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Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?

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04/04/2004 às 00:00
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4. DA CULPABILIDADE ENQUANTO PRESSUPOSTO DA PENA

4.1.Considerações introdutórias

Ao longo do desenvolvimento do Direito Penal, a culpabilidade, seguindo essa marcha, sofreu inúmeras alterações, as quais dizem respeito tanto a sua verdadeira importância enquanto elemento necessário para a configuração do crime, quanto aos seus componentes caracterizadores.

Durante muito tempo, a doutrina penal acreditava que o juízo de reprovação, sem dúvida alguma, seria uma das características do crime, sem a qual este em hipótese alguma estaria configurado [59]. Entretanto, com o aparecimento da Teoria Finalista da ação, o dolo e culpa estrito senso, até então considerados como elemento da culpabilidade, passaram a integrar a conduta, esvaziando, dessa forma, o juízo de reprovação, o que levou alguns doutrinadores a repensarem sobre os conceitos formulados em relação ao correto posicionamento da culpabilidade.

É claro que sem dolo e culpa não há falar-se em delito. Logo, enquanto esses elementos anímicos faziam parte da culpabilidade, a doutrina de forma unânime não hesitava em posicioná-la entre as características do crime, ao lado da tipicidade e da antijuridicidade.

Acontece que, frente a mudança de posição do dolo e da culpa estrito senso para o tipo (conduta), René Ariel Dotti, seguido de outros penalistas [60], passaram a afirmar que a culpabilidade teria ficado completamente vazia, não merecendo mais o lugar que ocupava frente a teoria geral do delito, visto que aquela estaria despida dos principais "elementos" do delito (dolo e culpa), devendo tão somente ser tratada como pressuposto da pena e não mais como característica do crime.

Tentando justificar essa idéia de culpabilidade funcionando como pressuposto da pena, os penalistas adeptos a essa corrente, comandada atualmente no Brasil por Damásio E.de Jesus, tentam buscar diversos argumentos tanto pautados em nosso Código Penal Brasileiro, quanto na análise de casos concretos, os quais a partir de então serão objetos de apreciação.

4.2. Do possível entendimento dado pelo Código Penal Brasileiro

A culpabilidade funcionando tão somente como reprovabilidade ou censurabilidade da conduta, leva-se a crer que o crime existe por si mesmo, por ser um fato típico e antijurídico. Dessa forma existirá delito sem que haja culpabilidade.

Tentando justificar esse entendimento, Damásio E.de Jesus defende que o próprio Código Penal Brasileiro de 1940 adota esse posicionamento frente a tão tormentoso assunto [61].

Sustentando o entendimento em análise, o jurista explica que pode-se perceber claramente a adoção dessa idéia pelo Código Penal Brasileiro quando o mesmo utiliza determinadas expressões ao tratar de causas excludentes de antijuridicidade e causas de exclusão de culpabilidade.

Nesse sentido, quando o Código Penal trata de causa excludente de antijuridicidade, emprega expressões como "não há crime" (artigo 23, caput), "não se pune o aborto" (artigo 128, caput), "não constituem injúria ou difamação punível"(artigo 142, caput), "não constitui crime"(artigo 150, §3º) etc. Quando, porém, cuida de causa excludente de culpabilidade, emprega expressões diferentes: "é isento de pena"(artigos 26, caput e 28, §1º), só é punível o autor da coação ou da ordem"(artigo 22, pelo que se entende que "não é punível o autor do fato").

Da leitura desses dispositivos, os penalistas filiados a essa corrente afirmam que a razão dessa diferença é clara: o crime existe por si mesmo com os requisitos "fato típico" e "ilicitude". Mas o crime só será ligado ao agente se este for culpável. É por isso que a legislação penal substantiva recorre as expressões "não há crime" ou é "é isento de pena", quando trata das causas de exclusão da antijuricidade e excludentes de imputabilidade, respectivamente, uma vez que as primeiras excluem o crime e nas últimas o delito existe, havendo apenas a exclusão da punibilidade.

Indo mais a fundo na tentativa de explicar o revolucionário posicionamento da teoria em análise, os doutrinadores afirmam que o crime de receptação, tipificado no artigo 180, caput, do Código Penal [62], vem corroborar mais ainda a adoção desse posicionamento pela legislação penal substantiva.

Neste ensejo, é cabível lembrar a explicação dada por Damásio E.de Jesus [63], que ao tratar sobre o assunto, discorre:

A receptação pressupõe receber, adquirir ou ocultar coisa produto de crime. Suponha-se que o agente haja receptado coisa furtada por sujeito inimputável, nos termos do artigo 26, caput. Ele responde por receptação (artigo 180, §4º). Ora, o agente inimputável, nos termos do artigo 26, caput, não é culpável: o fato típico e ilícito não apresenta a culpabilidade do agente. Então, a coisa não seria produto do crime se a culpabilidade fosse requisito ou elemento do delito. Mas o artigo 180, §4º, diz que "a receptação é punível, ainda que... isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa". Assim, o pressuposto da receptação é um fato em que não se exige a culpabilidade do agente. Em suma: para o legislador brasileiro existe crime sem culpabilidade.

Frente ao fato, inquestionável seria a adoção da idéia de culpabilidade enquanto pressuposto da pena pelo nosso Código Penal.

4.3.Da incidência da culpabilidade sobre o agente do fato

A culpabilidade é um juízo de reprovação. É o elo de ligação do agente com sua conduta praticada e definida em lei como crime.

Partindo desse entendimento, como já dito, para os simpatizantes da teoria da culpabilidade enquanto pressuposto da pena, basta somente a presença de dois requisitos: fato típico e antijuridicidade para que fique configurado o crime. A culpabilidade servirá apenas para ligar o sujeito a pena preestabelecida.

Levando em consideração que o juízo de reprovação é o elo de ligação entre o sujeito e a sanção preestabelecida na conduta tipificada como crime pelo Código Penal, forçoso é concluir que aquele elemento, então pressuposto da pena, recai sobre o agente, em si, de forma isolada [64], e não sobre a conduta propriamente dita.

É justamente por essa razão que se afirma ser a culpabilidade um pressuposto da sanção penal, visto que aquela não incide sobre o fato praticado pelo agente (crime), mas sobre o agente do fato. A reprovação da conduta é dirigida ao agente, que é quem vai sofrer a pena. Tanto é verdade que seus elementos são valorações feitas a posteriori diretamente sobre o sujeito [65].

Praticado um fato típico, não se deve concluir que seu autor cometeu um delito, visto que eventualmente pode ocorrer uma causa de exclusão da antijuridicidade. É necessário que, além de típico seja um fato antijurídico, ou seja, que não ocorra qualquer causa de exclusão da ilicitude. Basta somente isso para que se observe o crime pleno em sua existência. Entretanto, para que o sujeito seja punido por tal fato praticado, é necessário que não esteja acobertado por nenhuma causa justificadora que exclua a culpabilidade. Caso positivo, o crime existirá com todos os seus elementos (fato típico e antijuridicidade), apenas não podendo haver aplicação da sanção sobre o delinqüente, visto não estar presente a culpabilidade. Caso o agente não esteja acobertado por nenhuma causa excludente do juízo de reprovação, haverá a existência do crime e ao criminoso será aplicado o preceito secundário da norma, qual seja, a sanção.

A culpabilidade, como se vê, "é o juízo de reprovação sobre o comportamento passado do criminoso. É, pois, um juízo de valoração posterior, isto é, destacado do fato criminoso praticado pelo agente, que é antecedente, razão pela qual se pode dizer que ela integra esse fato criminoso" (66).


5-DA CULPABILIDADE ENQUANTO CARACTERÍSTICA DO CRIME

5.1.Considerações introdutórias

Também conhecida como teoria tripartida por alguns doutrinadores [67], o entendimento de que a culpabilidade funciona como característica do crime, ainda hoje, é a mais aceita, não só pela doutrina brasileira como também pela maioria dos juristas internacionais.

Como foi dito, durante muito tempo, pacificamente, perdurou a idéia de que a culpabilidade faria parte dos elementos caracterizadores do crime. Foi somente com o aparecimento da Teoria Finalista da ação, a qual retirou do juízo de reprovação dois dos mais importantes elementos necessários para que de fato o crime venha a existir (dolo e a culpa estrito senso), colocando-os na conduta e pertencendo ao fato típico, que a doutrina passou a discutir o real papel da culpabilidade a partir de então: característica do crime ou pressuposto da pena?

Apesar da grande discussão doutrinária a respeito do tormentoso tema, a idéia de que a culpabilidade é característica do crime ainda é predominante, não apenas porque grande parte dos penalistas simpatizantes dessa corrente tenta resistir à idéia inovadora de culpabilidade enquanto pressuposto da pena, mas porque também ainda não se apresentou nenhum argumento que de fato viesse a derrubar por completo as justificativas que colocam a culpabilidade no patamar de característica do crime.

Tais justificativas, apesar de já terem sido construídas há bastante tempo pela doutrina penal, ainda estão atualizadas e, certamente, são capazes de combater e até mesmo derrubar a idéia de que a culpabilidade, com a Teoria Finalista da ação, ficou completamente vazia, não merecendo mais ocupar o papel de característica do crime, devendo funcionar somente como mero pressuposto da pena.

Dessa forma, necessário se utilizar algumas linhas para explicitar melhor tais justificativas, com destaque para aquelas que combatem ferozmente a idéia de que o juízo de reprovação funciona como pressuposto da pena, o que será realizado a partir de então.

5.2.Do crime e sua relação com a sanção penal

A Legislação Penal Substantiva, sabiamente, não se preocupou em nenhum momento com a definição do que realmente venha a ser o crime.

A lei de introdução ao Código Penal dá uma idéia do que seja o delito, conforme pode se observar, in verbis:

Art.1. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa;(...)

Apesar de se encontrar tal definição dada pelo legislador, a tarefa árdua de demonstrar realmente o que seja o delito fica a cargo da doutrina.

Sabe-se que o crime, sob a visão dos penalistas pátrios, pode ser conceituado sobre três aspectos: a) material: é concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal; b) formal: é a concepção do direito acerca do delito. É a conduta proibida por lei, sob a ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno; c) analítico: é a concepção da ciência do direito, que não difere na essência do conceito formal. Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável [68].

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Para a abordagem do tema em questão utilizar-se-á somente a definição de crime sob o aspecto analítico, que enumera as características do delito, quais sejam tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

Demonstrou-se na unidade passada que existe atualmente uma parte da doutrina penal que acredita estar a culpabilidade vazia de elementos essenciais e, portanto, não merece ocupar lugar de nota do crime, devendo não mais pertencer a ele, mas sim a funcionar como pressuposto da pena. Nesse sentido, o crime existirá sempre que se observar um fato típico e antijurídico, sendo aplicada a sanção penal somente se se observar a culpabilidade.

Seguindo o raciocínio dessa corrente doutrinária, somente com a observância do juízo de reprovação é que haverá a imposição de uma pena, o que nos leva a concluir que esta está ligada ao crime através da culpabilidade. A não observância desta enseja na não aplicação daquela.

Sobre o assunto, necessário se registrar o entendimento de René Ariel Dotti, que levou inclusive, Damásio E.de Jesus a mudar de opinião;

O crime como ação tipicamente antijurídica é causa da resposta penal como efeito. A sanção será imposta somente quando for possível e positivo o juízo de reprovação que é uma decisão sobre um comportamento passado, ou seja, um posterius destacado do fato antecedente [69].

Inevitavelmente, a afirmação acima nos leva a algumas indagações: será que poderia se impor sanção a uma ação típica, que não fosse antijurídica? Poder-se-ia sancionar uma ação ilícita que não se adequasse a uma descrição típica? A sanção penal (penas e medidas) não é uma conseqüência do crime?

Ora, respondidas as indagações certamente chegar-se-á a conclusão de que a tipicidade e a antijuridicidade são também pressupostos da pena. Na medida em que a sanção penal é conseqüência do crime, este, com todos os seus elementos, é pressuposto daquela.

Dessa forma, sem muito esforço poderá se afirmar que não somente a culpabilidade, mas igualmente a tipicidade e a antijuridicidade são pressupostos da pena; o crime, em si, é pressuposto da pena. Aliás, com bastante propriedade, Heleno Cláudio Fragoso já discorria nesse sentido, senão veja-se: "Crime é, assim, o conjunto de todos os requisitos gerais indispensáveis para que possa ser aplicável a sanção penal. A análise revela que tais requisitos são a conduta típica, antijurídica e culpável (...)" [70].

Diante do exposto, perfeito é a afirmação irrefutável de Cerezo Mir, citado por Cezar Roberto Bitencourt, que discorre:

"Os diferentes elementos do crime estão numa relação lógica necessária. Somente uma ação ou omissão pode ser típica, só uma ação ou omissão típica pode ser antijurídica e só uma ação ou omissão antijurídica pode ser culpável" [71].

Entretanto, ainda não convencido do entendimento supracitado e tentando justificar a nova idéia de que a culpabilidade certamente é pressuposto da pena, Damásio E.de Jesus [72] assevera que o Código Penal sustenta essa posição, pois quando trata da exclusão da ilicitude, utiliza expressões como "não há crime"(artigo 23), "não se pune o aborto" (artigo 128), "não constituem injúria ou difamação punível"(artigo 142), ao passo que, para tratar da exclusão da culpabilidade as expressões usadas são "é isento de pena"(artigos 26, caput, e 28, §1º). Conclui que, na primeira hipótese, quer a lei dizer que não existe o crime, e, na segunda, o agente não é culpável, mas o crime existe.

Esta argumentação não é suficiente para dar sustentação à idéia defendida, até porque não é coerente. Nessa oportunidade, necessário se registrar a opinião de Ney Moura Teles, que discorre [73]:

Ao falar da expressão utilizada na norma do art.22—que trata da exclusão da culpabilidade pela coação moral irresistível ou obediência hierárquica—"só é punível o autor da coação ou da ordem"¸ Damásio E. de Jesus explica que, a contrário senso, está a lei dizendo "não é punível o autor do fato". Então, a lei usa a expressão "não é punível", para se referir a exclusão da culpabilidade. Ora, o mesmo Código Penal, no art.128, quando trata da exclusão da ilicitude do aborto necessário e do aborto ético, usa a expressão "não se pune" o aborto praticado por médico.

Dessa forma, partindo da explicação dada pelo doutrinador acima, necessário que se responda uma indagação: qual a diferença, de se perguntar, entre as expressões "não é punível" e "não se pune"?

É óbvio que não há nenhuma diferença. Não se pode buscar nas expressões utilizadas pela lei as soluções que ela não autoriza. Ademais, o Código Penal não se preocupou em conceituar o crime, daí porque usa expressões diversas para tratar de excludentes da ilicitude e igualmente diferentes para falar de excludentes da culpabilidade.

Indo mais além e não aceitando, em definitivo, a idéia de que a culpabilidade é característica do crime, Damásio E. de Jesus ainda tentando buscar subsídios na legislação penal substantiva para o entendimento de que a o juízo de reprovação é pressuposto da pena, apresenta um outro argumento, o qual, data vênia, pode-se dizer ser um tanto equivocado, uma vez que o jurista certamente não levou em consideração alguns aspectos que seriam imprescindíveis e que sem dúvida nenhuma, não apoiariam a idéia defendida.

Como já se tratou no capítulo anterior, acredita o citado jurista que o Código Penal Brasileiro admite a punibilidade da receptação, mesmo quando "desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa".

Convém registrar que em 1942, quando o Código entrou em vigor, ainda não se haviam propagado as idéias do finalismo, que apenas se iniciava.

Com efeito, sem nenhuma influência da doutrina finalista, o Código que então entrava em vigor, se embasou em outros pressupostos de política criminal, os quais, Cézar Roberto Bitencourt enumera [74]:

1º—De um lado, representa a adoção dos postulados da teoria da acessoriedade limitada, que também foi adotada pelo Direito Penal alemão em 1943, segundo o qual, para punir o partícipe, é suficiente que a ação praticada pelo autor principal seja típica e antijurídica, sendo indiferente a sua culpabilidade, que será sempre individual; 2º—de outro lado, representa a consagração da teoria da prevenção, na medida em que pior que o ladrão é o receptador, posto que a ausência deste enfraquece o estímulo daquele; 3º—finalmente, o fato de o nosso Código prever a possibilidade de punição do receptador, mesmo que o autor do crime seja isento de pena, não quer dizer que esteja se referindo, ipso facto, ao inimputável. O agente imputável, por inúmeras razões, como por exemplo, coação moral irresistível, erro de proibição, erro provocado por terceiro, pode ser isento de pena.

Dessa forma, impossível se afirmar que o próprio Código Penal Brasileiro aceita a idéia de que a culpabilidade é pressuposto da pena, visto que o crime de receptação foi tratado por ele, tendo em vista determinadas influências de legislações alienígenas, as quais nem sequer ainda levavam em consideração o pensamento finalista que ainda se iniciava no mundo jurídico.

Aliás, em razão de todo o exposto nesta unidade, nenhum argumento tem o condão de convencer de que o Código Penal pátrio adotou o posicionamento segundo o qual o juízo de reprovação não faz parte do crime, até porque é fácil perceber-se que a idéia de culpabilidade enquanto característica do delito é capaz de combater quase todos os entendimentos contrários a ela.

5.3.DA INCIDÊNCIA DO JUÍZO DE CENSURA SOBRE A AÇÃO CRIMINOSA

Foi exaustivamente tratado nesse capítulo que o crime, do ponto de vista analítico pode ser visto como um fato típico, antijurídico e, para alguns doutrinadores, de acordo com o seu posicionamento, também culpável.

Frisou-se, ainda, que uma corrente doutrinária, cada vez mais forte no Brasil e comandada atualmente por Damásio E. de Jesus, acredita que a culpabilidade não deve fazer parte das características do crime, mas sim funcionar como mero pressuposto da pena, visto que, com a Teoria Finalista, a mesma esvaziou-se dos "seus" elementos fundamentais, quais seja o dolo e a culpa, integrantes, a partir de então, da conduta, elemento do fato típico.

Questão interessante que deve ser discutida é o fato de que a culpabilidade, enquanto elemento necessário para imposição da pena, recai sobre o agente e não sobre o fato; em outras palavras, seria correto a afirmação de que sempre que o agente comete um fato descrito em lei como crime e não esteja acobertado por uma excludente de ilicitude, o delito existirá, mas, para que haja a imposição de pena é necessário que seja feita a análise da culpabilidade diretamente no sujeito, pois é nele que aquele elemento vai incidir?

Em verdade, a reprovação recai sobre o comportamento do sujeito, e não sobre ele isoladamente, como se fosse possível isolá-lo do fato.

A concepção do crime apenas como conduta típica e antijurídica, colocada a culpabilidade como concernente à teoria da pena, talvez venha trazer sérios riscos ao Direito Penal.

Deve-se ter sempre em vista que o direito de punir do Estado baseia-se em condutas proibidas previamente em lei. O núcleo de cada crime que o Código Penal descreve são verbos e verbos significam ações, condutas que se forem praticadas certamente terão uma resposta penal, que é a sanção.

Ora, talvez o Direito Penal que atende aos interesses de uma sociedade democrática é aquele que se assenta sobre o fato praticado pelo agente, e não ao contrário, sobre o agente do fato, como os defensores da culpabilidade enquanto pressuposto da pena pensam. É claro e evidente que a reprovação da conduta é dirigida ao agente, quem é quem vai sofrer a pena, como não poderia deixar, mesmo, de ser, mas isso não significa que ela incide sobre a pessoa do sujeito, sem a consideração do fato praticado.

É necessário sempre se ter em vista que o crime é furtar, estuprar, matar. Pune-se, de conseqüência, o furto, o estupro, o homicídio, não o ladrão, por ser ladrão, nem o estuprador e o homicida, por serem estuprador e homicida.

Talvez um Direito Penal que volte seu norte para a culpabilidade do agente, com sua personalidade e seu caráter, privilegiando-a, em detrimento da culpabilidade do fato praticado, pode significar um golpe profundo nas conquistas obtidas pela humanidade nos últimos anos, deixando de lado um Direito Penal que pune fatos e acolhendo de volta o Direito Penal do autor, de pesarosas lembranças.

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Sobre o autor
Luciano da Silva Fontes

Advogado em Belém/PA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTES, Luciano Silva. Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 271, 4 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5047. Acesso em: 20 abr. 2024.

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