As polêmicas da pena de morte e das penas perpétuas

02/08/2016 às 19:38

Resumo:


  • A Constituição Federal brasileira veda penas perpétuas e a pena de morte, permitindo esta última apenas em caso de guerra declarada.

  • A aplicação das penas depende da culpabilidade do indivíduo, visando à ressocialização do condenado e sua reintegração à sociedade.

  • O sistema de progressão de regime no Brasil busca preparar gradualmente o condenado para o retorno à sociedade, mas levanta questões sobre a eficácia da ressocialização e a sensação de impunidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As penas de morte e perpétuas, embora proibidas pela Constituição Federal, tem ganhado a simpatia de boa parte da população brasileira. Esse artigo aborda alguns aspectos desse crescimento e propõe a reflexão sobre a eficiência da aplicação das pe

1. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal veda expressamente qualquer pena perpétua e também a pena de morte, permitindo a aplicação desta última, apenas em caso de guerra declarada.

A vedação constitucional é considerada cláusula pétrea, não admitindo que venha a ser emendada, por considerar essas penas desumanas.

Esse artigo tem a pretensão apenas de fazer uma reflexão sobre o tema, uma vez que qualquer alteração da situação atual só seria possível com a promulgação de uma nova Constituição Federal.

2. PRINCÍPIOS DA APLICAÇÃO DAS PENAS

        A aplicação de qualquer pena depende de alguns fatores como a CULPABILIDADE que possui 3 elementos: IMPUTABILIDADE (a capacidade de responder pelos atos praticados); POTENCIAL CONHECIMENTO DA ILICITUDE (possibilidade de saber que a conduta é ilícita); e EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA (análise se era razoável exigir que o agente agisse de maneira diferente).

        Além dessa análise de culpabilidade, a punição de um criminoso visa manter a paz na sociedade, retirando do convívio social as pessoas que não se ajustam. Portanto, a pena tem por objetivo principal a ressocialização do criminoso, devolvendo-o ao convívio social, tão logo ele esteja recuperado.

        Seguindo essa ótica, a pena tem caráter temporário e transitório, ou seja, o condenado mais cedo ou mais tarde voltará ao convívio social.

Eis aqui a primeira reflexão: a nossa sociedade quer conviver com ex-condenados ? Me arrisco a dizer que vivemos uma grande hipocrisia, pois a sociedade finge aceitar o ex-detento, desde que fique longe, uma vez que poucos acreditam na recuperação efetiva do condenado. Isso se deve obviamente pela falência do nosso sistema penitenciário.

3. O SISTEMA DE PROGRESSÃO DE REGIME

Baseado nessa ideia de reinserção do condenado na sociedade, o sistema de penas vigente no Brasil contempla três regimes: o Fechado; o Semiaberto e o Aberto.

Essa progressão de regime nada mais é do que uma preparação gradativa do condenado para o retorno à sociedade. O condenado vai ganhando a sua liberdade aos poucos. Essa progressão é feita basicamente analisando a recuperação de cada condenado. Ele precisa compreender que errou, que está pagando por esses erros e demonstrar que não pretende voltar a cometê-los. 

Eis agora a segunda reflexão: o que fazer quando esse arrependimento e essa conscientização não acontecem ?

A pena tem caráter temporário ! O condenado ao final da sua pena vai voltar à sociedade, estando ou não recuperado.

Outro grave efeito dessa progressão de regime é a sensação de impunidade que gera na população. A progressão pode transformar na pratica penas de 30 anos em apenas 5 anos (a migração do regime fechado para o semiaberto pode ocorrer após o cumprimento de 1/6 da pena). Isso gera a sensação de que o crime compensa.  

4. PSIQUIATRIA FORENSE E OS PSICOPATAS

        A psiquiatria forense em vários estudos afirma que os psicopatas são irrecuperáveis. A psicopatia gera uma insensibilidade com o outro de tal ordem, que o doente não sente remorso. Considerando que a pena tem o principal objetivo de fazer o condenado entender que errou e convencê-lo de não cometer o delito novamente, ela de nada adianta para os psicopatas.  

Confirmando essa teoria, o psiquiatra Guido Paloma, defende a internação perpétua em manicômios judiciário, alegando que não há cura nesses casos.[1]

        Estaríamos diante de uma pena perpétua necessária ? Tecnicamente trata-se de medida de segurança que não tem prazo final definido, uma vez que por ser considerado inimputável não recebe uma pena. A avaliação da recuperação mental do internado é feita periodicamente. Como a doença é incurável a internação seria perpétua.

Porém, o STJ editou recentemente a Súmula 527: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado

        Então, do ponto de vista legal e constitucional, a internação, mesmo em casos de psicopatia, deve ter um fim. Ainda que não esteja recuperado, ele voltará ao convívio social e muito provavelmente repetirá os atos que motivaram sua internação. Ao cometer o segundo crime ele poderia retornar ao manicômio e ficar mais vários anos internado, já que se trata de uma delito novo.

Diante disso, a pergunta que não quer calar é: Em nome de  uma desumanidade da internação perpétua de uma pessoa, outras pessoas sofrerão danos ou até mesmo morrerão, para só depois disso retornar o psicopata para o manicômio ? 

Embora bastante claro que essa liberação pode ser um erro grave, difícil porém, é um diagnostico preciso sobre as doenças mentais e as atitudes que delas podem decorrer.  A psiquiatria não é uma ciência exata, muito pelo contrário. Por mais que os estudos e as pesquisas avancem, o cérebro humano ainda é uma caixa preta.

Sendo assim, qual seria o grau de certeza de uma reincidência futura, que um juiz precisaria ter para sentenciar um dito psicopata a uma internação perpétua ?    

5. PENAS PERPÉTUAS

Inicialmente cabe ressaltar que a prisão perpétua é uma espécie de pena perpétua, dentre outras.

É ate compreensível que a prisão perpétua tenha um caráter desumano por ser muito grave. Mas será que toda pena perpétua seria desumana ?

Parece razoável que, em nome desse ideal humanitário, um político condenado por corrupção ou peculato, possa voltar a vida pública depois de 8 anos (período de inelegibilidade previsto na lei) ? Não seria mais justo que ele nunca mais pudesse concorrer a nenhum cargo público ? 

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Da mesma maneira, parece justo que um motorista que, dirigindo embriagado mate inúmeras pessoas, e possa voltar a dirigir após 5 anos de suspensão ?

Até que ponto uma garantia individual deve prevalecer sobre os interesses coletivos ?

Outro ponto muito interessante é o poder de reprovação em alguns concursos públicos na fase de Investigação Social, especialmente na área da segurança pública. Um condenado que, tenha cumprido a sua pena, e, portanto, estando reabilitado, poderia tornar-se policial ? Diante da ideia de que a pena não pode ser perpétua, e que, esta mesma pena, tem o caráter de reabilitar o condenado, nada poderia impedi-lo de tornar-se um policial.

A jurisprudência confirma que a investigação social tem sim o poder de eliminar candidato, ainda que a sua pena já tenha sido cumprida. [2]       

6. PENA DE MORTE

Chegamos a tão temida pena de morte. Para iniciarmos a reflexão cabe uma pergunta: qual pena seria pior a pena de morte ou a prisão perpétua ? Acredito que a maioria responderia que a pena de morte é mais grave.

Para ajudar a responder essa pergunta analisemos o caso o brasileiro Osvaldo Almeida que foi condenado a pena de morte nos EUA. Ele recorreu da decisão e conseguiu reverter a pena de morte em prisão perpétua. Hoje, mais de 20 anos depois, se arrepende e afirma que preferia ter sido executado.[3]

Numa segunda analise cabe outra reflexão: será que no Brasil a pena de morte é proibida mesmo ?  

No Brasil ocorrem muitos mais mortes em duvidosas legítimas defesas, do que em execuções formais de pena de morte nos EUA por exemplo. Sem falar nos tribunais do Tráfico de Drogas que possui seus próprios Código Penal.

CONCLUSÃO  

        Este artigo não defende a aplicação indiscriminada das penas perpétuas nem da pena de morte. No entanto, as vedações, assim como qualquer direito e garantia individual não devem ser absolutas.

        Ávidos pelo fim da impunidade, existe uma boa parte da população que apoia a pena perpetua e pena de morte, uma vez que a progressão de regime, muito fácil e rápida, gera uma sensação de desproporção entre o crime e a pena efetivamente cumprida em regime fechado.     

Mesmo ciente da impossibilidade de alteração constitucional sobre o tema, acredito que o debate e a reflexão são importantes e merecem a atenção de juristas, psiquiatras e de toda a sociedade.          


[1] http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1568178-5598,00-E+IMPOSSIVEL+CURAR+UM+PSICOPATA+DIZ+PSIQUIATRA+FORENSE+GUIDO+PALOMBA.html

[2] http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/07/condenado-por-atear-fogo-em-indio-no-df-tem-posse-na-policia-civil-barrada.html

[3] http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/05/brasileiro-se-arrepende-de-ter-revertido-pena-de-morte-para-prisao-perpetua.html

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Sobre o autor
Rodrigo Varela

Agente de Policia Federal <br>Bacharel em Direito;<br>Professor de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional em diversos cursos preparatorios para concursos

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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