Títulos de crédito:à ordem, ao portador ou nominativo

21/07/2016 às 08:41
Leia nesta página:

Diferenciação jurídica e legal das formas de títulos de crédito: título ao portador, título à ordem e título nominativo.

Em Direito, temos que conviver com diversas interpretações, decisões – monocráticas ou não -, jurisprudências, doutrinas etc.

Além disso tudo, temos que conviver, também, com erros materiais que ocorrem na legislação em geral e nas leis em particular.

Há de se entender que o erro material é aquele que consiste em simples lapsus linguae aut calami, ou de mera distração do legislador, ou do digitador, ou do tradutor juramentado, ou do juiz, reconhecível à primeira vista.

Daremos, aqui, alguns exemplos de erros materiais constantes na legislação:

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL:

Art. 165, em seu inciso II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

(GRIFEI – EDIFICAÇÃO. o correto é IDENTIFICAÇÃO do sujeito passivo. Claro que não se edifica um sujeito passivo.)

CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

Art. 195. § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

(GRIFEI – o correto é “são IMUNES...” e não isentas, haja vista que a Constituição Federal, na área tributária, NUNCA trata de isenção, mas tão-somente de IMUNIDADES)

CÓDIGO CIVIL:

Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

Apesar de quase irrelevante o erro, vejam que a idéia era mesmo ANUÊNCIA; tanto que o parágrafo único corrigiu.

Outros erros materiais podem facilmente ser encontrados nas legislações em geral, bem como na vida corriqueira, onde pessoas que deveriam ter noção do que falam, como jornalistas (como exemplo neste último caso, os jornalistas, em regra, dizem: “foi apreendido um caminhão de brinquedos infantis contrabandeados”, quando deveria ser “brinquedos infantis descaminhados”. Contrabando é entrada ou saída de “coisa” ou mercadoria ilegal e descaminho é a saída ou entrada de mercadoria legal, porém, com sonegação tributária).

Outro exemplo é aquele do jornal que afirma em manchete: “empresário foi raptado”, quando o correto é “sequestrado”, haja vista que rapto era uma tipificação antiga do código penal, que era: subtrair mulher honesta de casa, para fins libidinosos.

E assim vai. Concordo que alguns erros não são de difícil detecção, bem como, passam despercebidos, sem prejudicar o contexto e a ideia central do artigo ou da frase. Exemplo de erro gramatical é o uso da expressão: “ENTRADA RESTRITA AOS FUNCIONÁRIOS”. Ora, se é restrita a, é proibida a, ou seja, restringida a. Daí, nenhum funcionário poderá entrar. O correto seria: ENTRADA RESTRITA DE FUNCIONÁRIOS. Mas, isso seria importante num concurso público. Aliás, existem até mesmo erros por mero coloquialismo, que na maioria das vezes, na prática não trazem prejuízos. Exemplo que dou aqui é chamar o cheque passado para pagamento futuro de “cheque pré-datado”. Ora, se o cheque tem natureza jurídica de título de crédito pró soluto, sendo uma ordem de pagamento à vista, o cheque quando circula com sua natureza jurídica, ele é para ser pago imediatamente, ou seja, sem qualquer prazo estipulado. Porém, se o cheque é passado com natureza civil de pacta sunt servanda (o acordo faz lei entre as partes), ou seja, para pagamento futuro, como garantia de dívida, há aí um diferimento em seu pagamento. Por isso, os argentinos, os paraguaios e os uruguaios chamam o cheque para pagamento futuro de “cheque de pago DIFERIDO”. Lá, naqueles países existe o cheque para pagamento futuro.

Fácil exemplo é o caso de um aparelho celular no qual o seu proprietário paga a conta antes de usá-lo. Aí, o celular é chamado de pré-pago. Justamente, porque está sendo pago anteriormente (à vista) e quando o celular é para pagamento posterior ao uso, diferidamente (no futuro), é conhecido como aparelho pós-pago.

Ora, cheque para pagar depois: PÓS e para pagamento à vista, PRÉ. Simples assim.

Adentro, agora, ao tema a que me propus.

A Lei Uniforme de Genebra não fugiu à regra e foi traduzida para o português com alguns erros materiais.

Um exemplo flagrante é a seguinte expressão:

“Art. 31, do Decreto 57.663, de 1966: “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (SIC)”. O erro ocorreu no momento da tradução. Ou é avalista ou é fiador. O aval e a fiança são dois institutos jurídicos de garantia muito diferentes. Temos mais ou menos 10 diferenças e umas três únicas similaridades: ambos são garantias pessoais, ambos são, em regra gratuitos, ambos são unilaterais e exigem outorga conjugal (em regra). No mais, são completamente diferentes. Assim, nesse artigo, onde se lê afiançada, entenda como avalizada.

Outro erro foi a tradução do título à ordem para o título “nominativo”, como se pode ver em algumas passagens.

