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Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?

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04/04/2004 às 00:00
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CONCLUSÕES

Como já dizia Heleno Cláudio Fragoso, "a culpabilidade é o tema mais tormentoso do Direito Penal desde os seus primórdios" [75].

O objeto do presente trabalho é um exemplo da complexidade que envolve tão fascinante instituto jurídico.

O que seria a culpabilidade? Pressuposto da pena? Característica do crime?

Demonstrou-se em várias laudas que diversas são as opiniões entre os renomados juristas, os quais, preocupados com a temática, tentam determinar o correto papel do juízo de reprovação na Teoria Geral do Delito.

A idéia de que a culpabilidade é pressuposto da pena pauta-se basicamente no entendimento de que aquela não incide sobre o fato, mas sim sobre o sujeito isoladamente. Com efeito, o agente, ao praticar um fato típico e antijurídico, estará incidindo em um ilícito penal e, portanto, haverá crime, independentemente do mesmo ser culpável ou não. O juízo de reprovação apenas funcionará como elo de ligação entre o indivíduo e a pena; em outras palavras haverá crime sempre que o sujeito praticar um fato descrito e definido em lei como crime e não acobertado por uma das causas excludentes da ilicitude, entretanto, o indivíduo só será punido se for culpável.

Já os doutrinadores que entendem que a culpabilidade é e sempre será característica do crime, acreditam, basicamente, que o crime possui três notas características, quais sejam: a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. O verdadeiro pressuposto da pena é o crime, em si, com todas as suas peculiaridades. Em verdade, a culpabilidade incide sobre o comportamento do sujeito e não sobre ele isoladamente. O que o direito pune são os fatos praticados pelos indivíduos e não estes propriamente ditos.

Ambas as correntes doutrinárias merecem ser respeitadas, entretanto, data vênia, a idéia de que a culpabilidade é característica do crime é a mais concisa e resistente frente aos diversos questionamentos levantados a respeito do assunto.

Não se pode acolher a concepção bipartida do crime que refere ser este apenas um fato típico e antijurídico, simplificando em demasia a culpabilidade e colocando-a como mero pressuposto da pena.

Assim sendo, haveria-se de considerar criminoso o menor de 18 anos simplesmente porque praticou um fato típico e antijurídico ou aquele que tenha sido levado a sua prática por erro escusável de proibição. Assim, sem ter a menor idéia de que o que praticava era ilícito, seria considerado um criminoso.

Ora, se não se pode reprovar a conduta desses agentes, porque ausente a culpabilidade, é incabível dizer que são "criminosos", mas deixam apenas de receber pena. Se não há reprovação—censura—ao que fizeram, não há crime, mas somente um injusto, que pode ou não dar margem a uma sanção.

A importância da culpabilidade se alarga no Direito Penal moderno e não diminui, de forma que é inconsistente deixá-la de fora do conceito de crime, até porque traz sérios riscos do Direito Penal.

Deve-se ter sempre em vista que o direito de punir do Estado baseia-se em condutas proibidas previamente em lei. O núcleo de cada crime que o Código Penal descreve são verbos e verbos significam ações, condutas que se forem praticadas certamente terão uma resposta penal, que é a sanção.

Do ponto de vista funcional o Direito Penal que atende aos interesses de uma sociedade democrática é aquele que se assenta sobre o fato praticado pelo agente, e não ao contrário, sobre o agente do fato, como os defensores da culpabilidade enquanto pressuposto da pena imaginam. É claro e evidente que a reprovação da conduta é dirigida ao agente, que é quem vai sofrer a pena, como não poderia deixar de ser, mesmo, mas isso não significa que ela incide sobre a pessoa do sujeito, sem a consideração do fato praticado.

Dessa forma, torna-se curial citar a precisa conclusão de David Teixeira de Azevedo, criticando, identicamente, a posição bipartida (fato típico e antijurídico) do crime [76]:

A concepção do crime apenas como conduta típica e antijurídica, colocada a culpabilidade como concernente a teoria da pena, desmonta lógica e essencialmente a idéia jurídico penal de delito além de trazer sérios riscos ao Direito Penal de cariz democrático, porquanto todos os elementos que constituem pressuposto da intervenção estatal na esfera da liberdade- sustentação de um Direito Penal minimalista- são diminuídos de modo a conferir-se destaque à categoria da culpa, elevada agora a pressuposto único da intervenção. Abre-se perigoso flanco à concepção da culpabilidade pela conduta de vida, pelo caráter, numa avaliação tão-só subjetiva do fenômeno criminal. O passo seguinte é conceber o delito tão-só como índice de periculosidade criminal, ao feito extremo da defesa social de Filippo Gramatica, cuidando-se de assistir, para modificar o homem, seus valores, sua personalidade. É uma picada aberta ao abandono do Direito Penal do fato, pelo desvalor da conduta e acolhimento do Direito Penal do autor, de pesarosas lembranças.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, V.1.

BITENCOURT, Cézar Roberto. Manual de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v.1.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v 1.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

NORONHA, E. de Magalhães. Direito penal. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

FRANCA, Genival Veloso. Medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito Penal: Parte Geral. 17 ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 1999.

TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1998.

ZAFFARONI, Raul Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

DELMANTO, Celso. Código penal anotado. São Paulo: Saraiva, 1995.

COSTA JUNIOR, Paulo José. Curso de direito penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

AZEVEDO, David Teixeira de. A culpabilidade e o conceito tri-partido do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.


NOTAS

1 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p.35, v.1.

2 Fernando Capez, Curso de direito penal,p.195, v.1.

3 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p.37, v.1.

4 Cézar Roberto Bitencourt, Manual de Direito Penal, p.123.

5 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p.40, v.1.

6 Cézar Roberto Bitencourt, Manual de Direito Penal, p.125.

7 Cézar Roberto Bitencourt, Manual de Direito Penal, p.111

8 Franz Von Litz, Tratado de derecho penal,p.390 apud Cézar Roberto Bitencourt, Manual de Direito Penal, p.116

9 O crime pode, pois, ser doloso, quando o agente quer o fato ou culposo, quando o agente não quer, mas dá causa ao resultado previsível.

10 Para a Teoria Causal, a conduta é um comportamento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer. É um processo mecânico, muscular e voluntário em que prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se tenha a certeza de que o agente atuou voluntariamente, sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou a ação típica.

11 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.458, v.1.

12 Na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. É a culpa comum que se manifesta pela imprudência, negligência ou imperícia.

13 Sobre o assunto, v. Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.458, v.1.

14 Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal, p.196.

15 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.458, v.1.

16 Para a teoria finalista da ação, como todo comportamento do homem tem uma finalidade, a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal. A vontade constitui elemento indispensável à ação típica de qualquer crime, sendo seu próprio cerne.

17 Neste sentido, Júlio Fabbrini Mirabete,, Manual de direito penal, p.197.

18 Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal, p.197

19 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.467, v.1.

20 Art.26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

21 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.469, v.1.

22 Júlio Fabbrini Mirabete,, Manual de direito penal, p.211.

23 E.Magalhães Noronha, Direito penal, p.165, v.1.

24 Fernando Capez, Curso de direito penal, p.282, v.1.

25 Júlio Fabbrini Mirabete,, Manual de direito penal, p.211.

26 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.501, v.1.

27 Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.330, v.1.

28 Art.19. É isento de pena o agente que, em razão de dependência, ou sob efeito de substancia entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou forca maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

29Fernando Capez, Curso de direito penal, p.283, v.1.

30 Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal, p.197

31 Neste sentido, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.329, v.1.

32 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.501, v.1.

33Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.331, v.1.

34 Fernando Capez, Curso de direito penal, p.283, v.1.

35 Genival Veloso de Franca, Medicina legal, p.78.

36 Neste sentido, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.331, v.1.

37 Indivíduo que apresenta perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

38Fernando Capez, Curso de direito penal, p.285, v.1.

39 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p.220.

40 Genival Veloso de Franca, Medicina legal, p.102.

41 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p.220.

42 Neste sentido, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.338, v.1.

43 Circunstância agravante genérica é todo componente não essencial da figura típica situado ao seu redor com a finalidade de lhe conferir características meramente acessórias, que levam a pena a ficar mais grave.

44 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.513, v.1.

45 Art.5º, LVII. Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

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46 Fernando Capez, Curso de direito penal, p.288, v.1.

47 Art.28, §1º-É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou forca maior, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

48 Fernando Capez, Curso de direito penal, p.288, v.1.

49 Neste sentido, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.346, v.1.

50 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.513, v.1.

51 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.474, v.1.

52 Cézar Roberto Bitencourt, Manual de direito penal, p.110.

53 Neste sentido, Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.474, v.1.

54 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.475, v.1.

55 Fernando Capez, Curso de direito penal, p.298, v.1.

56 Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.357, v.1.

57 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p.230.

58 Grande parte da doutrina ainda compartilha desse pensamento, entretanto essa corrente está sendo fortemente combatida por alguns penalistas encabeçados por Damásio E.de Jesus que acredita que a culpabilidade seja tão somente pressuposto da pena.

59 Neste sentido, Damásio E. de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Flávio Augusto Monteiro de Barros, entre outros.

60 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.453, v.1.

61 Art.180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte.

62 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.454, v.1.

63 Será visto mais adiante que para os penalistas simpatizantes da idéia de culpabilidade enquanto característica do crime, o juízo de reprovação deve, como sempre aconteceu, incidir sobre o fato e não levar em consideração tão somente o sujeito isoladamente.

64 Necessário se lembrar que os elementos da culpabilidade são: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

65 Flávio Augusto Monteiro de Barros, Direito penal, p.105, V.1.

66 Alguns doutrinadores conhecem essa corrente como Teoria Tripartida em razão dos elementos caracterizadores do crime, o qual, para os adeptos a esse entendimento são o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade.

67 Guilherme de Souza Nucci, Código penal comentado, p.91.

68 René Ariel Dotti, O incesto, p.173 apud Cezar Roberto Bitencourt, Direito penal, p.103.

69 Heleno Cláudio Fragoso. Lições de direito penal, p.198.

70 José Cerezo Mir, Curso de derecho penal español, p.267 apud Cezar Roberto Bitencourt, Direito penal, p.107.

71 Damásio E. de Jesus, Direito penal, p.453, v.1.

72 Ney Moura Teles, Direito penal, p.290, v.1.

73 Cezar Roberto Bitencourt, Direito penal, p.106.

74 Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal,p.125.

75 David Teixeira de Azevedo, A culpabilidade e o conceito tri-partido do crime, p.68.

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Sobre o autor
Luciano da Silva Fontes

Advogado em Belém/PA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTES, Luciano Silva. Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 271, 4 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5047. Acesso em: 18 abr. 2024.

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