INTRODUÇÃO
O presente estudo tem a finalidade de dispor sobre os principais aspectos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2.003 – Estatuto do Desarmamento, com as alterações dadas pela Medida Provisória nº 157, de 23 de dezembro de 2.003, no que tange às Guardas Municipais das cidades com menos de 50.000 (cinqüenta mil) habitantes, bem como as providências adotadas por alguns municípios, entre eles, o Município de Louveira/SP, pioneiro na região de Campinas, quiçá do Estado de São Paulo.
AS GUARDAS MUNICIPAIS
É sabido que as corporações municipais têm efetuado em caráter supletivo, a segurança pública em geral, o que abrange a segurança dos munícipes. A assertiva é verdadeira. Conforme é público e notório a Polícia Militar Estadual que atua no caráter repressivo e preventivo da criminalidade, não possui efetivo humano e equipamento suficiente para assegurar a segurança da população, que é garantia constitucional.
Desta forma, as Guardas Municipais representam, ao lado da Polícia Civil e Militar, a segurança de toda comunidade, além da segurança dos bens públicos.
O fato é que o recente Estatuto do Desarmamento consubstanciado na Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2.003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências, alterada pela Medida Provisória nº 157, de 23 de dezembro de 2.003, determina que os membros das Guardas Municipais dos municípios com número de habitantes inferior a 50.000, são proibidos de portarem armas de fogo (art. 6º).
Ora, primeiramente há que se ressaltar a incongruência da referida lei, uma vez que a mesma ataca clara e evidentemente alguns princípios basilares do Direito, dentre eles, o princípio constitucional da isonomia, da forma federativa do Estado e da autonomia dos municípios.
Ora, não há nenhum fundamento para se concluir que as guardas municipais de municípios com mais de 50.000 habitantes possuem condições de portarem armas de fogo, enquanto os demais, não necessitam do referido instrumento de trabalho, na medida em que os riscos a que estão expostos, são os mesmos. Talvez a única diferenciação se encontra no número de servidores, já que em Municípios maiores, com maiores índices populacionais, há necessidade de um maior contingente de pessoal, mas, repita-se, a finalidade do trabalho desenvolvido é sempre o mesmo: a segurança pública.
Daí se verifica claramente que a Lei do Desarmamento prevê tratamento desigual aos iguais, o que deve ser rechaçado, por ser inconcebível no ordenamento jurídico pátrio.
A proibição da corporação das Guardas Municipais de cidades com índices populacionais inferiores ao previsto no Estatuto do Desarmamento estar equipada com armas de fogo, pode aumentar em muito o número de delitos em seus territórios, tornando-os a atração dos bandidos.
Tal fato não pode ser concebido. Os pequenos municípios não podem, por conta de uma lei inconstitucional, que fere preceitos básicos do Direito, se tornarem alvos da bandidagem. Não se pode aceitar que os bens públicos sejam deteriorados e que os munícipes sejam relegados ao abandono da própria sorte.
Desta forma, até que o Governo Federal não ofereça outra alternativa, os municípios diretamente afetados devem, através de manifestação judicial, requerer que os Guardas Municipais possam portarem armas de fogo, no mínimo durante o cumprimento de suas funções, sem o risco iminente de serem punidos com pena de prisão inafiançável, conforme consta no novo Diploma Legal.
Repita-se, a Lei nº 10.826/2003, com a alteração introduzida pela MP nº 157/2003 fere princípios constitucionais, na medida em que dispensa tratamento desigual às Guardas Municipais considerando como critério diferenciador o número de habitantes.
Porém, referido critério não pode ser aceito, posto que infundado, já que não reflete a necessidade e a situação da segurança pública e outros aspectos que relacionam-se à criminalidade, como por exemplo, aspectos sociais e culturais de cada município.
Pergunta-se: Qual o critério científico ou lógico que justifica o fato de que municípios com população inferior a 50.000 habitantes não possam ter Guarda Municipal armada?
Além disso, conforme disposto no § 8º do art. 144 da Constituição Federal, no Capítulo III – Da Segurança Pública - que "os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei."
Ou seja, cada Município pode dispor sobre a constituição das suas corporações, utilizando-se do princípio da autonomia dos poderes que rege o Estado Federativo Brasileiro. Portanto, a lei federal, deve disciplinar apenas sobre normas gerais, competindo ao Município analisar sobre o interesse ou não e sobre a conveniência em manter os guardas municipais armados, para prevenção de ilícitos de suas competências, inclusive em face da competência constitucional garantida aos Municípios que é poder legislar sobre os assuntos de interesse local (art. 30, inc. I da CF).
Ocorre que a Lei Federal nº 10.826/2003, ao excluir da possibilidade de que Guardas Municipais de Municípios com menos de 50.000, possam trabalhar armados, interfere na autonomia desse ente, ferindo flagrantemente a forma federativa do Estado, esculpida no art. 1º da Carta Magna.
Portanto, a promulgação da Lei nº 10.826/2003 e edição da MP nº 157/2003, contendo tamanhas afrontas a preceitos constitucionais, ataca o princípio da segurança jurídica, lesionando o direito dos pequenos municípios, de terem uma efetiva segurança de prédios e locais públicos e de resguardar seus cidadãos.
Com muita propriedade, diz Hely Lopes Meirelles [1]:
"O princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, sendo, segundo J.J. Gomes Canotilho, um dos subprincípios básicos do próprio conceito do Estado de Direito."
Permitir o ingresso de leis inconstitucionais no ordenamento jurídico significa abolir o Estado de Direito e acatar o Estado de Poder ou Estado de Polícia descrito por Maquiavel, onde o governante é livre para agir, como melhor lhe convier, sem qualquer freio, muito menos de ordem legal.
Nos dizeres de Lucia Valle Figueiredo [2] "no Estado de Direito o respeito à Constituição é sempre relevante. A obediência à legalidade, mais ainda à constitucionalidade, é de suma relevância (não para nós ou para qualquer outro). A relevância deflui como conseqüência inarredável."
A VISÃO DO PODER JUDICIÁRIO
Embasados nas questões relevantes acima mencionadas, alguns Juízes Estaduais em sede de Habeas Corpus impetrado contra a autoridade que tem o dever de efetuar a prisão dos integrantes das Guardas Municipais, ou seja, o representante da Secretaria de Segurança Pública - Delegado de Polícia, concederam liminares para que a autoridade policial se abstenha de praticar qualquer ato de constrição contra os membros da GM, em razão do porte de arma de fogo.
O fundamento da r. decisão final proferida nos autos do processo que tramitou pela 1ª Vara da Comarca de Vinhedo/SP, sob o nº 04/2004 (primeiro de que temos notícia, pelo menos quanto à região de Campinas/SP), em que figurava como impetrante o representante legal do Município de Louveira/SP em nome dos integrantes da GM, no qual restou concedida a ordem do Habeas Corpus preventivo, baseou-se, entre outros, na evidente ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da autonomia dos Municípios pelo Estatuto do Desarmamento, sendo declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22.12.2003.
NOTAS
1 Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 28.ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2003. pág. 94.
2 Lucia Valle Figueiredo. Mandado de Segurança. Malheiros Editores: São Paulo, 1996. pág. 122.
BIBLIOGRAFIA
Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2.003. pág. 94.
Figueiredo. Lucia Valle. Mandado de Segurança. Malheiros Editores: São Paulo, 1996, pág. 122.