Da perícia em crimes contra a vida: parâmetros de atuação pelo Ministério Público

15/07/2016 às 20:44
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Considerações gerais sobre a perícia em crimes contra a vida, especificamente no homicídio, para servir de parâmetros ao Ministério Público na requisição de diligências complementares em Inquéritos Policiais ou em Processos Criminais.

                                                                    

  1. INTRODUÇÃO

O Promotor de Justiça é quem sustenta em juízo toda a atuação da polícia. A afirmação é óbvia, mas, na prática, os órgãos policiais e do Ministério Público parecem se esquecer desse fato. Verifica-se trocas de farpas pela imprensa quando o Delegado de Polícia faz requerimentos ao Poder Judiciário, e quando o Promotor de Justiça se “intromete” em investigações policiais. Mera fogueira de vaidades, que consome as esperanças da vítima e da sociedade em ver o crime solucionado, e o culpado punido.

A polícia científica ao fazer o seu trabalho em investigação de crimes contra a vida, não pode olvidar que o Inquérito Policial será julgado pela sociedade em Plenário do Tribunal do Júri. Devem ter em mente que quem vai julgar a correção do seu trabalho é uma pessoa do povo, que, em regra, não sabe nada de direito. Ninguém quer ter o seu trabalho destruído por uma defesa sagaz em Plenário. Presume-se.

O Promotor de Justiça, a seu turno, deve ter responsabilidade antes de apresentar a denúncia em juízo. O juiz pode, e deve, indeferir a denúncia quando ela é inepta, ou quando não há justa causa para o processo. A pressa é inimiga da perfeição. Os prazos são exíguos. Acaso o investigado esteja preso, o delegado tem 10 dias para concluir o Inquérito Policial, tendo o Ministério Público o prazo de 05 dias para apresentar a denúncia. As corregedorias atuam contra o relapso, que perde prazos. Melhor relatar o IP com o que há nos autos, pensa o Delegado. E apresenta como provas apenas depoimento de testemunhas, que, em regra, mudam o depoimento em julgamento, ou por medo ou por esquecimento, ou por má-fé mesmo.

O Promotor de Justiça, querendo se livrar do processo, copia e cola o relatório do Delegado de Polícia, apresentando a denúncia amparada, em regra, apenas por testemunhas e confissão extrajudicial (que raramente é confirmada em juízo). O processo segue. O juiz, para cumprir os prazos impostos por lei e por metas do CNJ, pronuncia, com base em indícios de autoria e prova de materialidade, como requer o CPP.

Ocorre que o jurado dificilmente julga com base em indícios. Ou a prova é robusta, apta a formar a sua convicção eivada de dúvidas, ou ele irá absolver o réu. Labora da forma correta. Melhor dormir a noite imaginando que um assassino está livre do que com o peso de ter condenado um inocente.

É bastante alto o índice de absolvições ou condenações a penas indevidas em Plenário do Tribunal do Júri. Sem sombra de dúvida que a complacência do brasileiro com o errado é a razão central desse processo. Mas a ausência de provas vem de encontro com essa complacência. O jurado já começa o julgamento querendo absolver. Esse determinismo mental é inconsciente. Decorre do medo de represálias por parte do réu, visão inculcada do perdão cristão, ou pena. O determinismo mental, para ser afastado, demanda provas e capacidade de articulação daquele que a produz em plenário.

O Delegado de Polícia, antes de concluir o Inquérito, deve verificar se constam nos autos os elementos básicos: a) nexo causal entre a agressão alegada e o evento morte; b) qual o meio empregado; c) o estado mental do homicida; d) sua periculosidade; e) se se trata de embriaguez fortuita ou preordenada; f) se é qualificado, apontando as provas de cada elemento; g) a atitude da vítima (postura, lesões de defesa, vida pregressa, etc); h) mudança de posição do corpo da vítima, acidental ou provocada; etc.

Naturalmente, alguns desses elementos demandam a atuação do perito, mas nem todos. De qualquer forma, cabe ao delegado relatar o Inquérito e encaminhá-lo ao Promotor de Justiça para a denúncia. Deve, portanto, verificar se há ou não necessidade de novas perícias.

O Promotor de Justiça, ao receber o Inquérito relatado, antes de denunciar, deve verificar se todos os itens acima estão preenchidos, e se há ou não necessidade de outras provas. Caso negativo, apresenta a denúncia e sustenta judicialmente o trabalho da Polícia Judiciária. Por outro lado, ao verificar que a prova é frágil, o Promotor de Justiça deve requerer diligências complementares. Mas não deve fazer requerimentos genéricos, como “requer-se que a autoridade busque elementos que possam esclarecer melhor o crime em análise”. As diligências devem ser “dirigidas”, com todo respeito à polícia científica.

O presente artigo busca esclarecer melhor as provas em crimes de homicídio, com a intenção de servir de base para Promotores de Justiça na requisição de diligências complementares, antes da apresentação da denúncia.

Passaremos a delimitar os principais aspectos de prova. Tomamos por base a obra de DELTON CROCE e ALBERI ESPINDULA.

2. EXAME DO LOCAL

2.1. Cuidados básicos

O perito, segundo Espíndula[1], deve ter em mente três pressupostos básicos, para a realização de um bom exame: paciência, perseverança e atenção. O trabalho de coleta de provas, para terceiros estranhos ao processo, aparenta ser um trabalho lento. No entanto, o perito sabe que o trabalho deve seguir uma sequência lógica, sem atropelos, e sem correr o risco de perder elementos básicos para a formação da convicção dos operadores de direitos e do juiz leigo.

O primeiro elemento, a paciência, visa evitar a supressão de etapas. Ao encontrar um determinado vestígio, deve cuidar para o isolamento correto, e análise de relação desse vestígio com outros que lhe sejam relacionados. O perito é um técnico que trabalha com o raciocínio lógico. E é com base no raciocínio que encontrará vestígios complementares, ligando-os logicamente. Por exemplo: não foi encontrada a arma do crime. Mas no local foi encontrada uma cápsula. Pode-se inferir que a arma utilizada foi uma arma automática, já que o revólver não elimina por gases as cápsulas vazias. Esse dado é importante para cruzar com informação posterior. Imagine-se que determinando sujeito foi preso nos arredores com uma pistola. O dado coletado anterior poderá servir para fundamentar a perícia da arma, para comprovar a compatibilidade entre a cápsula, o projétil (acaso encontrado) e a arma. Um trabalho de coleta atropelado pela pressa impedirá a prova de autoria, nesse caso.

O segundo e terceiros vestígios estão interligados; a perseverança e a atenção. O perito deve ser insistente, buscando nos menores detalhes vestígios de prova. Aquilo que imediatamente pode parecer desimportante, no futuro, será utilizado como base para condenação ou absolvição. Deve atentar para aspectos geográficos, climáticos e populacionais. Não pode apenas se ater ao corpo e ao local isolado. A atenção é essencial para uma boa coleta de vestígios.

2.2. Metodologia na coleta de vestígios.

Dispõe o artigo 6º do CPP, que:

“Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: i) dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; ii) apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais.”

Aqui surgem dois grandes problemas, ligados ao local da prática do crime, onde a maioria dos corpos de delito se encontra: a) alteração do local; e b) coleta de vestígios por terceiros, inclusive policiais. O CPP não está alheio a esses problemas, ao prescrever no parágrafo primeiro do artigo 169 que: “os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos”.

Sistematizando a legislação citada, verifica-se que:

a) A autoridade policial (qualquer policial), assim que tomar conhecimento da prática da infração penal deve impedir que se altere o estado de conservação das coisas. É o isolamento do local. O brasileiro tem uma curiosidade mórbida com crimes e acidentes. A primeira atitude do policial é afastar esses curiosos, inclusive pessoas da imprensa, que, no afã de serem os primeiros a noticiar o fato, costumam atrapalhar as investigações da polícia. A segunda é não fazer, ele mesmo, coleta de provas ou vestígios. Não é sua função. Nem mesmo por boa-fé pode agir assim. Cabe ao técnico fazê-lo.

b) O perito, assim que chegar ao local, fará a coleta de vestígios. Só devem constar no seu croqui os corpos de delito encontrados por ele próprio. Objetos coletados por terceiros devem ser encaminhados à Delegacia da área, e, assim que lhe forem apresentados, serão registrados no croqui com a rubrica “outros elementos”. Conforme ESPÍNDULA (2013:202), “é comum os peritos chegarem a um local de morte violenta e serem abordados por partes envolvidas, terceiros e até policiais, portando objetos que supostamente estariam no local e que foram recolhidos para que fossem preservados em sua integridade”. Em suma, terceiros modificaram indevidamente o estado e conservação das coisas, e isso pode ser um problema para a descoberta da verdade real. O perito, em nenhuma hipótese pode constar em seu laudo que esses vestígios foram coletados por ele mesmo, já que podem, por exemplo, terem sido “plantados” ou alterados propositadamente.

c) O laudo constará a relação de vestígios coletados diretamente pelo perito, descrevendo as alterações do estado das coisas. Como técnico, deve explicar no relatório final da perícia se essas alterações modificaram a dinâmica dos fatos. Citemos uma prática comum: testemunhas do crime jogaram um lençol sobre o corpo da vítima. Laboram de boa-fé, apesar de alterarem o estado das coisas. O perito deve constar esse fato no croqui, e, no relatório final, informar se essa alteração prejudicou ou não a coleta de outros vestígios (coleta de digitais, por exemplo).

O problema prático, mormente em cidades pequenas, é a falta de peritos oficiais, e até mesmo de pessoas qualificadas, nas quais pode recair o ônus, nos termos do artigo 159, §1º, do CPP (dois peritos nomeados, preferencialmente na área específica). Verifica-se, em regra, nos Inquéritos Policiais realizados nesses locais: a) laudo cadavérico, geralmente feito no Hospital, depois do corpo ter sido retirado do local do crime, comprovando-se a materialidade; b) depoimento de testemunhas; c) interrogatório. São provas frágeis, que podem ou não ser confirmadas em juízo.

