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O príncipe trapalhão:

a proibição dos bingos e a CLT

11/04/2004 às 00:00
Leia nesta página:

"Governo indenizará funcionários de bingos" seria a manchete ideal se o PT continuasse na oposição e à frente do governo estivesse qualquer um outro presidente que não o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva.

Governo respeitador das leis e, especialmente, da Consolidação das Leis do Trabalho, que protege o trabalhador, certamente o Presidente Lula determinará que se cumpra o que a CLT dispõe sobre o fechamento dos bingos. Eis o texto:

CLT, art. 486:

"No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivado por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável".

"§ 1º. Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pesoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho para que, no prazo de 30 dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria".

No caso dos bingos, a empresa pode escolher entre pagar somente 50% da indenização, alegando força maior (art. 501 e seguintes da CLT), ou até mesmo a totalidade das indenizações, alegando o fato do príncipe (artigo 486, acima transcrito).

Temendo a conseqüência de seu apressado ato, o governo já invocou a ajuda dos defensores de sempre. À frente deles saiu, inclusive, o Presidente do TST, Ministro Francisco Fausto, para quem não se aplica ao caso o factum principis, porque os empregadores sabiam que sua autorização era precária, poderia ser cassada a qualquer momento.

Não tem razão o Ministro que, a meu ver, nem deveria se manifestar nesse sentido, já que no TST desaguarão, inevitavelmente, as ações trabalhistas dos bingos e não fica bem a um magistrado adiantar seu convencimento em matéria tão sedimentada na lei trabalhista.

Poderia ter razão o Ministro no caso de uma casa de jogo ilegal, não autorizada, onde a atividade seria de alto risco e tanto empregado quanto patrão conheciam a precariedade do seu contrato.

O mesmo não ocorre no caso dos bingos autorizados por lei estadual ou autorizados na inexistência de lei federal proibindo especificamente determinados aparelhos como a máquina caça-níqueis.

Em primeiro lugar porque os decretos estaduais, até que sejam revogados ou declarados inconstitucionais, geram direitos adquiridos, são atos jurídicos perfeitos e intangíveis por leis posteriores. Nesse caso o mesmo príncipe autorizou a atividade para, depois, proibi-la, como se fosse o Diabo mexendo peças de seu infernal xadrez.

Já no caso dos caça-níqueis – e essa foi exatamente a brecha encontrada pelos burocratas que autorizaram sua importação -, se não havia lei proibindo, a atividade era permitida, pois a administração só pode fazer ou deixar de fazer o que está no texto legal.

Para Russomano o "fato do príncipe" é "ato da autoridade pública (federal, estadual ou municipal) que, por via administraiva ou legislativa, impossibilita a continuação da atividade da empresa em caráter temporário ou definitivo".

Se um bingo começou a funcionar por autorização de um governador do Estado, se contratou pessoal para essa atividade e agora alguém, de qualquer nível governamental, resolve encerrar seu negócio, que banque a indenização. Já escrevi aqui mesmo que não há vítimas nesse negócio do jogo, mas gostaria de acrescentar que a vítima será o contribuinte, para quem irão as contas de indenizações.

Isso nem mesmo é surpresa, pois o governo, há pouco, foi condenado a corrigir as contas de FGTS dilapidadas pelo Plano Collor e, na maior desfaçatez, mandou a conta para os empresários. Mais uma do príncipe trapalhão.

No caso dos Estados onde há decreto governamental, a indenização é trabalhista, material e moral, pois os que hoje são chamados de criminosos foram transformados em prósperos comerciantes por ato do mesmo príncipe de então.

Assim sendo, embora a opinião do Ministro seja respeitável, os sindicatos de empregados e os bingos devem mandar a fatura para o príncipe de plantão. Deixo claro que não sou defensor de bingos, mas abomino igualmente um governo atrapalhado que só me causa prejuízos.

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Sobre o autor
João de Campos Corrêa

advogado no Mato Grosso do Sul, membro do Colegio de Abogados del Mercosur (COADEM), ex-presidente da Comissão Especial para el Mercosur

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, João Campos. O príncipe trapalhão:: a proibição dos bingos e a CLT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 278, 11 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5071. Acesso em: 21 nov. 2024.

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