Bens públicos: uma discussão sobre a promoção da função social

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O presente artigo, abarca uma discussão quanto a disponibilidade dos bens públicos sem a devida destinação ou integralmente ociosos, a fim de atender a função social da propriedade.

RESUMO: O presente artigo, abarca uma discussão quanto a disponibilidade dos bens públicos sem a devida destinação ou integralmente ociosos, a fim de atender a função social da propriedade apresentando a devida classificação dos bens públicos, apresenta princípios norteadores do direito administrativo, constitucional e civil que consolidam a condição de disponibilidade dos bens públicos. Apresenta a função social em sua condição de princípio fundamental constitucional lhe relacionando com os bens públicos, relaciona a função social com a finalidade principal dos bens públicos, critica a corrente dominante publicista, apresentando a nova linha interpretativa do direito administrativo   apresentando a nova corrente doutrinária que defende a revisão da interpretação da lei e da doutrina publicista, a fim atualizar a atuação estatal frente a necessidade social.

PALAVRAS-CHAVE: Função Social: bens públicos: Estado.

  1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Diante da crescente necessidade de promover a função social da propriedade, surge uma indagação de notória relevância: o Estado possui mecanismos legais para impor ao particular a adequação da propriedade e o devido cumprimento de sua função social. Mas se o bem em desatendimento à função social pertence ao próprio Estado, o que pode ser feito?

Os entes federados atualmente são grandes possuidores de bens, e boa parcela destes carece de destinação. É imprescindível que a estrutura estatal se adeque quanto ao seu patrimônio em face da real necessidade social. Neste contexto há de se vislumbrar a incapacidade do Estado em promover a função social dos bens públicos em sua totalidade. Será abordada a discussão acerca da interpretação da legislação vigente e sobre a doutrina dominante em defesa de se implementar a finalidade social a tais bens, em benesse da sociedade.

  1. DOS BENS PÚBLICOS: CONCEITO

Os bens públicos estão previstos no art.98 do Código Civil, que dispõe: “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno: todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

Adequando a interpretação de bens públicos face a doutrina jurídica nacional temos a ilustre definição de Carvalho Filho que se segue:

Todos aqueles que, de qualquer natureza e a qualquer título, pertençam às pessoas jurídicas de direito público, sejam elas federativas, como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sejam da Administração descentralizada, como as autarquias, nestas incluindo-se as fundações de direito público e as associações públicas (Rio de Janeiro, 2010, p.1237).

Os bens objetos deste estudo, alcançam a generalidade do aspecto federativo devendo ser considerada a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios. Um adendo importante é a necessidade de delimitar desde já que a discussão é baseada nos bens imóveis dos entes públicos.

Alcançado um conceito claro sobre os bens públicos, existem diferenças quanto a sua destinação, sendo tais diferenças previstas e classificadas no art. 99 do Código Civil a seguir exposto:

“São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviços ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive o de suas autarquias;

III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único – Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

A presente discussão mantém sua atenção voltada aos bens dominicais, por serem bens que habitualmente figuram na esfera pública sem destinação, o que viola diretamente o interesse defendido.

  1. BENS DOMINICAIS

Os bens dominicais são os bens pertencentes ao Estado que não figuram no status de especiais ou de uso comum do povo, ficando à margem de uma destinação precisa.

Uma complementação doutrinária nos apresenta de forma clara uma compreensão abrangente da esfera dominical dos bens públicos, nos dizeres de Carvalho Filho:

A noção é residual, porque nessa categoria se situam todos os bens que não se caracterizem como de uso comum do povo ou de uso especial. Se o bem, portanto, serve ao uso público em geral, ou se se presta à consecução das atividades administrativas, não será enquadrado como dominical.

