Bibliografia
BOISSONNAT, Jean. 2015, Horizontes do Trabalho e do Emprego. São Paulo: Ltr, 1998.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11° Edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 514 à 560.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2º Edição, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 225 à 240.
FREITAS Jr, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho na era do desemprego. São Paulo: Ltr, 1999.
SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2º Edição, São Paulo: Ltr, 1998, p. 51 a 74.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional de Direitos Humanos. Porto Alegre: Santo Antônio Fabris Editor, 1997, p. 237 à 243.
II - Confluência entre Estado, Propriedade e o MST
Sumário: 1. Introdução. 2. Objetivos do Estado. 2.1. O contratualismo. 2.2. Rumos do Estado. 2.3. As reformas políticas. 2.4. Reais objetivos do Estado. 3. A propriedade e o MST. 3.1. Breve histórico do instituto. 3.2. Alcance do atual direito de propriedade. 3.3. O MST sob a perspectiva do Direito e da História. 3.4. A reforma agrária como meio de desenvolvimento econômico e social. Conclusões. Referências Bibliográficas.
"As vozes da mudança foram ocultadas pelo individualismo; os gritos das passeatas foram substituídos pelas indignações escritas engavetadas nas universidades capitalistas; as idéias criativas foram substituídas pela rotina do salário; os ideais viraram negócio; os salvadores da humanidade são as estrelas do futebol e da mídia. Tudo prossegue como se fosse normal, até os problemas".
1. Introdução.
O ser humano possui a capacidade de pensar como uma qualidade ímpar. É exatamente por esta qualidade que o homem passou a associar-se. Visualizou que vivendo em sociedade proporcionaria um melhor viver. Porém, de sua associação surgem os problemas advindos das situações que se criam, decorrentes do próprio agrupamento. É tentando minimizar conflitos e conciliar interesses que durante a história este ser racional buscou soluções através da criação de organizações que representassem todos: Originariamente, a família, onde os laços de parentesco afetivo vinculavam as pessoas; em seguida com o aumento populacional, as polis governadas e os mercados com suas sociedades políticas; na idade média, a Igreja como Instituição política e na Moderna o Estado [6].
É sobre o estágio em que nos encontramos no início do século XXI que traçamos um perfil do Estado e fazemos uma análise acerca do cumprimento de seus objetivos no que se refere a concretização ao direito de propriedade pelos componentes do Movimento dos Sem Terra.
2. Objetivos do Estado.
2.1 O contratualismo.
No século XVII, JEAN JACQUES ROUSSEAU [7] visualiza uma nova organização: O Estado que regido por governantes, objetiva atender a seus iguais. O autor defende uma série de medidas necessárias para a existência de um bom governo. Diferentes perspectivas foram geradas a partir da Teoria Contratualista não somente em Rousseau, mas também por Hobbes e Kant. Rousseau democrata que defendia o contrato social e sua teoria de forma objetiva, mas ponderada, acreditava na realidade deste. Kant, rigoroso científico defensor da razão, não acreditava que existia o contrato, nem de forma concreta, tampouco ideologicamente. Na prática existia por convencimento auto pessoal das pessoas, possuía um caráter lógico, vinha do saber. Hobbes, absolutista, justificava o contrato social como corpo do absolutismo e passava um caráter concreto e incontestável, justificado pelo poder do Rei.
Numa sucinta análise percebemos que ao longo da história o intuito do ser humano em beneficiar toda uma comunidade sempre existiu e foi visualizado por Rousseau de forma magistral através do Estado. Este objetivo já teria sido alcançado caso o Estado funcionasse nos moldes em que foi proposto. Porém constata-se que já em Roma, os escravos repassavam para César e a Elite da época as riquezas produzidas. Na idade média, os impostos dos produtores eram passados à Igreja e mais adiante ao Rei e à Nobreza. Atualmente o Estado recebe diversos tributos advindo dos trabalhos dos particulares e a soma destes recursos públicos que totalizam a grande soma de riquezas geradas por um país são destinados de forma aparente à coletividade, mas por distinção, aos próprios particulares.
A lógica de que o Estado seria o intermediador na captação de recursos e o governante o destinaria aos diversos setores da sociedade não é seguida. Ao contrário, por trás deste intuito o que se constata é a redestinação dos recursos públicos aos particulares através dos contratos [8] e licitações presumidas como legais. Se por um lado possuem o objetivo transparente de prestar serviços públicos à população, por outro oculta o objetivo principal que o particular visa: receber a maior quantidade de recursos advindos do Estado.
Não satisfeitos com a apropriação dos recursos públicos utilizam-se de detalhes para driblar a lei e aumentar esta captação no menor número de contratos com o Estado. Da não existência de rotatividade das empresas, sempre serão beneficiados os particulares periodicamente escolhidos por critérios que a própria lei [9] estipula e acabam por favorecer somente estas grandes empresas.
Quando o intervalo entre contratos aumenta, algumas empresas buscam a apropriação dos recursos com o superfaturamento das obras, onde produtos e serviços são prestados acima do valor de custo. Constata-se que ocorre uma conivência e uma conveniência por parte dos governantes que liberam e destinam os recursos públicos a estes particulares em troca de benefícios e privilégios, muitas vezes provenientes dos próprios recursos que foram apropriados por estas empresas enriquecidas através do próprio erário público.
Quanto aos efeitos desta lógica de destinação dos recursos públicos aos particulares através do governo obtemos uma diminuição dos recursos, intitulada por alguns como escassez. Hoje os órgãos do governo reclamam que possuem poucas verbas. Isto ocorre porque não destinam de forma correta seus recursos. A quantidade de recursos destinados aos particulares para fim de enriquecimento totaliza a soma necessária ao atendimento das finalidades de cada órgão.
Sobre a fiscalização, a caracterização de um desvio de finalidade nem sempre é fácil. Ainda que se pretenda desta forma a melhoria do sistema, os particulares irão providenciar novos detalhes para fugir dos fiscais do serviço público. Uma técnica utilizada para legalizar este repasse de recursos foi utilizada pelos mais de seiscentos congressistas legisladores da década de noventa: Passaram a criar novas figuras [10] com estreitos vínculos de acesso ao erário público.
Sobre mais um detalhe utilizado pelos particulares: a sonegação do imposto de renda. O que reflete não só um método mais rápido e eficaz de apropriação do erário público, já que o Estado possui um aparato de fiscalização limitado, dando margem exatamente para esta prática, como também indica uma descrença quanto ao destino de interesse público a ser dado a este montante recolhido.
Concluir-se-á que o Estado não alcança seus objetivos devido às limitações oriundas do nível de evolução humana. Ainda hoje, os interesses dos particulares se sobrepõem aos coletivos.
2.2 Rumos do Estado.
As denominações e qualificações que acompanham o conceito de Estado refletem as tentativas daqueles que detém o poder estatal de passar para os particulares os objetivos e interesses destes em uma determinada época. Para tanto utilizam-se dos meios de comunicação e da doutrina do direito para passarem suas mensagens.
No absolutismo o Estado se confundia com o Rei, com os interesses deste soberano. Após a Revolução francesa, surge o Estado como construtor de direitos formais com o intuito de buscar a aceitação popular. No início do século XX, o Estado liberal intervencionista toma para si a responsabilidade de, com os recursos públicos atuar na economia.
Durante a segunda guerra mundial, o aparecimento de talvez a mais nefasta face do Estado, o totalitarista, onde ditadores perfilavam os objetivos do Estado. Na Inglaterra, nos anos setenta, o Walfare State, Estado de bem estar social que ao perdurar nos países mais desenvolvidos conseguiu atender às necessidades básicas de atendimento ao cidadão nos campos da saúde e da educação solidificando garantias mínimas que perduram até hoje, todavia nos países menos desenvolvidos não logrou êxito.
Em seguida denominações formais, como as de Estado Democrático de Direito, onde o atendimento de garantias a todos é pressuposto de sua existência. O retorno do Estado Neo-Liberal, onde em nome da globalização, empresas estatais lucrativas dos países subdesenvolvidos foram privatizadas pelos monopólios internacionais; atualmente o Estado Gerencial, onde os governantes se limitam a administrar o país mantendo o funcionamento da máquina estatal com os recursos públicos disponíveis fazendo o que está ao alcance destes e o que não pode ser alcançado é remetido à esfera programática.
Atualmente, o Estado se desvincula de forma objetiva dos seus compromissos constitucionais em nome de limitações que ele próprio cria. Entenda-se a falta de vontade política como conseqüência do desvio de finalidade dado por alguns governantes e particulares aos recursos públicos.
2.3 As reformas políticas.
As reformas da previdência, tributária e trabalhista que estão sendo discutidas no Congresso Nacional revelam em seu conteúdo os objetivos do atual Estado Gerencial. É fato que o Estado como administrador dos setores públicos se limitam a priorizar a manutenção da ordem econômica. A economia é pressuposto para alcance das garantias constitucionais sociais. Sendo desta forma, conclusão nata de que o Estado gerencia a economia, depois o ser humano [11].
No seu artigo sobre "Uma reforma gerencial da administração pública no Brasil" (OLIVEIRA, Erivaldo. Administração Pública. Centro de Estudos Parlatorium), Luiz Carlos Bresser Pereira" nos traz dados de comparação da porcentagem de gastos públicos ‘crescentes’ com o funcionalismo em relação à porcentagem do PIB que na verdade, na década perdida de noventa decresceu. Além disso, a inflação em disparado aumento proporcionava perda do poder de compra dos salários que perdiam valor.
Em um terceiro grupo de dados, o autor demonstra um desnivelamento entre os gastos com o funcionalismo público e privado. Não existem salários justos no setor público, o contrário desta premissa não deve ser levado em consideração. Deve-se diminuir a distância entre estes, sendo que o menor deve ter como referência não os valores do privado que somente dão condições de sobrevivência e sim do art.6º da Constituição (direito à alimentação, moradia, saúde).
Para se aumentar o tempo de contribuição de 53 para 60 anos deve-se igualar as condições de vida do brasileiro ao do estrangeiro, como pressuposto. Tornar o cidadão possuidor de direitos sociais concretos, com poderes de realização que somente se dão com um salário justo que financie suas necessidades. Os menores salários no estrangeiro possuem o poder de compra para a realização de todos estes direitos. Não à toa, a Constituição de 1988 é tida como Constituição cidadã, exatamente porque defende isto. E estes direitos sociais são a base de uma economia que gere, produza e circule mais riquezas.
Na visão administrativa gerencial, um aumento de salário significa aumento de custo no balanço financeiro da empresa. Mas o Estado foi realizado para atender seus fins constitucionais e não deve ser tratado como uma empresa que somente visa o retorno financeiro, muitas vezes sobreposto aos constitucionais. Ao invés da visão distorcida de que um salário seja um gasto deveriam se ater à melhoria das condições sociais do indivíduo e do seu aumento do poder de compra o que alavancaria a geração de maiores riquezas. Hoje todo reajuste se resume não a estes propósitos e sim à correção do poder de compra do cidadão empregado, perdido devido ao processo inflacionário de aumento de preços proporcionado não mais do que o querer ganhar mais daqueles que vendem tais produtos. Um não quer perder poder, aumenta seus preços para os demais, está iniciado o efeito cascata.
Os números de funcionários públicos expostos nos dados do governo não estão subdivididos indicando claramente quantos em números absolutos pertencem à classe de alto escalão, nível superior, médio e fundamental das áreas operacionais.
O autor repugna que os funcionários públicos se aposentavam com 120% do valor do salário. Essa busca intitulada de patrimonialista individual reflete na verdade o intuito das pessoas de continuarem a ver concretizados seus direitos sociais. Por não acharem seus salários justos, foi a forma que encontraram para reivindicar e conseguir seus direitos. Claro que esta lógica não se aplica aos marajás ou algum funcionário que ganha muito e pensa em manter-se na vaidade após já ter o mínimo para suprir suas necessidades.De grande valia é o entendimento de que a distância entre os salários deve ser reduzida. Mas o menor salário deve estar em consonância ao atendimento do art. 6º da CF-88. Assim como a definição de um teto remuneratório para os servidores, faz-se-á necessário também um teto mínimo que lhe dê condições de concretizar seus direitos sociais e econômicos.
A reforma previdenciária como proposta empobrece a população mantendo seus salários baixos, diminui o poder de compra dos componentes do mercado consumidor interno e desaquece a economia interna.
Existem setores com menos pessoal que o suficiente. Porque não se propõe uma relocação. A administração anda em passos lentos porque o funcionário público não recebe direito, não possui treinamentos específicos constantes e não está inserido em uma política de busca de resultados expressivos com metas e prazos.
O objetivo de exonerar funcionários é claro e conveniente para os gerentes a fim de tão somente reduzirem custos, mas seus efeitos são maléficos. Aumenta-se o desemprego, desasiste mais um cidadão e provoca danos à economia interna.
Nas reformas privilegia-se a economia com concessões de todos cidadãos. A previdência necessita de redução de custos para compensar um déficit do governo através da contribuição dos aposentados que passem a ceder uma parte do seu benefício, do seu direito adquirido. Na reforma tributária busca-se um pequeno aumento de tributos das empresas como uma forma de gerar um grande acúmulo de recursos públicos para reinvesti-los no mercado, através dos títulos públicos ou para aumentar o orçamento que será redestinado aos particulares. Por fim, na reforma trabalhista, o trabalhador deixa de receber os 40% de multa sobre o FGTS quando de uma demissão sem justa causa, uma forma de diminuir o custo das empresas [12].
O Estado gerencial está apostando na economia, no mercado, nos investimentos de grupos econômicos internacionais que não possuem vínculo com os países em que investem, o que caracteriza a transformação da administração pública em um negócio de risco. Conseqüência disto é a passagem das garantias constitucionais da esfera programática para a da volatilização abstrata. Fica mais difícil definir um período com metas pela administração pública para o alcance destes objetivos.
2.4 Reais objetivos do Estado.
Percebe-se o conflito de princípios e valores. O que privilegiar? O valor econômico ou o ser humano? Certa feita o supervisor de uma empresa contestava que seus subordinados trabalhavam sem capa de chuva em um dia de inverno. Pergunta-se o que decidir? Exigir a proteção do trabalhador ou não comprar as capas? Deixar o trabalhador ficar doente por que é mais barato do que assumir o custo da compra de várias capas de chuva? Se a vida não tem preço, se a dignidade da pessoa humana existe e se a integridade física estão acima do valor econômico, o ser humano deve ser privilegiado e valer mais do que o papel monetário. São os gerentes dessasistidos de qualquer bom senso social que deixam prevalecer sua imagem acima das necessidades dos demais trabalhadores em pró de uma política de contenção, de custos. Privilegiam o corte de gastos necessários, quando não a ocorrência de fatos onde seja mais difícil provar um nexo de causa com alguma omissão do próprio gerente.
No exemplo anterior verifica-se que o gerente prefere correr o risco de que o trabalhador fique doente do que tentar realizar um gasto necessário que irá evitar prejuízos maiores como perdas com afastamento, consultas médicas e remédios. É uma falta de visão social da gerência visar conter custos em detrimento de prejuízos maiores por terem assumido tais riscos. Ainda bem que o acionista não percebe (ou não queira) esta realidade, pois se assim o fosse, o gerente estaria no olho da rua e não o supervisor que denunciou tal omissão.
Analogicamente o Estado é representado por gerentes, os supervisores são os políticos dotados da real visão social econômica e os acionistas são os cidadãos do país. É o Estado de ingerência às minorias que demonstra seus reais objetivos.