alguns breves comentários acerca dos principais projetos de lei que atualmente tramitam no Congresso Nacional brasileiro, dentre os quais mereceram nossa especial atenção os PL nº 1.589/1999, de iniciativa da OAB/SP, o PL nº 1.483/1999, e o PL nº 4.906/2001.

            De um modo geral, a conclusão que chegamos ao término desta monografia é que o ordenamento jurídico brasileiro contempla normas que embasam e proporcionam a aceitação dos contratos eletrônicos como uma forma válida de celebrar negócios jurídicos. É bem verdade que, em alguns casos, o profissional operador do direito terá que se utilizar de instrumentos de interpretação e de integração da lei para justificar este posicionamento, mas, assim procedendo, certamente logrará êxito em comprovar que não há óbice legal algum que impeça a validade jurídica dos contratos emanados por meio da rede mundial de computadores.

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Da validade jurídica dos contratos eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4992. Acesso em: 28 mar. 2024.

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