O Delegado de Polícia não é um perito, mas é um técnico, cabendo a ele entregar provas mínimas para formar a convicção preliminar do Promotor de Justiça e do juiz de direito, provas essas com potencialidade de serem confirmadas em juízo, sob o crivo da ampla defesa e do contraditório. Ou seja, apesar de não ser perito, pode constar: a) mapa do local do crime, com características essenciais (acesso, luminosidade da rua, distância para a residência da vítima e/ou do réu, etc); b) posição em que o corpo foi encontrado, podendo juntar fotografias; c) descrever de forma pormenorizada as lesões, tanto na vítima quanto no réu (se houver), para possível desclassificação do crime ou absolvição por legítima defesa; etc. Não se trata de substituir o perito, mas de juntarem-se elementos mínimos para formar a convicção dos jurados, caso o investigado seja pronunciado.

Dispõe o artigo 167 que, em desaparecendo os vestígios, a prova pode ser suprida por testemunha. E, conforme é pacífico na jurisprudência, policiais podem ser testemunhas. Com base nesse fato, o policial deve saber analisar a cena do crime, para que, assim que for questionado pela autoridade judiciária ou pelo Ministério Público, na AIJ, saiba descrever com minúcias os detalhes do crime, perceptíveis por aquele que teve contato direto com o corpo de delito.

Esse é o pensamento de Guilherme de Souza Nucci[2]

(...) inexistindo possibilidade dos peritos terem acesso, ainda que indireto ao objeto a ser analisado, pode-se suprir o exame de corpo de delito por testemunhas. Pessoas podem narrar ao juiz o que viram, v.g., o momento em que o agente desferiu tiros na vítima e esta caiu de um desfiladeiro, desaparecendo nas águas do oceano (...).

Nucci trata da materialidade, que pode ser suprida por provas testemunhais, em caso como o citado acima, aceito pela jurisprudência e doutrina quando analisado o famoso CASO DO GOLEIRO BRUNO. O artigo 403, do CPP exige para a pronúncia: PROVA DA MATERIALIDADE, e INDÍCIOS DE AUTORIA. Ou seja, se o mais, a materialidade, pode ser comprovada indiretamente, via testemunhas, obviamente que o menos (INDÍCIOS DE AUTORIA) pode ser fundamentado nas provas testemunhais.

Da mesma forma, o depoimento do policial é aceito pacificamente na jurisprudência, servindo para fundamentar a condenação do réu. Em suma, tomemos a seguinte situação: em cidade do interior houve a prática de um crime de homicídio. Não há perícia, e a materialidade é comprovada apenas pelo laudo cadavérico, feito por um médico nomeado perito. O depoimento dos policiais que observaram a cena do crime pode suprir o corpo de delito que desapareceu? Sim, em nossa singela opinião.

Por tudo isso, é que afirmamos: o policial deve saber observar uma cena de crime, mesmo que não seja perito, já que, eventualmente, seu depoimento suprirá a prova pericial, nos termos do artigo 167, do CPP.

2.3. Divisão do local

A metodologia da divisão do local aponta em três divisões: local imediato, local mediato e local relacionado. O ponto de referência é sempre considerado o local em que o corpo foi encontrado.

O local imediato em regra é onde se encontra mais vestígios. É onde está o corpo e vestígios que ligam ao modo de operação do criminoso. Às vezes até a arma utilizada é encontrada. É o local, portanto, que deve se concentrar a análise pericial, a observação dos policiais (e futuras testemunhas), e evitar contaminação por curiosos. Mas nem sempre no local imediato se encontram todas as informações. Ocorre, por exemplo, quando se trata de local de “desova”, onde o cadáver é ocultado.

O local mediato é o local adjacente, que possa conter outros elementos essenciais: ruas de acesso ao local do crime, proximidade com bocas de fumo, pontos de ônibus, etc.

Há ainda o local relacionado, em que há informações importantes para a coleta de vestígios. A casa da vítima, bares onde costumava frequentar, por exemplo, podem conter informações essenciais para a descoberta da autoria e motivo do crime.

Por fim, deve-se tomar como referência para o ponto central da coleta de provas o local onde se encontram mais vestígios, que pode ou não coincidir com o local em que o corpo foi encontrado.

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2.4. Rotina do exame

a) Procedimentos antes do exame

Os peritos devem, antes da realização do exame, anotar a hora exata da requisição, e checar a hora aproximada em que o crime aconteceu. Deve checar em detalhes o endereço do local, para evitar transtornos no deslocamento, e levar o material necessário para a coleta dos vestígios.

Segundo o artigo 6º, VII, do CPP, a autoridade policial, assim que acionada, deve se descolar até o local do crime, para analisar se existem vestígios materiais do crime. Só então é que a perícia é acionada. Ou seja, muitas vezes (ou sempre), a perícia chega atrasada ao local do crime, dificultando a coleta de provas. Quanto mais o tempo passa, mas há prejuízo para as investigações. Por isso a autoridade policial deve ser diligente, deixando a perícia de sobreaviso sempre que tiver notícia da prática de crime contra a vida. Só após a análise superficial pela autoridade policial é que será ou não requerida a perícia.

b) Orientação à Equipe de Perícia

São orientações de ordem subjetivas, resumidas:

i) Comportamento pessoal diante dos parentes da vítima. Esses veem a situação pelo ponto de vista da perda de um ente, com toda a carga emocional que isso representa, enquanto para o perito aquela é uma situação técnica. Apesar de buscar um distanciamento, necessário para a análise da prova, o perito não pode ser desrespeitoso com o cadáver e com os parentes do morto.

ii) Manuseio do cadáver em via pública. Deve ter cuidado para não expor indevidamente o morto aos olhos de curiosos, mormente quando tiver de tirar as vestes. Deve isolar a área e afastar curiosos. O morto ainda tem resquícios de dignidade pessoal, e o vilipêndio ao cadáver deve ser evitado.

iii) Comentários indevidos devem ser evitados, principalmente quando são precipitados. É comum a imprensa chegar ao local do crime e questionar os policiais sobre o que ocorreu. Às vezes, confundindo a obrigação de prestar esclarecimentos ao público com a vaidade pessoal, policiais (incluindo peritos) começam a fazer todos os comentários sobre o caso, formando uma opinião pública errada ou precipitada. Dizer que parece ter sido latrocínio sem verificar o que foi subtraído mediante violência, ou suicídio, antes de fazer os exames devidos, cria uma falsa expectativa no público e nas testemunhas envolvidas sobre o deslinde do caso.

iv) Interação. O perito deve interagir com a equipe de investigadores, trocando informações e opiniões sobre o caso. Obviamente que os investigadores não podem transitar no local de coleta livremente, para evitar a contaminação da prova. Mas, ao final da coleta, devem se reunir com os peritos, para troca de informações e orientações mútuas.

c) Exame do local

A primeira preocupação do perito é a divisão do local entre imediato e mediato, como visto acima. A segunda é a cuidadosa coleta de vestígios que desaparecerão ou se modificarão assim que forem coletados. Esses vestígios são chamados de “pontes”, que, assim que são atravessadas, são destruídas. Pode-se citar a impressão digital, a marca de sangue na calçada, marcas de pegadas, etc. Quando coletadas, ou são destruídas ou modificadas em suas características originais.

Há três pontes principais, nos crimes contra a vida. A primeira: são os vestígios no local do crime, que, coletados, desaparecem. A segunda: é a coleta e preservação de vestígios materiais a serem analisados ou no local ou em fase posterior. A terceira ponte é a necropsia e sepultamento do cadáver. Essa última é “cruzada” também pelo médico legista, durante a necropsia. O ideal é que o perito acompanhe a autópsia ou oriente o legista sobre as informações a serem buscadas junto ao corpo, para evitar exumação de cadáveres posteriormente. A exumação, porquanto necessária em alguns casos, reavivam a dor dos parentes da vítima e vilipendiam o cadáver, mormente em um país cristão, como o Brasil. Um exemplo: mulher jovem foi assassinada perto de um lixão. O perito verificou indícios de estupro. Deve requerer de pronto que o legista faça a análise sobre a conjunção carnal recente, coletando, se houver, sêmen ou sangue, para cruzamento genético com suspeitos. Se não houver a coleta de pronto, a exumação posterior não suprirá essa falta, por desaparecimento dos vestígios citados.

Outra preocupação do perito, na análise do local, é definir o sentido da orientação a ser tomada. O cadáver está no centro do local imediato. A forma mais comum de orientação é circular, formando-se um vértice até se chegar ao centro. O perito vai “circulando” a área, fotografando todas as informações relevantes e coletando os vestígios encontrados (cápsula de balas, sangue, pegadas, fragmentos de pano, etc), até chegar ao cadáver. Outra técnica comum é a orientação do tipo “varredura”. Essa é feita de fora para dentro, primeiro de um lado do cadáver, depois do outro, coletando os vestígios citados.

d) Principais informações a serem constatadas

A primeira informação a ser constatada pelo perito é a hora exata em que chegou ao local do crime, buscando coletar informações com a polícia e populares sobre a hora aproximada do crime. A informação é salutar para fins de verificação de validade dos vestígios coletados. A segunda informação a constar se refere às condições atmosféricas do tempo (se choveu, por exemplo). Outro dado importante se refere às condições de visibilidade, principalmente relacionadas com a topografia da área. Essa informação é vital, mormente para fazer contraprova com possível reconhecimento do criminoso por popular. O perito deve informar se havia visibilidade, e se essa era natural ou artificial (distância de postes do local imediato, por exemplo, é um dado extremamente salutar).

O perito deve também verificar as vias de acesso ao local do crime, e possível rota de fuga do criminoso. Esses dados serão cruzados com o local em que o réu foi preso, por exemplo, como indício de prova de autoria, e serão vitais para análise da qualificadora de uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (emboscada), dentre outras utilidades.

Outros dados devem ser observados, de acordo com o dado concreto.

e) Exame dos vestígios

O primeiro cuidado no exame dos vestígios é o mais óbvio: verificar se a vítima realmente está morta. Há casos de morte aparente, conforme a praxe médica, por isso esse cuidado. O segundo é fotografar todo o caminho até o cadáver, de acordo com a orientação adotada, registrando todos os vestígios encontrados. A fotografia servirá para a autoridade policial conferir dados que desapareceram com a manipulação da prova, e para convencimento do Promotor de Justiça, Juiz de Instrução e Juízes Leigos (jurados). Deflue-se o uso da fotografia do artigo 164, do CPP.

As principais providências são: i) definir o melhor percurso, para evitar a destruição de vestígios; ii) buscar e coletar todos os vestígios no percurso; iii) fotografar os vestígios antes de tocá-los; iv) fazer um exame visual do cadáver antes de tocá-lo.

Há dois tipos de vestígios a serem encontrados: os vestígios prováveis e os vestígios inusitados, conforme a certeza (ou probabilidade) de serem encontrados.

Prováveis: homicídio praticado com arma branca, o encontro de sangue. Praticado com arma de fogo, provavelmente não haverá o encontro da arma no local, já que o agente em regra se livra da arma, etc.

Inusitados: as manchas de sangue, que podem dizer se a vítima estava de pé ou não quando recebeu os golpes, se conseguiu reagir antes de morrer, se foi arrastada, etc; vestígios de luta; estojos e projéteis de arma de fogo; fios de roupa, fibras e pelos; fragmentos de impressões digitais; outras manchas, como esperma, fezes, tintas, etc; lixo aparente, que tenha relação com o fato; documentos deixados pela vítima ou agressor; marcas e pegadas; etc.

f) Exame do local mediato e do local relacionado.

O local imediato como visto acima, é o local onde o corpo foi encontrado. Entretanto, pode ser outro o local do crime, tendo sido o cadáver “desovado” em outra área. Por isso a necessidade de se verificar o local mediato, a região próxima onde o corpo foi encontrado. O perito/ autoridade policial deve procurar vestígios de sangue, objetos abandonados, depósitos de materiais de construção ou lixão, dentre outros. Deve relacionar o local imediato com o acesso ao mediato.

O local relacionado é encontrado pela análise dos locais imediato e mediato, ou por investigação policial mais precisa. As verificações dos locais relacionados devem seguir a mesma metodologia dos demais. Como exemplo de local relacionado, temos: ao analisar o cadáver, foi encontrado no bolso da calça um sabonete de motel. O motel, portanto, será um local relacionado. Outro caso: é encontrado perto do cadáver uma lata furada, do tipo usado para consumo de crack. As “bocas de fumo” da área serão locais relacionados, já que, possivelmente o crime tenha relação com o consumo ou tráfico de drogas.

g) Elementos complementares.

Os vestígios do crime são bastante variados, por isso o caso concreto irá dar a referência para o trabalho técnico. Entretanto, alguns dados devem constar, acaso existentes: i) odores destoando com o ambiente (cheiro de gás, pólvora, perfume, urina, etc); ii) arrombamento de portas e janelas, inclusive em imóveis vizinhos; iii) determinação de datas e horários prováveis; iv) condições do ambiente (iluminação, uso de eletrodomésticos, lixeira, computadores, etc).

3. EXAME DO CADÁVER

3.1. Exame do cadáver no local

Em primeiro lugar, devemos diferenciar o exame perinecroscópico da necropsia. Segundo Gerhard Erich Boehme[3]:

Significado de Perinecroscópico: Exame realizado por peritos criminais no local de crime. Não deve ser confundido com a necrópsia, que é realizado por médico legista e exame do corpo em seu exterior e interior. O exame perinecroscópico limita-se ao exame externo. Os peritos criminais têm atribuição para exame do local e instrumentos do crime, devendo efetuar o exame perinecroscópico para orientação de seus trabalhos, fotografando o corpo na posição em que for encontrado, bem como todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime, em obediência ao art. 164 do Código de Processo Penal. Os médicos legistas, por outro lado, efetuam o exame necroscópico, nas dependências do Instituto Médico Legal, por vezes sem ter conhecimento da dinâmica do evento, dos comemorativos ou mesmo dos achados de local. O médico legista tem melhores condições para exame do corpo que o perito criminal que, muitas vezes, examina o cadáver, na via pública e com recursos limitados. Sendo assim, um exame mais detalhado, no IML, venha a revelar ferimentos não observados no local dos fatos, mesmo porque o perito criminal não tem aceso aos ferimentos no interior do corpo. O laudo do Instituto Médico-Legal, baseado no exame no corpo da vítima, deve complementar os exames realizados pelo perito criminal no local dos fatos.

O perito deve seguir alguns procedimentos nesse exame. O cuidado básico é verificar o conceito de “destruição da ponte”. Alguns vestígios são destruídos quando coletados, como uma ponte destruída assim que atravessada. Por isso o cuidado na coleta de informações existente no cadáver.

