O valor jurídico do afeto

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02/08/2016 às 14:24
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3 O AFETO COMO PRINCÍPIO

Falar em princípio, sem entender a premissa da palavra, torna-se solto o entendimento. Para o Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva, a palavra princípio quer dizer:

Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa (SILVA, 2008, p. 1096).

Para um melhor entendimento, quer dizer, num sentido empírico, início, origem de algo. Paulo Bonavides (2009. p. 255) faz referência que a noção é derivada da linguagem geometria “onde designa as verdades primeiras”. Tendo também o significado de preceito, regra, lei. Considerando assim como marco referencial dos conteúdos constitucionais, para um prisma elevado da normatividade. O autor ainda ensina que:

Princípio é também a expressão que designa a espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou do preceito, que é a norma mais individualizada. Constitui princípio jurídico normas genéricas como, por exemplo, “todos são iguais perante a lei”, enquanto preceito ou regra é a norma específica, como, por exemplo, o idoso tem direito à assistência de sua família (BONAVIDES, 2009. p. 256).

No entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello (2009, p. 5-6), para os que infringem um princípio, acaba por infringir também uma norma, ignorar um princípio, não estará descumprindo somente este, mas também um sistema normativo, considerando também Celso Antonio Bandeira de Mello:

Princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente no que lhe confere a tônica e lhe da sentido harmônico (MELLO, 2009, p. 6).

Para José Cretella Júnior (1994, p. 256), o princípio é o ponto de referência de uma série de proposições, corolários da primeira proposição, premissa do sistema.

Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. Princípios, no sentido Jurídico, para Wellington Pacheco Barros:

São proposições normativas básicas, gerais ou setoriais, positivadas ou não, que revelando os valores fundamentais do sistema jurídico, orientam e condicionam aplicação do direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis cientificas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito (BARROS, 2006, p. 14).

Chade Resek Neto (2004, p. 43) comenta que os princípios se caracterizam por ser um dispensável elemento de fecundação da ordem jurídica positiva, possuindo eles um grande número de soluções exigidas pela realidade. A abertura normativa dos princípios permite que a interpretação e aplicação do Direito possam captar a riqueza das circunstâncias fáticas dos diferentes conflitos sociais, o que poderia ser feito nos estritos limites tipológicos previstas nas regras legais, no entendimento de Helenílson Cunha Pontes (2000, p. 29).

Ainda, no entendimento de Wellington Pacheco Barros (2000, p. 18), os princípios são predominantes do regramento jurídico, são os vetores que devem direcionar a elaboração, o alcance e o controle das normas jurídicas, assim o autor afirma que é “basicamente é uma função normogenética e uma função sistêmica”. As normas jurídicas inconciliáveis ou contrapostas ao conteúdo da essência dos princípios constitucionais são inconstitucionais. No que tange à função sistemática, esclarece que o exame dos princípios constitucionais de forma globalizada permite a visão unitária do texto constitucional, o que pode ensejar a unidade do sistema jurídico fundamental, a integração do direito, a harmonia e a superação dos eventuais conflitos, e entre os princípios e as normas jurídicas.

3.1 O princípio normativo do afeto no texto constitucional

A atual Constituição da República Federativa do Brasil, conhecida como Constituição Cidadã” [4], foi promulgada em 05 de outubro de 1988. A Constituição é o diploma político, denominado como a lei maior, a Carta Magna, que procura organizar juridicamente o Estado brasileiro.

Na Constituição Federal do Brasil, são definidos os direitos dos cidadãos, sejam eles individuais, coletivos, sociais ou políticos, bem como são estabelecidos limites para o poder dos governantes.

O texto constitucional, depois de ser estabelecida, volta à atenção dos olhares para entender como, a partir de então, serão conduzidas as normas jurídicas, dentro do sistema normativista constitucional. Nesse entendimento, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 65), para compreender a evolução jurídica, os aplicadores do direito passaram a buscar, na força normativa, os princípios constitucionais. Nesse mesmo entendimento ensina Konrad Hesse (MENDES, 1991, p. 23) que a dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica vigente. Neste entendimento, o aplicador do direito visa buscar, no ordenamento jurídico constitucional, o princípio da afetividade, como ensina Paulo Lôbo:

Um dos maiores avanços do direito brasileiro, principalmente após a Constituição de 1988, é a consagração da força normativa dos princípios constitucionais explícitos e implícitos, superando o efeito simbólico que a doutrina tradicional a eles destinava. A eficácia meramente simbólica frustrava as forças sociais que pugnavam por sua inserção constitucional e contemplava a resistente concepção do individualismo e do liberalismo jurídico, que repugnam a intervenção dos poderes públicos nas relações privadas (LÔBO, 2008. p. 34).

A partir da compreensão da força normativa dos princípios constitucionais, passa-se então a entender o princípio fundamental constitucional da dignidade da pessoa humana, especificamente da criança e do adolescente, visando assim à observação da aplicabilidade da norma a ser indagada. Para Ingo Wolfgang Sarlet (2008, p. 75), “considerando a hierarquia de princípios na axiologia valorativa, é que se pode dizer este é o de maior vulto”. 

Considerando que o ordenamento jurídico Constitucional, é um arcabouço de normas, vale-se do ensinamento de Luis Roberto Barroso (2002, p. 203), os princípios explícitos não se confundem com os implícitos, pois trata-se de espécies do gênero das normas jurídicas. Desta forma é justo que se busque a efetivação do princípio do afeto no texto constitucional.

O princípio da dignidade da pessoa humana tem por fundamento, no art. 1º da Constituição Federal, o elemento do Estado Democrático de Direito. Este princípio é o grande norteador do valor informativo nas relações jurídicas, em que pese às discussões no âmbito da pessoa humana, é que ensina Gustavo Tepedino (1999, p. 48), afirmando ainda que este princípio seja o “ápice do nosso ordenamento jurídico”, destaca ainda que após a promulgação do texto constitucional, este princípio ganhou lugar de destaque nas normas constitucionais e infraconstitucionais, impondo diretamente proteção aos valores humanos.

Nesta mesma esteira, Flavia Piovesan (2009, p. 341) entende que o Direito Constitucional, tornou-se mais abrangente e um verdadeiro instrumento garantidor dos direitos fundamentais. A autora entende que ainda que esteja implicitamente citado no corpo do diploma legal, e com isso busca-se entendimento no art. 5º, § 2º, CF/88 - “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, é de se ressaltar o grande avanço que houve com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Deduzindo que as normas trazem à eficácia do ordenamento jurídico, para Ana Paula de Barcellos (2008, p. 73), é o resultado acabado da interpretação jurídica, considerando que é de aplicação imediata, e tal resultado pode ser exigido judicialmente, quando se fizer necessário, sempre fundamentado no sistema normativo. Conclui a autora, ainda, que se deva exigir do estado juiz o que está expresso na ordem normativa, pois “não se espera que venha ocorrer espontaneamente”.

Há de se entender que devido à abrangência da compreensão do que diz respeito à definição de afeto, levada para o campo da subjetividade, e com isto a dificuldade na interpretação do que está implícito, faz com que o princípio da afetividade, ainda que assegurado constitucionalmente, pela ordem fundamental da dignidade da pessoa humana, não tenha a eficácia imediata pretendida. Como ensina Paulo Luiz Netto Lôbo:

O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consangüinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emancipação dos filhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução do quantum despótico, na medida da redução da patrimonialização dessas relações. O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais (LÔBO, 2000).

Quando se trata da dignidade da pessoa humana, Paulo Luiz Netto Lôbo (2000), com o advento da Constituição Federal de 1988, na condição de filho, não se deve promover desvalor na sua origem, com isto se tem observado a valoração humana, com embasamento no princípio da afetividade. Ressalta ainda o autor, que “nesta ótica, são destacados pelo princípio da afetividade”, neste prisma foi observado características desta evolução, conforme artigo 227 e seus parágrafos, da Constituição Federal, ou seja, “evolução social da família na igualdade dos filhos, adoção como escolha afetiva e proteção da comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes”.

3.2 O Direito de Família na Constituição federal

Com o advento da Constituição de 1988, foi de suma importância quando o legislador deu ênfase ao Direito de Família, trazendo assim para o arcabouço constitucional o que demais precioso existe no meio da sociedade, a Família, tratando assim de enlaçar o tema de maior relevância jurídica. Com isto garantiu a afetividade, entendimento este dado por Maria Berenice Dias (2009, p. 31), em que o Direito Civil está na Constituição. Assim, a afetividade encontra-se, cada vez mais, em lugar de destaque, para que o intérprete do ordenamento jurídico constitucional venha estar em constância concatenação entre o Direito Civil e a Ordem Constitucional. Ainda, a autora aduz que a intervenção do Estado, proporciona nas relações de direito privado, uma maior força dos institutos jurídicos do direito civil.

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A doutrina, bem como a Jurisprudência brasileira, vem consolidando a afetividade na família, e com isso declara o convívio familiar e comunitário como Direito Fundamental, e, desta forma, é possível verificar a verdadeira mudança nos paradigmas da sociedade brasileira. Conforme ensina Luiz Edson Fachin (2004, p. 29), “a verdade não é menos importante que a verdade biológica, uma vez que está a se tratar do princípio da afetividade”.

Com o surgimento de novos grupos familiares, harmonizados por interesses recíprocos, com objetivo de mútuos cuidados e obrigação, devem ser considerados como novas entidades familiares, galgando com isso a tutela jurisdicional do direito. Esta realidade que, dia após dia, vem se firmando no meio da sociedade, não pode sofrer descaso por parte do Estado, como ensina Caio Mario da Silva Pereira:

Tudo isso suscita novo zoneamento de influências, com a substituição da autoridade paterna pela estatal. Em contrapartida, a família necessita de maior proteção do Estado, (Constituição Federal, artigo 226), e tanto mais adiantado um pais, quanto mais eficiente esta se deve fazer sentir. O modelo igualitário da família constitucionalizada se contrapõe ao modelo autoritário do Código Civil anterior. O consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são os fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiraram o marco regulatório estampados nos artigos 226 a 230 da Constituição de 1988 (PEREIRA, 2009, p. 32).

Considerando que a família, em suas atuais compreensões, é o lugar onde se podem difundir valores, ideologias, costumes, lugar de origem onde se transmitem culturas. Com isso pode-se observar o andamento da formação, e, principalmente a personalidade que o homem desenvolve. Neste entendimento, fica notória a compreensão dos aplicadores do direito, em especial os doutrinadores, em afirmar que a dignidade da pessoa humana é um macroprincípio que norteia as relações familiares. Ainda afirma Caio Mario da Silva Pereira (2009, p. 33) que “tanto nos tribunais, como no âmbito político-administrativo, o amparo familiar é centralizada especialmente nos filhos menores, e orientada, pelo princípio do melhor interesse da criança como um novo paradigma”, desta forma valorizando a convivência familiar dentro ou fora do casamento.

Ao se falar no afeto, Flávio Tartuce (2006), alude que o princípio do afeto é o de maior valoração em meio aos fundamentos nas relações familiares na atualidade. Ainda, no mesmo entendimento o autor conclui que:

Esses comandos legais regulamentam especificamente a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, constante do art. 5º, caput, do Texto Maior, um dos princípios do Direito Civil Constitucional. Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as expressões filho adulterino ou filho incestuoso, as quais são discriminatórias. Também não podem ser utilizadas, em hipótese alguma, as expressões filho espúrio ou filho bastardo. Apenas para fins didáticos utiliza-se a expressão filho havido fora do casamento, já que, juridicamente, todos os filhos são iguais. Isso repercute tanto no campo patrimonial quanto no pessoal, não sendo admitida qualquer forma de distinção jurídica, sob as penas da lei. Trata-se, portanto, na ótica familiar, da primeira e mais importante especialidade da isonomia constitucional (TARTUCE, 2006).

Ensina Ingo Wolfgang Sarlet (2008, p. 81), no entendimento principiologico da dignidade da pessoa humana, em que a função precisa, de suma relevância, justifica-se tanto na fundamentalidade de direito, bem como nas garantias da Constituição Federal. Com isto já está pacificado entre os doutrinadores do Direito de Família, que o Princípio da afetividade decorre da consagração do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, embora que não esteja explicita na Constituição Federal reconhece-se sua fundamentalidade. Haja vista que o Princípio da Afetividade galgou reconhecimento e inserção no sistema jurídico.

Ensina Maria Berenice Dias (2009, p. 71) que o afeto merece destaque como princípio jurídico, pois "o novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais, sustentando-se no amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto."

Nesta mesma esteira, leciona Paulo Lôbo:

O princípio da afetividade está implícito na Constituição. Encontran-se na Constituição fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é propriedade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227) (LÔBO, 2008. p. 48).

Com estes posicionamentos doutrinários, os tribunais superiores vêm promovendo julgados, reconhecendo a valoração do Princípio da Afetividade, e, com isso percebe-se nitidamente a quebra de paradigmas, nas relações familiares. Neste sentido, o afeto tem ocupado lugar de destaque no convívio familiar, em se tratando de princípio constitucional.

3.3 A Afetividade como Princípio no Direito de Família

Ensina Rodrigo da Cunha Pereira (2006, p. 180) que os princípios norteadores para as questões do Direito de Família são: a) Princípio da dignidade humana; b) Princípio da monogamia; c) Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; d) Princípio da igualdade e respeito às diferenças; e) Princípio da autonomia e da menor intervenção estatal; f) Princípio da pluralidade de formas de família; e g) Princípio da afetividade. Contudo estes princípios são concatenados, estando em menor ou maior grau, vinculados aos direitos da personalidade. Alude o autor que:

De fato, uma família não deve estar sustentada em razões de dependência econômica mútua, mas exclusivamente, por se constituir um núcleo afetivo, que se justifica, principalmente, pela solidariedade mútua. [...] o que se conclui é ser o afeto um elemento essencial de todo e qualquer núcleo familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental (PEREIRA, 2006, p. 180).

O princípio norteador deste conjunto é o da Dignidade da pessoa humana. Com isso o princípio da afetividade passa a fazer parte dos avanços verificados no direito de família. Portanto passa engrossar o conceito de entidades familiares, sendo reconhecido e tratado em nosso ordenamento jurídico.

Na atual conjuntura da sociedade, estão cristalizadas as transformações sociais, é o que se observa neste período pós-moderno, de como as famílias vem se moldando, sendo que, em tempos remotos, tais mudanças eram totalmente inimagináveis. Como, por exemplo, as famílias que foram reconstituídas, conhecidas como famílias monoparentais e famílias socioafetivas.

Para Maria Berenice Dias, a Constituição Federal de 1988, procurou dar tutela jurídica à família, não levando em consideração qual era a forma de constituição da família, com isto a autora alude que:

Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características. (DIAS, 2000).

Devido à constante evolução da sociedade, e, com o avançar do tempo, vão existindo transformações culturais, sociopolíticas e ideológicas, e com isto vem à justificação para as mudanças em meio às famílias, que em outra época se tinha outra concepção, e que no momento contemporâneo, deixa de existir.

Com os mais diversos formatos de famílias, os laços afetivos passam a estar inseridos nestas novas modalidades, e não mais exclusivamente na genética ou na biológica. Neste momento o que predomina nas constituições familiares é conceito de afetividade.

Compreendendo o princípio do afeto, passa-se a entender o princípio da igualdade, sendo o elo que une os membros de uma família, e, nesta esteira, com a necessidade de dar ênfase à afetividade na família, atribuindo assim o valor jurídico para o afeto, Paulo Luiz Netto Lôbo ensina que:

A afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estes suas causas originárias e final, haverá família. A afetividade é necessariamente presumida nas relações entre pais e filhos, ainda que na realidade da vida seja malferida, porque esse tipo de parentesco jamais se extingue (LÔBO, 2001).

Neste novo formato de ordenamento jurídico, o afeto, por ter um vínculo intrínseco com o princípio da dignidade da pessoa humana, traz uma nova ótica das constituições familiares. A afetividade como princípio é considerado o responsável pela mudança contemporânea. Para Flávio Tartuce (2006), apesar do afeto não estar extrinsecamente como princípio na ordem constitucional, no catálogo dos direitos fundamentais, “pode ser afirmado que em decorrência direta da valorização constante da dignidade da pessoa humana, pode ser visto explicitamente esta afirmação como princípio intrínseco”.

Apesar de considerar que o termo valor jurídico do afeto, e o reconhecimento desta magnitude, pode ser visto como um instituto na seara jurídica, e, observado como uma discussão entusiástica, que vem galgando espaço há muito tempo, pois antes da constituição de 1988, observa-se que o jurista João Batista Vilella (1980, p. 390), já trazia em sua obra a expressão desbiologização da paternidade, como afirma:

[...] o termo afeto, nada mais é que um vinculo nas relações familiares. Vista que a ligação biológica, sem nova concepção, passa a ser um verdadeiro retrocesso das conquistas no campo do direito de família, ocorrendo assim a desbiologização da paternidade (VILLELA, 1980, p.390).

O estado biológico vinha se justificando, por ser tratado como emprego dos termos tradicionais de família, porém nesta nova ordem Constitucional, o princípio da afetividade passa a tomar espaço, isto se deve aos grandes avanços socioculturais, graças à Nova carta política brasileira de 1988.

Como assevera Paulo Lôbo (2008. p. 11-12) em se tratando da afetividade, é o norteador que agrega a definição e o suporte da família ora tutelada pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro, que vem sendo conduzido pelo fenômeno jurídico social, com a devida responsabilidade das relações civis. Nesta definição o autor aduz que:

A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procriacional para essa nova função. Essas linhas de tendência enquadram-se no fenômeno jurídico social denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito (LÔBO, 2008. p. 12).

Com este entendimento Rodrigo Pereira e Claudia Silva (2006, p. 667-680), alude que “traduzir a afetividade, como uma das maiores características da família atual, como sendo o respeito que cada membro deverá nutrir por si e por todos, de tal forma que a família seja respeitada em sua dignidade perante todo o corpo social”. Conclui ainda que por maior que sejam a harmonia e unidade de sentimentos, pensamentos, projetos pessoais, desejos ou mesmo as buscas, sempre haverá um interesse ou oposição velada que se oposicionará contrário ao objetivo principal que é o do afeto.

Neste mesmo sentido de compreensão, Tânia da Silva Pereira (2003. p. 205-218), assevera o grande lance dessa nova linha de entendimento constitucionalista sobre o convívio familiar, estando esta família no matrimônio ou não, ou pertencer à origem biológica ou substituta. Com isso vem cristalizar as relações de afeto, fazem com que pessoas residam e participem das suas vidas como famílias monoparentais, bem como as famílias que depois do rompimento dos laços matrimoniais, possam ser reconstituídas, e assim, ser reconhecida como uma nova instituição familiar.

Para Venosa (2007, p. 15-16), o afeto essa no campo do amparo, constituída no casamento, ou a conhecida como união de fato, assim também a família biológica ou a substituta, com isto vem despertar a atenção dos doutrinadores em face da agilidade com que as transformações acontecem. O autor afirma que “de há muito, o país sentia necessidade de reconhecimento da célula familiar independentemente da existência de matrimônio”. Ainda o autor define a necessidade de entender melhor a compreensão do afeto no meio das famílias contemporâneas:

Desse modo, importa considerar a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreendem os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parênteses por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder. Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar monoparental, conforme disposto no § 4º do art. 226: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (VENOSA. 2007 p. 16).

Para Maria Berenice Dias (2009, p. 69-70), o afeto funciona como algo de fundamental importância, sendo uma das formas principais de assegurar o bem mais precioso que o homem possui, o qual é garantido inclusive pelo texto constitucional, denominado vida. Asseverando assim a necessidade que o Estado tem de tutelar com primazia os institutos jurídicos que permitam à criança e ao adolescente usufruírem de afetividade. A respeito do teor subjetivo do princípio, revela-se no direito de família como importante, mesmo parecendo de teor implícito e de uso restrito à aplicabilidade nos novos ordenamentos, ou mesmo em definir uma família, ou mesmo uma instituição de família. Ainda, a autora Maria Berenice Dias assevera que:

O Afeto não é fruto da biologia. Os Laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse do estado de filhos nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, como o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família. A família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será como sempre foi à família (DIAS, 2009, p. 70). (Grifo do autor).

Tendo em vista as mais diversas modificações, no sentido de harmonizar a família brasileira, neste presente século, constata-se respectivamente, a composição de novos valores, os quais estão no campo da ética familiar, bem como determinam as modificações no sentido principiológicos na norma constitucional, como também está presente tais modificações nas normas infraconstitucionais. Por este prisma, fica fácil de compreender como o afeto influencia mesmo como princípio implícito no âmbito do Direito de Família na ordem Constitucional, contribuindo para o desenvolvimento humano (MADALENO, 2008. p. 20).

3.4 O Afeto e o desenvolvimento do homem

Os direitos fundamentais, compreendidos como princípios básicos do homem, têm como fundamento o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A Constituição de 1988 trouxe em seu catálogo do artigo 5º, uma maior clareza sobre os direitos fundamentais, diferentemente das constituições anteriores, que tratavam dos direitos fundamentais com menos ênfase, como ressalta Tânia da Silva Pereira (IBDFAM, 2010).

Assim no mesmo entendimento Heloisa Helena Barboza (IBDFAM, n. 11, outubro/dezembro, 2009), alude que a referida Constituição “ao simbolizar a ruptura com o regime autoritário, empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinário, situando-se como o documento mais abrangente e pormenorizado sobra à matéria, no decorrer de toda história constitucionalista brasileira”. Com isso a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais que integram os princípios constitucionais e os que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferem, assim, suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Estes princípios constitucionais vieram tratar, principalmente, da igualdade, pois não se pode falar em dignidade sem colocar no mesmo patamar igualitário os seres humanos. A respeito disto, Heloisa Helena Barboza ensina que:

A partir de 1988, o ser humano passa a ocupar o centro do ordenamento constitucional, e consolida-se a dignidade da pessoa humana como o valor maior, cujo respeito se impõe como valor estrutural da República, a determinar a revisão e adaptação de todo o sistema jurídico. Inicia-se, [...], a determinada “constitucionalização do direito civil”, que se fez forte no que concerne a família, à medida que se lhe reconhece o papel do núcleo natural para o pleno desenvolvimento das potencialidades de seus integrantes (IBDFAM, n. 11, outubro/dezembro, 2009).

Nesta esteira, José Afonso da Silva (2006, p. 849-850) entende que quando o constituinte originário tratou de equiparar os direitos entre homens e mulheres, evoluiu para uma mudança que já havia ocorrido no meio social. Além desta equiparação entre homens e mulheres, houve também a constitucionalização do direito de família, incluindo novas modalidades familiares, e com isto veio expandir nitidamente a equiparação entre os filhos, todas estas mudanças, são fruto da vida em sociedade.

Ainda ensina José Afonso da Silva:

A família é afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que a integram a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das suas relações. [...] A paternidade responsável, ou seja, a paternidade consciente, não animalesca, é sugerida. Nela e na dignidade da pessoa humana é que se fundamenta o planejamento familiar que a Constituição admite como um direito de livre decisão do casal, de modo que ao Estado só compete, como dever, propiciar recursos educacionais e científicos para o seu exercício. A Constituição não se satisfaz com declarar livre o planejamento familiar. Foi mais longe, vedando qualquer forma coercitiva por parte de instituições sociais ou privadas (cf. Lei 9.263, de 12.01.1996) (SILVA, 2006, p. 849).

No que tange a dignidade da pessoa humana, e como já exposta à formação do homem, e as conquistas dos direitos fundamentais, restou, portanto, amparar por meio dos princípios constitucionais, sinalizando as mais diversas necessidades, como ensina Maria Helena Diniz (2007, p.17) “Com o novo milênio surge à esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos na seara do direito de família, marcadas por grandes mudanças e inovações, provocadas por perigosa inversão de valores”.    Busca-se no presente entendimento, à base para consagrar o desenvolvimento humano, para formação moral e intelectual, e com isso sem ocorrer à discriminação, como assevera ainda a autora:

Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos (CF. art. 227, § 6º, e CC. Arts. 1.596 a 1.629), consagrado pelo nosso direito positivo, que (a) nenhuma distinção faz entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentos e sucessões; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade e (d) veda designação discriminatórias relativas à filiação. De modo que a única diferença entre as categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio do reconhecimento: logo só se poderia falar em filho, didaticamente, matrimonial ou não-matrimonial reconhecido e não-reconhecido (DINIZ, 2007, p. 18).

Observa-se que devido a tais mudanças na legislação brasileira, o princípio da afetividade, está como um sustentáculo para o desenvolvimento do homem como gênero, desde seu nascimento, passando juridicamente a ser tutelado pelo direito, e, ao afeto que ordenadamente vem regendo a família. Contudo se descobre mudanças de comportamentos, advindas da evolução protecionista à criança. Tendo ainda muito a se alocar as normas jurídicas (SOUZA, 2010, p. 60-61).

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Sobre o autor
Pedro Batista Marques

- Advogado - Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil - Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal - Pós Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho - Pós Graduado em Direito Tributário

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