3 - ASSISTÊNCIA E COISA JULGADA
3.1 - SURGIMENTO DA ASSISTÊNCIA
Desde quando abolida a autotutela, ou seja, a possibilidade de obter-se o que se pretendia através da própria força, e com o advento do monopólio estatal do uso da força, tornou-se necessária a criação de um meio pelo qual o indivíduo, que julgasse ferido um direito seu, recorresse ao Estado e solicitasse uma decisão sobre a questão. Surgiu, assim, a ação, definida como o poder que possui o indivíduo de exigir do Estado o exercício da função jurisdicional [58].
Historicamente, díspares foram os sistemas pelos quais a jurisdição era exercida, ora com a presença de todos os cidadãos em assembléia, onde a decisão proferida vincularia todos os membros daquela sociedade, ora com a presença apenas das partes, ou seja, dos envolvidos na questão cuja solução se preconizava, geralmente com vinculação apenas destes à decisão que seria proferida [59].
Nesse último modelo, chegou-se à conclusão de que o entrelaçamento das relações jurídico materiais tornava imperioso que outras pessoas pudessem participar da relação jurídica processual instaurada entre determinadas partes, tendo em vista a possibilidade da decisão ali proferida atingir sua esfera de direitos. Surgiu, assim, o instituto hoje denominado "assistência".
Segundo nos dá notícia Moacyr Lobo da Costa [60], a figura processual da "assistência" é criação genuinamente romana, datada do período da extraordinaria cognitio, onde vários textos tratam da intervenção de terceiros no processo, tanto em primeira instância como sob a forma de apelação.
O processo romano atravessou basicamente três períodos, que costumam ser rotulados pela doutrina da seguinte forma: a) período das legis actiones, que vai desde a fundação de Roma, em 754 a.C., até o ano 149 a.C; b) período per formulas ou período formulário, que vai do ano 149 a.C até o ano 209 d.C; c) período da extraordinária cognitio, que vai de 294 d.C até a codificação de Justiniano (528-534).
O primeiro dos períodos é caracterizado pelo formalismo, e o procedimento, oral na sua totalidade, se dividia em duas fases: in iure e in iudicio. Na primeira delas estabelecia-se o convite formulado pelo autor ao réu, para o estabelecimento da litiscontestatio; na segunda, obtido o compromisso das partes a permanecer em juízo até a sentença final e designado o árbitro (iudex), resolvia-se a questão.
Como bem se vê, o vínculo que ligava as partes em tal estrutura processual era decorrente de um acordo de vontades (litiscontestatio), o que afastava, logicamente, qualquer figura de intervenção de terceiros [61].
No segundo dos citados períodos pouco se modificou no procedimento acima apresentado, ainda permanecendo a estrutura processual baseada no acordo de vontades.
O terceiro período citado caracteriza-se pela atribuição da função judiciária a funcionários do Estado, sendo a sentença um ato de autoridade. Prescindia-se do acordo de vontades para a formação da relação processual: o autor dirigia-se a um juiz, expondo sua pretensão e solicitando a citação do réu para comparecer em juízo a fim de se defender. Instituiu-se a figura do "recurso" (apellatio), admitindo-se o pedido de reforma da sentença a uma autoridade hierarquicamente superior.
Já neste período a sentença era entendida como um ato de autoridade, delineando-se, ainda que em termos embrionários, a questão dos limites subjetivos dos efeitos da sentença. Nas palavras de Vicente Greco Filho:
"No terceiro período do processo romano (da cognitio extra ordinem), por ser a sentença proveniente de poder estatal, em virtude da oficialização da justiça, foi sentido o problema da repercussão da coisa julgada sobre terceiros, mas que ficavam excluídos de seus efeitos porque a sentença não podia ter valor absoluto, porquanto dirigida ao bem da vida trazido pelas partes e de acordo com a livre apreciação do juiz. Formula-se, então, a máxima res inter alios acta nec nocet nec prodest (a decisão proferida perante outros nem prejudica nem beneficia)". (62)
Era o campo propício para o surgimento da assistência.
O principal objetivo do instituto era evitar que o conluio entre as partes pudesse prejudicar terceiros, tanto que a intervenção era admitida até mesmo contra a vontade das partes, e sempre deveria ter como fundamento obstar o prejuízo decorrente do conluio.
