5. Conclusões
Cumpre, nesse momento, a título de conclusão desse trabalho, evidenciar algumas idéias fundamentais merecedoras de maior destaque nesse estudo.
A postura do homem frente à natureza condiciona o tratamento jurídico a ser conferido ao meio ambiente. Por isso, para que se efetue uma adequada regulação jurídica do meio ambiente (e mais especificamente, do genoma humano) deve-se superar as visões extremadas da relação homem-natureza, que não são capazes de dar respostas satisfatórias às novas necessidades sócio-ambientais. Sem se deixar de lado as importantes contribuições legadas pelo antropocentrismo clássico e pelo biocentrismo, deve-se consolidar o chamado antropocentrismo alargado a fim de se promover a inclusão de novos valores na relação homem-natureza (como a noção de sustentabilidade e de gerações futuras) o que nos permitirá entender e redefinir a função e a localização do homem no meio ambiente.
A partir dessa premissa teórica, deve-se utilizar das concepções de meio ambiente normalmente manejadas pela doutrina de direito ambiental nacional, que são suficientemente amplas e holísticas, a fim de se localizar juridicamente o genoma humano no rol dos bens integrantes do patrimônio ambiental natural – apesar de os próprios autores de direito ambiental aqui citados ainda não terem se apercebido da possibilidade de tratamento a ser conferido ao genoma humano, a despeito de suas amplas concepções de meio ambiente. Ao lado desse aporte doutrinário, também resta contemplada tal inserção pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro, que possibilita esse redimensionamento do genoma humano tendo em vista o amplo conceito jurídico de meio ambiente positivado na Lei 6938/81 (que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente) e na Constituição Federal de 1988.
A partir desse manancial normativo, pode-se vislumbrar um mais completo tratamento regulatório para o genoma humano. Se por um lado, a esfera individual de cada ser humano pode ser tutelado pelos direitos da personalidade (direito à intimidade, à identidade, ao próprio corpo...), agora a faceta comunitária dos indivíduos (o elemento que liga toda a espécie humana, como comunidade biológica) também resta tutelado pela normatividade ambiental. A atribuição, do que pode ser chamado de mínimo normativo natural ao ser humano, imprime uma proteção complementar ao genoma humano, resguardando uma esfera comum de todos os indivíduos do planeta.
Vislumbram-se, portanto, inúmeras possibilidades de incidência normativa ambiental sobre o genoma humano. Como exemplificado no final do desenvolvimento desse trabalho, defendeu-se a aplicação do princípio da precaução sobre as atividades científicas que possuem como foco o genoma humano, bem como a ampliação da participação/controle popular dessas mesmas atividades, por intermédio da ação popular. Mas não se pode negar que muitas serão as aplicações desse ramo do direito ao genoma humano, uma vez desenvolvidos os limites inerentes às características próprias desse bem, o que deve ficar a cargo dos intérpretes e pesquisadores, que poderão manejar como referenciais mínimos os elementos filosóficos, doutrinários e normativos aqui aduzidos, como a visão antropocêntrica alargada da natureza, o conceito amplo, de cunho holístico, de meio ambiente e principalmente as normas ambientais (também pertencentes à categoria de direitos fundamentais) contidas na Constituição Federal de 1988, bem como no aparato normativo infraconstitucional aqui também analisado.
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NOTAS
1 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, pg. 731.
2 Definição utilizada na Declaração Universal sobre Genoma e Direitos Humanos, aprovada na 29ª Conferência Geral da UNESCO, em 11 de novembro de 1997, em seu art. 1º.
3 ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual, pg. 8.
4 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, pg. 72.
5 ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 9 e ss.
6 ANTUNES, P. de B. Idem, pg 9.
7 ANTUNES, P. de B. Idem, pg. 78.
8 Vide,como exemplo: OST, François. A natureza à margem da lei, pg. 33; e ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 127.
9 OST, F. Obra citada, pg. 33.
10 Os relatos podem se encontrados no Livro de Jó, em que também podem ser vislumbradas defesas da natureza, ou como nos diz Paulo de Bessa Antunes "verdadeiros ensinamentos ministrados pelos animais ao homem". In verbis: "Pergunta, pois ao gado e te ensinará, às aves do céu e te infirmarão, aos animais selvagens e te darão lições; os peixes do mar e hão de te narrar: quem não haveria de reconhecer em tudo isso que é obra de Deus?" (P. de B. Antunes, obra citada, pg. 130).
11 OST, F. Obra citada, pg. 35.
12 BARCELLONA, Pietro. El individualismo propietario, pg. 33.
13 BARCELLONA, P. Idem, pg. 43.
14 BARCELLONA, P. Idem, pg. 37.
15 ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 30.
16 OST, F. Obra citada, pg. 10.
17 Expressão utilizada por François Ost, na sua obra A natureza à margem da lei.
18 ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 123.
19 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro, pg. 17.
20 OST, F. Obra citada, pg. 13.
21 LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco, pg. 72.
22 ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 53.
23 OST, F. Obra citada, pg 15.
24 ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 132.
25 Vide o relato de DIAFÉRIA, Adriana e FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Biodiversidade e patrimônio genético no direito ambiental brasileiro, pg. 15: "Em razão do imensurável desequilíbrio ecológico hoje existente em nosso planeta, a Humanidade vem enfrentando grandes questões não apenas no que diz respeito às condições climáticas, a fenômenos como o ‘El Niño’, a problemas como o buraco na camada de ozônio ou o degelo nas regiões polares, mas também, e principalmente, devido ao imenso adensamento ocorrido nas cidades, que ao lado de um desenvolvimento industrial desordenado, vem ocasionando grandes concentrações de lixo, em todas as suas formas, além de escassez de locais para habitação digna, com saneamento básico precário, prevalecendo em geral péssimas condições de vida".
26 OST, F, Obra citada, pg. 14.
27 ANTUNES, P. de B. Obra citada, pg. 121.
28 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental, do individual..., pg. 80.
29 OST, F. Obra citada, pg. 19. O autor vislumbra, por conta dessas modificações fático-jurídicas na relação homem-natureza, uma "ecologização do direito, que ultrapassa os dualismos clássicos sem cair, no entanto, no confusionismo da deep ecology". Ainda para esse autor, as idéias de responsabilidade e de patrimônio deveriam reorientar o direito do meio.
30 HELLER, H. Sttatslehre, p. 168, citada por DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico, pg.73.
31 OST, F. Obra citada, pg. 17-18.
32 LEITE, J. R. M. Dano ambiental: do individual..., pg. 76.
33 DERANI, Cristiane. Obra citada, pg. 75.
34 LEITE, J. R. M. Obra citada, pg 77.
35 LEITE, J. R. M. Idem, pg. 79.
36 LEITE, J. R. M. Idem, pg. 78.
37 LEITE, J. R. M. Idem, ibidem.
38 PUREZA, José Manuel e FRADE, Catarina. Direito do ambiente. Coimbra :FEUC, 1998, pg. 6, citado por LEITE, J. R. M. Obra citada, pg 78. José Rubens Morato Leite, na mesma obra, define eqüidade intergeracional, como sendo a exigência de que cada geração legue à seguinte um nível de qualidade ambiental igual ao que recebeu da anterior (nota de rodapé no. 25).
39 LEITE, J. R. M. Obra citada, pg. 78.
40 SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos, pg.102, mencionado por José Rubens Morato Leite, Dano ambiental: do individual..., pg 79.
41 OST, F. Obra citada, pg. 112.
42 LEITE, J. R. M. Obra citada, pg. 75.
43 DERANI, C. Obra citada, pg. 75.
44 Vide supra, ponto 2.3, pg. 11 e ss.
45 LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco, pg 43, citando Paulo Rolney Fagundes, Direito e holismo, pg.14, segundo o qual: "O holismo oferece uma visão de mundo, diferente daquela que a ciência tradicional apresenta, baseada na falsa crença de que a natureza deve ser fragmentada para ser melhor compreendida...".
46 Vide infra, ponto 3.2, pg. 20 e ss.
47 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro, pg. 19.
48 Publicada no Diário Oficial da União, de 02/09/1981: "Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de interações, leis influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".