Desse modo, são bens dominicais as terras sem destinação pública específica, os prédios públicos desativados, os bens móveis inservíveis e a dívida ativa. Esses é que constituem objeto de direito real ou pessoal das pessoas jurídicas de direito público. (Rio de Janeiro, 2010, p.1245/1246)

Acrescentando a posição doutrinaria, os dizeres de Marçal Justen Filho:

A identificação do bem como dominical faz-se de modo excludente. Todos os bens de titularidade estatal que não sejam qualificáveis como de uso comum do povo nem de uso especial são considerados dominicais – mesmo que formalmente recebam outra denominação, a exemplo do que se passa na redação da Sumula 103 do STJ: “incluem-se entre os imóveis funcionais que podem ser vendidos os administrados pelas Forças Armadas e ocupados pelos servidores civis”. Logo, o bem dominical é aquele que não é nem necessário nem útil à fruição conjunta do povo nem se constitui em instrumento por meio do qual se desenvolve uma atuação estatal. Trata-se de bens móveis e imóveis que se encontram na titularidade estatal, mas que não se constituem em efetivo instrumento de satisfação de necessidades coletivas. (São Paulo 2014 p.1134/1135)

Como bem definido pelos ilustres doutrinadores, os bens dominicais são aqueles que não possuem finalidade ligada diretamente à atuação do Estado, ou que um dia já tenha tido finalidade especifica para a estrutura estatal, contudo atualmente a unidade se mostra desativada.

  1. DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

Os princípios são os norteadores do direito. Os pilares da intencionalidade das instituições jurídicas em satisfazer o anseio da proteção social. Em todas as áreas do Direito haverá uma variedade significativa de princípios. O presente estudo se abarca de toda noção de princípios, entretanto, se faz imprescindível destacar dois princípios dentre tantos outros, quais são: a promoção da Função Social da Propriedade e a Supremacia do Interesse Público.

  1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A Função Social nas palavras de Nelson Rosenvald:

A locução função social traduz o comportamento regular do proprietário, exigindo que ele atue numa dimensão na qual realize interesses sociais, sem a eliminação do direito privado do bem que lhe assegure as faculdades de uso, gozo e disposição. Vale dizer, a propriedade mantém-se privada e livremente transmissível, porém detento finalidade que se concilie com as metas do organismo social. (ROSENVALD, 2012. p.314).

Um princípio mandamental relevante a todo o ordenamento jurídico nacional, a nós apresentado inicialmente no art.5º, XXIII da Constituição Federal que diz: “a propriedade atenderá a sua função social, este inciso vem em sequência ao inciso que determina a garantia do direito à propriedade qual seja o inciso XXII do referido artigo.

Com a inserção deste curto texto na carta constitucional, o legislador constituinte inovou a compreensão preexistente da regulamentação dos direitos individuais privados “dependentes” de uma aplicação de tais direitos condicionados a funcionalidade da propriedade diante da sociedade. Esta alteração afasta a propriedade antes instituto inteiramente particular e individual, se aproximando das aspirações de finalidade do Estado

De um modo didático podemos acrescentar segundo Rosenvald que:

A expressão função social procede do latim functio, cujo significado é de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utilizamos o termo função para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, um certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico.

A função social é um princípio inerente a todo direito subjetivo [...] (Salvador, 2012, p.307).

Destaca-se a preexistência da função social da propriedade dentro do Código Civil, que nas palavras de Rosenvald:

A função social da propriedade instala-se no Código Civil como uma cláusula geral. Isto é uma técnica de legislar, pela qual a norma é redigida de forma intencionalmente lacunosa e vaga, com grande abertura semântica. Por sua generalidade e imprecisão, faculta ao magistrado uma interpretação que se ajuste ao influxo contínuo dos valores sociais, promovendo-se uma constante atualização no sentido da norma (Salvador, 2012 p.319).

Dentro de todo o ordenamento, em especial atenção sobre as esferas constitucional, cível e administrativa a função social da propriedade alça grandes responsabilidades aos entes públicos junto a sua atuação de zelar pelo interesse social.

  1. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Um princípio caracterizado dentro da esfera administrativa do direito, mas não menos relevante à presente discussão. A supremacia do interesse público adequa a atuação do Estado à necessidade da coletividade. A notória relevância deste princípio se apresenta de forma clara na lição de Carvalho Filho:

As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade.

Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. [...] (Rio de Janeiro, 2010, p.35).

Este princípio é o norteador do Estado, que delimita os atos do ente público para que seu fim sempre objetive o interesse público. A supremacia do interesse público vem para retirar do Estado qualquer autodenominação de proprietário pleno dos bens ora possuidor, lhe trazendo a luz, qualquer ato que o faz, em nome do povo sobre o iminente risco de caracterizar desvio de finalidade de suas ações.

Reforçando a construção racional sobre a importância deste princípio temos a ilustre apresentação de Marçal Justen Filho:

Uma parcela relevante da doutrina do direito administrativo brasileiro afirma que o fundamento do regime de direito administrativo reside no princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

Para os defensores desses entendimento, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público vinculam-se diretamente ao princípio da República, que impõe a dissociação entre a titularidade e a promoção do interesse público. Juridicamente, o efetivo titular do interesse público é a comunidade, o povo. O direito não faculta ao agente público escolher entre cumprir e não cumprir o interesse público. (São Paulo, 2014, p.150)

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Não se pode desconsiderar a posição da doutrina administrativa frente a importância da supremacia do interesse público. Com isso nada mais correto que direcionar tal princípio como base de toda a estrutura a ser criada pela administração pública, e ações a serem tomadas pelo ente público.

  1. BENS PÚBLICOS E A FUNÇÃO SOCIAL

O bem público não pode ser vinculado ao Estado mediante uma relação de domínio pura e simples denotando a propriedade fulgurada no direito privado. Reafirmando este entendimento temos a ilustre colocação de Marçal Justen Filho que nos diz:

[...] Grande parcela dos bens públicos não comporta que o Estado deles use, frua, e disponha – aspectos essenciais da definição de propriedade privada contida no art. 1228 do Código Civil. (São Paulo, 2014, p. 1111)

Interligando este raciocínio outra importante definição a ser levantar é a transformação da função social ao status de princípio constitucional, como nos dizeres de Cristiana Fortini:

A Constituição da República de 1988 elevou a função social da propriedade à categoria de princípio constitucional ao abordá-la no art.5º. Tal fato reflete a opção do legislador constitucional porque a função social não fosse considerada como comando generalista, sem aplicação prática. Trata-se, ao contrário, de norma jurídica que deve orientar a interpretação das demais normas que formam o arcabouço constitucional. (FORTINI, 200? p.116)

Apresentando de forma clara a força mandamental da função social, temos que superar a posição arcaica que as normas infraconstitucionais promovem sobre a exigência da função social recair apenas sobre o patrimônio particular como evidenciado no Código Civil Brasileiro de 2002 em seu artigo 1228, §3º nos diz: “O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.”

Em interpretação ao artigo supracitado José Costa Loures nos diz:

Embora a doutrina tenha o direito de propriedade como de caráter absoluto, no sentido de valer erga omnes, sofre ele restrições, como a hipótese de usucapião, ou nos casos de desapropriação previstos em nível constitucional, e atendida a norma da Lei Maior – que condiciona a propriedade à sua função social (CF, art.5º, XXIII).

O §3º faz eco ao artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal, e encontra regência adequada nas leis especiais que cuidam das desapropriações (Lei n. 3.365/41; Lei n. 4.132/62; Lei n. 6.602/78; Lei n. 8.257/91; e Lei Complementar n. 96/93). (COSTA LOURES; GUIMARÃES, .2011. p. 663).

Como visto, a preocupação real sobre os bens e suas finalidades, se apresenta rigidamente estruturada na condição de se manter vigilante o bem particular. Em nenhum momento o mecanismo estatal se atenta ao fato de o Estado também possuir bens, e que estes, possam sim carecer dentro de sua estrutura de uma finalidade que atenda a sociedade de forma plena como manda a norma constitucional. Daí advém a importante observação sobre esta realidade nas palavras de Cristiana Fortini:

A Constituição da República não isenta os bens públicos do dever de cumprir função social. Portanto, qualquer interpretação que se distancie do propósito da norma constitucional não encontra guarida. Não bastasse a clareza do texto constitucional, seria insustentável conceber que apenas os bens privados devam se dedicar ao interesse social, desonerando-se os bens públicos de tal mister. Aos bens públicos, com maior razão de ser, impõe-se o dever inexorável de atender a função social. (FORTINI, 200? p.117).

