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Estado funcionalista

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23/04/2004 às 00:00

Resumo:


  • O direito liberal é confrontado com um Estado Funcional que funciona mal, beneficiando apenas alguns grupos.

  • O Estado Funcional no Brasil opera de forma restritiva, atendendo aos interesses dominantes e negligenciando a justiça social.

  • O pluralismo jurídico é essencial para analisar fatores externos à produção do Direito, como aspectos econômicos, sociológicos e políticos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O exto estuda o direito liberal quando confrontado ao que chamaremos de Estado Funcional, mas que funciona mal ou que funciona para poucos, restritivamente, como é o nosso caso.

RESUMO: O objetivo do texto é tratar o direito liberal quando confrontado ao que chamaremos de Estado Funcional, mas que funciona mal ou que funciona para poucos, restritivamente, como é o nosso caso [1]. Mas é bom lembrar que, de certa forma, nas sociedades capitalistas modernas, sentimo-nos órfãos de qualquer sentimento/sentido liberal: referimo-nos à livre-concorrência ora substituída pelos monopólios; às mil formas de censura impostas pelo opressivo Estado Grande-Irmão que, por exemplo, multiplica seus olhos eletrônicos de vigilância, com milhões de câmeras eletrônicas espalhadas por toda parte [2]; cabe lembrar, ainda, a multiplicação das ideologias de consumo que camuflam o atual avanço controlativo [3].

PALAVRAS-CHAVE: Estado, funcionalismo, Direito, Justiça, desigualdade social.

SUMÁRIO: 1. Estado Funcional de Direito Aparentemente Liberal; 2. Preceitos e Preconceitos Teóricos; 3. Estado Oculto ou Direito Imoral; 4. Pluralismo Jurídico; 5. Direitos Sociais Fundamentais.


Estado Funcional de Direito Aparentemente Liberal

Como veremos ao longo do trabalho, o título mais adequado ao trabalho seria Estado Funcional de Direito Aparentemente Liberal. Também não é demais lembrar, inicialmente, que, de forma estranha e contraditória, este modelo de Estado Funcional (funcionalista), em essência, funciona muito mal ou mal funciona no Brasil, porque procura atender basicamente aos interesses dominantes ou conformar-se aos aspectos mais relevantes às classes predominantes ou aos privilégios dos grupos de poder hegemônicos.

Observando-se o mundo, entretanto, pode-se objetar que se trata de fenômeno amplo, globalizado e exterior à economia nacional, e isso vindo de longa data (o neoliberalismo de Thatcher e Regan) – fato que também serviria para amenizar a responsabilidade dos responsáveis pela condução do atual estado famélico por que passa a sociedade brasileira: esta crise sócio-econômica seria anunciada pela derrocada do Estado de Bem-Estar Social. Como nos diz Brunhof (1991, p. 62), a tônica ou regra básica da coisa toda está em desovar a massa de salários no mercado de consumo:

Segundo as normas de auto-regulação mercantil, todos os rendimentos dos trabalhadores devem formar-se e esgotar-se nos mercados. Venda da mercadoria-trabalho, salário, compras de bens de consumo (...) exclui as medidas de proteção social, não apenas aquelas que concernem à assistência, mas também as que repousam sobre um sistema de seguridade social.

Quanto a este aspecto elementar da nova forma de produção-circulação do mercado especulativo, não será demais frisar que devemos enfrentar, no biênio 2004-2005, as várias propostas de flexibilização dos direitos trabalhistas (também seria da Justiça do Trabalho?). Lembremos que já passamos por sucessivas reformas da Previdência Social (na última década) e, ao que se sabe, a massa de salários não foi mais bem dividida. Como diz Calmon de Passos (2001):

A par disso, a ciência, aparelhando e fortalecendo o capitalismo com seu aparato técnico, otimizador da produção ampliada e da padronização das preferências, os dois pilares que asseguram a expansão capitalista, injetou na vida social, em termos nunca antes experimentados, o veneno da competição como o valor supremo da convivência humana, transformando o outro num adversário. O consórcio entre o poder disciplinar da ciência e o poder político do direito exacerbou a regulação em detrimento da emancipação e estimulou a competição, em detrimento da solidariedade, fazendo da derrota do outro nossa coroa de louros. De tudo isso resulta a ênfase dada à coerção, cada vez mais necessária para assegurar as chamadas ordem social, ordem política e ordem jurídica e cada vez mais desqualificadora da condição humana (p. 80).

Assim, de fato, o Direito está muito distante da idéia de equilíbrio, e muito mais próximo da simples prescrição/aplicação coercitiva. Em termos gerais, isto quer dizer que seguimos a tônica do capital externo, além do que (e isso esperamos indicar mais claramente) a estrutura interna do país não dispõe de condições maduras ou adequadas para responder a estes desafios caracterizados pelo Estado Funcional Mundial [4]. Então, quais são esses tão estreitos limites do Estado Funcional [5], no Brasil?


Preceitos e Preconceitos Teóricos

Antes da crítica, no entanto, e buscando a didática, pensemos num tipo de "Estado Funcional", agora baseando-nos nas sugestões que muitos doutrinadores constitucionalistas apresentam acerca destas características e funções institucionais. As funções, nós sabemos, vêm da clássica separação dos poderes e sintetizam-se assim: 1) legislativa: lembremos que, além de editar as normas de Direito, o Poder Legislativo também deve fiscalizar o executivo; 2) administrativa: veja-se que o executivo, utilizando-se do sistema de freios e contrapesos, também pode propor "projetos de lei" – invocando a necessidade de agilizar os trabalhos de um legislativo moroso; 3) judiciária: vamos gravar que este deveria ser o mais equilibrado dos três poderes, mas que sofre a pena das ingerências do Executivo, sobretudo com as nomeações dos juízes do Supremo Tribunal Federal.

Mas como é que o legislativo pode permitir a mutação das medidas provisórias em "condição permanente" – será recebendo verbas suplementares? Quanto ao executivo, é certo que o Presidente da República indique seus próprios juízes? Ou seja, não é por acaso que o judiciário enfrenta tamanha pressão pela criação de um controle social externo. Nessa arenga do poder, é óbvio que não pode haver tantas trocas de favores, pois "um Estado não pode funcionar nessa base": seus beneficiários imediatos acabam digladiando-se, sobretudo quando vêem minguar as rações e sem que haja possibilidade de satisfazer a volúpia dos mais fortes ou dos mais violentos [6].

Já as características podem assim ser resumidas: a) complexidade: enorme emaranhado e multiplicidade de atos e funções de significado público (no caso brasileiro, seria complexo ou desorganizado?); b) institucionalização: racionalização ou "constitucionalização da política" e da administração, visando à consecução da gestão pública (de outro modo, dir-se-ia burocratização e multiplicação exagerada da ação normativa) [7]; c) coercibilidade: o Estado procura organizar a segurança pública dos indivíduos e das instituições, monopolizando o uso da força (vimos como se transforma no Estado Grande-Irmão que lê, ilegalmente, até e-mail das pessoas); d) autonomia: o Estado organiza a burocracia e a administração pública para o seu próprio gerenciamento e isso necessita de uma maior margem de autonomia para estas instituições (mas, por que no Estado Empresa não há liberdade ou participação popular?); e) continuidade: a sedentariedade dos agrupamentos humanos estimulou a permanência ou durabilidade das próprias instituições – diz-se que: "há permanência do poder político". Se é assim, por que no Brasil não temos raízes democráticas solidificadas e mais profundas?

A título de exemplo, vejam-se algumas das respostas clássicas mais conhecidas: sofremos das heranças mal-vindas do Estado Patrimonial e do escravismo; trata-se do racismo latente; as elites são refratárias à participação popular e por isso obstaculizam as iniciativas sociais de origem popular; os preconceitos dão sobrevida aos privilégios dos grupos abastados e das classes dominantes; há um resto de "eurocentrismo tropical" aliado ao colonialismo cultural e econômico; somos vítimas do coronelismo tardio renitente e da violência política institucionalizada.

Outros ainda dirão que, devido ao fato de o Brasil ser um verdadeiro país continental, é muito difícil solucionar as crises sociais e políticas. Uma análise que, certamente, levaria qualquer matuto a questionar as dimensões territoriais brasileiras (antes sinônimo de pujança e força), pois, pela lógica, bastaria então dividir, repartir o país em parcelas menores para que seus problemas também fossem menores. Porém, concluindo com o matuto, não seria exatamente essa a característica e função primordial do Estado Federal, a divisão da Federação em Estados-membros? Isso não equivale a repartir funções para melhor administrar?

Lembremo-nos ainda que, no Estado Funcional de Direito Aparentemente Liberal, as finalidades ou objetivos do Estado não são analisados (as famosas "normas constitucionais programáticas"), simplesmente porque o debate constitucional acentua a gestão da máquina e não a teleologia pública e estatal: não parece que seja à toa que os gestores e os burocratas prefiram adotar o termo "máquina do Estado", pois uma máquina deve funcionar – apenas isso, deve ter as engrenagens sempre funcionando. De outro modo, quando se diz que os objetivos globais foram propostos e não alcançados, estar-se-ia tratando do como e de para quem a máquina é posta a rodar. A Constituição também só será efetivamente dirigente se coloca em prática.

Por fim, ressaltemos que o Estado Grande-Irmão driblou todos os princípios do direito liberal: desde a seguridade dos direitos individuais, passando pelo engessamento e monopolização do chamado mercado livre, até culminar no Estado-Aparelho, aparelhado por interesses puramente corporativos: não se diz de um Estado Equipado, porque nem se discutem mais os famosos "equipamentos sociais": há pouco garantias institucionais, hoje, lazer, cultura e trabalho são coisas do passado, são dotes dos afortunados.

Também o pluralismo político-partidário [8], sem que haja seguridade dos direitos civis e políticos, está convalescendo [9]. Não há exagero em dizer que o Estado Funcional ou funcionalista é a cada dia mais e mais controlativo (e assim censurador), ao passo que o Direito está cada vez menos liberado do jugo do poder econômico. Um tripé composto pela relação entre Direito/política/economia, como define Calmon de Passos (2001):

E esse modo de pensar põe o jurista definitivamente comprometido com o político que, por sua vez, remete ao econômico e tudo isso finda por nos conscientizar de que todo saber é saber do homem e só se legitima se também for saber para o homem (p. 82).

De modo semelhante, mas em tom menos panfletário, pode-se dizer que os ideais e a própria fixação do direito liberal (direitos civis e individuais) perdeu muito terreno para esse endurecimento da economia (especulativa) e da política (democracia excessivamente, quase exclusivamente, formal). É certo lembrar que o Estado de Direito Liberal remonta à Revolução Gloriosa, inglesa (no Bill of Rights, primou-se pelo direito de ir, vir e permanecer), à Americana (desde a Declaração da Virgínia) e à Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), mas é mais oportuno indagar onde encontraremos estas mesmas referências liberais hoje em dia.

De modo sucinto, as alegações anteriores podem ser tomadas como algumas características gerais do que chamei de Estado Funcional de Direito Aparentemente Liberal: o Estado de cunho funcionalista (funcionando para grupos seletos) e que apregoa a existência de um suposto direito liberal, mas que se mantém inalterado diante desta finalidade exclusivista.

Pode-se pensar neste Estado Funcional como o modelo que se veio formando já a partir de 1986 (na Assembléia Nacional Constituinte), mas, mais claramente ao longo das sucessivas reformas por que passou a CF de 88. Este modelo funcional habitava (como habita) as elites sedentas e ávidas por maior lucratividade (em face dos grupos políticos mais conservadores [10]), desde a Constituinte, com todos os arautos necessários à prescrição da reengenharia do modo de produção e do Estado (ou às custas do próprio Estado Democrático e social) e também em contraste com o modelo teórico do Estado Democrático de Direito. É evidente que não podemos identificar, nestes moldes, o que se chamaria de Estado Democrático de Direito Hegemônico:

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É que o modo democrático pelo qual o Direito é produzido (Democracia Formal ou Estado Democrático de Direito), associado ao compromisso do Direito com a proteção do indivíduo e a promoção das massas, a partir da valorização do trabalho humano (Democracia material ou Estado de Direito Democrático), adquire a suprema virtude de legitimar o poder político (Ayres Britto, 2001, p. 46).

Teoricamente, o modelo social acabou protelado, sendo deixado para segundo plano. O próprio conceito de Estado Democrático de Direito Hegemônico necessita ser apresentado/analisado em seu cunho mais social e menos liberal, menos material e mais formal, de implicações políticas e não só redundância jurídica.

No caso concreto, trata-se aqui de tipo ou modelo atual do Estado brasileiro porque pode ser contrastado com a nossa própria herança histórica, esta postergada pelo chamado Estado Patrimonial – a fase mais emblemática do Estado brasileiro e que, portanto, deitou inúmeras raízes políticas e culturais. Tais raízes ou representações da política nacional são imensas, mas pensemos nos (des)caminhos e nas práticas sociais e políticas que vão do jeitinho ao mandonismo, que perpassam pelo populismo e pelo culto à personalidade, e que podem culminar na usurpação do poder e dos cofres públicos. O culto à personalidade, por exemplo, é um traço fascista que vem dos anos 30. Mas, e hoje?

O quadro, como descrito por alguns, chega a ser dramático, um vilipêndio à razão, à dignidade da pessoa humana, um escárnio da constituição e um contra-senso histórico, político e ideológico:

Pois bem. Disto tudo é razoável concluir que, quaisquer que sejam os programas e projetos governamentais, ou eles se ajustam aos limites, princípios ou diretrizes constitucionais, ou inexoravelmente, haverão de ser tidos como inválidos, juridicamente insubsistentes. Entre o mundo do dever-ser constitucional e a realidade atualmente vivida, porém, existe uma distância incomensurável. Não satisfeitos em comprometer de forma talvez irremediável a própria soberania nacional (ao alienar nossas imensas riquezas minerais, ao abrir mão do controle sobre as comunicações e ao permitir a fuga incontrolada de capitais, tudo para gáudio e gozo dos especuladores internacionais), os atuais detentores dos postos de governo se hão esmerado em escarnecer da Constituição (Pontes Fº, 2001, p. 654).

Pensemos ainda na onda de privatização e precarização em todos os setores da administração pública – o sucateamento do material humano antes especializado, o aligeiramento da qualificação dos servidores e a conseqüente insuficiência da prestação dos serviços públicos – a isso se dá o nome de "terceirização do serviço público". Agora, pensemos no que poderia ser o referencial desse mesmo serviço público:

Pode-se pensar de modo evolutivo no tocante ao serviço público. A concepção clássica pode não vigorar hoje nos seus exatos termos. Aliás, deve-se lembrar que em sua noção Duguit [11] não associou serviço público a gestão estatal. O serviço público muda sua conformação segundo as transformações da sociedade, da tecnologia, da política. Pode-se inserir o dado econômico, a concorrência, a gestão privada, sem nunca deixar de lado o social, a coesão social, os direitos sociais. E sem abolir a presença do Estado [12]. As atividades essenciais à coletividade não podem ficar à mercê somente do jogo do mercado (...) Eu diria: é elemento de proteção de toda a coletividade (Medauar, 2003, pp. 537-538).

A seguir, veremos que esse tipo de Estado pode produzir um direito imoral [13]. Esta relação parece clara em si mesma, porém, deve-se lembrar que o Estado Democrático de Direito deve ser funcional para o público, não lhe sendo ocultas as ações em virtude e em proveito de um Direito igualmente democrático. Isto é, atentando-se ao que vimos ao longo do texto, o Estado Funcional brasileiro vem ocultando a justiça social e a democracia popular, bem como salientando o Direito imoral imposto.


Estado Oculto ou Direito Imoral

Estado e Direito, assim como Direito e moral, são distintos, mas devem ser relacionados. Simplificando, pensemos no Direito como na ordem do "ser", aquilo que é de fato, e a moral como o núcleo de expressão do "dever-ser". Porém, a explicação é falha, porque, por exemplo, quando relacionamos Direito e justiça, nós pensamos que "o Direito deve ser bom". No exemplo, a moral guiou-se pelo bom-senso e migrou para dentro do Direito, mas, de modo contrário, há muito direito imoral, injusto, indigno. Em síntese: o Direito é imposto pelo Estado, enquanto a justiça é interposta entre as pessoas.

O Direito é uma espécie de bom-senso, o eixo de gravitação do senso comum, ou Direito consensual. De outra forma, no entanto, o arbítrio e a imposição não geram o consenso, um tipo de "senso em comum", como valor compartilhado. Ao contrário, geram só um ato imposto, nunca requerido e nem aceito. Estes dois parágrafos são eles próprios exemplos do senso comum acerca do Direito: o que pensamos em comum do próprio bom-senso e do Direito.

Direito também é senso-comum: uma espécie de consenso (mas ainda temporário, provisório e apenas relativamente duradouro). Neste caso, há uma nebulosa envolvendo nossa percepção do sentido do Direito – quando o bom-senso ainda não foi estabelecido. Por isso, Direito não é sinônimo de justiça: esta, a justiça, como opção pelo direito correto, pelo melhor; já o senso comum do Direito pode ser tomado como o "simples consenso ou avaliação geral" de que seu descumprimento pode implicar em punições e aflições. Isto é, nem sempre se cumpre o Direito porque se quer, julgando-lhe correto, mas em geral porque é imposto forçosamente.

O Direito como "consenso pleno e real", portanto, é um Direito requerido, que se requer – é querido, porque se quer livremente, porque se quer por perto, ao alcance. O Direito imposto, no entanto, pode ser cumprido em virtude do bom-senso – o medo é um alerta, um sinal de sobrevivência, uma indicação de que os efeitos da sanção/coerção são por demais aflitivos.

O Direito seguido da aplicação da sanção é, então, um direito penoso, pesaroso, enquanto o consenso traz como primeiro resultado a negociação e a aceitação. O consenso é bem dito, principalmente se oposto ao arbítrio inerente ao Direito Imposto: este que é uma grande parte do Direito Posto. Se o Direito é requerido, acaba aceito; mas, se o Direito é imposto, acaba contestado. Com o que também se vê que, a eficácia (objetividade e racionalidade jurídica) nem sempre é eficiente na avaliação da maioria (a subjetividade da interpretação política).

O Direito aceito [14] consensualmente é inerentemente coletivo, já a imposição tem reflexos particularizados: as sanções são implicações afetas aos atos específicos. "Vós sois responsáveis por vossos atos" – embora nem todos os responsáveis sejam responsabilizados. O Direito construído socialmente (não só promulgado) é desejado e bem vindo; já o mero "império da lei", a condição de aplicabilidade/aplicação, pode ser mal-sã: é o caso típico da pena que não ressocializa ninguém.

O Direito pode ser tanto o desejo por justiça, quanto a repulsa ao arbítrio, a denúncia do abuso da força e "da tirania dos poderosos". O Bom Direito, portanto, é um exercício de comando ("efetuar com..."), em que pese a imposição revele o ato e o autor do mandonismo. O Comando representa, o mandonismo quer simular: no fundo, todo mandarim procura por um direito que lhe permita mandar sem ser comandado [15]. O direito que vem do comando é a súmula de cada um, o interior "comum a todos", em virtude do mandarinato que se resume a um sumo que só consta da casca, sendo este o exterior isolado do que possa haver de melhor [16]. Vê-se que o Direito social é próximo à moral e que o Direito como poder pode limitar-se ao malgrado uso da força.

De forma não dogmática e nem ideológica, o Direito tanto pode ser o Direito Injusto (próximo à moral oficialmente estabelecida, dos valores forçadamente equiparados), quanto pode ser resistência, contrariando a moral estabelecida e assim colocando-se como princípio de justiça – neste caso, se e quando a moral oficial torna-se indesejada pode ser alterada revolucionariamente. O estudo do Direito esclarece tanto sobre clareza e justiça, quanto acerca do cinismo, da injustiça [17]. Enfim, o Direito é um filamento social: tanto pode ser o fio condutor da consciência e da liberdade, quanto pode gerar um curto-circuito entre as pessoas, a sociedade e o Estado.

De todo modo, não há um Direito amoral, pois todo Direito é relacionado à "consciência dos valores", havendo o reconhecimento dos valores propostos, seja para recepcioná-los, seja para afrontá-los. Mas, já dissemos, há muito direito imoral, especialmente num Estado que funciona mal, como é o nosso caso. Também pudemos observar que, na vigência deste modelo de Estado Funcional (não-liberal), a justiça é irreal.

No bojo do Estado social e politicamente exclusivista, também a visão plural necessária à prestação jurisdicional, está depreciada. Este, entretanto, é um aspecto por demais relevante que preferimos tratar como se fora o próprio objeto do que se convencionou chamar de pluralismo jurídico.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado funcionalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 290, 23 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5124. Acesso em: 23 dez. 2024.

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