Pode-se ver, também, a utilização do título à ordem. Na verdade, tanto a LUG – Lei Uniforme de Genebra, quanto a Lei do Cheque fez uma miscelânea. Veja alguns exemplos:

Art. 6º, da LUG – Lei Uniforme de Genebra (toda vez que for mencionado LUG, entenda Lei Uniforme de Genebra, regulamentada pelo Decreto 57.595, de 1966) – “O cheque pode ser passado à ordem do próprio sacador”.

Art. 3º, da LUG – “A letra de câmbio pode ser à ordem do próprio sacador”.

Lei do Cheque, art. 28 – “O endosso no cheque nominativo (SIC) pago pelo banco contra o qual foi sacado, prova o recebimento da respectiva...

No sítio do Banco Central, que é o Banco dos Bancos brasileiros, encontramos a seguinte preciosidade: “o cheque nominal (nominativo)...” (sic).

 - Título NOMINATIVO: é aquele cujo nome do beneficiário consta no registro do emitente. Trata-se, portanto, do título emitido em nome de pessoa determinada.

Observação: O TÍTULO AO PORTADOR É TRANFERÍVEL PELA SIMPLES TRADIÇÃO (TRADIÇÃO quer dizer entrega – passar de uma pessoa para outra; de mão em mão.)

ATENÇÃO! NÃO É CHEQUE NOMINAL A FULANO DE TAL. NOMINAL é o valor do título. O CHEQUE TAMBÉM NÃO É NOMINATIVO. O CHEQUE SERÁ À ORDEM DE ALGUÉM, OU AO PORTADOR (SE SEU VALOR FOR DE ATÉ R$ 100,00). Veja: MOTIVO 48 - cheque de valor superior a R$ 100,00 sem identificação do beneficiário - Circ. 2.444, art.1º CIRCULAR 2.444 - Regulamenta a devolução, no Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis (SCCOP), de cheques DE VALOR SUPERIOR A R$ 100,00 (cem reais), sem a identificação do beneficiário.

Um título de MIL REAIS possui o seu valor NOMINAL de R$ 1.000,00 e será À ORDEM a determinado beneficiário/favorecido.

Impossível emitir-se um cheque nominal a alguém: “mil guilhermes cabrais”, haja vista que nominal diz respeito ao valor.

CUIDADO! TÍTULO NOMINATIVO X TÍTULO À ORDEM DO TÍTULO AO PORTADOR.

O título ao portador é aquele que não traz inscrito o nome do beneficiário do crédito ali afirmado. Ou, se era à ordem, o beneficiário tenha endossado em branco, passando o cheque, que estava à ordem, ao portador.

A transferência de título ao portador se faz por simples tradição (tradição = modo aquisitivo derivado da posse).

O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente.

É nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial.

DO TÍTULO À ORDEM:

Tem-se um título à ordem, sempre que a cártula traz a indicação do beneficiário do crédito ali inscrito (ou dos beneficiários – solidariamente ou não solidariamente), permitindo-se que o pagamento se faça a outrem, à ordem do beneficiário nomeado no documento.

Há, assim, dois elementos para a sua caracterização: a) o título não apenas afirma a obrigação certa de um devedor certo, mas também traz a indicação de um beneficiário certo; b) faculta-se ao favorecido nomeado na cártula ordenar que o pagamento se faça a outrem, seja indicando essa outra pessoa (ENDOSSO EM PRETO), seja não indicando (ENDOSSO EM BRANCO). O endosso deve ser lançado pelo endossante no verso ou anverso do próprio título. Pode o endossante designar o endossatário, e para validade do endosso, dado no verso do título, é suficiente a simples assinatura do endossante. A transferência por endosso completa-se com a tradição do título. Daí, percebe-se que o endosso transfere somente a propriedade do título e a tradição transfere a posse. Daí a necessidade do endosso e a tradição para que o novo favorecido tenha a propriedade do direito creditício e a posse da cártula (que consubstancia o crédito num documento).

Considera-se legítimo possuidor o portador do título à ordem com série regular e ininterrupta de endossos, ainda que o último seja em branco.

O endossatário de endosso em branco pode mudá-lo para endosso em preto, completando-o com o seu nome ou de terceiro; pode endossar novamente o título, em branco ou em preto; ou pode transferi-lo sem novo endosso.

Art. 18, do Decreto 57.595, de 07.01.1966 – que regulamentou a LUG reza: “SALVO ESTIPULAÇÃO EM CONTRÁRIO, O ENDOSSANTE GARANTE O PAGAMENTO”. Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário.

DO TÍTULO NÃO À ORDEM:

Uma observação necessária a fazer é a de que o ENDOSSO é uma espécie de CESSÃO DE CRÉDITO. Daí, podermos dizer que todo endosso é uma cessão de crédito, mas nem toda cessão de crédito é um endosso.

Conforme ensina o mestre Gladston Mamede, em seu livro Títulos de Crédito, Editora Atlas, “o endosso, porém, ainda que seja uma cessão de crédito, em sentido largo, é, em sentido estrito, bastante distinto do instituto jurídico da cessão de crédito. O endosso é um ato jurídico unilateral que preserva autonomia, independência e abstração em relação ao negócio fundamental, no qual a cártula foi emitida, quando sejam essas as características dadas em abstrato ou em concreto do título; não há, portanto, abrangência de todos os acessórios do crédito, tal qual estipulado pelo art. 287 do Código Civil.”