Pode-se imprimir maior valor à citação acima com as palavras do ilustre civilista Nelson Rosenvald que nos ensina:

[...] os bens públicos poderiam ser divididos em bens materialmente e formalmente públicos. Estes seriam aqueles registrados em nome da pessoa jurídica de Direito Público, porém excluídos de qualquer forma de ocupação, seja para moradia ou exercício de atividade produtiva. Já os bens materialmente públicos seriam aqueles aptos a preencher critérios de legitimidade e merecimento, posto dotados de alguma função social. (ROSENVALD, 2004, p.60).

O entendimento é claro, contudo persiste o Estado em não dispor de seu vasto patrimônio na insegurança de se sentir “lesado”. Entretanto deve este se ater ao fato de que sua administração é inteiramente voltada ao interesse público, retomando o segundo princípio basilar deste estudo que é a Supremacia do Interesse Público, o Estado se ausentando desta responsabilidade promove o desvio de finalidade, no caso da função social a administração pública não pode se valer da indisponibilidade do bem público tanto aclamada pelos defensores do Direito Administrativo no molde atual, por se tratar de uma “retomada” de posse do verdadeiro titular do direito. Como bem ensina José dos Santos Carvalho Filho sobre o princípio da indisponibilidade:

Os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, esta sim a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. (CARVALHO FILHO, 2010. p.37)

É dever do Estado quanto guardião do patrimônio do povo, gerir e aplicar de forma funcional todo o mecanismo a sua disposição, com a finalidade de atender de forma eficiente a sociedade.

  1. DA NOVA CORRENTE DOUTRINARIA

Em caráter generalista, em vários segmentos do Direito vem ocorrendo uma “nova visão”, ou seja, uma reinterpretação de diversos dispositivos legais, com a pura finalidade de adequá-los ao novo parâmetro social. A evolução sociocultural vem ocorrendo de forma incessante, em contrapartida ao Direito que pacificamente por todos os seus doutrinadores e ou aplicadores o veem como continuamente desatualizado aos anseios sociais.

Reforçando esta visão, Murilo Ricardo Silva Alves acredita que:

O “verdadeiro” sentido dos enunciados jurídicos emerge ou se define em cada situação hermenêutica, o eu significa dizer que eles só se “revelam” no momento da aplicação e que esse sentido varia continuamente, a compasso das alterações no prisma histórico-social de realização do Direito. (2014)

Em face da discussão aqui proposta, há sim uma rediscussão sobre os bens públicos, a finalidade dada ao mesmo, e as possibilidade de sua disposição em face da função social.

No campo cível podemos citar a relevante opinião quanto a possibilidade da usucapião de bens públicos sobre a máxima de que sendo os bens dominicais alienáveis logo seriam prescritíveis e usucapíveis. Concordando com está linha interpretativa temos a posição de Flávio Tartuce:

A tese da usucapião de bens públicos é sedutora, merecendo a adesão deste autor. Para tanto, deve-se levar em conta o princípio da função social da propriedade. Clama-se pela alteração do Texto Maior, até porque, muitas vezes, o Estado não atende a tal regramento fundamental ao exercer o seu domínio. Como passo inicial para essa mudança de paradigmas, é importante flexibilizar o que consta da CF/1988.Anote-se que há julgados estaduais recentes admitindo a usucapião das terras devolutas (ver TJSP, Apelação 991.06.028414-0, Acordão 4576364. Presidente Epitácio, Décima Nova Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Mário de Oliveira, j. 08.06.2010 DJESP 14.07.2010 e TJSP, Apelação 991.04.007975-9, Acordão 4241892. Presidente Venceslau, Décima Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Conti Machado, j. 24.11.2009, DJESP 29.01.2010). (São Paulo, 2011, p. 840/841)

Apontando a crescente visão reformista em favor de atualizar a capacidade e atuação do Estado em benefício da sociedade temos um ilustre exemplo que em uma decisão inédita na região e pouco comum no país (processo nº 194.10.011238-3), o juiz titular da Vara da Fazenda Pública de Coronel Fabriciano, Marcelo Pereira da Silva, indeferiu o pedido do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), que solicitava a desocupação de uma área pública estadual de 36 mil metros quadrados, no Km 280 da BR-381, próximo ao trevo de Antônio Dias, onde residem cerca de dez famílias, formadas, em sua maioria, por servidores e ex-servidores do próprio DER-MG, instalados no local desde a construção da rodovia, há cerca de 30 anos.

Segue a decisão:

RESULTADO DO JULGAMENTO EM 08.05.2014.

EMENTA: APELAÇÃO CIVIL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – DETENÇÃO – INOCORRÊNCIA – POSSE COM “ANIMUS DOMINI” – COMPROVAÇÃO – REQUISITOS DEMONSTRADOS – PRESCRIÇÃO AQUISITIVA – EVIDÊNCIA – POSSIBILIDADE – EVIDÊNCIA – PRECEDENTES – NEGAR PROVIMENTO. – “A prescrição, modo de adquirir domínio pela posse contínua (isto é, sem intermitências), ininterrupta (isto é, sem que tenha sido interrompida por atos de outrem), pacífica (isto é, não adquirida por violência), pública (isto é, exercida à vista de todos e por todos sabida), e ainda revestida com o animus domini, e com os requisitos legais, transfere e consolida no possuidor a propriedade da coisa, transferência que se opera, suprindo a prescrição a falta de prova de título preexistente, ou sanando o vício do modo de aquisição”.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0194.10.011238-3/001 – COMARCA DE CORONEL FABRICIANO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. BARROS LEVENHAGEN RELATOR. DES. BARROS LEVENHAGEN (RELATOR)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGENS DE MINAS GERAIS (DER/MG), contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Marcelo Pereira da Silva às fls. 291/295v, que, nos autos da AÇÃO REIVINDICATÓRIA movida em face de MARCO AURÉLIO GONÇALVES TITO E OUTROS, julgou improcedente o pedido inicial e procedente o pedido contraposto pelos réus, para “declarar o domínio dos requeridos sobre os imóveis descritos na exordial, devendo a presente sentença servir de título para registro, oportunamente, no Cartório de Registro de Imóveis.

[...] o DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGENS DE MINAS GERAIS-DER/MG, alega que “é proprietário do imóvel, o qual serviu de acampamento para os servidores da autarquia à época da construção das rodovias estaduais”, e, neste contexto, os servidores sempre souberam que o imóvel era da autarquia, e que sua tolerância na utilização do bem configura mera detenção consentida.

Aduz que não induz posse os atos de mera permissão ou tolerância, pelo que pugna pela reforma da sentença. [...]

 [...] a detenção simples da coisa, sem o animus de tê-la como sua, não tem consequência para a aquisição da propriedade, constituindo-se mero fato, ou seja, mera detenção, o que não é o caso dos autos, conforme demonstram as provas carreadas aos autos, principalmente, a perícia técnica de fls. 182/218:

“O que acontece neste caso, é que os moradores (ex-funcionários do DER/MG), pouco a pouco foram edificando suas casas no local do acampamento. Com o tempo, as famílias foram crescendo, criando-se vínculo com a propriedade e desde então se passaram aproximadamente 30 anos. Hoje, uma pequena vila, dotada de infraestrutura como: asfalto, energia elétrica, mina e uma pequena igreja. Esta área ocupada pelos moradores, corresponde aproximadamente a 26% do imóvel. O restante encontra-se livre. ” Assim, aquele que por mais de trinta anos, como no presente caso, tem como seu o imóvel, tratando-o ou cultivando-o, tornando-o útil, não pode ser compelido a desocupá-lo à instância de quem o abandonou. Na espécie, os réus demonstraram a aquisição da posse do imóvel há mais de trinta anos, sem qualquer oposição do DER. Destarte, demonstrado está que os réus, ora apelados, não detinham apenas a mera detenção do bem, mas verdadeiramente sua posse, como se donos fossem.

[...]constata-se ter sido preenchido não só o requisito temporal exigido no Código Civil, como também a qualidade dos apelados de legítimos possuidores a título próprio, da fração do imóvel objeto da presente demanda, sendo mister o reconhecimento de seu direito à aquisição da sua propriedade pela usucapião, ao contrário do que defende o apelante.

Ademais, cumpre ressaltar que malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião (art. 183§ 3º, da CF; art. 102, do Código Civil) o imóvel usucapiendo não está incluído em área de domínio público, tanto que, conforme corretamente decidiu o d. Magistrado “a quo”: “Importa salientar que, no caso concreto dos autos, a viabilidade de se declarar a prescrição aquisitiva se encontra ainda mais evidente, porque já existe uma lei em vigor autorizando expressamente o DER a doar os imóveis em comento ao Município de Antônio Dias, justamente para que este lhes dê uma destinação social, promovendo o assentamento das famílias que estão no local, conforme se verifica às fls. 264/266.”

Portanto, estando presentes os requisitos da usucapião, e não logrando o réu, ora apelante, demonstrar os fatos alegados, é de se negar provimento ao recurso, confirmando a d. Sentença fustigada.

Com estas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas, “ex lege”. DES. VERSIANI PENNA (REVISOR)

De acordo com o (a) Relator (a). DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI

De acordo com o (a) Relator (a). SÚMULA: ”NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”

A Usucapião é um instituto presente no direito civil e público, que visa beneficiar o indivíduo que utilize a propriedade de forma a favorecer sua finalidade. Constitui uma situação de domínio pela posse prolongada, permitindo a estabilidade da propriedade, de certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião.

O Estado ao dispor dos bens que não apresentam finalidade a atuação da administração, não figurara apenas como defasado em seu quadro patrimonial, sendo esperado a manifestação positiva de vários aspectos ao próprio ente federado, seja na criação de novos contribuintes ao erário, na redução de gastos em manutenção dos bens, contribuição para desenvolvimento nas áreas de saúde e segurança pública além de possível desenvolvimento da economia local. O benefício pode facilmente impor ao Estado maior quadro de benfeitorias senão mesmo lucro que uma possível alegação de “prejuízo” lembrando que exaustivamente já é de conhecimento que o status do Estado frente aos bens públicos não é de domínio e posse única de um proprietário, figurando mais para um guardião com meios de utilizar o bem do povo de forma eficiente (condição devidamente questionada no presente estudo).

A tendência de uma doutrina renovadora é otimista, contudo, enfrenta grande resistência dos doutrinadores publicistas tradicionais. Se faz mister reinterpretar a norma e seu complemento interpretativo com a finalidade de entender a realidade vivenciada. O Estado se encontra omisso em suas atribuições e por motivos burocráticos nega uma finalidade concreta a determinados bens em sua posse.

 O julgado presente neste artigo mostra um avanço facto contra a torpeza do Estado em dar finalidades aos seus bens abrindo um precedente de considerável valor frente aos demais casos semelhantes impostos a sociedade por todo território nacional, ao mesmo tempo que fortalece a visão de proteção que deve ser dada aos indivíduos que realmente darem a finalidade devida ao bem público.

Como já exposto, a corrente reformista se mostra mais presente no campo civilista do Direito, contudo dentro do Direito Público tem ocorrido significativa mudança de entendimento quanto a legislação e visão doutrinaria da matéria referente a bens públicos. Destaca-se o posicionamento da ilustre doutrinadora Cristiana Fortini, figura iminente do Direito Público em Minas Gerais, que em seu artigo já citado nesta discussão, demonstra claro posicionamento inovador, quanto a necessidade de aplicar a destinação social dos bens públicos ociosos.

Outro importante ponto diante da doutrina dominante é que o direito público não se trata de uma disciplina autossuficiente, capaz de se gerir sem o auxílio das demais áreas do direito, bem como não traz um grau de atualização frente a realidade social capaz de manter sua aplicação em plena consonância a demanda público/administrativa. Deverão sim buscar pela harmonização e sua estrutura legal e doutrinaria com as demais áreas de relevante impacto a sua base jurídica. Neste sentido se faz mister notar o enlaçamento nos campos do direito administrativo, cível e constitucional presentes nesta discussão. Cabendo a doutrina publicista ampliar os horizontes e buscar efetivar a harmonização que carece entre a matéria público/administrativa e as demais áreas do Direito.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente discussão objetiva demonstrar o atraso da doutrina dominante do direito público, em atualizar suas bases acerca dos princípios e suas novas interpretações dispostas por vários campos do direito, a fim de induzir ao ente público sua efetiva participação frente aos anseios sociais. A nova corrente interpretativa proveniente principalmente da esfera cível, demonstra respeitável tato ao criticar a estrutura atual e clamar por mudanças sensíveis nas leis, e quanto a aplicação destas frente ao bem público.

A reforma interpretativa da doutrina quanto a possibilidade de disposição dos bens públicos a suas restrições e aplicações por parte do Estado merecem sim uma reforma afim de sanar a omissão estatal, produzir uma finalidade social condizente ao real interesse da sociedade frente aos bens públicos negligenciados supera a condição de posse por parte do ente público dentre os bens que se encontram sem destinação.

O Estado não atende de forma eficaz sua obrigação frente aos bens em sua posse. Apresenta uma onerosidade imensa e pouca eficiência para lidar com os mesmos. Nada mais coerente que uma ampla rediscussão sobre quais bens realmente o Estado necessita manter posse, como já invocado neste artigo principalmente no que tange aos bens dominicais.

O parâmetro adotado frente aos bens particulares pode servir de forma coerente se adaptado ao dos bens públicos. Já existe legislação para o controle e meios de efetivar a disposição de bens, cabe ao Estado aceitar a nova visão de suas atribuições como detentor do patrimônio social, e tratar o patrimônio da forma pretendida com o princípio da função social da propriedade.

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Reais. 8ed. Salvador: Juspodium, 2012.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ed. Ver., ampl. e atualizada até 31.12.2009. – Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2010.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Brasil. 1988.

FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentais. Trad. Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, Daniela Cadermatori, Hermes Zaneti Júnior, Sérgio Cadermatori.  – Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2011.

FORTINI, Cristiana. A Função Social dos Bens Públicos e o Mito da Imprescritibilidade – R. de Dir. mun – RDM, Belo Horizonte, 200? ano 5, n.12. p113 – 122,

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3. Ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 29. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

COSTA LOURES, José; GUIMARÃES, Taís Maria Loures Dolabela. Código Civil Comentado. 4. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

Lei 10.406/2002 – Código Civil Brasileiro – Brasil. 2002.

TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil: Volume Único. São Paulo: Método 2011.

JUSTEN FILHO MARÇAL. Curso de Direito Administrativo – 10 ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Tribunal de Justiça de Minas Gerais – www.tjmg.jus.br - APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0194.10.011238-3/001 – julgado em 15/05/2014.

ALVES, MURILO RICARDO SILVA. A nova hermenêutica constitucional e as possibilidades do acontecimento (aplicação) da Constituição. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 120, jan 2014. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14237>. Acesso em jun 2015.

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Sobre o autor
Hugo Henrique Bernardini Arcebispo

Bacharel em Direito pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais / FEAD-MG<br><br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente artigo, se trata de trabalho de conclusão de curso (TCC), apresentado pelo autor em sua graduação no curso de Direito.

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