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O impedimento e a repatriação de estrangeiros no Brasil.

Possíveis inconsistências com a Convenção Americana de Direitos Humanos

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28/06/2016 às 12:32
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2. ANÁLISE DAS INCONSISTÊNCIAS DO IMPEDIMENTO E REPATRIAÇÃO COM NORMAS DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.

A Constituição de 1988 previu no art. 5º, §§ que:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 

(BRASIL, 1988)

Conforme excertos acima, a Constituição Federal de 1988 relativiza a própria soberania nacional em nome dos compromissos de direitos humanos assumidos pelo país. Consoante PIOVESAN, sobre tal relativização na Constituição Federal:

"os direitos e garantias nela expressos não excluem outros, decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, a Constituição de 1988 passa a incorporar os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos ao universo dos direitos constitucionalmente consagrados"

(PIOVESAN, 2011, p. 138).

Ratifica a autora que em caso de conflito da Constituição Federal com o Direito Internacional dos Direitos Humanos "adota-se o critério da prevalência da norma mais favorável à vítima [...] a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana." (PIOVESAN, 2011, p. 158)

Especificamente no tema dos tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil aderiu, através do Decreto número 678, no ano de 1992, à Convenção Americana de Direitos Humanos.

Os dispositivos legais da Convenção Americana de Direitos Humanos têm força normativa superior às demais leis ordinárias e complementares brasileiras, nos termos de reiterada e recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, corte maior do Brasil. O STF reconhece em seus julgados que os compromissos internacionais de direitos humanos têm status jurídico supralegal no Brasil.

Autores renomados da literatura jurídica nacional interpretam que as normas decorrentes de compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo Brasil tem status jurídico similar às normas constitucionais (MAZZUOLI, 2009; PIOVESAN, 2011). A jurisprudência da maior corte do Brasil se firmou no sentido do status supralegal, e não constitucional, das normas oriundas dos compromissos internacionais de Direitos Humanos.

O paradigma para tal reconhecimento da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos foram os julgados que culminaram na já mencionada Súmula Vinculante nº 25, que afirma que “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (BRASIL, 2014). Nos fundamentos desta jurisprudência é vislumbrada a supremacia legal dos tratados internacionais de direitos humanos:

“A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.”

(BRASIL, 2008)

Portanto, podemos concluir das premissas expostas que ao confrontar duas normas brasileiras – a lei ordinária 6.815/80 que “define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração” (BRASIL, 1980) e a Convenção Americana de Direitos Humanos, inscrita na ordem jurídica pátria pelo Decreto 678/92 (BRASIL, 1992), temos a supremacia dos termos desta norma de direitos internacional de direitos humanos sobre a lei que regula o impedimento e a repatriação. A Convenção Americana de Direitos Humanos tem supremacia, no ordenamento jurídico brasileiro, sobre a lei do estrangeiro de 1980.

No que concerne aos limites à soberania estatal impostos por normas internacionais de direitos humanos, VEDOVATO destaca que

“...não seria errado pensar que outras fontes normativas internacionais, como os tratados internacionais de direitos humanos, poderiam limitar a liberdade do Estado, que não mais teria competência para decidir pela entrada ou não do estrangeiro de forma totalmente desprovida de controle” (VEDOVATO, 2013, p. 66)

Todo ato referente a impedimento e repatriação de estrangeiros do Brasil tem que ser analisado sob ótica da compatibilidade com a Constituição Federal de 1988 e com os compromissos de direitos humanos assumidos pelo Brasil.

Os atos administrativos de impedimento e repatriação ínsitos à lei 6.815/80 devem obediência à Convenção Americana de Direitos Humanos, em consonância com o devido processo legal no Brasil. Se aplicam as normas e a justiça quando se obedece à hierarquia no ordenamento jurídico            

O agente público tem ampla discricionariedade na práxis do impedimento e repatriação, diante de previsões legais abertas e subjetivas sobre a permissão de entrada regular do estrangeiro ou a sua negativa, mediante procedimento de impedimento e repatriação. Em análise do léxico, discricionariedade é “1 Deixado à discrição; livre de condições; não limitado: Governo discricionário. 2 Arbitrário, caprichoso.”[6]

No direito administrativo, a discricionariedade é bem mais restrita, pois qualquer ato administrativo tem como balizas a lei e o interesse público. Discricionariedade não significa liberdade plena ou arbítrio na decisão. Em análise dessas possibilidades legais de impedimento e repatriação, cabe ao agente público atuar diante de balizas legais, supralegais e constitucionais.

A literatura jurídica explana o ato discricionário como os que “a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles” (MELLO, 2009, p. 424).

A discricionariedade do agente de imigração na decisão sobre a permissão da entrada do estrangeiro em pontos de imigração ou o impedimento e a conseqüente repatriação está limitada, portanto, pelas normas contidas na Constituição Federal de 1988, Convenção Americana de Direitos Humanos e outros compromissos internacionais de direitos humanos, como aqueles que determinam a proteção do refugiado, de atos de tortura, dentre outros.

No artigo primeiro da Convenção Americana de Direitos Humanos há a obrigação aos Estados que a ratificaram, inclusive ao Brasil, de

“respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”

(BRASIL, 1992)

A Constituição Federal Brasileira tem como um de seus fundamentos a Dignidade da Pessoa Humana.  Em essência, nacionais e estrangeiros são seres humanos e merecem respeito e consideração de qualquer Estado e isto é ratificado nos dispositivos da Constituição Federal e dos compromissos de Direitos Humanos assumidos pelo Brasil.

O fundamento filosófico e a própria ontologia da Dignidade da Pessoa Humana na ordem jurídica pátria são analisados pela literatura jurídica nacional com destaque ao filósofo iluminista prussiano Immanuel Kant (MENDES, 2007; WEYNE, 2013).

As máximas morais em Kant carreiam o conceito de Dignidade da Pessoa Humana no século XVIII. Mas a ontologia da dignidade humana é paulatinamente construída na história. Os estóicos, no século II a.C., trataram do ser humano e de sua dignidade:

“organizou-se em torno de algumas ideias centrais, como a unidade moral do ser humano e a dignidade do homem, considerado filho de Zeus e possuidor, em conseqüência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais”

(COMPARATO, 2013, p. 28)

A Dignidade da Pessoa Humana na Idade Média é decorrente da criação. Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, portanto com “dignidade dada pelo próprio criador” (BERGOGLIO, 2013, p. 13). E todos descendem de um único e primeiro homem – Abraão – sendo decorrente o princípio da igualdade de todos os homens. “Não existem indivíduos que, diante de Deus, tenham prerrogativas maiores ou menores.” (BERGOGLIO, 2013, p. 15).

Na idade moderna, no século XVIII, Kant explana em sua obra sobre o valor absoluto que existe no ser humano. Afirma que “o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade.” (KANT, 2002, p. 58).

Em Kant, Dignidade Humana tem valor absoluto, incomparável ao valor das coisas não-humanas. As coisas podem ser substituídas. Cada ser humano é insubstituível e um fim em si mesmo, o que constitui sua dignidade. Um ser humano não pode ser substituído por outro ou por qualquer coisa ou conjunto de coisas. O ser humano, cada ser humano, é detentor de um valor absoluto

Segundo Kant, os seres humanos, portadores de razão, têm dignidade. As coisas têm preço. Apenas os seres humanos têm liberdade e vontade. Não há preço para o ser humano. Não há nada de mais valor que um ser humano, que está acima de qualquer preço, pois possui o atributo da dignidade.

A moralidade que faz do homem um fim em si mesmo. Só o homem possui moralidade, pois pode, com a razão, fazer escolhas de sua vontade, não agindo unicamente sob os impulsos da natureza. E a liberdade humana é a independência das causas determinantes do mundo sensível, ligado diretamente ao princípio da autonomia e este ao da moralidade. Em Kant:

“os seres, cuja existência não assenta em nossa vontade, mas na natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, um valor meramente relativo, como meios, e por isso denominam-se coisas, ao passo que os seres racionais denominam-se pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, portanto, nessa medida, limita todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).”

(KANT, 2002, p. 58)

Independentemente de serem nacionais ou estrangeiros, portanto, com base no fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil, são, antes, seres humanos, pessoas, dotadas de dignidade.

Em liame com a obra de Ingo Sarlet, observamos que Dignidade da Pessoa Humana é conceito “em permanente processo de construção e desenvolvimento” e a aplicação dos Direitos Humanos na prática diária dos servidores públicos estatais lavra diuturnamente o conceito de Dignidade especificamente no Brasil. O conceito está em “constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais”. (SARLET, 2013, p. 27).

A constituição brasileira tem ainda como objetivos, inscritos no artigo 3º, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 1988).

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A soberania é inscrita também como outro fundamento da República Federativa do Brasil e é em razão dela que o estado brasileiro aplica medida de retirada compulsória de estrangeiros, nos termos da lei 6.815/80.

A restrição aplicada ao estrangeiro pelo texto constitucional, quanto a termo “residência no país”, para a plena garantia de direitos fundamentais, é de interpretação extremamente restrita na literatura jurídica (MENDES, 2007, p. 262, 685; SILVA, 2009, p. 191; SARLET, 2010, p. 212).

Não é cabível o afastamento de direitos fundamentais aos estrangeiros no Brasil, seja qual for a condição de entrada ou estada do estrangeiro no Brasil. Os estados têm obrigações para com quaisquer pessoas em seus territórios, decorrentes de vários compromissos internacionais de direitos humanos.

A lei 6.815/80 “Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil” (BRASIL, 1980) e em seu artigo 95 assim determina sobre o tratamento igualitário entre brasileiros e estrangeiros:

“Art. 95. O estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis.”

(BRASIL, 1980)

A decisão do agente público quanto à repatriação é tratada pela literatura jurídica como exercício da soberania, na qual o Brasil estaria livre para decidir quem entra regularmente no território do país.

Observamos nas citações de autores pátrios tal vislumbre. REZEK aponta que “nenhum estado é obrigado, por princípio de direito das gentes, a admitir estrangeiros em seu território” (REZEK, 2011, p. 226), ressalvando que “a partir do momento em que admite o nacional de outro país no âmbito espacial de sua soberania, tem o Estado, perante ele, deveres resultantes do direito internacional...” (REZEK, 2011, p. 226). PORTELA destaca que “os atos pelos quais os não-nacionais são admitidos em outro país são discricionários” (PORTELA, 2010, p. 256).

Entretanto, há de ser obedecido o due process of law pelo agente de imigração, sob pena de caracterização de ato exercido com abuso ou desvio de poder. Assim a doutrina do direito administrativo brasileiro trata o desvio ou abuso de poder do servidor público.  O Brasil, assim como a grande maioria dos países do mundo, é signatário de compromissos internacionais de direitos humanos, que o vincula aos termos dos tratados, convenções ou acordos de direitos humanos.

Nosso país está ainda inserido no sistema regional de direitos humanos, decorrente da adesão à Convenção Americana de Direitos Humanos. Este compromisso internacional de direitos humanos traz determinações que vinculam o agente público de imigração brasileiro no trato com a regulação de entrada de estrangeiros no Brasil.

O Brasil participa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esta corte emitiu o Parecer Consultivo nº 18, que dá interpretação à Convenção Americana de Direitos Humanos no que concerne especificamente aos direitos dos estrangeiros sem documentos ou que de qualquer forma estejam irregulares no país.

Portanto, as decisões dos servidores públicos da Polícia Federal que atuam na polícia de imigração, decidindo acerca da entrada de estrangeiros no Brasil, podendo determinar a saída compulsória do estrangeiro, devem obediência à Constituição de 1988 – lei maior do Brasil e às normas da Convenção Americana de Direitos Humanos, legislação que tem status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro.

Nos primeiro e segundo dispositivo da Convenção Americana de Direitos Humanos, há vedação de discriminação decorrente da “posição econômica” e especificação de que nenhuma pessoa está afastada dos efeitos daquele compromisso internacional de direitos humanos:

  1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
  2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

(BRASIL, 1992)

A Convenção Americana de Direitos Humanos tem como destinatário da proteção da norma “todo ser humano” (BRASIL, 1992), ressalvando-se que o estrangeiro impedido de entrar no Brasil é, portanto, um dos destinatários da norma que vincula a atuação dos agentes de imigração brasileiros.

O preâmbulo da convenção ratifica essa conclusão e demonstra “que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado” (BRASIL, 1992).

Observamos que em essência os institutos jurídicos do impedimento e repatriação estão albergados pela ordem jurídica nacional, com inscrição em dispositivos da lei 6.815/80, recepcionada pela ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos, com lastro nos princípios da soberania e no interesse da sociedade .

A determinação contida no art. 18, III do Decreto 86.715/81, quando demanda prova por parte do estrangeiro que possui meios para se manter no Brasil, é desafiador à norma inscrita no citado artigo primeiro da convenção, por discriminação de estrangeiros por causa de sua posição econômica, conforme determinação da norma brasileira.

Os estrangeiros impedidos de entrar no Brasil devem buscar seus direitos inscritos na convenção violados por ato de agente público de imigração brasileiro. Há a possibilidade de acesso ao judiciário federal, consoante determinação na Opinião Consultiva 18/93 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não podendo o acesso ao judiciário ser obstado pelo agente de imigração, sob pena de dupla violação às normas de direitos humanos – vedação de entrada no país e vedação de acesso à satisfação de direitos que entende violados.

O Brasil é obrigado a implementar alteração legislativa no interesse do recrudescimento dos direitos humanos dos estrangeiros. Tal determinação é inscrita no art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos, no sentido de “tornar efetivos tais direitos e liberdades” (BRASIL, 1992) conforme interpretação conjunta com o artigo primeiro da convenção.

No contexto de inovação legislativa, está em discussão um Projeto de Lei que “Institui a Lei de Migração e cria a Autoridade Nacional Migratória.”, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro – atual lei 6.815/80. As inovações são estudadas em Comissão de Especialistas criada pelo Ministério da Justiça pela Portaria n° 2.162/2013 e discussões em reuniões de especialistas e da sociedade, tendo recente Conferência Nacional obre Migrações e Refúgio - COMIGRAR[7] em junho de 2014.

A lei em discussão pretende mudar o viés de segurança nacional ínsito na lei 6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro – que fora promulgado durante a ditadura militar e humanizar o trato do “migrante” (e não mais “estrangeiro”), prevendo no artigo 110 que a nova lei “não prejudica direitos e obrigações estabelecidos por acordos internacionais vigentes para o Brasil e mais benéficos ao fronteiriço e ao migrante, em particular os acordos firmados no âmbito do Mercado Comum do Sul - Mercosul.”7

Em relação ao impedimento e a repatriação, a inovação legislativa  constante no projeto pretende determinar a comunicação de qualquer ato de impedimento e repatriação, expressando no artigo 33 que  “será feita imediata comunicação às autoridades superiores competentes, em especial à Defensoria Pública da União, e à autoridade consular do país de nacionalidade do imigrante, ou quem lhe representa.”[8]

Essa comunicação aos órgãos que atuam em prol de estrangeiros não é determinada na lei atual. No artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos há determinação de que “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida” (BRASIL, 1992), destacando que pessoa é qualquer ser humano, nacional ou estrangeiro, nos termos do preâmbulo da Convenção.

O artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos especifica que o direito de brasileiros ou estrangeiros serem ouvidos, no interesse de seus direitos, em “juiz ou Tribunal competente” (BRASIL, 1992) e ainda destaca que tal direito de serem ouvidos deve ser exercido “ na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” (BRASIL, 1992).

Cabe ao agente de imigração brasileiro, em obediência à norma da Convenção, dar condições ao estrangeiro para que busque direitos junto a juiz ou tribunal, mesmo que não atenda a requisitos para entrada ou estada regular no país por motivos contidos na lei 6.815/80, pois a norma do artigo oitavo da Convenção Americana de Direitos Humanos tem status supralegal no Brasil.      

Merece reflexão o impedimento e repatriação dos estrangeiros que buscam na entrada no Brasil meios para manutenção de suas vidas ou de membros de suas famílias, seja através de tratamento público de saúde, seja de quaisquer outras condições possíveis no Brasil (e.g. aquisição de equipamento hospitalar, alimentação especial, medicamentos).

Ao agente de imigração cabe decisão de impedimento e repatriação que, eventualmente, pode culminar na morte do estrangeiro migrante ou de terceiros. O migrante pode estar em busca de meios de manutenção de sua vida ou de terceiros, tendo sua ação obstada pelo agente de imigração.     VEDOVATO (2013, p. 49) caracteriza a decisão administrativa e vedação de entrada do estrangeiro quando estão envolvidos riscos à vida, saúde ou incolumidade física como “escolhas trágicas”, conceituando como aquela decisão “que coloca o agente público diante de um ato administrativo discricionário com potencial envolvimento de conseqüências ligadas à vida e à morte dos destinatários do ato”. (VEDOVATO, 2013, p. 50).

O mesmo autor destaca que:

“Essencial, portanto, a exacerbação do caráter contramajoritário da proteção internacional dos direitos fundamentais, o que resultará na proteção de minorias, aqui entendidas como grupo não hegemônico, meso que tenham mais componentes que os que estão na posição de decidir sobre o caso”

(VEDOVATO, 2013, p. 51)

Ao agente de imigração cabe análise da proteção à vida inscrita no artigo 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, além da proteção à vida inscrito no art. 5º da Constituição brasileira. A Corte Interamericana de Direitos Humanos ratifica a proteção a vida, estando registrado ordem aos estados acerca da

“obligación de garantizar La creación de las condiciones que se requieran para que no se produzcan violaciones de esse derecho inalienable y, em particular, El deber de impedir que SUS agentes atenten contra él” (PIOVESAN, 2008, p. 1167)

As decisões e orientações consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, especificamente a Opinião Consultiva OC 18/93, trazem elementos para interpretação do texto da Convenção que interferem diretamente na atividade dos agentes de imigração, quanto à aplicação do impedimento e repatriação.

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Sobre o autor
Alan Robson Alexandrino Ramos

Doutor em Ciências Ambientais. Mestre em Sociedade e Fronteiras. Especialista em Segurança Pública e Cidadania, todos pela Universidade Federal de Roraima. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e Bacharel em Filosofia pela Unisul. Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Alan Robson Alexandrino. O impedimento e a repatriação de estrangeiros no Brasil.: Possíveis inconsistências com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4745, 28 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50095. Acesso em: 12 nov. 2024.

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