Como orientação, deve-se verificar: i) os ferimentos; ii) sinais de violência (intensidade, se fora realizados no local, etc); iii) sinais de luta (essenciais para verificação de possível legítima defesa ou qualificadora de uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, elementos comumente desconsiderados pela autoridade policial na elaboração do relatório do Inquérito Policial); iv) reação de defesa (em complemento ao item anterior); v) vestígios intrínsecos, como sêmen, vísceras, vômitos, salivas, fezes; vi) sangue (informar a forma de produção, se escorrimento, gotejamento, concentração, etc), devendo ser fotografado na forma que foi encontrado. Se possível, identificar se havia sangue do agressor, o que denotaria sinais de luta; vi) vestígios extrínsecos (manchas, pelos, material orgânico, terra, etc); vii) material do agressor (verificar unhas, mãos e órgãos genitais da vítima); viii) observar se relógios, anéis, brincos, cordões, foram arrancados (essencial para a contraposição entre latrocínio e homicídio).

a) Orientação do exame

No exame do cadáver no local, o perito deve seguir as seguintes etapas: i) exame visual, sem tocar no corpo, com registro de todos os vestígios possíveis; ii) exame com as vestes, no qual o cadáver começará a ser movimentado; iii) exame retirando as vestes, devendo ter cuidado para não perder os vestígios. Aqui um lembrete: o morto mantém a dignidade objetiva. Por isso, o isolamento visual do local, para afastar olhares incaltos se faz essencial nessa etapa; iv) exame sem as vestes, essencial para a verificação das lesões, em sua quantidade e qualidade.

O perito também deve ter uma orientação para a análise do cadáver, sendo recomendado que utilize a sequência: cabeça, pescoço, tórax, membros superiores, mãos, abdômen, dorso, órgãos genitais e membros inferiores.

b) Exame das vestes

As vestes dizem muito sobre o crime. Infelizmente, por descuido da autoridade policial na preservação da prova, desaparecem antes de poderem ser exibidas aos jurados em Plenário do Tribunal do Júri. A sequência de análise das vestes é: a) exame das vestes sem tocar no cadáver; b) exame das vestes ao movimentar o cadáver; c) exame das vestes enquanto essas são retiradas do corpo da vítima; e d) exame da cada peça, de forma individual.

O perito deve observar as condições em que estavam as vestes, principalmente: i) rasgões; ii) orifícios e perfurações; iii) botões arrancados; iv) manchas de sangue (se formados por gotejamento, concentração, alimpadura, respingos, rastro de sangue, indicando que o corpo foi arrastado, etc); v) substâncias estranhas nas vestes; vi) examinar os bolsos (se encontrar valores, registrar na frente de testemunhas, para evitar acusações de subtração pela autoridade policial); e vii) adotar procedimento para que as vestes siga junto com o cadáver para o IML.

3.2. Exame do cadáver no IML

O exame do cadáver pelo médico legista é chamado de necropsia. O perito deve acompanhar esse exame, até para complementar os dados já coletados.

Como referência, o medido legista deve observar: i) o formato das lesões, tais como bordas, contusões, profundidade, largura, sentido de produção; ii) trajeto interno de arma de fogo (essencial para descrever a posição em que o agente estava quando efetuou o disparo); iii) a distância do disparo de arma de fogo, devendo verificar se os vestígios do disparo (orla de enxugamento) ficaram nas vestes; iv) instrumentos do crime, devendo descrever detalhadamente a relação entre os ferimentos e a arma utilizada, mormente quanto à compatibilidade entre a arma branca apreendida e as lesões; v) etc.

Delton Croce e Corce Jr[4] trazem o conceito de tanatognose

É a parte da tanatologia forense que estuda o diagnóstico da realidade da morte. Esse diagnóstico será tanto mais difícil quanto mais próximo do momento da morte. Antes do surgimento dos fenômenos transformativos do cadáver, não existe sina patognomônico de morte. Então o perito observará dois tipos de fenômenos cadavéricos: os abióticos, avitais, ou avitais negativos, imediatos e consecutivos, e os transformativos, destrutivos ou conservadores.

Os fenômenos abióticos imediatos apenas insinuam a morte, sendo eles: perda da consciência, abolição do tônus muscular com imobilidade, perda da sensibilidade, relaxamentos dos esfíncteres, cessação da respiração, cessação de batimentos cardíacos, ausência de pulso, fácies hipocrática, e pálpebras parcialmente cerradas. Os fenômenos abióticos consecutivos são: resfriamento paulatino do corpo, rigidez cadavérica, espasmo cadavérico, manchas de hipóstase e livores cadavéricos, e dessecamento, com decréscimo do peso.

A importância dessa lição é prática: determinar o horário aproximado da morte pode ligar determinado agente ao local do crime, considerando outros dados coletados pela autoridade policial.

4. EXAMES DE LABORATÓRIO

Após a coleta de vestígios e análise do corpo pelo médico legista, determinadas provas podem ser produzidas em laboratório do instituto de criminalística. Amostras de vestígios, nos quais haja a necessidade de exames laboratoriais, podem ser coletadas: i) durante o exame do local; ii) durante o exame do cadáver no local; iii) durante o exame do cadáver no IML.

Os tipos de exames mais comuns são os exames de: sangue (principalmente do agressor, para comprovar a autoria), esperma (eventual estupro seguido de morte ou ligação afetiva entre vítima e agente), fios de cabelo, tecido humano, produtos químicos, dentre outros.

O corpo de delito como um todo também pode se encaminhado para o laboratório, para análise, sendo mais comum o encaminhamento de: armas de fogo (importante precisar quantos disparos foram realizados, e se havia cartuchos sem serem disparados, para eventual análise de desistência voluntária), projéteis de armas de fogo (relacionando-os com os ferimentos no corpo), facas (dentre outras armas brancas), fragmentos de impressão digital, ferramentas (armas impróprias), pedaços de madeira, barras metálicas, etc.

O perito deve providenciar a identificação correta de cada amostra, para evitar a contaminação ou o extravio. Para cada amostra, deve seguir um tipo de exame requisitado. Ou seja, o perito guia o trabalho de seu colega de laboratório, podendo (ou devendo) apontar as hipóteses a serem verificadas pelo técnico.

Após a conclusão dos exames, esses serão encaminhados ao perito que analisou o local do crime, para que faça as suas considerações sobre toda a prova coletada.

5. ANÁLISE GERAL DOS VESTÍGIOS

Considerando que o crime “fala através das provas”, parodiando Gil Grissom, do seriado americano CSI, os peritos devem montar o “quebra-cabeças”, sendo que algumas peças certamente faltarão. Pelo contexto geral dos exames, esses são divididos em três fases: i) exame do local (imediato, mediato e relacionado); ii) acompanhamento da necropsia; e iii) exames laboratoriais.

A análise geral dos vestígios é a correlação entre as três fases. Imaginando-se as provas periciais como um projeto de pesquisa, teríamos no início o levantamento de hipóteses (suicídio? Latrocínio? Homicídio qualificado? Lesão corporal seguida de morte? Uso moderado da legítima defesa? Etc), e ao final as conclusões, com a prova da materialidade e autoria do crime, com seus corolários.

A cena do crime é reconstruída após os exames periciais, sendo conhecida tecnicamente como dinâmica do local. Após a reconstituição da cena do crime, o perito apontará o diagnóstico diferencial do fato, ou seja, como a morte ocorreu (suicídio, homicídio, acidente ou morte natural, etc).

Na conclusão, o perito deve se basear apenas em elementos técnico-científicos, só podendo afirmar determinado fato se tiver elementos em quantidade e qualidade suficiente para fundamentá-lo. Se houver duas hipóteses, não poderá optar por uma delas. Dois conceitos devem ser utilizados pelos peritos: as determinantes e as probabilidades. Por exemplo: diversos ferimentos pérfuro-contusos em um cadáver são determinantes para a comprovação da materialidade do crime de homicídio. Uma impressão digital no local é uma probabilidade de autoria, mas não determinante (poderá embasar a condenação, por ser prova indiciária, nos termos do artigo 239, do CPP, em estando relacionada com outras provas).

Por fim, na análise das provas, o perito pode: i) eliminar todas ou a maioria das probabilidades e indicar uma cena do crime e o diagnóstico diferencial do fato com prova da materialidade e autoria; ii) apontar que determinada causa é mais provável, mas sem a exclusão peremptória de outras, por não haver determinantes suficientes; e iii) apontar a impossibilidade de conclusão do evento, por insuficiência de vestígios. O não-isolamento do local, a ausência de contato do perito com o local do crime, a contaminação da prova por policiais ou populares, dentre outras, levam a essa terceira situação, que, em regra, gerará a impunidade do criminoso.

6. CROQUI E LAUDO PERICIAL

O croqui é uma espécie de “bloco de anotações” feitas pelo perito.

A folha do croqui não tem um modelo padrão, mas em regra, é dividido em duas partes: i) a superior, onde são preenchidas de forma preliminar, informações como: coordenadas geográficas, data, número da ocorrência, delegado requisitante, tipo de exame, materiais coletados, autoria conhecida ou desconhecida, etc; e ii) a mediana e inferior da folha, para o perito fazer um “desenho esquemático” do local examinado.

O verso da folha do croqui servirá para anotações do perito, divididas em tópicos: i) do local; ii) do cadáver; iii) das vestes; iv) do exame perinecroscópico; v) discussão, dinâmica e conclusão; e vi) outros exames.

O croqui poderá ser utilizado como prova, apesar de ser um documento de anotações pessoais do perito. O correto, portanto, é a redução dos termos e transposição das informações vitais para o LAUDO PERICIAL, documento pelo qual o perito apresenta todo o seu trabalho.

O laudo pericial possui os seguintes elementos básicos: número da ocorrência, número do laudo, cabeçalho, histórico, exames do local, exames do cadáver, exame das vestes, exame perinecroscópico, exames de laboratório, considerações técnico-periciais, discussão (dinâmica) e conclusão.

No presente caso estamos tratando de evento morte, com suspeita de homicídio. Por isso, em suas conclusões, o perito deve relatar o diagnóstico da causa da morte, que pode ser natural ou violenta. Nem sempre a morte violenta é decorrente de homicídio, podendo ser consectário de suicídio, acidente, latrocínio, etc. Celso Luiz[5] classifica a morte violenta em: morte súbita, aquela de efeito imediato; morte mediata, a que permite a sobrevivência por algumas horas, após o surgimento da causa; e morte agônica, com a sobrevivência por dias, semanas ou meses após a causa. O perito deve descrever a modalidade da morte violenta, por óbvias consequências no mundo jurídico.

O laudo será, por fim, apresentado à autoridade policial, servindo para embasar o relatório do IP, a denúncia, e as decisões judiciais.