Analisando os casos onde era permitida a apelação de terceiros, o já citado Moacyr Lobo da Costa descreve interessante evolução do instituto, admitindo-se a apelação de terceiros quando estes pudessem demonstrar seu próprio interesse na reforma da sentença. Entretanto, estabelecer quando tal interesse estava ou não presente era tarefa dificílima, o que levou os juristas da época a analisarem com alguma profundidade tema, que o autor rotula como um dos mais árduos da teoria processual: a questão dos limites subjetivos da coisa julgada. Escreve o citado autor:
"A pesquisa de Emilio Betti teve o grande mérito de pôr em evidência que o princípio res inter alios judicatas aliis non prae-judicare (isto é, a jurídica irrelevância da sentença com respeito aos terceiros, como coisa julgada a êles referente) se tornava aplicável, em sua plenitude, ùnicamente em relação àquele que fôsse não só estranho ao processo, mas, ainda, de todo estranho, além de indiferente, à relação de direito substancial deduzida em juízo.
"Quando, ao contrário, alguém, embora permanecendo estranho ao processo, não fôsse inteiramente estranho ou indiferente à relação de direito substancial, que era objeto da controvérsia na causa entre as partes, então os efeitos da sentença inter alios se produziam também com respeito a êle, ou, quando menos, se refletiam sôbre êle, segundo sua posição em relação ao direito substancial, ou, eventualmente, segundo a scientia ou descobrimento que tivesse tido do juízo em curso, esclarece EMILIO BETTI em sua exegese magistral". (63)
Portanto, a questão sobre a vinculação ou não do assistente à coisa julgada acompanha o instituto da assistência desde o seu surgimento.
3.2 - O ASSISTENTE E A COISA JULGADA
Das duas espécies de assistência tratadas pelo Código de Processo Civil em seus artigos 50 e 54 - assistência simples e assistência qualificada, ou litisconsorcial - a primeira não apresenta maiores celeumas no tocante aos limites subjetivos da coisa julgada.
A doutrina e a jurisprudência são relativamente pacíficas ao não incluir o assistente simples entre aqueles que estão sujeitos à coisa julgada.
A situação se complica bastante quando diz respeito ao assistente litisconsorcial.
Para o entendimento tradicional, o artigo 54 da lei adjetiva civil, ao utilizar-se do vocábulo litisconsorte para definir o assistente litisconsorcial, inarredavelmente definiu a sorte deste em relação à coisa julgada: é litisconsorte, portanto, está sujeito à coisa julgada.
Para Arruda Alvim, "A eficácia da sentença, tal como se produza em relação ao assistido, produzir-se-á em relação ao assistente litisconsorcial, que o foi, ou ao terceiro que poderia ter sido assistente litisconsorcial, e não o foi", já que, como o assistente litisconsorcial tem relação jurídica com o adversário do assistido, da mesma forma que tem o próprio assistido, a figura se assemelha ao litisconsórcio unitário. [64]
Da mesma forma, Marcos Afonso Borges, após afirmar com todas as letras a não sujeição do assistente simples à coisa julgada:
"O mesmo não ocorre com a assistência qualificada ou litisconsorcial; nesta espécie o interveniente assistencial é parte, é titular de um direito, que poderia ser pleiteado ou defendido de forma autônoma ou litisconsorcial com o assistido, e por conseguinte, nesta hipótese, ele sofre os efeitos da coisa julgada material e formalmente; o que foi discutido não pode mais ser reapreciado". (65)
No mesmo sentido estão as conclusões de Humberto Theodoro Junior [66], Thereza Alvim [67], Antonio Cláudio da Costa [68], Luiz Fux [69], Cândido A. S. Leal Júnio [70] e Mara Silvia Gazzi [71]. Luis Guilherme B. Marioni chega até mesmo a propugnar pela eliminação da norma legal que define a assistência qualificada, em virtude da absoluta identificação entre assistente litisconsorcial e litisconsorte:
"(...) não se pode denominar aquele que ingressa ulteriormente em um processo, na qualidade de litisconsorte facultativo unitário, de assistente litisconsorcial. Este nome, por não corresponder à natureza do instituto que está indicando ou significando, deve ser definitivamente abolido dos nossos códigos de semiótica jurídica.
(...)
É de se propor, pois, para que ocorra uma ab-rogação própria, a eliminação da norma do art. 54 do Código de Processo Civil do nosso ordenamento jurídico, porque aquilo que se pretendeu assistente litisconsorcial tem corpo e espírito de litisconsorte". (72)
A conclusão não nos parece tão óbvia, merecendo transcrição as lições de Cândido Rangel Dinamarco sobre a posição ocupada pelo assistente qualificado no processo:
"Apesar de o Código de Processo Civil revogado falar dele como equiparado ao litisconsorte (art. 93) e o vigente dizer que ele se considera tal, nem por isso o assistente qualificado deixou de ser assistente. Litisconsorte poderia ser, se tivesse letigimatio para demandar ou ser demandado por aquele específico e escrito objeto litigioso contido no processo, nele introduzido por meio da demanda ajuizada.
(...)
"O que pretendeu a lei fazer, ao instituir a figura do assistente qualificado, foi dotá-lo de poderes mais intensos na relação jurídica processual (mais intensos que os do assistente simples), com maior liberdade de ação e de movimentos ao longo do procedimento em que intervém"
(...)
"A relação jurídico-material do assistente litisconsorcial com o adversário do assistido é muito próxima ou semelhante à deste com o assistido. Mas não é a mesma. Se fosse, seria caso de litisconsórcio e não de assistência litisconsorcial". (73)
Efetivamente, há casos em que o assistente possui relação jurídica com o adversário do assistido, mas relação diversa da que o próprio assistido possui com seu adversário. Isso ocorre em diversos casos, como o do fiador, que pode ingressar como assistente litisconsorcial na ação movida pelo credor contra o devedor afiançado; do tabelião, como assistente litisconsorcial em ação movida por um terceiro em face do adquirente, alegando nulidade da escritura; dos vizinhos, assistentes qualificados em ação movida pelo proprietário de um terreno em face da prefeitura, a fim de liberar-se de exigências de posturas.
Em todos esses casos, a porção da relação de direito material levada a julgamento pela demanda [74] decididamente não inclui a relação jurídica de direito material titularizada pelo assistente litisconsorcial. Só podemos falar em litisconsórcio, pois, se estivermos nos referindo exclusivamente aos poderes de gestão processual.
A coisa julgada, nos casos acima narrados, jamais poderá atingir o assistente litisconsorcial, pois, como já explicitamos nos item anteriores, a imutabilidade da norma concreta produzida pela sentença de mérito está limitada à relação jurídica de direito material (ou parte dela) levada a julgamento pelo demandante. Ora, se o assistente litisconsorcial nada pediu, e nada foi pedido em relação a ele, evidentemente ele não faz parte do caso que será julgado [75].
Entretanto, o direito brasileiro impede que o assistente - seja ele litisconsorcial ou simples - discuta a justiça da decisão em causa posterior. Isso não significa, como já dito, sujeição à coisa julgada.
"A vinculação do assistente, nesse caso, constitui o que a doutrina alemã denomina Interventionswirkung, ou eficácia da intervenção. Trata-se de autêntica eficácia preclusiva da coisa julgada e não da res judicata em si mesma. Em virtude dela, ficará o assistente preso ao julgamento pronunciado inter alios, na medida em que venha a ser relevante em eventual causa ulterior na qual ele figure como parte principal". (76)
Os que concluem pela identidade absoluta entre assistente litisconsorcial e litisconsorte costumam, como impõe a lógica, limitar a aplicação do artigo 55 do Código de Processo Civil aos casos de assistência simples.
Efetivamente, seria um contra-senso afirmar-se ser o assistente qualificado verdadeiro litisconsorte, mas sujeitá-lo tão somente à eficácia preclusiva da coisa julgada, e não à coisa julgada propriamente dita.
Mas milita contra tal conclusão um argumento geográfico: o artigo 55 está colocado no final do capítulo da assistência, logo após a norma que define a figura do assistente litisconsorcial. De duas uma: ou tal disposição se aplica a ambas as espécies de assistência (como aqui defendemos) ou apenas à assistência litisconsorcial.
Algumas hipóteses tradicionalmente tratadas como casos clássicos de assistência litisconsorcial, em virtude do posicionamento acima defendido, não mais poderão ser assim rotuladas. São os casos de co-legitimado que ingressa em ação onde originariamente presente apenas o (s) outro (s) co-titular (es) da relação jurídica levada a juízo (v.g. obrigações solidárias), bem como o cidadão que ingressa em ação popular proposta originariamente por outro cidadão. Em todos eles o interveniente é co-titular do direito que está sendo discutido em juízo e, se ingressar no feito, será verdadeiro litisconsorte.
A natureza do instituto que possibilita a intervenção do terceiro não pode ser modificada pelo simples critério cronológico. Ou seja: na hipótese dos co-legitimados, que podem demandar em conjunto ou isoladamente (ou assim serem demandados) teremos um inegável litisconsórcio caso ambos apareçam desde o início colocados em um dos pólos da ação. O simples fato de um dos co-legitimados ingressar após o início da demanda não pode ter o condão de transformar o instituto de litisconsórcio em assistência litisconsorcial. O mesmo se diga com relação à ação popular.
Portanto, as hipóteses que legitimam o ingresso de um terceiro na qualidade de assistente litisconsorcial não são as mesmas que legitimariam a existência de um litisconsórcio ulterior. O assistente litisconsorcial tem relação jurídica com o adversário do assistido, mas relação jurídica diversa daquela existente entre o assistido e o respectivo adversário.
3.3 - INTERVENÇÃO LITISCONSORCIAL E ASSISTÊNCIA
Mas resta um problema a ser solucionado, de relevância teórica e grande importância prática: se as hipóteses de assistência litisconsorcial são ontologicamente diversas das hipóteses de litisconsórcio, os co-participantes da relação jurídica de direito material, excluídos da relação jurídica processual, não teriam meios de nela ingressar? A lei, de forma absurda, estaria admitindo a intervenção dos que possuem relações jurídicas enfeixadas com aquela deduzida em juízo (casos de assistência simples e litisconsorcial), mas estaria vedando a participação daqueles que são co-titulares da mesma relação jurídica submetida a julgamento? Ou o que é pior: nos casos de substituição processual, o substituído - único titular da relação material levada a juízo - não teria meios de participar do processo integrado pelo substituto?
Novamente correlacionando os limites subjetivos da coisa julgada às exigências constitucionais de respeito ao contraditório e à segurança jurídica, não seria admissível que, em um caso concreto, apesar da existência de uma hipótese fundamentada de extensão da coisa julgada a quem não foi parte na relação jurídica processual [77], o próprio titular da relação jurídica material seja impedido de participar do processo. Como bem anota Luiz Fux, ao discorrer sobre a submissão de terceiros à coisa julgada:
"Essas exceções, dentre outras, recomendam que pessoas suscetíveis de ser atingidas pelas decisões judiciais, e que originariamente não figuravam como partes do processo, possam ingressar nele. O ordenamento lhes possibilita o ingresso, até porque a coisa julgada, antes da sua formação, é antecedida por uma produnda obediência ao contraditório. Atingir terceiros com decisões judiciais, sem ao menos deferir-lhes a oportunidade de impugnar, falar, provar, encerraria um rompimento abominável do contraditório". (78)
Aqueles que adotam a diferenciação entre as posições jurídicas do litisconsorte e do assistente litisconsorcial, invariavelmente deparam-se com essa questão. E uma forma de solucioná-la é socorrendo-se do conceito de intervenção litisconsorcial. Por tal figura, estaria garantida a participação no processo daquele co-legitimado originariamente excluído da demanda.
Conceitua-se intervenção litisconsorcial como o ingresso ulterior no processo do co-titular da relação jurídica material deduzida em juízo. Cândido R. Dinamarco assim situa o instituto:
"Havendo co-legitimados à defesa de determinado bem ou interesse, que possam agir isoladamente ou em conjunto sem com isso alterar-se o alcance objetivo ou subjetivo do provimento jurisdicional postulado, o ingresso de algum ou alguns deles após instaurado o processo configurará autêntico litisconsórcio e não assistência litisconsorcial". (79)
Exemplifica com os credores ou devedores solidários e os cidadãos, legitimados para a ação popular. Nestes casos, ao ato de intervir sucede-se a situação processual de litisconsórcio. Arremata o mesmo autor, em outra obra:
"A intervenção litisconsorcial voluntária do direito brasileiro não é, como se vê, modalidade de intervenção ad coadjuvandum. O terceiro ingressa em busca de um provimento para si e não para favorecer a situação de uma das partes originárias. No direito brasileiro a intervenção ad coadjuvandum chama-se assistência e é sempre adesiva, ainda nos casos em que recebe o nome de assistência litisconsorcial (CPC, art. 54). Esta não passa de uma assistência qualificada pela maior intensidade de poderes e faculdades franqueadas ao interveniente, sem que ele esteja em juízo na busca de uma sentença sobre qualquer relação jurídico-substancial da qual seja parte. É sempre, como dito, ad coadjuvandum". (80)
Entretanto, tal hipótese de intervenção não é prevista expressamente pela nossa legislação. E tal ausência de sistematização legal é apontada como óbice intransponível ao seu reconhecimento entre nós:
"A intervenção litisconsorcial voluntária não se confunde com as duas modalidades de assistência e não passa de litisconsórcio facultativo ulterior. Não havendo previsão legal expressa de tal instituto, só através de sua sistematização legal ele poderá ser reconhecido entre nós, com a vantagem da sua adequada estruturação, com a disposição e ordem dos vários aspectos que ela implica, em lugar do casuísmo da jurisprudência existente". (81)
A crítica é encampada por Vicente Greco Filho, que adiciona que "O princípio básico que informa a matéria é o de que a intervenção em processo alheio só é possível mediante expressa permissão legal, porque a regra continua a ser, no Direito Brasileiro, a da singularidade do processo e da jurisdição". [82]
Da mesma opinião, Athos gusmão Carneiro afirma:
"O artigo 264 do Código de Processo Civil consagra, em nosso direito positivo, o princípio da estabilidade da demanda, quer sob o aspecto objetivo, pela proibição de alteração do pedido ou da causa de pedir, como pelo aspecto subjetivo, pela vedação que se alterem as partes, ressalvadas as substituições que a lei expressamente admita". (83)
Mais grave que a ausência de previsão, nos parece ser a alegação de que a intervenção litisconsorcial representaria violação ao princípio do juiz natural. É a conclusão da análise levada a efeito pelos já citados Vicente Greco Filho [84] e Athos Gusmão Carneiro:
"A regra da inalterabilidade das partes afirma-se como absoluta, sendo lícitas apenas as substituições (rectius, as sucessões) expressamente permitidas na lei (caso, v.g. do litigante que falece e será substituído por seus herdeiros. Ou da empresa comercial que venha a ser incorporada por outra). Cumpre ainda referir que diverso seria o caso do ingresso de assistente litisconsorcial ou adesivo, já que o assistente, por definição, não formula pedido em seu favor.
(...)
"Posto isto e tendo a exata compreensão daquilo que representa o litisconsórcio facultativo - ulterior (seja unitário ou não), uma vez concedida a liminar em determinado feito, a partir deste momento - embora não fosse originalmente, em face do sistema adotado - obrigatória torna-se a recusa na formação de qualquer litisconsórcio, pena de violação do juízo natural, muito embora presentes quaisquer das hipóteses do artigo 46 do CPC". (85) (p. 202).
A ausência de sistematização legal também pode ser oposta ao caso do substituído processual, levando alguns autores a propugnarem pela admissão deste como assistente do substituto [86].
O fato é que estamos "diante de um impasse: se o interessado não pode ingressar tardiamente como parte (litisconsórcio ulterior), mas a coisa julgada irá alcançá-lo (substituído processual), seria injusto não permitir sua intervenção no processo, como terceiro, possibilitando-lhe influir no resultado da demanda (defender seus interesses)". [87]
Nos parece que todas as situações precedentes podem, sem sombra de dúvidas, ser abarcadas pela hipótese do artigo 54 do Código de Processo Civil.
Com efeito, tal disposição, ao delinear a hipótese de assistência qualificada, em processo já pendente, de terceiro que possua relação jurídica (de direito material, explicite-se) com o adversário do assistido:
a) não está afirmando que essa relação deva ser idêntica à existente entre as partes originárias. Admite, pois, a intervenção daquele terceiro que possui relação jurídica (material) com o adversário de seu assistido, diversa da que existe entre estes últimos;
b) não está impedindo que essa relação seja a mesma existente entre assistido e seu adversário. É o caso dos co-legitimados (v.g, devedores solidários).
c) não está descartando a hipótese em que apenas o assistente possua relação jurídica com o adversário do assistido, ou seja, a exata hipótese da intervenção do substituído para assistir seu substituto processual, nos casos em que prevista a legitimação extraordinária.
Em outras palavras, sustentamos que a hipótese prevista pelo artigo 54 do CPC é a porta de entrada tanto de uma assistência (qualificada pela existência de relação jurídica material entre assistente e o adversário do assistido) como de um litisconsórcio (onde esta relação também existe, mas é idêntica àquela existente entre assistido e seu adversário), como ainda do substituído processual integrar a relação jurídica processual.
A mesma solução parece ser adotada por Thereza Alvim, ainda que com menor extensão, quando escreve:
"Ao permitir o art. 54, do CPC, acima transcrito, que alguém, cuja relação jurídica é atingida pela sentença ingresse, no processo, como assistente litisconsorcial da parte contrária daquele com quem tem dita relação, conglobou realidades diversas dentro do âmbito de um mesmo instituto.
(...)
"Como assistente litisconsorcial colocamos, com toda a segurança, aquele que poderia ter sido litisconsorte facultativo unitário, e, não o foi.
(...)
"Doutra parte é cabível o uso da assistência litisconsorcial se alguém, em tendo relação jurídica, atual ou potencial, com a parte contrária àquele que tencione assistir, verá esta atingida pela decisão da lide. Neste passo, a pretensão ou a defesa que deduziria em lide sua em nada se assemelha à do processo". (88)
A autora não se manifesta expressamente sobre a hipótese de intervenção do substituído na relação processual titularizada pelo substituto, mas chega a conclusões muito parecidas com as acima sustentadas.
Em todos os casos citados - assistência litisconsorcial propriamente dita, intervenção litisconsorcial e intervenção do substituído processual - todos os intervenientes passarão a ser considerados litisconsortes da parte assistida, para fins de gestão processual. E apenas e tão somente para tal finalidade, já que a extensão subjetiva da coisa julgada, depende muito menos do fato da intervenção, do que da extensão subjetiva da relação jurídica material levada a julgamento.
Conforme já exposto [89], a utilização do conceito de parte, sem os qualificativos no processo ou na relação jurídica de direito material é de pouca ou nenhuma utilidade em matéria de limites subjetivos da coisa julgada. Nem as partes da relação jurídica material estarão sempre em juízo quando estas relações estiverem submetidas a julgamento, nem as partes da relação jurídica processual sempre acumularão a condição de partes da relação jurídica material sub judice.
Portanto, nos casos acima narrados - que, na nossa visão, podem ser todos eles abrangidos pela disposição do artigo 54 do Código de Processo Civil -, a extensão da coisa julgada ao interveniente (ou seja, àquele que ingressa no feito pela porta de entrada do artigo 54) não recebe tratamento idêntico.
Nas hipóteses de assistência litisconsorcial propriamente dita - quando o assistente possui relação jurídica com o adversário do assistido, diversa da existente entre assistido e seu adversário -, não há que se falar em submissão do assistente à coisa julgada. A relação jurídica sobre a qual incidirá a norma jurídica concreta ditada pela sentença não é a sua.
Na intervenção litisconsorcial, onde o interveniente é co-titular da mesma relação jurídica material que está sob apreciação judicial, é evidente que também ele será atingido pela coisa julgada.
Não vemos, aqui, pertinência na objeção de descumprimento da garantia do juiz natural, desde que este tipo de intervenção não seja estendido aos casos de litisconsórcio onde se dá uma ampliação do objeto do processo. Nos casos em que se dá esta ampliação do objeto do processo pela intervenção, ela é absolutamente vedada pelo princípio constitucional citado.
As hipóteses, pois, em que tal intervenção é admitida são aquelas em que, com a intervenção ou sem ela, a abrangência da coisa julgada seria a mesma. Ou, nas mais adequadas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, naquelas em que:
"A causa de pedir e o pedido não se alteram em virtude do cúmulo subjetivo ocorrente no litisconsórcio unitário facultativo, de modo que a aglutinação de autores ou réus se pode dizer meramente eventual, e, sob o presente aspecto, de inteira irrelevância. Mesmo que se trate de litisconsórcio ulterior, decorrente da reunião de processos ou da intervenção litisconsorcial voluntária de algum co-legitimado (tratando-se sempre de litisconsórcio unitário e facultativo) haverá ainda uma demanda só e que, apesar da pluralidade meramente formal do início, acabou por plasmar-se na unidade do procedimento". [90]
Na intervenção decorrente de legitimação extraordinária, onde o substituído participa da relação processual originariamente integrada pelo substituto, é de todo inegável a extensão da coisa julgada ao titular da relação jurídica de direito material, pois que é exatamente esta relação (ou parte dela, como delimitado pela demanda inicial) que está sendo objeto do litígio.