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Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira

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12/04/2004 às 00:00
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Este trabalho tem por objetivo final a análise de alguns aspectos da Lei nº 9.873/99, a lei que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta.

OBJETIVO

O presente trabalho tem por objetivo final a análise de alguns aspectos da Lei nº 9.873/99, a lei que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta. Mas, para isso, gizaremos fundamentos de interpretação normativa, e sua evolução com o correr do tempo, daremos alguns conceitos do Direito Penal, imprescindíveis ao entendimento do texto em seu totum, e analisaremos, detidamente, os conceitos e consectários do poder de polícia administrativa, para, finalmente, chegarmos à detença de pontos que elegemos mais importantes da referida Lei, com o presente de trazermos a exposição de motivos da Presidência da República à MP 1.708, de 30 de junho de 1998, a qual veio a redundar na Lei 9.873/99. Ainda, transpassaremos o atual Código Civil Brasileiro, com suas causas de interrupção da prescrição. Após, discorreremos sobre o quê significa o abuso de autoridade, e acerca dos meios que os Administrados têm para se defender quando da ocorrência ou da iminência de algum ato abusivo. Por fim, antes da apresentação do material bibliográfico matriz do Autor, exporemos a estrutura organizacional da Fiscalização do Banco Central do Brasil, e as conclusões finais do trabalho.


DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS

Na Ciência Jurídica, assim como em todas as outras Ciências, temos de optar por uma matriz teórica.

No Direito, destacam-se 2 matrizes, ou seja, dois modos de o operador do sistema engendrar a aplicação das normas.

Uma das matrizes é a analítica. Seus principais doutrinadores são Hans Kelsen e Norberto Bobbio. Os analíticos defendem, sobremaneira, o ideal iluminista da Revolução Francesa, qual seja, o de o Estado garantir a liberdade, e isso ele faria muito bem se, simplesmente, deixasse a sociedade resolver seus cismas.

Como corolário dessa matriz, temos a força absoluta dada às leis. Aí, destaca-se o sistema jurídico francês, que, diga-se de passagem, apenas no início do século XX conheceu o controle de constitucionalidade. A idéia da lei, associada à influência de Lassale (este dizia que a Constituição nada mais era do que uma "folha de papel"), levaram ao império da lei, elaborada pelo Parlamento. Era impensável que uma lei pudesse cair frente à Constituição (esta era uma "simples folha de papel").

Até hoje, na sociedade francesa, o controle da constitucionalidade é feito do modo concentrado. Os juízes singulares, de 1ª Instância, não têm o poder de decretar uma lei inconstitucional.

Ainda, na França, há uma jurisdição para as causas de Direito Administrativo, onde os juízes administrativos são servidores da Administração Pública, não vinculados ao Judiciário. Em França, podemos falar da coisa julgada administrativa.

O dogmatismo, o poder dos Códigos, a idéia da segurança jurídica (no sentido de que o cidadão tem na lei, sempre perfeita, toda a sua proteção) dão a matiz a essa primeira matriz. A propósito, Napoleão Bonaparte ficou extremamente decepcionado quando lhe foi apontada uma situação que o seu Código Civil não previa. O Código tinha de regular tudo, para não dar nenhum espaço a dúvidas. O Juiz, nesse sistema, é tão-somente, "la bouche de la loi".

Como exemplo da aplicação dessa matriz, na sua forma mais ortodoxa (veja-se que essa matriz também ajudou a Ciência Jurídica, no momento em que tornou mais claro o seu objeto, autonomizando-a de outras Ciências Humanas, como a Sociologia e a Filosofia), temos um exemplo citado pelo Dr. Lênio Streck, Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul e Coordenador do Centro de Mestrado e Doutorado da UNISINOS-RS, qual seja: "A dogmática jurídica não convive pacificamente com os princípios constitucionais como o da proporcionalidade, razoabilidade, subsidiariedade, etc, a tal ponto de uma doutrina penal admitir, p. ex., que a pena de um furto qualificado por concurso de pessoas seja o dobro da pena do crime de sonegação de tributos ou de corrupção ou lavagem de dinheiro. É o desde-já sempre e como-sempre-o-Direito-tem-sido, que proporciona a rotinização do agir dos operadores jurídicos, propiciando-lhes, em linguagem heideggeriana, uma "tranqüilidade tentadora".

Outra matriz, a hermenêutica, é a defendida por Heidegger e Gadamer. Essa matriz, em evolução à anterior, defende ideais como o valor supremo da Constituição, a responsabilidade de os Juízes ao aplicar a lei, não devendo esses "limpar as mãos", no sentido de que a eles cabe somente aplicá-la, não importando-lhes que a lei seja totalmente dissociada dos princípios fundantes da Carta Magna e, mesmo, dos aplicáveis à sociedade que os circunda.

Para essa matriz, a experiência, a vivência e a existência, aliada à idéia da Constituição como norma maior ordenadora do sistema jurídico, deve guiar o Juiz no momento de prolatar sua sentença (afinal, sentença, não significa sentir ?)

Essa matriz defende que o Magistrado (não somente "la bouche de la loi") deve ponderar os valores constitucionais e sociais para fundamentar a sua sentença.

Idéias no Direito Civil, que nunca seriam admitidas pela matriz analítica, como a relativação da coisa julgada, já são correntes no Superior Tribunal de Justiça, como se vê do Resp nº 330172, publicado no DJU de 22/04/2002, senão vejamos:

"Esta Turma, em caso que também teve seu pedido julgado improcedente por falta de provas (Resp n. 226.436-PR, DJ 04/02/2002), mas diante das suas peculiaridades (ação de estado - investigação de paternidade etc.), entendeu pela relativação da coisa julgada".

Como síntese desse tópico, fique-se com a noção de que interpretar uma norma jurídica não é somente "aplicar a lei". Isso porque, antes sequer de lê-la, temos de ter condições de lê-la, isto é, temos de ter presentes os princípios constitucionais (e isso é o ponto de partida), o contexto em que tal norma se insere e o entendimento de seus antecedentes e conseqüências. Não temos, por óbvio, como discutir seriamente Direito Constitucional sem dominarmos termos como "nulidade parcial sem redução de texto" e "interpretação conforme". É por isso que, antes de analisarmos o objeto propriamente dito de nossa exposição, qual seja, a prescrição no âmbito do poder de polícia da Administração, somos forçados a noticiar alguns elementos indispensáveis para que o leitor possa, na sua inteireza, interpretar a norma, e não somente lê-la.


ALGUNS CONCEITOS DO DIREITO PENAL

Na medida em que o Direito Administrativo e o Direito Penal têm como escopo a limitação da liberdade individual em prol do interesse coletivo, através da atuação do Estado, esses 2 ramos do Direito Público muito têm em comum. Veja-se que na Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional, que regula o processo administrativo no âmbito do Banco Central do Brasil, as penalidades são denominadas de "penas".

No arcabouço conceitual da tipologia criminal, existem conceitos que são emprestados semanticamente a outras áreas da Ciência Jurídica, notadamente à Lei 9.873/99, que trata da prescrição dos atos de polícia do Estado, senão vejamos.

O crime continuado é aquele que é praticado pelo agente mediante mais de 1 ação ou omissão da mesma espécie, em razão de determinadas circunstâncias, como o lugar e o tempo Conforme Aníbal Bruno, em seu "Das penas", "cada uma das ações que se sucedem se apresenta isoladamente como um crime completo, independente, embora seja apenas um episódio de um crime único como resulta da conexão que as circunstâncias de tempo, lugar e outras semelhantes em que as várias ações se realizam estabelecem entre elas. O agente pode furtar um saco inteiro de açúcar subtraindo cada dia uma pequena porção. Assim também quando o criado subtrai cada dia pequena importância da gaveta do patrão, ou quando o indivíduo pratica repetidas vezes adultério com a mesma mulher". Para efeito de sua punição no Direito Penal, toma-se a pena do crime, e acrescenta-se de 1/6 a 2/3, ainda que tenham sido mais de 30 ações ou omissões.

O crime permanente, conforme Luiz Regis Prado, em seu "Curso de Direito Penal brasileiro, é aquele cuja "conduta se protrai no tempo pela vontade do agente e o tempo do crime é o de sua duração (v. g. art. 148 do CP-seqüestro e cárcere privado)";

Também é do Pós-Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Zaragoza (Espanha), Luiz Regis Prado, que trazemos a brilhante e conclusiva definição de prescrição, qual seja, "o não-exercício do jus puniendi estatal conduz à perda do mesmo em face do lapso temporal transcorrido. A prescrição corresponde, portanto, à perda do direito de punir pela inércia do Estado, que não exercitou dentro do lapso temporal previamente fixado".

E, aqui, entendemos que é o momento de discorrermos sobre o parágrafo 2º do art. 1º da referida Lei, senão vejamos:

"Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal"

Veja-se, a respeito excertos do Resp º 16.265, julgado em 05 de agosto do corrente:

"...Com efeito, em que pese a infração administrativa cometida pela recorrente também constituir crime, em nenhum momento foi oferecida denúncia por qualquer crime cometido e tampouco foi instaurado inquérito(penal) para a sua eventual apuração... Assim, o prazo prescricional a ser aplicado é o administrativo e não o penal" (grifo nosso)

Também, da ROMS nº 10699, publicada no DJU de 04/02/2.002, assim temos:

"Não havendo crime, seja porque não denunciado um dos recorrentes, sendo o outro impronunciado por falta de provas, ausente o parâmetro da lei penal a regular o prazo extintivo da ação estatal, sendo, pois, a sanção de caráter administrativo. Regula, então, a prescrição, neste caso, a legislação relativa ao processo administrativo disciplinar"

Isso posto, temos que, em sede de uma inspeção externa, ao nos depararmos com fato que possa ser tanto infração administrativa quanto ilícito penal, ainda que prescrito o direito de punir quanto à infração administrativa, devemos, imediatamente, proceder à comunicação dos indícios ao Ministério Público, e, também, prosseguir com o inquérito (inspeção externa), e, por fim, instaurarmos o devido processo administrativo. Contudo, entendemos que os atos decisórios do processo administrativo ficam sobrestados até a sentença penal condenatória transitada em julgado, única com autoridade de definir se um fato foi crime ou não (até então, a inocência é presumida, conforme exposto em nossa Carta Maior). Dessa sentença, em sendo condenatória, o processo administrativo pode seguir, ficando com toda a questão de prazos (e, aqui, entendemos, causas de prescrição) regida pela lei penal. No entanto, se a sentença penal for absolutória, o prazo prescricional terá de ser, obrigatoriamente, o administrativo, qual seja, 5 anos da ocorrência do fato (Lei 9.873/99), com, no máximo, mais 2 anos e meio, se interrompida a prescrição antes de completar o qüinqüênio, por fato que importe apuração de fato específico (inspeção externa aberta com designação específica).

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DA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI 9.873/99

A Lei 9.873/99 foi a conversão da MP de nº 1.708, esta de 30/06/1998.

Uma excelente ferramenta ao aplicador da Lei é a leitura da sua exposição de motivos.

Abaixo, colaremos excertos da exposição de motivos da MP susa referida:

"A previsão de prescrição no âmbito administrativo tem por objetivo dar fim aos embaraços a que são submetidos os administrados quando, em razão da ausência de norma legal que preveja a extinção do direito de punir do Estado, são indiciados em inquéritos e processos administrativos iniciados muitos anos após a prática de atos reputados ilícitos".

"A presente proposta se coaduna com o texto constitucional de 1988, que traz como regra a prescritibilidade consignando as exceções. Assim é que a Constituição prevê em seu art. 5º, inc. XLVII, "a", que não haverá penas de caráter perpétuo. Também prevê, nos incisos XLII e XLIV do citado artigo, que são imprescritíveis os crimes consistentes na prática do racismo e na ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Se somente esses crimes são imprescritíveis, há que se admitir a prescrição para o ilícito administrativo. Não admitir a prescrição, no caso, é tornar a Administração senhora da tranqüilidade do administrado, pois ficará ao arbítrio dela dispor a respeito de quando irá puni-lo. Isto implica tornar perpétua a ação de punir, causando, assim, notória instabilidade".

"Por derradeiro, deve-se atentar para o fato de que a presente proposta uniformiza a questão da prescrição no âmbito da Administração Pública Federal"

Primeiramente, vê-se, claramente, que a referida Lei, ao tratar sobre o poder de polícia administrativa do Estado, considera 2 maneiras de operacionalizá-lo, quais sejam, "inquéritos e processos administrativos ". Isso é muito importante guardarmos, pois a susa Lei tratará sobre a interrupção e a suspensão da prescrição do direito de punir do Estado, mas, sempre quando o fizer, estará se referindo aos procedimentos realizados no âmbito ou de um inquérito administrativo ou de um processo administrativo.

E, aqui, tecemos uma de nossas primeiras conclusões, senão vejamos.

Tendo-se como arcabouço conceitual que o processo administrativo, no âmbito do Banco Central do Brasil, tem início quando da "intimação" (a despeito de, tecnicamente, o correto seria denominarmos citação, conforme o próprio inc. I do art. 2º da lei ora em comento), podemos visualizar o inquérito administrativo - sinônimo de sindicância (meio através do qual o BACEN colherá materialidade e indício de autoria para instruir, posteriormente, o processo administrativo) como aquele realizado com o início por ocasião da emissão do documento chamado de designação para que um Servidor proceda às investigações em uma Instituição financeira ou uma Administradora de Consórcio. E, aqui, o Resp nº 16.265, julgado em 05 de agosto do corrente deixa expresso:

". . . Aos 19 de abril de 1993 foi instaurada sindicância pela Delegada de Ensino - fl. 18- sendo certo que nesta oportunidade houve interrupção do prazo prescricional" (ora, é a designação para apuração de fato específico o instrumento análogo no âmbito do exercício do poder de Polícia do Banco Central do Brasil que instaura o inquérito administrativo).

Logo, entendemos que a requisição de documentos, por si só, não tem o condão de interromper o prazo prescricional, melhor não seja pelo contido no Acórdão acima (a instauração de sindicância - a designação para uma inspeção externa- é que interrompe o prazo prescricional), pelo fato de que, da análise desses documentos, é que se poderá ter um motivo para iniciar um inquérito (inspeção externa). Veja-se, poderá, da análise desses documentos requisitados, haver a possibilidade de não se abrir um inquérito, pois há a chance de se restar comprovado, da simples análise desses documentos, que não existe qualquer materialidade sobre o fato. Resumindo, uma requisição de documentos é procedimento prévio à abertura de um inquérito, este, conjuntamente com o processo administrativo, as 2 únicas hipóteses ensejadoras da interrupção do lapso prescricional, conforme a interpretação autêntica (colhida da exposição de motivos) da referida Lei. E a Lei 9.873/99 menciona inquérito e processo administrativos. Ora, podemos dar como sinônimo de um inquérito uma simples requisição de documentos ? Entendemos que não, inquérito é um conjunto de procedimentos com o fim de colher a materialidade de um fato (sindicância, inspeção externa). A requisição de documentos pode acontecer previamente a essa inspeção (como ensejadora de motivos para se abrir uma inspeção desse tipo), ou durante o curso de uma inspeção. Mas, certamente, é a designação para apurar fato específico que enseja a interrupção do prazo prescricional (conjuntamente com a "intimação" que dá início ao processo administrativo), não um simples ato de requisição de documentos.

Daí a importância de se delimitar um tempo, na própria designação, quando de uma Inspeção externa, um lapso temporal para a permanência da ação fiscalizatória sobre o Administrado, para que este não fique arbitrariamente sob constrição, ainda, como veremos abaixo, que o limite para o exercício da atividade administrativa, considerada a interrupção da prescrição, seja de 7 anos e meio.

Registre-se um caso por nós conhecido de uma investigação criminal conduzida pelo Ministério Público que já durava mais de 3 anos. Nesse caso, o indiciado impetrou um hábeas corpus para trancar a ação penal, sob o fundamento de que não podia ficar, indefinidamente, sob investigação, ou seja, ou o Ministério Público solicitaria o arquivamento do inquérito, ou deveria promover, incontinenti, a ação penal. O MP, por seu turno, sustentava que a prescrição do crime era de 20 anos. O Juiz Criminal concedeu um prazo em dias para que o MP apresentasse a denúncia, ou solicitasse o arquivamento do inquérito, sob pena de o Magistrado conceder ex officio um hábeas corpus para o trancamento da ação penal. Caso surgissem fatos novos, seria perfeitamente permitido, dentro dos 20 anos, reabrir a investigação, mas não manter, constantemente, o cidadão sob investigação. Não devemos nos esquecer de que, por princípio, a liberdade é a regra, o contrário, é exceção, como nos ensina José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional positivo.


DO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA

Maria Sylvia Zanella di Pietro, em seu "Direito Administrativo", e Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu "Curso de Direito Adminisrativo" servir-nos-ão de ancoradouro conceitual.

Sem maiores delongas, temos que o conceito de poder de polícia faz parte do que chamamos de regime jurídico-adminisrativo. Esse, podemos definir como o sistema próprio em que a Administração Pública está inserida. Nele, os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público fundamentam porque o Estado é legitimado para tomar algumas atitudes que, desde que seguidos os princípios constitucionais como os da ampla defesa e o do contraditório, podem limitar a liberdade dos indivíduos, tudo isso em nome do interesse coletivo.

Como postulado, temos o princípio da proporcionalidade, tão defendido, desde os gregos, e relativamente olvidado pelos modernos revolucionários franceses. Tal diretriz nos dá o modo como devemos interpretar as normas. O "rebuc sic standibus" parece, felizmente, estar voltando à "moda", caindo em desuso o rígido "pacta sunt servanta". Vejam-se a positivação da desconsideração da pessoa jurídica, iniciada pelo Código de Defesa do Consumidor, e a função social dos contratos, esta inaugurada pelo art. 421 do Novo Código Civil Brasileiro.

Themístocles Brandão Cavalcanti, em seu Tratado de Direito Administrativo, anota que "a limitação à liberdade individual tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem".

Nessa esteira, entenda-se que, de fato, com o poder de polícia, está-se limitando a liberdade individual sim, mas em benefício do interesse público.

Como um dos meios de atuação do poder de polícia, temos a fiscalização, a qual, de maneira preventiva, visa à adequação do comportamento individual à lei, podendo, inclusive, redundar em notificações, na medida em que tenha havido um distanciamento do agente em relação ao interesse público.

O poder de polícia tem as prerrogativas da discricionariedade, da auto-executoriedade e da coercibilidade.

Quanto à discricionariedade, frise-se que isso não significa que o Agente do Estado encarregado da fiscalização não tenha de respeitar as normas, o que seria um desrespeito à Carta Maior. A discricionariedade significa, sim, que o poder de fiscalização será exercido em momento julgado conveniente e oportuno, a ser julgado pela Administração Pública. Em respeito ao requisito da finalidade do ato administrativo, a Administração deve, previamente, declinar o mote de sua ação fiscalizatória, ou seja, como nos ensina Di Pietro, "finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato".

A auto-executoriedade significa que o Agente Público do Poder Executivo pode agir (e aqui, retificamos, pode-deve agir, na medida em que ao executor são dadas prerrogativas para serem usadas, e não poderem ser usadas) sem ter de pedir autorização aos Poderes Judiciário e Legislativo. O controle do ato administrativo que já foi, no ordenamento constitucional anterior, prévio, hoje prevalece o caráter posterior, exceção à faculdade dada pelo Texto de 1988 aos Tribunais de Contas de "sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal" (inc. X do art. 71 da Constituição Federal de 1988), que caracteriza o controle concomitante do ato administrativo.

No entanto, dado que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (inc.XXXV do art. 5º do Texto Maior vigente), ainda que em sede de controle a posteriori, os atos administrativos ainda que auto-executáveis, devem ser pautados pelos requisitos da competência, e da motivação. Isso redunda em que o Agente deve possuir autorização legal para agir. E o que é o exercício do poder de polícia senão um conjunto de atos administrativos ? Essa competência é conferida a Órgãos, Entidades ou Servidores. Por exemplo, o Banco Central do Brasil está autorizado pelo inc.IX do art.10 da Lei 4.595, a lei que regulamenta o Sistema Financeiro Nacional, a, privativamente, "exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas". Já, a motivação, envolve que a Administração decline dos fundamentos fáticos e de Direito que embasam sua atividade fiscalizatória. Ou seja, deve o Fiscal, ao se apresentar ao fiscalizado, deixar consignados os acontecimentos fáticos que deram início à sua atividade fiscalizadora. Também, devem ser expostos, antes do início do procedimento fiscalizatório, os dispositivos legais embasadores da legalidade do ato fiscalizador. A respeito, tenha-se em mente o art. 50 da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal brasileira:

"Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos,"

Quanto à coercibilidade, significa essa prerrogativa em que a Administração pode-deve exigir que o fiscalizado se adeqúe à normatização prevista na defesa do interesse público. Um exemplo seria a exigência de que uma Instituição financeira provisione certas despesas de créditos insolváveis para que possa fazer frente às contingências que podem surgir, e, assim, não vir a sofrer de crises de liquidez, o que redundaria em um enorme prejuízo a toda a sociedade.

No entanto, para efeito de podermos caracterizar a interrupção da prescrição por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato, como veremos abaixo, a delimitação do objeto a ser fiscalizado deve ser, obrigatoriamente, feita pelo Fiscal, antes de iniciar o seu procedimento, ou seja, deve delimitar o Agente o seu campo de atuação, isso para que possa, legitimamente, bem exercer a defesa dos interesses da coletividade, mas sem desrespeitar os interesses do fiscalizado. Gizamos esse ponto porque, aqui, visualizamos 2 tipos de designação possíveis no âmbito do poder de polícia da Fiscalização do Banco Central do Brasil, uma de caráter genérico (ex. para o início de uma IGC); outra, de caráter específico (ex. uma Inspeção para apurar uma irregularidade específica, oriunda de uma reclamação externa ou mesmo decorrente de um trabalho de IGC). Naquela, não vemos como interromper o lapso prescricional (o fato que se está apurando não é específico); neste, perfeitamente se aplica a interrupção prescritiva, passando a conceder ao Estado, além dos 5 anos do fato para aplicar a punição, mais 2 anos e meio, pelo que veremos abaixo.

Repetimos, podemos definir objeto como a coisa sobre a qual vai recair o conteúdo do ato. Como exemplo, citemos o caso de uma irregularidade constatada com indícios numa análise econômico-financeira, realizada intramuros da Autarquia supervisora do Sistema Financeiro Nacional. Esse indício gerará uma designação para apurar um fato específico, ensejador, portanto, do beneplácito da interrupção da prescrição. Tal hipótese não ocorreria, por exemplo, quando da designação para uma IGC, a qual visa à finalidade ampla. Exploraremos mais, abaixo, o tema.

Ainda, quanto à forma, os incisos VIII e IX do art. 2º da Lei 9.784/99 estabelecem "a observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados" e "adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados". Di Pietro assim explana: "Trata-se de aplicar o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade em relação às formas" (grifos nossos).

Também, o art. 225 do novel Código Civil Brasileiro dá força probatória aos documentos transitados em meio eletrônico, senão vejamos:

"As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão. "

Por oportuno, o inciso II do art. 145 da Carta Política brasileira assim estabelece sobre a possibilidade de instituição de taxas remuneratórias aplicáveis ao poder de polícia:

"A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

taxas, em razão do exercício do poder de polícia "

Por fim, à guisa de contribuição para a futura instituição de uma taxa para financiar as atividades do Banco Central do Brasil, trazemos o escólio do Professor Ricardo Lobo Torres, em seu "Curso de Direito Financeiro e Tributário", onde ensina-nos que a não-vinculação das receitas públicas é um dos princípios do Direito financeiro, justamente para não engessar totalmente o Administrador, este o detentor de maiores condições para julgar a conveniência e a oportunidade do destino das receitas estatais. Contudo, o mesmo Autor, professa que tal princípio se aplica tão-somente aos impostos, não se aplicando, dentre outras espécies tributárias, às taxas. Logo, a lei que criar uma taxa pode vincular o produto de sua arrecadação a um Órgão ou entidade específico (por que o Banco Central do Brasil não possui uma taxa de fiscalização, assim como a Comissão de Valores Mobiliários possui ?). Veja-se que o originário inc. III do art. 16 da Lei 4.595/64 previa uma taxa de fiscalização como receita do Banco Central do Brasil. Contudo, a partir do advento do Decreto-Lei nº 1.638, de 06/10/78, essa prerrogativa foi revogada do universo jurídico. Hoje, haveria necessidade de lei ordinária para sua instituição, pois se trata de espécie tributária, com o respeito ao princípio da anualidade e outros.

A respeito, veja-se a recentíssima Súmula deste ano, 665, 24/09/03, do Egrégio STF sobre a taxa de fiscalização da CVM:

"É constitucional a Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários instituída pela Lei 7.940/89"

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Sobre o autor
Rui Magalhães Piscitelli

Procurador Federal,Contador, Pós-graduado em Finanças, Integrante da Carreira de Especialista do Banco Central do Brasil, mestrando em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISCITELLI, Rui Magalhães. Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 279, 12 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5081. Acesso em: 5 mai. 2024.

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