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Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira

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12/04/2004 às 00:00
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CONCLUSÕES

Com o presente trabalho, esperamos, sem nenhuma pretensão de esgotar a matéria ou de expressar a posição oficial do Governo Brasileiro, dar algumas sugestões para o entendimento sistêmico da atuação do poder de polícia exercido pelo Banco Central do Brasil, suas prerrogativas e limites, notadamente a questão da sua prescrição e da sua interrupção, sobremaneira quando da existência de ato inequívoco que importe a apuração do fato. Isso tudo tendo como marco inicial para a interpretação a Constituição Federal, guia para toda leitura jurídica.

Para o perfeito atendimento dos requisitos dos atos administrativos, a Inspeção direta (aliás, por que Inspeção ?, se, segundo a Resolução nº 820 do Conselho Federal de Contabilidade, inspeção é tão-somente uma das técnicas aplicáveis aos testes de observância e substantivos. O mais correto tecnicamente seria, ao invés de inspeção direta, usarmos Auditoria, esta sim o ramo da Ciência Contábil com o fim de aferir a conformidade da aplicação das normas), meio hábil para a coleta de provas materiais hábeis para o início do processo administrativo contra uma Instituição financeira, deve, enquanto conjunto de atos administrativos, partir de Agente competente (formalmente designado para a realização do trabalho de campo), deve conter os motivos de fato e de direito que levaram a Fiscalização do BACEN a dar início a procedimento em determinada IF ou Administradora de Consórcio (um fundamento de fato seria a existência, numa determinada Instituição, de provisão para créditos em percentual inferior ao seu setor - esse dado deve ser obtido previamente ao início dos trabalhos externos, aqui tendo muita importância as informações captadas pelo DEFIN - documentos COSIF e Central de Risco- e trabalhadas estatisticamente pelo DESIN; já, o fundamento de direito, é a Lei 4.595/64, que dá a competência ao BACEN para a fiscalização do SFN, no inc. IX do seu art.10).

Veja-se que a competência é dada ao BACEN, ou seja, à entidade, daí a necessidade de o Analista encarregado de fazer a inspeção direta ter uma designação. Já, na Receita Federal, por exemplo, a competência para lançar os tributos é do Auditor-Fiscal da Receita Federal, sendo despicienda a figura da designação, tendo, no entanto, o Auditor de lavrar o termo de início de fiscalização, quando da inauguração da ação fiscal (art. 47 da Lei 9.430/96 e alínea "a" do inciso I do art. 6º da Lei 10.593/02).

Também, o ato de designação apto a produzir o efeito de interromper a prescrição deve conter a finalidade, por exemplo, analisar, em bases amostrais o nível de provisionamento de créditos na IF fiscalizada, ou "verificação dos procedimentos adotados pelas instituições, a fim de fazer cumprir as normas e regulamentos baixados pelo Conselho Monetário Nacional e pelo próprio Banco Central e a legislação vigente" (Res. 1.065/85, CMN).

Quanto ao objeto, deve ele ser limitado, no sentido de descrever as áreas nas quais o DESUP realizará o trabalho, por exemplo, a carteira de crédito da Instituição, além de constar o tempo que os trabalhos se estenderão (afinal, o Administrado não pode ser alvo de um procedimento de fiscalização indefinido, o que lhe fere as garantias constitucionais, nem pode ser alvo, para poder se usar da faculdade de interrupção da prescrição, de Inspeção que não seja para apuração "do fato", e, aqui, a expressão do é muito importante, pois delimita a preposição "de" mais o artigo definido "o," isto é, não é de um fato - qualquer -, mas sim, do fato - o fato previamente definido). Isso leva a que uma designação para uma IGC não tenha o condão de interromper a prescrição. Somente teria uma designação para apurar uma operação (ou um conjunto) específica irregular (baseada numa denúncia, num indício colhido numa análise econômico-financeira intramuros, este, por exemplo, o nível de provisionamento abaixo da média, esta obtida pela planilha Riscred utilizada pela Fiscalização do Banco Central do Brasil, ou numa evidência colhida no transcorrer de um trabalho que tenha se originado de uma designação geral, ou seja, uma operação irregular que tenha surgido por ocasião de uma IGC). No caso de no trâmite de uma IGC ser encontrada alguma operação irregular, abrir-se-ia uma designação própria, específica, para apurar tal fato. Este fato (ou conjunto de fatos) específico estaria com sua prescrição interrompida quando da emissão dessa designação específica.

Por fim, quanto à forma, o ato de designação não tem uma pré-definição. Aconselhamos, todavia, que seja um formulário padrão, até para facilitar quando de consultas. Podemos, até, ter um modelo próprio para designações gerais, e outro para designações específicas (repita-se, somente estas com o poder de interromper o prazo prescricional).

Com essas características cumpridas, entendemos que o procedimento de Inspeção externa é hábil para interromper a prescrição, consistindo, assim, num verdadeiro "ato inequívoco que importe apuração do fato". Isso levaria ao limite de podermos ter 7 anos e meio para a prescrição da aplicação de uma punição administrativa (veja-se que 7 anos e meio seria o máximo já incluindo eventual recurso apreciado pelo CRSFN, pois este também faz parte da Administração Pública Federal direta e indireta), desde que, dentro de 5 anos da prática do ato pelo administrado (exceto, como visto, no caso de infrações permanentes ou continuadas, desta feita, o prazo de 5 anos começará do dia em que tiver cessado a infração -Lei 9.873/99), seja iniciado um ato que importe apuração do fato (ou conjunto de fatos) específico, no qual, dadas as características necessárias acima (competência, finalidade, forma, motivo pré-determinado e objeto também pré-determinado especificamente), entendemos o documento denominado designação específica ser apto a produzir 2 anos e meio a mais para a aplicação da penalidade administrativa.

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Para isso, e desde já tendo em conta escólio de José Afonso da Silva no sentido de que a liberdade é a regra, sua limitação é exceção, devemos ler a Súmula 383 do Egrégio Superior Tribunal Federal, quando dispõe que "A PRESCRIÇÃO EM FAVOR DA FAZENDA PÚBLICA RECOMEÇA A CORRER, POR DOIS ANOS E MEIO", interpretando o Dec. 20.910/32, ao tratar de situações onde o Estado está na posição devedora de uma relação jurídica (onde ele é beneficiado), é aplicável, também, por decorrência de interpretação do tipo conforme do caput do art. 5º do Texto Maior (Texto que deve pautar qualquer interpretação dentro do universo jurídico), aos casos em que o Estado fica na posição credora de uma relação jurídica (nas quais o cidadão é beneficiado). Veja-se que a própria exposição de motivos da Lei 9.873/99 assevera que "A presente proposta se coaduna com o texto constitucional de 1.988... Não admitir a prescrição (e aqui dizemos nós, admitir que a prescrição ocorra por indefinidas vezes) é tornar a Administração senhora da tranqüilidade do administrado, pois ficará ao arbítrio dela dispor a respeito de quando irá puni-lo. Isto implica tornar perpétua a ação de punir, causando, assim, notória instabilidade".

Também, sobre a interrupção poder ocorrer somente 1 vez, aliado à argumentação acima, temos, agora, o art. 202 do Novo Código Civil brasileiro.

Aqui, é magistral a colocação feita pelo Pro. Doutor em Direito e Promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul, Lênio Luiz Streck, para fundamentar que devemos interpretar o ordenamento jurídico sob os auspícios da Constituição, isto é, toda leitura normativa (lei, Súmulas, etc) deve partir dos princípios constitucionais, condição sem a qual não teremos qualquer hierarquia entre as normas vigentes:

"A partir disso, é possível afirmar que, no campo jurídico brasileiro, esses pré-juízos, calcados em uma história que tem relegado o direito constitucional a um plano secundário, hermeneuticamente estabelecem o limite do sentido e o sentido do limite de o jurista dizer o Direito, impedindo, conseqüentemente, a manifestação do ser (do Direito). Afinal, como bem alerta Hesse, não é possível interpretar sem uma prévia teoria da Constituição, isto porque não somente para compreender a norma é preciso uma teoria constitucional: a mesma resulta igualmente necessária para compreender a realidade que em cada caso deve aplicar-se o texto da Constituição. Por tudo isso, é preciso denunciar que a dogmática jurídica, entendida a partir do sentido comum teórico, é metafísica, porque provoca o esquecimento do ser do Direito... É preciso, pois, dizer o óbvio: a Constituição constitui; a Constituição vincula; a Constituição estabelece as condições do agir político-estatal"

Por fim, como a Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional, regula o processo administrativo no âmbito do Banco Central do Brasil, propomos que a designação para Inspeção externa, feita de maneira específica para a apuração de um fato (ou conjunto de fatos) específico passe a interromper a prescrição, desde que com todas as especificidades por nós apontadas acima. Com isso, pensamos que estaremos dando a possibilidade legítima para que a Administração apure e puna as irregularidades dentro do prazo máximo de 7 anos e meio, visando ao interesse público, sem desrespeitar quaisquer direitos que o Administrado-cidadão tenha para sua defesa, a qual dar-se-á no transcorrer do processo administrativo, com toda a ampla defesa e o contraditório (no âmbito do DECIF), que correrá tão logo apurada a materialidade pelo DESUP, em suas inspeções externas, seu inquérito administrativo, sua sindicância.


BIBLIOGRAFIA

Constituição Federal da República Federativa do Brasil;

Lei Complementar 105/01;

Lei 9.784/99;

Lei 9.873/99;

Decreto 20.910/32;

Decreto 70.235/72;

Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional;

"Curso de Direito Penal Brasileiro", de Luiz Regis Prado, 3ª edição, 2002, Editora Revista dos Tribunais;

"Curso de Direito Financeiro e Tributário", de Ricardo Lobo Torres, 2003, Editora Renovar;

"Direito Administrativo", de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, 13ª edição, 2001, Editoras Atlas;

"Curso de Direito Administrativo", de Celso Antônio Bandeira de Mello, 2001. Ed. Malheiros;

"A hermenêutica e o acontecer (ereignen) da Constituição: a tarefa de uma nova crítica do Direito, de Lênio Streck, Doutor em Direito, Promotor de Justiça do RS Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UNISINOS-RS.

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Sobre o autor
Rui Magalhães Piscitelli

Procurador Federal,Contador, Pós-graduado em Finanças, Integrante da Carreira de Especialista do Banco Central do Brasil, mestrando em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISCITELLI, Rui Magalhães. Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 279, 12 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5081. Acesso em: 23 dez. 2024.

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