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, conforme redação do artigo 155, do CPP. Ou seja, em regra, as provas devem ser produzidas em sede judicial (ou repetidas nessa seara, como as provas testemunhais), em respeito à ampla defesa e ao contraditório. As provas periciais, pela característica de serem “não repetíveis”, são produzidas antecipadamente.

Fábio Coelho Dias[6] observa:

Nesse sentido, quando da produção da prova pericial, o contraditório somente será realizado em juízo (artigo 155, caput do Código de Processo Penal Brasileiro), limitando-se ao exame acerca da idoneidade do profissional responsável pela perícia, e, também, das conclusões alcançadas, quando já perecido o material periciado. Em consequência disso, o objeto da prova, na maioria das vezes, será a qualidade técnica do laudo, e, especialmente, o cumprimento das normas legais a ele pertinentes, por exemplo, a exigência de motivação, de coerência, de atualidade e idoneidade dos métodos, dentre outros.

Caberá à defesa indicar assistentes técnicos, para acompanhar/auxiliar/refutar as provas periciais. Em havendo provas cautelares antecipadas, a defesa poderá utilizar esses assistentes até meso na fase inquisitorial, diferindo-se o debate sobre a validade da prova para a instrução criminal. A atuação nessa fase da defesa poderá redundar no pedido de arquivamento do Inquérito Policial pelo Promotor de Justiça ou a absolvição sumária pelo Juiz. Portanto, em nome dos princípios constitucionais citados, a defesa pode atuar na fase inquisitorial, indicando provas a serem observadas pelos peritos.

7. CONCLUSÃO

A cena do crime fala. Não há crime perfeito. Ninguém modifica a natureza sem deixar rastros da forma como atuou. Ou seja, todos os crimes podem ser desvendados. O perito é uma espécie de tradutor da cena do crime, ouvindo o ecoar das provas e trazendo seus significados para o mundo jurídico. A sociedade espera que o crime seja desvendado e o culpado punido, para evitar a reiteração do crime. A família espera que o culpado seja punido para dar um alento à memória do morto. Quando o crime não é desvendado, a paz social não é reestabelecida. Surge a situação de barbárie, que muitas vezes leva a justiça privada, com as consequências sentidas por comunidades nordestinas, sem lei.

O Poder Público não investe em investigação. O gestor público acredita que o que dá votos é “polícia na rua”. Vê-se um investimento maciço em policiamento ostensivo, e praticamente zero em investigação. Em regra, a polícia consegue prender o culpado pelo crime (ou quem tem a aparência de culpado), que é posto em liberdade se não há elementos de prova de autoria. Então ouve-se o jargão popular: “a polícia prende, a justiça solta”. Sim, se a prisão é arbitrária, e não há provas hábeis à formação da convicção do juiz, esse deve colocar o preso em liberdade. Mais vale um assassino solto que um inocente preso. Esse é o peso de se viver em uma democracia, peso que todos temos que suportar.

O resumo acima, feito de acordo com a técnica pericial, serve de baliza para promotores de justiça requererem diligência complementares, antes da denúncia, ou em audiência de instrução, após as provas testemunhais e interrogatório. Mas servem de baliza também para o policial, em sua atuação.

O policial, mesmo o militar, deve saber observar uma cena de crime. Nas cidades do interior, ou periferias de capitais, a maioria dos homicídios não é objeto de perícias, nos termos da praxe citada acima. E não é porque a autoridade policial não requereu, nos termos do CPP. Simplesmente inexistem peritos. O delegado nomeia um médico local como legista. Esse se contenta apenas em informar a natureza da morte e a qualidade dos ferimentos. E só. A materialidade levada ao MP e ao juiz se resume a isso. A autoria é fundamentada apenas em depoimentos testemunhais e eventual confissão (qualificada ou refutada em juízo, como é de praxe).

Dados como: sinais de luta, marcas de sangue, sinais de arrastamento do corpo, arrombamentos de portas e janelas, direção dos disparos, iluminação do local imediato e mediato, acesso ao local, condições das vestes, etc, não são levados em conta. Por isso a necessidade de qualificação dos policiais quanto a aspectos básicos da perícia. Poderão, como dito acima, serem chamados a juízo para suprir, com seus testemunhos, provas que desapareceram pela ausência de perícia.

Portanto, a ideia desse artigo é dar embasamento ao Promotor de Justiça no requerimento de diligências complementares em Inquéritos/Processos em crimes contra a vida.

                                                                                     

                                                                                      


[1] Perícia Criminal e Cível. 4ª Edição. 2013. Milennium Editora.

[2] Código de Processo Penal Comentado. 6ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. 2007. P. 366.

[3] http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/perinecrosc%C3%B3pico/9733/. Acesso em 14 de julho de 2016.

[4] Manual de Medicina Legal. Editora Saraiva. 6ª Edição. P. 432.

[5] Medicina Legal. Série Provas e Concursos. Campos Editora. P. 127.

[6] A prova pericial no Direito Processual Penal brasileiro. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8452. Acesso em 14/07/2016.

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Sobre o autor
José William Pereira Luz

Promotor de Justiça do Estado do Piauí

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