Decisões provisórias em sede de controle de constitucionalidade

24/07/2016 às 20:26
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Tratam-se de breves considerações sobre os efeitos das decisões provisórias proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, bem como sobre a disciplina das relações jurídicas decorrentes das liminares concedidas em ações constitucionais.

 

 

 

 

1. Introdução

O presente estudo tem por objeto análise mais abrangente quanto às decisões provisórias em sede de controle abstrato de constitucionalidade, o que abarca o conjunto das decisões do Poder Judiciário em ações envolvendo matéria constitucional, isto é, os provimentos judiciais que dirimem dissídios relacionados à ameaça ou à violação de direitos subjetivos, em ações e procedimentos comuns ou especiais disciplinados na legislação processual, bem como as que são prolatadas, em caráter liminar ou definitivo, nos processos de natureza objetiva de controle abstrato de constitucionalidade.

Temos por enfoque preliminar as decisões, verdadeiras sentenças, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e a conseqüente materialização dos efeitos erga omnes, bem como sua autoridade, passando-se então a analisar a problemática relacionada com a estabilidade dos julgados em matéria constitucional e a sua eficácia para produzir efeitos futuros. Os vínculos entre controle abstrato e controle concreto de constitucionalidade, que se manifestam especialmente nas relações jurídicas de trato continuado, e os conflitos entre importantes valores e institutos são abordados sob a perspectiva da eficácia temporal dos julgados, sua rescindibilidade, revisibilidade e a extinção da sua força vinculante em face de alterações no estado de fato ou de direito.

Envolve a jurisdição constitucional a atividade jurisdicional que tenha por matéria de trato a interpretação e a aplicação da Constituição, ao que o singelo estudo destaca e prioriza as questões relacionadas com a eficácia dos julgados sob o enfoque oferecido pelo sistema brasileiro de guarda da Constituição e, mais especificamente, pelo sistema de controle da constitucionalidade dos preceitos normativos.

 

 

2. Medidas cautelares no âmbito da Lei 9.868 de 1999

 

A Carta Política previu de forma explícita o julgamento de “pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade ao discriminar a competência do Supremo Tribunal Federal, não fazendo referência, entretanto, à medida na ação declaratória de constitucionalidade, ao que a assentou-se naquela Corte o entendimento de que semelhante provimento pode ser deferido também nessa ação, consoante restou consignado no julgamento da ADC 4, de relatoria do Min. Sydney Sanches (RTJ 169/393). Asseverou o relator que a função cautelar, genericamente considerada como a de adoção de providências indispensáveis para prevenir riscos de ineficácia da futura decisão de mérito, é inerente à atividade jurisdicional e lembrou que, pela mesma razão, no passado, quando a Constituição era silente sobre a concessão de liminar também na ação direta, mesmo assim o Supremo a considerou cabível (RTJ 169/396). No caso da ação declaratória não seria razoável supor-se o contrário, até porque, sem a providência, poderia periclitar a eficácia do provimento definitivo, ao que o argumento foi adotado pela maioria dos votos, invocando-se doutrina no mesmo sentido.

O que restou decidido neste precedente? Afirmou-se, em suma, que o chamado “poder geral de cautela” decorre da própria Constituição, sendo inerente à função jurisdicional, razão pela qual pode e deve ser exercido, independentemente de regulamentação por norma inferior, quando indispensável à garantia da efetividade das decisões, pois assim é âmbito da jurisdição comum, e com maior razão deve sê-lo no âmbito da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal. Insta salientar ser de grande relevância tal constatação, porque dela decorre também a de que o legislador ordinário não pode eliminar o poder cautelar e nem mesmo está legitimado a impor-lhe restrições que não sejam razoáveis e justificáveis.

Destaco para melhor esclarecimento os dispositivos legais da Lei 9.868/99 que tratam o tema, verbis:

 

Da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.

§ 1o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.

§ 2o No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal.

§ 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.

Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.

§ 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.

§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

(...)

Da Medida Cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade

Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia.

 

 

Assim, a norma legal, ao reconhecer o cabimento de medida cautelar, tanto para as ações diretas de inconstitucionalidade, quanto para as ações declaratórias de constitucionalidade, apenas explicitou um poder que o STF já detinha por força da própria Constituição. A crítica que se pode fazer a essa lei, especialmente ao art. 21, é, ao contrário, a aparente restrição injustificada que impõe ao poder geral de cautela nas ações declaratórias, empecilho superável, conforme se verá, com o abandono da interpretação puramente literal, de modo a dar ao dispositivo uma compreensão que lhe empreste conformidade ao sistema constitucional.

 

3. Medidas liminares em ação declaratória de inconstitucionalidade, de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Como sói acontecer com os provimentos de tutela provisória, é pressuposto para o deferimento de medida liminar a presença concomitante da fumaça do bom direito (fumus boni iuris) por estarem presentes a relevância dos fundamentos invocados na inicial e o perigo da demora (periculum in mora) caracterizado como a necessidade ou a conveniência da providência antecipada, para garantir a efetividade do resultado do futuro e provável juízo de procedência. A concessão de liminar, na demanda direta de inconstitucionalidade, decidiu o STF, não prescinde do convencimento, ao primeiro exame, sobre o concurso do sinal do bom direito, ou como diria a Ministra Eliana Calmon em suas decisões liminares: “de fiapo de direito”, a demonstrar a relevância do pedido, e do risco de manter-se, eficaz, o dispositivo legal que se pretende ver, afinal, alvejado.

Não especificou a Carta Política, fonte do poder geral de cautela, o conteúdo das providências a serem deferidas liminarmente nas ações de controle concentrado, e não era necessário que o fizesse, já que a definição específica de tais medidas terá de ser moldada de acordo com a sua finalidade e segundo as circunstâncias de cada caso, ocorrências que, insuscetíveis de serem previstas em norma constitucional, podem ser estabelecidas pelo Judiciário. Desta forma, seguindo a linha jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, na ação direta de inconstitucionalidade o provimento liminar consiste em suspender, até o julgamento definitivo, a eficácia do preceito normativo objeto da ação, com a consequente retomada da aplicabilidade das normas anteriores acaso existentes, entendimento que ganhou a chancela do legislador atribuindo-lhe efeito repristinatório, verbis:

 

Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.

(...).

§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

 

 

Nos casos em que a procedência da ação importar declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, o pedido de liminar poderá ser acolhido com utilização da técnica de concessão “para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem redução de sua expressão literal”, consoante precedente liminar seguinte, litteris:

 

Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. - Ocorrência, no caso, da relevância jurídica e do "periculum in mora", com relação a ambos os dispositivos impugnados. - Sucede, porem, que a inconstitucionalidade argüida quanto ao parágrafo único do artigo 86 da Constituição do Estado do Amazonas visa apenas a extensão, que ele determina, implicitamente, que se faça ao Ministério Público, do inciso V do artigo 64 da mesma Carta Magna. Implicitamente, porque essa extensão decorre dos termos "IV a XIII" que integram a remissão feita pelo primeiro desses dispositivos. - No caso, portanto, como não se pode suspender a eficácia de qualquer expressão do dispositivo impugnado, pois este não alude ao inciso V do artigo 64 senão implicitamente por meio da expressão abrangente ("IV a XIII"), impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar "para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal", que, se feita, abarcaria normas autônomas, e, portanto, cindíveis, que não são atacadas como inconstitucionais. Pedido de liminar deferido, em parte, para suspender, "ex nunc", a eficácia do artigo 9. da Lei n. 1946, de 14.3.90, do Estado do Amazonas, bem como para suspender, sem redução da letra de seu texto, a aplicação do parágrafo único do artigo 86 da Constituição do mesmo Estado, no que concerne a remissão ao inciso V do artigo 64 dela também constante. (ADI 491 MC, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/1991, DJ 25-10-1991 PP-15027 EMENT VOL-01639-01 PP-00037 RTJ VOL-00137-01 PP-00090)

 

 

A medida tem sentido oposto na ação declaratória de constitucionalidade, qual seja, o de confirmar a eficácia da norma, sustentando a presunção da sua legitimidade enquanto não sobrevier a decisão final, ao que ao fim e ao cabo significa provimento para suspender o controle difuso de constitucionalidade, inibindo, consequentemente, a adoção de atos ou decisões contrários aos comandos impostos pelo preceito normativo objeto da ação declaratória. Julgando pela primeira vez pedido dessa natureza, na ADC 4, em que se buscava declarar a legitimidade de normas que impunham restrições à antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, a Corte Suprema deferiu liminar para suspender, como eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada, contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97, sustando ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública.

Observa-se, então, a íntima relação de pertinência entre o conteúdo da medida liminar e o da futura sentença final, pois os efeitos daquela, os quais resultam, conforme se tratar de ação direta ou de ação declaratória, em suspensão ou em imposição da eficácia do preceito normativo objeto da demanda, coincidem com os que decorrerão da futura e eventual procedência da ação, o que revela tratar-se de provimento de natureza antecipatória.

Ressalta-se ainda o fato de ter se acentuado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, na ação direta, a concessão da medida cautelar importa em adiantamento provisório da prestação jurisdicional definitiva, cujos limites são os desta, pois ela antecipa os efeitos da futura declaração de uma inconstitucionalidade aparente ao primeiro exame.

Em análise aos dispositivos da Lei 9.868/99, observa-se que a norma disposta em seu art. 21, aparentemente, limita o âmbito material da liminar em ação declaratória à “determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo”. Uma interpretação literal, acompanhada do argumento a contrario sensu, acarretaria um resultado absolutamente restritivo, que seria o seguinte “em ação declaratória de constitucionalidade, o STF pode determinar, liminarmente, a suspensão do julgamento dos processos em curso que envolvam a aplicação da norma questionada; mas não pode deferir nenhuma outra providência liminar”.

Verifica-se clara restrição injustificada, sob a ótica deste método interpretativo, o qual deve ser afastado, já que restringe o amplo poder cautelar que o sistema constitucional confere à Corte Suprema. Ora, simplesmente suspender o julgamento dos processos é medida de pouca eficácia no plano da realidade, notadamente porque não impede a concessão da tutela antecipada, inclusive por decisão com orientação oposta àquela adotada pelo STF. Aliás, a liminar que simplesmente suspende o julgamento de todos os processos, pode em certos casos, ser não apenas improdutiva, como se revelar até medida antiprodutiva, já que inviabiliza, inclusive, a prolação de sentenças no sentido da constitucionalidade da norma, ou seja, de sentenças com linha de orientação compatível com a da medida antecipatória, sendo, sob este aspecto, paradoxalmente, providência contrária aos interesses dos que dela deveriam ou poderiam beneficiar-se.

Impõe considerar, ainda, que não há justificativa à restrição ao alcance da liminar pela similitude entre a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade. Com efeito, pois são ações rigorosamente dúplices, com objeto idêntico e potencialidades claramente comuns, ao que seria surreal, ou mesmo kafkiano, nos dizeres do Ministro Sepúlveda Pertence, limitar o poder vinculante a uma e negar a outra. Pode-se, assim, afirmar que também seria kafkiano conter ou restringir as virtualidades da liminar a uma e não a outra, vez que não há razão alguma para justificar, quando o autor da ação afirma a constitucionalidade da norma, limite-se a liminar apenas à suspensão do julgamento e permita amplamente medidas de outras naturezas quando se afirma sua inconstitucionalidade.

Conclui-se que a suspensão do julgamento dos processos, a que se refere o art. 21 da Lei 9.868/99, é um dos efeitos possíveis da liminar, mas não efeito necessário, tão pouco exclusivo, facultando-se à Corte Suprema, com base no poder que deriva da própria Constituição, determinar providências que considerar necessárias para afastar o periculum in mora segundo as circunstâncias de cada caso, vez que não cabe ao legislador ordinário estabelecer, em numerus clausus, as configurações que tais providências podem assumir, nem limitar o seu alcance de forma que iniba a consecução da finalidade a que se destinam. Indispensável considerar, nesse domínio jurídico de estabelecer o conteúdo da liminar nas ações de controle em abstrato, que a tutela da efetividade das sentenças constitui não apenas poder, mas também dever do Supremo, e que a fonte desse poder-dever está na própria Carta Magna, ao que deve ser exercido sempre que necessário e com adoção das providência que sejam indispensáveis.

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Ora, o poder cautelar é inerente à jurisdição, consoante asseverou o Ministro Sepúlveda Pertence nos autos da ADC 4, menos como proteção ao direito da parte do que como proteção à eficácia do processo, instrumento da função pública da jurisdição. É um poder absolutamente publicístico. É o Poder Judiciário o titular da jurisdição, como todo poder, destinado a atuar sobre a realidade, o que lhe traz, implicitamente, o poder de resguardar a eficácia futura do exercício legítimo do seu poder. E se assim é no processo comum, no processo subjetivo de interesse restrito às partes, com muito mais razão assim há de ser nos processos objetivos de guarda da Constituição, o maior poder que se entregou no nosso sistema a um órgão jurisdicional, qual seja, a declaração de inconstitucionalidade ou a declaração de constitucionalidade da lei, a meu ver, em qualquer hipótese, com efeitos erga omnes e força vinculante.

O deferimento de liminar também é cabível em argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 3º do art. 5º da Lei 9.882/99, verbis:

 

Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

§ 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.

§ 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

§ 3o A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada. (Vide ADIN 2.231-8, de 2000)

§ 4o (VETADO)

 

 

Cumpre assinalar, todavia, a exemplo do que se disse sobre o art. 21 da Lei 9.868/99, que as providências liminares indicadas pelo legislador não podem ser interpretadas como exaustivas, mas meramente indicativas. Faculta-se à Corte Suprema, com base no poder que deriva da própria Constituição, determinar outras providências que, segundo a relevância e a gravidade do caso examinado, forem indispensáveis para afastar o perigo da demora e assim preservar a ordem jurídica e os valores constitucionais postos a risco.

 

4. Poder executivo das decisões liminares

As medidas liminares, tratando-se de provimento destinado a afastar riscos à efetividade da tutela definitiva, atuam não em domínio meramente formal, mas no plano da realidade. Seu objetivo não é, portanto, o de declarar provisoriamente a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do preceito normativo, o que representaria, segundo a distinção já estabelecida, uma eficácia normativa de caráter provisório, mas o de impor comportamentos compatíveis com os que deverão decorrer da futura declaração. Quando se suspende liminarmente a vigência de uma lei, em verdade não se declara sua inconstitucionalidade, mas evita-se que ela, a partir da concessão liminar, produza efeitos negativos.

Necessário considerar que, a exemplo dos preceitos normativos abstratos, as sentenças judiciais contém dupla aptidão, qual seja, para atuar no plano jurídico-formal, declarando, constituindo ou condenando; e para atuar no campo social, impondo comportamentos adequados ao que nela ficou declarado, ou constituído ou condenado. Sem essa segunda virtude, a sentença não passaria de mera consulta, desprovida de utilidade prática, incapaz de se tornar efetiva. O periculum in mora é fenômeno que se passa no domínio dos fatos, o que o relaciona necessariamente à eficácia social da sentença. No plano meramente formal, a utilidade, ou mesmo eficácia da liminar, não está sujeita a risco algum, já que sempre será possível expedir declaração, mesmo quando as consequências práticas daí decorrentes sejam de impossível efetivação, por estarem irremediavelmente comprometidas pelo fato consumado.

Desta forma, a garantia da efetividade se dá mediante antecipação da eficácia social da futura sentença, ou seja, pela imposição, aos destinatários, de condutas adequadas com o conteúdo da tutela definitiva, inibindo, assim, a configuração de situações faticamente irreversíveis ou de difícil reversão. Tais efeitos, considerados lato sensu, têm natureza executiva, e não são estranhos às sentenças declaratórias, que têm força de preceito suficiente para impor aos destinatários os comportamentos adequados ao que nelas ficar declarado, pois é exatamente isso que ocorre com as liminares deferidas nas ações de controle concentrado. Elas antecipam efeitos executivos que podem decorrer da futura sentença de procedência.

Ora, as sentenças de mérito em ações de controle concentrado, que têm a eficácia jurídico-formal de declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de um preceito normativo, produzem, como efeitos executivos, o de impor comportamentos compatíveis com a observância da norma declarada constitucional e o de inibir comportamentos decorrentes da aplicação da que seja inconstitucional, em qualquer caso, com eficácia erga omnes e efeito vinculante. E é justamente esse o domínio jurídico em que atua a medida liminar.

 

5. Efeitos vinculantes das medidas liminares em sede de controle constitucional

É interessante analisar, para bem situar a questão, a obrigatoriedade do atendimento à decisão liminar, sem a qual não se atingirá o seu fim precípuo de afastar eficazmente o perigo da demora. Não se observa que a Constituição tenha atribuído ao Supremo Tribunal Federal a competência para determinar liminarmente as providências destinadas a combater os riscos à efetividade da futura sentença sem dotar tal provimento de carga impositiva e obrigatória; ou que tenha negado ao Tribunal as armas necessárias para enfrentar o referido combate, pois a liminar, como a sentença final, tem força vinculante, e sua inobservância dá ensejo à utilização, pelos legitimados a promover a demanda, do instrumento da reclamação.

Em verdade, efeito vinculante é decorrência necessária da eficácia social do provimento e do poder geral de cautela inerente à função jurisdicional, e por se tratar de provimento vocacionado a operar no domínio social, a medida antecipatória somente terá algum sentido prático se for apoiada por meios coercitivos aptos a impor seu cumprimento, ou seja, na medida em que estiver dotada de efeito vinculante. Desta forma, em razão de sua natureza preventiva, destinada a afastar os possíveis danos que, daí em diante, possam comprometer a efetividade do provimento final, a medida liminar tem, em regra, apenas eficácia futura, ou seja, ex nunc, ao que embora não produza a anulação ou a extinção de atos anteriores, compreende-se no provimento liminar a inibição dos efeitos futuros daqueles atos.

Admite-se, excepcionalmente, eficácia retroativa, a teor do § 1º do art. 11 da lei nº 9.868/99, anteriormente transcrito, destinada a recompor o estado anterior, caso essa providência seja necessária para afastar o periculum in mora. Assim ocorre, v.g., quando o preceito impugnado importou um desfazer, como a desconstituição de atos ou de situações jurídicas (exoneração de servidores), caso em que o afastamento do perigo supõe um refazer. Em semelhantes situações, “quando a norma impugnada tem os seus efeitos exauridos logo após sua entrada em vigor, mas com repercussão indireta no futuro pela desconstituição de atos pretéritos”, justifica-se, conforme orientação do STF, a outorga de liminar com eficácia ex tunc.

Os efeitos retroativos são concebíveis quando expressamente autorizados pela decisão, e havendo silêncio a respeito da matéria, tem-se de entender que a liminar produz apenas efeitos ex nunc. O termo inicial da eficácia da liminar é, em regra, a data da publicação, no Diário de Justiça da União, da ata da sessão de julgamento em que a medida foi deferida, ressalvada decisão expressa sentido contrário. Assim como se fossem verdadeiras sentenças definitivas, os provimentos antecipatórios nas ações de controle concentrado espraiam eficácia contra todos, o que significa dizer que, deferida a liminar, a ninguém será legítimo invocar em seu favor, nem aos tribunais aplicar, o preceito normativo cuja vigência tiver sido por ela sustada em ação direta, ou negar aplicação à norma cuja vigência foi por ela imposta na ação declaratória.

Assim, se a norma suspensa criou ou aumentou tributo, ao Fisco não se permitirá lançá-lo, e se já o lançou, não poderá cobrá-lo, nem judicial, tão pouco extrajudicialmente. No mesmo sentido, dispondo a norma sobre aumento de vencimentos, fica a Administração impedida de pagá-lo, e o servidor inibido de exigi-lo. Fenômeno idêntico, e com sentido oposto, ocorre na ação declaratória de constitucionalidade: deferida liminar impondo a vigência da norma, inibe-se, a todos e para todos os efeitos, a invocação da sua inconstitucionalidade.

 

 

6. Instrumentos de controle das decisões provisórias

 

Como se procede em relação ao cumprimento ou não das medidas antecipatórias? Ora, o controle do seu cumprimento pode ser feito por via de reclamação, no âmbito do controle concentrado, ou por ação individual, nas vias ordinárias. O cabimento da reclamação está condicionado aos mesmos pressupostos exigidos em caso de descumprimento da sentença definitiva, quais sejam, que o descumprimento da liminar tenha decorrido de ato superveniente à decisão, praticado por pessoa, órgão ou entidade vinculada ao processo de controle concentrado ou à criação da norma que lhe serve de objeto; e que a reclamação seja proposta por ente legitimado a ajuizar a ação.

Não sendo caso de reclamação, ou não sendo ela ajuizada, a execução da liminar pode ser fiscalizada e operada por via jurisdicional difusa, no âmbito dos processos individuais, cumprindo ao juiz, vinculado que está à decisão proferida na ação de controle concentrado, dar-lhe o devido cumprimento ao julgar as demandas individuais em que a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do preceito normativo esteja em causa. Portanto, o provimento antecipatório na ação de controle concentrado não constitui causa de extinção do processo sem exame do mérito no caso concreto nem impede, salvo determinação do Supremo Tribunal, que o juiz dê curso regular às demandas em que se controverte a respeito da incidência do preceito questionado.

Não obstante, em razão das consequências que poderão advir da eventual revogação da medida, pode o juiz ou o tribunal determinar a suspensão do julgamento, aguardando o desfecho da ação de controle concentrado em que foi proferida a liminar, para o que tem apoio no art. 313, V, a, do novo Código de Processo Civil. Optando por dar curso à demanda, terá de obedecer, nas suas decisões, ao comando emergente da medida antecipatória deferida no âmbito do controle concentrado, ressaltando que o descumprimento ensejará, conforme o caso, pedido de reclamação ou a reforma da decisão pela via recursal ordinária (CF, art. 102, II) ou extraordinária (CF, art. 102, III).

Quanto ao incidente de inconstitucionalidade previsto no art. 948 do novo Código de Processo Civil, a existência de liminar o torna incabível ou prejudicado, dispensando o julgamento da matéria pela maioria absoluta dos membros do tribunal ou do seu órgão especial, a que alude o art. 97 da Constituição. É decorrência natural da eficácia erga omnes e vinculante dessas liminares, cujos reflexos subordinantes em relação aos demais órgãos do Judiciário inibem a prolação de decisões em sentido contrário. A decisão que indefere a liminar tem, como as que a deferem, a eficácia de dispensar o incidente de inconstitucionalidade de que trata o art. 948 do novo CPC perante os tribunais? A resposta, em princípio, deve ser negativa. É que o deferimento da liminar, conforme se observou, supõe a concorrência de dois requisitos: o  fumus boni iuris, ou seja, a relevância do fundamento da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da norma, e o periculum in mora, ou seja, a necessidade ou a conveniência do deferimento da medida como forma de preservar a utilidade da sentença definitiva. Desta forma, quando se defere a liminar, está se atestando a presença da fumaça do bom direito, ou seja, há a palavra do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma e é essa a razão fundamental que justifica seu efeito vinculante.

Todavia, a decisão que indefere a medida não contém, necessariamente, um juízo sobre o fumus boni iuris. A ausência do periculum in mora constitui, por si só, fundamento para indeferir, mesmo nos casos em que se faça presente a relevância do fundamento da inconstitucionalidade. Não há sentido, consequentemente, nos casos de indeferimento da liminar, considerar vinculante a decisão, impedindo que, na via difusa, seja instalado o incidente de inconstitucionalidade previsto no artigo 948 do novo CPC. Entretanto, não se pode desconsiderar a importância do precedente quando ficar demonstrado claramente que o fundamento para indeferir a liminar foi, segundo os votos da maioria dos Ministros do Supremo, pela falta da relevância da alegação de inconstitucionalidade da norma.

Desta forma, ainda que esta decisão não impeça a instalação do incidente perante o plenário ou órgão especial dos tribunais, a força persuasiva de sua autoridade há de ser considerada no exame do mérito da alegação de inconstitucionalidade do preceito normativo.

 

7. Natureza provisória das liminares e efeitos da sua revogação

A provisoriedade é nota característica dos provimentos antecipatórios, sujeitos que estão a ser revogados a qualquer tempo, não apenas pelo advento de sentença de mérito em sentido contrário, mas também quando o processo, por outra razão, resultar extinto sem julgamento de mérito. Por se tratar de medida que tem força obrigatória e eficácia subjetiva universal, a natureza provisória da liminar importa consequências notáveis no âmbito das relações jurídicas: ela contamina com a marca de precariedade todas as situações de direito relacionadas com a norma cuja incidência tenha sido imposta ou sustada por força do seu comando vinculativo. Os atos e as abstenções, os direitos, deveres, faculdades, pretensões, ônus, preclusões, nascidos sob a influência da liminar, terão, necessariamente, natureza também precária, ficando submetidos a uma especial condição, suspensiva ou resolutiva: a da confirmação da liminar pela sentença final de procedência da ação. Da mesma forma, as sentenças que, apreciando dissídios concretos, tiverem solucionado a causa observando, como devem, os ditames daquele comando provisório – ou seja, aplicando a norma cuja incidência foi imposta por liminar em ação declaratória, ou não fazendo incidir outra, suspensa em ação direta – são sentenças que, ainda quando transitadas em julgado, guardarão marca de provisoriedade, semelhante à que adere à liminar que lhes deu suporte.

Esta situação de geral provisoriedade - fenômeno que não é novo, mas que é cada dia mais frequente em nossa prática constitucional, ante o privilegiamento que a atual Constituição outorgou ao sistema de controle concentrado de fiscalização dos atos normativos -, resulta, necessariamente, em um dos seguintes desenlaces: (a) a procedência da ação, com a confirmação da medida antecipatória, o que consolidará, definitivamente, as situações jurídicas precariamente nascidas sob o pálio da liminar; ou (b) a revogação da liminar, que acarretará o retorno ao status quo ante, impondo a necessidade de ajustamento das situações jurídicas resultantes do cumprimento da medida revogada.

É o segundo modo de desenlace, decorrente da revogação, o que desperta as questões mais delicadas, notadamente em face das múltiplas variantes com que se podem apresentar as situações jurídicas pretéritas. Para solucioná-las, há de se partir de um princípio indeclinável: o de que a obediência ao comando vinculativo da liminar não pode, em caso de sua revogação, resultar em prejuízo a quem foi a ela submetido compulsoriamente. Por isso, há de se assegurar, a quem cumpriu a liminar, a restauração do status jurídico que detinha ao tempo em que ela passou a viger, com todos os direitos, faculdades, ações e pretensões que poderiam ter sido exercidos não fosse a eficácia impeditiva da referida medida. Em outras palavras, há de se considerar que a revogação da medida liminar opera efeitos ex tunc.

Será também importante, nesse mister, identificar a causa da revogação, que, como salientado, pode ser uma de duas: (a) por extinção do processo sem julgamento do mérito; ou (b) por sentença de improcedência. Na primeira hipótese, não tendo havido juízo de mérito (e nem, portanto, coisa julgada) na ação de controle concentrado, a revogação da liminar não inibirá que a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do preceito normativo que lhe serviu de objeto seja questionada pela via do controle difuso, nas demandas objetivando o ajustamento das situações pretéritas. Já no segundo caso, apreciado o mérito, haverá coisa julgada erga omnes e com efeito vinculante, no sentido da constitucionalidade da norma, no caso de improcedência da ação direta de inconstitucionalidade, e no sentido da sua inconstitucionalidade, no caso de improcedência da ação declaratória. Sua força vinculativa norteará a solução a ser dada às situações jurídicas nascidas do cumprimento da liminar revogada.

 

8. A disciplina das relações jurídicas decorrentes das decisões provisórias posteriormente revogadas.

Disciplinar as situações pretéritas, oriundas das concessões de decisões liminares, demanda, inevitavelmente, a necessidade de se ajustar as relações então criadas, as quais serão oriundas, basicamente de três situações jurídicas distintas, quais sejam:

a) as submetidas a processos individuais ainda em curso quando da revogação da liminar;

b) as submetidas a processos individuais com sentença transitada em julgado quando da revogação; e

c) as emergentes do cumprimento da liminar que não foram submetidas a processos individuais.

 

A liberdade de atuação do juiz, ou do tribunal, o qual teve sua decisão suspensa, dependerá da causa de revogação da liminar pelo Supremo Tribunal, cabendo ao órgão de origem julgar o caso concreto observando, ou não, conforme o caso, a eficácia vinculativa da sentença meritória proferida na ação de controle concentrado, e que fora em sentido contrário à decisão liminar revogada. Explico. As situações do item “a”, estas ocorrem quando, deferida liminar na ação de controle concentrado, v.g., o juiz do caso concreto opta por determinar, com base no art. 313, V, a, do novo Código de Processo Civil, a suspensão do processo. Revogada a liminar, o processo suspenso retoma o seu curso normal, e o seu desfecho, no que tange à questão constitucional, dependerá da causa da revogação da liminar. Com efeito, pois se a revogação decorreu de sentença de improcedência, caberá ao juiz julgar o caso observando a eficácia vinculativa da sentença de mérito proferida na ação de controle concentrado, a qual se deu em sentido contrário ao da liminar revogada. E, se a revogação da liminar ocorreu por extinção do processo sem julgamento do mérito, cabe ao juiz, no caso concreto, exercer o controle (difuso) de constitucionalidade, julgando o pedido sem restrição de liberdade, e, caso tenha o processo sido submetido a exame de tribunal, deverá ser seguida a sistemática prevista no Código de Processo Civil, instaurando-se, se for o caso, incidente de inconstitucionalidade previsto no art. 948 do novo Código de Processo Civil, cumprindo-se a norma do art. 97 da Constituição.

Insta salientar acerca da situação jurídica envolvendo processos individuais com sentença transitada em julgado quando da revogação da decisão liminar. Tal fato ocorre quando, deferida a liminar na ação de controle concentrado, o juiz do caso concreto não suspende o processo e julga a causa, aplicando a norma cuja incidência foi determinada pela referida medida ou negando aplicação (e, se for o caso, aplicando a legislação anterior) à norma suspensa por força da liminar. Ora, revogada a liminar, o ajustamento da situação há de ser efetuado por ação rescisória, a ser intentada pelo fundamento do art. 966, V, do novo Código de Processo Civil, ou seja, por ter a sentença rescindenda violado disposição legal. Com razão, pois esta hipótese compreende não apenas a ofensa à lei em sentido estrito, mas a qualquer preceito normativo, inclusive o de natureza constitucional, ao que deve ser relevada o motivo da revogação, pois se decorreu de sentença de improcedência da ação, caberá ao tribunal julgar a ação rescisória em conformidade com o comando vinculativo da sentença proferida em controle concentrado. Entretanto, se a revogação ocorreu por outra razão, não havendo coisa julgada a respeito da questão constitucional, esta será examinada no julgamento da ação rescisória.

Por fim, deve-se destacar as relações jurídicas objeto da decisão liminar e que não foram submetidas a demandas judiciais, sendo o que ocorre quando os destinatários da norma objeto de controle concentrado atendem espontaneamente o comando da medida antecipatória. A majoração de alíquota tributária, por meio de imposição liminar em ação declaratória, e o contribuinte efetua o pagamento; ou mesmo a ação direta cuja liminar determina a suspensão de norma que concede aumento de vantagem a servidor público e a Administração deixa de implementar o pagamento; ou ainda, quando, suspensa por liminar a vigência de norma criando tributo, o Fisco deixa de lançá-lo, estas são fatos em que, revogada a liminar, o ajustamento das situações pretéritas pode ser efetuado ou por via extrajudicial, pelo atendimento espontâneo das normas que voltaram a incidir, ou, se for o caso, pelas vias jurisdicionais. Novamente deve ser levado em conta a causa determinante da revogação.

Em tais situações, como exemplificadas, o reajuste dos proventos poderá ser exigido e pago administrativamente e, se isso não ocorrer, mediante demanda judicial; o tributo pago pelo contribuinte, cuja alíquota fora alterada, poderá ser objeto de pedido administrativo de repetição, que será obrigatoriamente atendido pelo Fisco, caso a revogação da liminar tenha decorrido de decisão de mérito declarando a inconstitucionalidade da norma, ressaltando que se não houve, na ação declaratória, exame do mérito, o pedido poderá ser indeferido, e a questão constitucional ficará sujeita a exame por via de controle difuso, em eventual demanda proposta pelo contribuinte. No exemplo sobre a cobrança de tributo, revogada a liminar, cumpre ao Fisco efetuar o lançamento e sua cobrança, considerando todos os fatos geradores ocorridos no período de vigência da medida suspensiva da norma tributária, ao que eventual oposição do contribuinte, na via jurisdicional, oportunizará o exame da questão constitucional, que será resolvida de acordo com a sentença de mérito proferida na ação de controle concentrado, ou pela via de controle difuso, se o mérito não tiver sido lá enfrentado.

 

9. O princípio do não prejuízo e os prazos prescricionais e decadenciais

O princípio do não-prejuízo impõe que, com a revogação da liminar, haja reposição integral da situação jurídica de quem ficou submetido ao seu comando, inclusive no que se refere aos prazos para exercício dos direitos, das ações e das pretensões. Com efeito, pois é possível, em tais situações, que, no interregno de vigência da liminar revogada, tenha decorrido período de tempo superior ao do prazo de prescrição ou de decadência, devendo a solução aqui ser semelhante à do prazo para a ação rescisória, anteriormente comentada.

Com a aplicação deste princípio não se poderá incluir no cômputo dos prazos de decadência ou de prescrição o período de vigência da liminar, inclusive os que tem o Fisco para efetuar o lançamento e a cobrança dos tributos. Estes prazos somente terão início ou retomarão seu curso na data do trânsito em julgado do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado de constitucionalidade, tiver revogado a medida liminar. Há que se destacar que não se trata de prazo decadencial, não sujeito a suspensão ou interrupção, pois não se pode ter por absoluta, como demonstrado em doutrina, a regra de que o prazo de decadência não comporta incidências que alterem o seu curso.

Com razão, pois a pendência de demanda judicial, por exemplo, é causa de interrupção não apenas dos prazos prescricionais, mas igualmente dos prazos extintivos do direito, nos termos do art. 240 do novo Código de Processo Civil, nos quais se incluem, conforme a jurisprudência, também os de natureza decadencial. Deve-se considerar que a tutela antecipatória deferida nas ações de controle concentrado importa a suspensão da eficácia do preceito normativo questionado, ou sua imposição, o que significa, também, inibição da eficácia de eventual norma em sentido diferente.

Assim, a liminar atua inclusive no plano da incidência da norma, afastando não apenas o exercício dos direitos eventualmente sujeitos a prazos decadenciais, mas o próprio surgimento deles. Suspensa a incidência, sequer tem início o prazo (decadencial) para o exercício do direito. De outra forma, quando a liminar for deferida após a incidência da norma objeto da ação, inibe-se o exercício de eventual direito daí decorrente, e, portanto, fica suspenso o curso do respectivo prazo decadencial.

Qualquer que seja a hipótese, não há como computar-se no prazo decadencial o período de vigência da liminar deferida na ação de controle concentrado, ao que se afirma, nas situações acima enfocadas, o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória é o do trânsito em julgado do acórdão que revogou a medida liminar.

Aplica-se a mesma solução a todas as demais situações em que, no interregno de vigência da liminar revogada, tenha transcorrido período de tempo superior ao do prazo de prescrição ou de decadência, pois o princípio do não-prejuízo impõe que, com a revogação da liminar, haja reposição integral da situação jurídica de quem ficou submetido ao seu comando, inclusive no que se refere aos prazos para exercício dos direitos, das ações e das pretensões.

Não se pode incluir no cômputo dos prazos de decadência ou de prescrição, inclusive os que tem o Fisco para efetuar o lançamento e a cobrança dos tributos, o período de vigência da liminar, pois tais prazos somente terão início ou retomarão seu curso na data do trânsito em julgado do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado de constitucionalidade, tiver revogado a medida liminar.

 

10. Conclusões

Observou-se que as medidas liminares nas ações de controle concentrado de constitucionalidade decorrem do poder geral de cautela, inerente à função jurisdicional constitucional, possuem natureza antecipatória dos efeitos executivos decorrentes da sentença de procedência e consistem, na ação direta, em suspender a eficácia do preceito normativo atacado, com a restauração, se for o caso, da vigência da legislação anterior, e, na ação declaratória, na imposição da vigência da norma objeto da demanda. A suspensão do julgamento das ações individuais é um dos efeitos possíveis da liminar na ação declaratória, todavia não é um efeito necessário, nem único, podendo o Supremo Tribunal Federal, tanto na ação direta, quanto na declaratória, determinar, liminarmente, providência de outra natureza, que seja considerada indispensável à efetividade da sentença final.

Restou assentado que as decisões liminares têm eficácia contra todos e operam, em regra, ex nunc, salvo decisão expressa que lhes dê efeito retroativo; têm efeito vinculante, dando ensejo à reclamação, caso sejam descumpridas por órgão ou autoridade sujeito ao referido efeito; e  têm reflexos sobre os processos em curso envolvendo a mesma questão constitucional, que podem ser suspensos até a sentença definitiva na ação de controle concentrado, ou prosseguir, ficando o respectivo julgamento, neste último caso, submetido ao efeito vinculante da medida, o que torna dispensável, perante os tribunais, o incidente de inconstitucionalidade previsto no art. 948 do novo Código de Processo Civil.

Asseverou-se que sua natureza provisória atinge todas as situações jurídicas nascidas sob sua influência, bem como as sentenças, proferidas em casos concretos que tenham atendido ao seu comando vinculativo; e se confirmadas por sentença de procedência na ação de controle concentrado, cessa então o estado de provisoriedade, ao que resta consolidada definitivamente as situações de direito então formadas.

Quanto à revogação, concluiu-se que esta tem eficácia ex tunc, assegurando aos interessados que a cumpriram a restauração do status jurídico primitivo, realçando que a decisão de indeferimento da medida liminar não possui efeito vinculante, não impedindo então que se promova o controle difuso de constitucionalidade do preceito normativo questionado, nos termos do art. 948 do novo Código de Processo Civil, salvo se o indeferimento se der por inequívoco juízo de valor afirmativo da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da norma.

No que concerne à disciplina das relações jurídicas decorrentes das decisões provisórias posteriormente revogadas, insta salientar que a ação, em sede de controle abstrato, revogada a liminar, as situações jurídicas concretas serão ajustadas no julgamento do respectivo processo, se ainda em curso na data da revogação da medida; ou, se já apreciadas por sentença transitada em julgado, por meio de ação rescisória. De outra forma, serão ajustadas na via extrajudicial as demais situações jurídicas ainda não submetidas a apreciação judicial ou pelas vias jurisdicionais ordinárias, em demandas a serem promovidas pelos interessados. Em relação à questão constitucional, a decisão de mérito proferida na ação de controle concentrado, caso exista, deverá ser observada e, caso não haja julgamento de mérito e ocorrendo a revogação, o exame da constitucionalidade fica submetido a controle difuso, nas demandas ordinárias ou na ação rescisória, conforme o caso.

Por fim, o prazo de prescrição ou decadência não será computado enquanto a liminar esteve em vigor, bem como no da ação rescisória, relativo a direitos, ações e pretensões cujo exercício restou inibido em razão da eficácia vinculante da decisão provisória.

 

 

11. Referências Bibliográficas

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BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência, 5ª ed., Ed. Malheiros, 2009.

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HEINEN, Juliano. Interpretação Conforme a Constituição, Ed. Verbo Jurídico, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada Inconstitucional. Ed. RT, 2008.

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STJ, REsp 63.732, 1a Turma, Min. César Asfor Rocha, DJ de 14.08.95, p. 23.993.

STJ, REsp 63.751, 1a Turma, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 02.10.95, p. 32.333.

STJ, REsp 72.660, 1a Turma, Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 05.02.96, p. 1.365.

STJ, REsp 90.164, 6a Turma, Min. Luiz Vicente Cernichiaro, DJ de 16.12.96, p. 50.970.

STJ, REsp 11.106, 2a Turma, Min. Adhemar Maciel, DJ de 10.11.97, p. 57.731.

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ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela, 4ª Ed. Saraiva, 2005.

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, Dissertação de Mestrado, UFRGS, 2000.

 

 

 

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