49 FIORILLO, C. A. P. Obra citada, pg. 20
50 FIORILLO, C. A. P. Idem, pg. 184.
51 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, pg 20.
52 SILVA, J. A. da. Idem, pg. 22.
53 SILVA, J. A. da. Idem, pg. 20.
54 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, pg. 64. O autor cita definição de Ávila Coimbra, em O outro lado do meio ambiente, pg. 29, segundo o qual "meio ambiente é o conjunto dos elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos".
55 MILARÉ, Édis. Idem, ibidem.
56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, pg.127.
57 MACHADO, P. A. L. Idem, pg. 129.
58 Publicada no DOU de 06/01/1995, que entre outro objetivos, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados.
59 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito do ambiente, pg. 225.
60 ANTUNES, Paulo de Bessa. Diversidade biológica e conhecimento tradicional associado, pg.42.
61 BOFF, Leonardo. Ética da Vida, p. 34, citado por Elida Séguin, O direito ambiental: nossa casa planetária, pg 4, assevera que o holismo "não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo essa totalidade".
62 Baseia-se a afirmação, na leitura do art. 225 da CF/88, que utiliza a expressão "sadia qualidade de vida". Segundo José Afonso da Silva, Direito ambiental constitucional, pg. 81, o legislador constituinte optou por estabelecer dois objetos de tutela ambiental, "um imediato, que é a qualidade do meio ambiente e outro, mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão da ‘qualidade de vida’".
63 FIORILLO, C. A. P. Obra citada, pg. 19, para quem "Em face da sistematização dada pela Constituição Federal de 1988, podemos tranqüilamente afirmar que o conceito de meio ambiente dado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi recepcionado".
64 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental – vol. 1. pg. 51-52.
65 RODRIGUES, M. A. Idem, pg 58.
66 RODRIGUES, M. A. Idem, ibidem.
67 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, pg.1.
68 BITTAR, C. A. Idem, pg. 3.
69 E não conferidos ou atribuídos simplesmente pelo Estado, uma vez que inatos ao homem.
70 AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução, pg. 238.
71 Declaração Universal sobre Genoma e Direitos Humanos, aprovada na 29ª Conferência Geral da UNESCO, em 11 de novembro de 1997.
72 GEDIEL, José Antônio Peres. A Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos Humanos: um novo modelo jurídico para a Natureza?, pg. 52.
73 BITTAR, C. A. Obra citada, pg. 106.
74 BITTAR, C. A. Idem, pg. 107.
75 BITTAR, C. A. Idem, pg. 108. "Trata-se de direito, aliás, em que mais se exalça a vontade do titular, a cujo inteiro arbítrio queda a decisão sobre a divulgação. Mas é possível sua disposição, devendo o consentimento para a divulgação ser explicitado em documento hábil, com as delimitações próprias...".
76 GEDIEL, J. A. P. Obra citada, pg. 53. Em nota, esclarece que a "Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos do Homem, em seu art. 5º, acolhe o consentimento informado individual como um dos requisitos para o acesso dos pesquisadores ao genoma de qualquer pessoa. Essa categoria vem sendo elaborada pelo Direito para permitir todo tipo de intervenções corporais e exige que o consentimento, além de livre, sem coações, seja esclarecido, a respeito dos riscos, vantagens e desvantagens da intervenção.
77 GEDIEL, J. A. P. Idem, ibidem.
78 GEDIEL, J. A. P. Idem, ibidem, pg. 51.
79 Publicada no Diário Oficial da União, de 12/09/1990.
80 GEDIEL, J. A. P. Idem, ibidem, pg. 58.
81 O princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente (1971), já reconhecia a essencialidade desse direito: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições der vida adequada em um meio, cuja liberdade lhe permita levar uma vida digna e gozar de um bem-estar...".
82 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, pg. 90: "Apesar de não estar inserido no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, não é possível afastar o seu conteúdo de direito fundamental". Idem, pg. 91: "... a constatação de que o art. 225 inclui a expressão ‘todos têm direito’ e impõe, posteriormente, incumbências do Estado e da coletividade, significando inequivocamente tratar-se de um direito fundamental do homem".
83 MACHADO. P. A. L. Direito ambiental brasileiro, pg 54.