A continuidade dos serviços públicos essenciais e a possibilidade de corte por falta de pagamento

12/07/2016 às 09:35
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RESUMO

O presente artigo tem como objetivo esclarecer que os serviços públicos essenciais estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, bem como conceituar quais são esses serviços e seus fornecedores. Pretende também mostrar qual o posicionamento do STJ sobre a interrupção de tais serviços por falta de pagamento, tal como da jurisprudência.

Palavras-chave: Serviços públicos essenciais, interrupção, pagamento.

1 INTRODUÇÃO

Primeiramente se faz necessário esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor se aplica aos serviços públicos essenciais, vejamos o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

O serviço público pode ser prestado direta ou indiretamente, ou seja, o serviço pode ser prestado pelo órgão público ou por empresas concessionárias, ou ainda por empresa privada contratada pela administração pública. É necessário que o fornecimento desses serviços seja eficiente, respeitando assim o princípio administrativo da eficiência, otimizando assim os recursos.

Tais serviços públicos não podem ser interrompidos por violar garantia constitucional à vida, à saúde, a dignidade da pessoa humana e o direito ao meio ambiente equilibrado e sadio.

2 OS SERVIÇOS ESSENCIAIS E CONTÍNUOS

A obrigação da manutenção dos serviços públicos compete ao poder público, conforme preceitua a Constituição:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

Os serviços essenciais são classificados pala “urgência”, e estão elencados na Lei de Greve nº 7.783, de 28 de junho de 1989, que em seu artigo 10 dispõe:

São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI compensação bancária.

Nota-se que os serviços essenciais são contínuos por decorrência de texto constitucional visando garantir os princípios da intangibilidade da integridade da pessoa humana, da garantia à segurança e à vida sadia e de qualidade e garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

3 INTERRUPÇÃO

Conforme a lei 8.987 há possibilidade de interrupção do serviço público em situação de emergência por motivo de ordem técnica ou de segurança das instalações. Tal norma atenta contra a eficiência do serviço público, pois se o serviço deve ser contínuo, a interrupção teria caráter irregular.

Ocorre que no § 3º do artigo 6º da lei 8.987 delibera que não se caracteriza como descontínuo o serviço por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade. Porém interesse da coletividade só seria ferido se o usuário deixasse de efetuar o pagamento por motivo de fraude, seria uma exceção, caso contrário tal interrupção só poderia ocorrer com ordem judicial. Alguns juristas tem se manifestado nesse sentido, mesmo se tratando de matéria inconstitucional, consideram correto o corte desde que haja aviso prévio.

Ademais, se os serviços são essenciais e contínuos, não pode o miserável que não conseguiu pagar a tarifa de água ficar sem água que é uma coisa extremamente necessária para a vida, saúde e dignidade da pessoa humana que são direitos constitucionais. Não pode-se pensar apenas no direito de crédito, pois é função do Estado fornecer tais serviços gratuitamente, a partir do pagamento de tributos que são pagos por todos os cidadãos.

A interrupção de serviços essenciais, além de ser uma afronta aos direitos constitucionais, pode causar problemas de saúde pública. É a lei que determina a prestação desses serviços públicos, portanto não pode o Estado eximir-se de prestar o serviço por falta de pagamento, mesmo que tais serviços sejam prestados por meio de concessão. Tal crédito pode ser cobrado por via judicial, não sendo correto o corte do serviço para coagir o usuário a pagar, cabe ao judiciário se certificar se se trata de má-fé do usuário. Com tal procedimento será resguardado o direito do credor e o direito do usuário.

4 POSICIONAMENTO DO STJ

O STJ posicionou-se contrário à interrupção do fornecimento de água por falta de pagamento, por ser algo vital para o ser humano, e por existir meios cabíveis para a cobrança do crédito. RECURSO ESPECIAL Nº 943.850 - SP (2007/0088451-6).

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“A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais – e só eles – devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço. Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado, o consumidor pode postular em juízo que se condene a Administração a fornecê-lo. Ressalte-se que o dispositivo não obriga o Poder Público a prestar o serviço. Seu objetivo é mais modesto: uma vez que o serviço essencial esteja sendo prestado, não mais pode ele ser interrompido. Uma coisa é o consumidor saber que não pode contar, por qualquer razão alegada pela Administração, com um determinado serviço público. Outra bem distinta, é despojar-se o consumidor, sem mais nem menos, de um serviço essencial que vinha usufruindo” (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Saraiva, 1991, p. 110. E mais adiante, esclarece: “O Código não disse o que entendia por serviços essenciais. Essencialidade, pelo menos neste ponto, há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo serviço público indispensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma sociedade de consumo. Incluem-se aí não só os serviços públicos stricto sensu (os de polícia, os de proteção, de saúde), mas ainda os serviços de utilidade pública (os de transporte coletivo, os de energia elétrica, os de gás, os de telefone, os de correios)... “ob. Cit., p. 111)”.

Nota-se que o STJ preza pelos princípios constitucionais em suas decisões, uma vez que o credor tem a via judicial para satisfazer seus créditos. Muitas vezes os usuários não conseguem honrar com as tarifas dos serviços essenciais por causas alheias à sua vontade, mas eles não perdem o seu direito à vida, à saúde e a dignidade por isso.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que é uma obrigação constitucional do Estado fornecer os serviços essenciais e que estes são contínuos, não podendo, portanto, ocorrer a interrupção indiscriminada de tais serviços. A administração Pública pode efetuar a cobrança por via judicial. O corte do fornecimento de tais serviços configura uma forma de coação ao pagamento de maneira desumana, desrespeitando totalmente os direitos constitucionais à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana.

O posicionamento do STJ só corrobora com a constituição. Ora, não pode, por exemplo, um hospital ficar sem energia elétrica ou água por inadimplemento, pois o bem da coletividade seria atingido, e é dever do Estado fornecer tais serviços essenciais, independentemente de pagamento de tarifa, visando as garantias constitucionais.

REFERÊNCIAS

NUNES, Luis Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor.6. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2011.

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Sobre o autor
Kérollyn Michelle Marques

Advogada. Formada em direito pela Católica de Santa Catarina em 2017. Pós-graduanda em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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