A transferência de um título NÃO À ORDEM, não é um endosso, mas sim uma cessão de crédito, com as conseqüências jurídicas desta. Contudo, a cessão poderá ser pro soluto ou pro solvendo, cujos efeitos são distintos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Na cessão pro solvendo, o cedente, embora transfira o crédito, continua responsável pela solvência do mesmo, ou seja, somente ficará liberto deste encargo quando o cessionário receber a importância do crédito. O que vale dizer que o cedente garante a solvabilidade do crédito cedido, como por exemplo, o que ocorre na operação de DESCONTO BANCÁRIO. Já na cessão pro soluto, o cedente transfere o crédito em definitivo ao cessionário, não respondendo aquele pela solvabilidade do mesmo. Ou seja, o cessionário adquire o crédito e assume o risco de sua solvabilidade, como por exemplo, o que ocorre na operação de FACTORING.

DO TÍTULO NOMINATIVO:

Ao contrário do que é comum ouvir na vida prática, o título nominativo não é aquele que traz nomeado seu beneficiário (que seria um título à ordem), mas aquele que é emitido em favor de pessoa cujo nome conste no registro do emitente, conforme expressa disposição do Código Civil. Como diz Mamede, “sua característica distintiva é um lastro necessário como um registro específico, de responsabilidade do emitente da cártula, ao qual se mantém vinculado o título. Note-se que o título nominativo não precisa conter o nome do beneficiário, deixa-o subentendido o art. 923, em seu § 3º, quando diz: “CASO o título original contenha o nome do primitivo proprietário, tem direito o adquirente a obter do emitente novo título, em seu nome, devendo a emissão do novo título constar no registro do emitente (GRIFAMOS)”. O essencial, portanto, é o registro peculiar mantido pelo emitente.” É título nominativo o emitido em favor de pessoa cujo nome conste no registro do emitente.

Transfere-se o título nominativo mediante termo, em registro do emitente, assinado pelo proprietário e pelo adquirente. O título nominativo também pode ser transferido por endosso que contenha o nome do endossatário. A transferência mediante endosso só tem eficácia perante o emitente, uma vez feita a competente averbação em seu registro, podendo o emitente exigir do endossatário que comprove a autenticidade da assinatura do endossante.

O endossatário, legitimado por série regular e ininterrupta de endossos, tem o direito de obter a averbação no registro do emitente, comprovada a autenticidade das assinaturas de todos os endossantes. Ressalvada proibição legal, pode o título nominativo ser transformado em à ordem ou ao portador, a pedido do proprietário e à sua custa.

O novo Código Civil trouxe o conceito de Título à Ordem, Título Nominativo e Título ao Portador, reservando a cada um deles um CAPÍTULO PRÓPRIO (TÍTULO VIII - Dos Títulos de Crédito - (...) CAPÍTULO II - Do Título ao Portador - Art. 904 usque art. 909; CAPÍTULO III - Do Título À Ordem - Art. 910 usque 920 e, por fim, CAPÍTULO IV - Do Título Nominativo - Art. 921 usque 926, colocando, assim, uma pá de cal sobre a dúvida, conforme veremos a seguir.

LEI DAS S.A. (6.404/776)

Art. 31. A propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no livro de "Registro de Ações Nominativas" ou pelo extrato que seja fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das ações.

§ 1º A transferência das ações nominativas opera-se por termo lavrado no livro de "Transferência de Ações Nominativas", datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos representantes.

Art. 63. As debêntures serão nominativas, aplicando-se, no que couber, o disposto nas seções V a VII do Capítulo III.

Alfim, chegamos às seguintes conclusões: o título de crédito ou é ao portador, ou é à ordem, ou é nominativo, e não se confundem. Cheques, notas promissórias, letras de câmbio e duplicatas jamais serão nominativos (muito menos nominais – que é tratativa de valor).

Registro que a minha intenção não é mudar o mundo coloquial, mas demonstrar para meus alunos, para os profissionais da área e demais pessoas interessadas, o que é um título de crédito à ordem, um título de crédito não à ordem, um título nominativo e um título ao portador.

Pode não ter significância na vida corriqueira, mas para os concursos públicos tem total relevância. E este foi o motivo de eu ter trazido esta questão à baila.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Guilherme Castro Cabral

Professor de curso preparatório há 36 anos, bacharel em Direito pela UNIMONTES, Especialista em Direito Empresarial, com especialização em Títulos de Crédito e monografia final da pós graduação cujo tema foi: OS TÍTULOS DE CRÉDITO E SUAS NUANÇAS. Ex professor universitário por oito anos, em Direito Comercial II - Títulos de Crédito (UPIS, CESUBRA, UNIP e UNICEUB - todas em Brasília - DF).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos