A nova lei da guarda compartilhada: Lei nº 13.058/2014

Exibindo página 1 de 4
Leia nesta página:

O debate sobre a nova lei da guarda compartilhada e seus desafios.

1 INTRODUÇÃO 

A Constituição Federal de 1988, embasou o Código Civil no que se refere ao Direito de Família, conferindo inovações providenciais diante das novas expectativas familiares, advindas com a evolução dos tempos e que se descortinam neste novo contexto de convivência familiar, criando o legislador ainda, um estatuto regulamentador da proteção integral à criança e ao adolescente, com o objetivo de favorecer o bem estar da criança, atendendo o seu melhor interesse.

A família que constitui uma entidade capaz de proporcionar aos membros do seu núcleo, a estabilidade emocional e material necessárias para manutenção da progressão social, é descrita constitucionalmente como a base da sociedade, recebendo proteção especial do Estado. Quando o núcleo familiar se dissocia, o Estado intervém para organizar a guarda do menor, impor regras de condutas, deveres e responsabilidades que deveriam ser incorporadas naturalmente pelos pais em favor de seus filhos, no entanto, o conflito existente com a separação do casal, muitas vezes torna-se o centro de suas preocupações, inviabilizando a prioridade nos cuidados com a criança, que fica em segundo plano.

A inclusão no ordenamento jurídico do Brasil, do instituto da guarda compartilhada de filhos, surge como possibilidade de cumprir com essa reorganização familiar, sob um novo âmbito, apresentado neste artigo, que tem a pretensão de conscientizar os pais que rompem o relacionamento amoroso, na perspectiva de que assumam a responsabilidade e o compromisso parental, incentivando-os a cuidar mutuamente do fruto concebido através do amor que uniu os dois, fazendo-os perceber que a figura paterna é distinta da figura materna e que as duas se complementam na formação do sustentáculo necessário para o desenvolvimento do infante. Distinguindo a atual situação de casal parental, comumente confundida com o casal conjugal, deixando de lado as diferenças e se unindo em prol do filho.


2 DA GUARDA COMPARTILHADA 

No dia 13 de junho de 2008, com o advento da Lei nº 11.698 que alterou os artigos 1.583 e 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002- Código Civil, surge o instituto da guarda compartilhada no Brasil. Criada através do Projeto de Lei nº 6.350/2002, tendo como autor o Deputado Tilden Santiago, trazendo uma proposta inovadora de guarda dos filhos quando da separação dos pais.

Esta lei veio instituir e disciplinar a nova modalidade de guarda, e de acordo com a presente regra, a guarda passaria a ser unilateral ou compartilhada (artigo 1.583), sendo o conceito de guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”, conforme dispõe o artigo 1.583 do Código Civil de 2002, no seu §1º.

Cabe observar que a guarda compartilhada não se confunde com guarda alternada onde ocorre a alternância de lares, ficando a criança intercaladamente, na guarda de cada um dos pais, ou seja, divide-se o tempo em que ela fica com cada um (pai e mãe), que podem ser de dias a anos alternados. Lago e Bandeira (2009, p.293) aludem que: “A guarda compartilhada não implica alternância de lares, e sim uma co-responsabilização de dever familiar entre os pais.”

Este novo modelo de guarda pretende contribuir com a continuação da convivência familiar, buscando atender aos interesses do menor, propiciando ao filho o convívio com os pais, evitando traumas psicológicos e o afastamento do genitor que não permaneceu com a guarda.

O objetivo da lei é garantir proteção ao interesse do filho, presumindo que a satisfação de crianças e adolescentes é conviver com o pai e com a mãe, da mesma forma que seria se eles não estivessem separados, conforme o entendimento de Schneebeli e Menandro (2014, p.176).

Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada no dia 20 de novembro de 1989 em Assembleia Geral das Nações Unidas, Tratado Internacional – Declaração Universal dos Direitos da Criança, ratificado por 193 países, inclusive pelo Brasil, assegura “... o direito da criança separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança” (artigo 9,3) e em seu artigo 18,1 trata que:

Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e pelo desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais para o desempenho de suas funções no que tange à educação da criança, e assegurarão a criação de instituições e serviços para o cuidado das crianças.

Todavia, conforme preconizam Lago e Bandeira (2009, p. 293) o instituto da guarda compartilhada não se aplica a todos os casos de divórcio, devendo-se levar em conta as necessidades dos filhos: “É preciso analisar a história do casal, as disputas pré e pós-divórcio, a idade dos filhos, os estilos de temperamento, a qualidade dos relacionamentos pais-filhos, as habilidades de coping[1] e o exercício da co-parentalidade[2]”. Da observância destes aspectos é que deverá ser concedida ou não a guarda compartilhada.

2.1 A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO

Na década de 1960, a Inglaterra surge como o país precursor a julgar uma decisão sobre guarda compartilhada, inaugurando com o seu sistema commom law, o rompimento de uma inclinação de optar sempre pela guarda exclusiva, onde a mãe exercia sozinha a partir de então os direitos e deveres, concernentes ao poder familiar sobre os filhos em comum, anulando a figura do pai e a sua responsabilidade formadora sobre estes, de acordo com o que mencionam Lago e Bandeira (2009, p. 292).

Logo após a adesão desta modalidade de guarda pela Inglaterra, outros países incorporaram este instituto, como a França em 1976, espalhando-se depois por toda a Europa, em seguida o Canadá aderiu ao instituto propagando-se na América do Norte, ganhando maior visibilidade, aderência e crescimento nos Estados Unidos da América, onde é conhecida como joint custody ou shared parenting, a posteriori aderiram os países da América do Sul (Idem, 2009, p.292).

No Brasil, quando o Código Civil Brasileiro de 1916 vigorava, as relações familiares eram regidas pelo Pátrio Poder, onde o homem era o centro da família e detinha o poder exclusivo sobre os filhos. Com o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988 e do Código Civil Brasileiro de 2002 esse poder passou a ser compartilhado entre ambos os pais e recebeu o nome de Poder Familiar.

Com o dever de zelar pelo interesse dos filhos e da família, ocorre a instituição do poder familiar, atendendo ao disposto no artigo 226, § 7º da Constituição Federal, trata-se do princípio da paternidade responsável. Desta forma, transforma em dever conjunto dos pais a responsabilidade sobre os filhos.

Outras transformações sociais ocorreram com a evolução do tempo, propiciando a inclusão da mulher no mercado de trabalho, o fortalecimento da igualdade entre os sexos e o progresso alcançado nas áreas do conhecimento, fazendo despontar a necessidade de um novo instituto que tutelasse o melhor interesse do menor, nos casos em que os pais se separam, conforme prediz Fontes (2008).

Como também, a luta dos homens pelo direito de convivência com os filhos e a continuação do laço afetivo entre eles, garantindo a presença de pai e mãe na formação das crianças, que estarão amparadas emocionalmente e moralmente pelos dois.

As modificações implantadas pelo novo Código Civil de 2002, igualou homem e mulher, pai e mãe em direitos e deveres em relação à tutela dos filhos em comum. O caput do artigo 1.565 do Código Civil de 2002 elucida que “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família” e ainda no caput e no inciso IV do artigo 1.566 do Código Civil de 2002, garante: “São deveres de ambos os cônjuges: IV – sustento, guarda e educação dos filhos.”

Não obstante a separação do casal, o poder familiar continua vigendo em relação a responsabilidade com a prole advinda deste relacionamento, é o que expressa o artigo 1.632 do Código Civil: “A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.

A redação do artigo 1.634 do Código Civil de 2002, em seu caput, confirma que é de competência de ambos os genitores exercer o pleno poder familiar, não importando a situação conjugal do casal.

As leis aplicadas no Direito de Família, buscam assegurar o princípio do melhor interesse da criança, recomendado pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, ratificado pelo Brasil (Decreto nº 99.710 de 1990), estas leis revelam a forma justa em que se deve pautar o relacionamento entre pais e filhos, inclusive após a dissolução do relacionamento marital.

Diante destas novas exigências e configuração familiar, origina-se então a guarda compartilhada no Brasil, adotada no ordenamento brasileiro com o advento da Lei nº 11.698 de 13 de junho de 2008, entrando em vigor no dia 12 de agosto de 2008.

Por ser um instituto implantado recentemente, a guarda compartilhada encontra resistência em ser aplicada na prática, inexistindo muitas vezes consenso em relação a sua aceitação como aduz Brito e Gonsalves (2013, p.302).

2.2 DOS DIREITOS E DEVERES DOS PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS

A Constituição Federal de 1988, prevê em seu artigo 227 os deveres da família, da sociedade e do Estado em relação a garantia da efetivação dos direitos fundamentais à criança, ao adolescente e ao jovem “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, surge como forma de regulamentar o citado artigo que trata do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente.

O direito de família embasado por seus princípios norteadores, quais sejam: princípio do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal); princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros (art. 226, § 5º da Constituição Federal); princípio da igualdade jurídica de todos os filhos (art. 227. § 6º da Constituição Federal); princípio da paternidade responsável e planejamento familiar (art. 226, § 7º da Constituição Federal); princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição (art. 1.511 do Código Civil); princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar (art. 1.513 do Código Civil), trata de fortalecer a instituição familiar, que como aduz o artigo constitucional 226, é a “base da sociedade”. (GONÇALVES, 2010, p. 22-25)

Os membros de uma família mantem-se ligados por toda a vida, desempenhando a relação parental que os une no tocante ao vínculo afetivo entre pais e filhos e na aplicação dos direitos e deveres que os pais tem para com os filhos, na persecução de um sadio desenvolvimento psicológico, físico e espiritual na formação da criança. Para Gonçalves (2010, p. 27) “todo o direito familiar se desenvolve e repousa, com efeito, na ideia de que os vínculos são impostos e as faculdades conferidas não tanto para atribuir direitos quanto para impor deveres.”, gerando uma interferência incisiva do Estado, com a intenção de proporcionar a prevalência do interesse coletivo enquanto família.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O art. 1.634 do Código Civil de 2002 que trata do exercício do poder familiar, elenca as competências que ambos os progenitores, independente da circunstância conjugal, devem exercer juntos em relação aos filhos. Em decorrência desta responsabilidade parental, o filho pode até não estar na guarda de um dos genitores, no entanto, a autoridade dos pais incide igualmente sobre o menor, aspecto inerente da responsabilidade civil objetiva por ato de terceiro. (DIAS, 2015, p.467)  

Alude o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que o menor tem o direito de “ser criado e educado” no núcleo familiar, gozando da convivência com os pais. Cabe aos genitores o dever da guarda, educação e correição dos filhos, a assistência e representação, vigilância e fiscalização.

A guarda configura-se tanto como um direito dos pais, conforme prediz Grisard Filho (2013, p. 50) “como o de reter o filho no lar, conservando-o junto a si, o de reger sua conduta, o de reclamar de quem ilegalmente o detenha, o de proibir-lhe companhias nefastas e de frequentar determinados lugares, o de fixar-lhe residência e domicílio”, quanto constitui um dever dos genitores que devem conduzir e prover a maneira de viver da prole, zelar pela segurança, saúde e orientar o seu futuro.

No tocante ao direito de guarda, verifica-se a inclusão do direito de vigilância, efetivado na criação do filho, peculiarmente na formação moral do menor. Já o dever de fiscalizar os atos do filho, concretiza-se no cuidado e no zelo dedicado pelos pais, imputando-lhes regras disciplinadoras e controladoras da conduta do filho, inclusive social, no propósito do desenvolvimento do filho. (GRISARD FILHO, 2013, p. 52)

A educação e criação, dever essencial dos pais em relação aos filhos, tem previsão legal nos arts. 1.634, inciso I do Código Civil, 22 e 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e 229 da Constituição Federal, obrigações estas que não se limitam em satisfazer as necessidades materiais, mas notadamente as morais, psíquicas e afetivas. Atua o Estado como órgão fiscalizador da conduta dos pais, cobrando a efetivação deste dever tão precípuo ao desenvolvimento dos filhos, obrigando os progenitores a cumpri-lo quando preciso, estando o genitor negligente sujeito a “sanções civis e penais, por abandono de família”, assim elucida Grisard Filho (2013, p. 50).

A correição e disciplina decorrem do dever de educar as crianças, orientando-as para a vida, propiciando os limites indispensáveis na formação do caráter e personalidade do menor, ensinando-os a agir com respeito e obediência para com os pais e solicitando que executem “os serviços próprios de sua idade e condição.” como prevê o art. 1.634, inciso IX, do Código Civil.

Na esfera judicial e extrajudicial os menores são representados pelos pais desde o seu nascimento até os 16 (dezesseis) anos, em todos os atos relativos a vida civil, dada a incapacidade intelectual para atuarem juridicamente em favor próprio, e após essa idade até os 18 (dezoito) anos, são assistidos pelos genitores que suprem-lhes o consentimento. (art. 1.634, inciso VII, do Código Civil). A assistência refere-se igualmente aos aspectos morais com o dever de educação e os aspectos materiais que tem relação com a obrigação alimentar ofertada de acordo com as possibilidades financeiras dos pais. (GRISARD FILHO, 2013, p. 51) 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Michelle da Ponte Ximenes Rufino

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos