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Imposto sobre Serviços:

ainda sobre a questão de quem pode cobrá-lo

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Introdução

Em 31 de julho de 2003 foi editada a Lei Complementar 116, cujo seu escopo foi o de regulamentar o Imposto Sobre Serviços – ISS, em substituição ao Decreto-Lei 406/68, que fora recepcionado com força passiva de Lei Complementar pela Constituição de 1988, aplicando-se assim o comando constitucional previsto no art. 146, III da Constituição Federal que atribui somente a Lei Complementar o estabelecimento de normas gerais aplicáveis aos impostos.

O advento da nova Lei do ISS trouxe várias alterações ao regime aplicado ao imposto, em especial, alterou a norma de competência do recolhimento do tributo. Contudo, as alterações trazidas pela LC 116/03, não mostraram-se suficientes para solucionar a principal controvérsia acerca dessa espécie tributária, surgida no ordenamento anterior, que é a de quem cabe a capacidade de efetuar a cobrança do tributo, se ao Município onde está localizado o prestador de serviço ou no Município onde o serviço é efetivamente prestado.

Esta questão tem se apresentado como um grave problema no trato entre os Municípios, pois tem como uma de suas conseqüências o advento de odiosas guerras fiscais, cujo maior prejudicado é sempre a população.

Essa discussão tem sido objeto de exaustivas análises pelos tribunais de nosso país, bem como pela doutrina qualificada já tendo sido encontrada posições em ambos os sentidos.

O presente estudo objetiva trazer a questão novamente a debate, pois o mesmo ainda será assunto de sérias discussões judiciais pelos próximos anos visto a nova Lei do ISS simplesmente ser omissa sobre esse ponto apenas reproduzindo a regra já existente em nosso ordenamento com mínimas alterações que aqui serão vistas.

Antes de entrarmos no tema principal iremos tecer breves comentários sobre o Imposto e suas características.


1. Os Elementos do Imposto Sobre Serviços

Os elementos definidores de qualquer tributo são: o fato gerador (elemento material), o contribuinte (elemento pessoal), e a base de cálculo e a alíquota fiscal (elementos quantitativos).

Neste estudo deve ser dada uma maior importância a análise do elemento material, tendo em vista ser ele o ponto chave da discussão apresentada; quanto aos demais elementos será feita uma breve análise sobre os mesmos.

1.1Do Elemento Material

O fato gerador segundo os dizeres do art. 114 do CTN é "a situação definida em lei como necessária e suficiente a sua ocorrência", podendo ser definido como fato de cuja ocorrência faz dependência da lei, sendo assim um conjunto de fatos que permitem aos entes do fisco exercerem a sua competência legal de criar um crédito de tal importância, a título de tal imposto, em face do contribuinte.

Ressalte-se que com a constitucionalização do princípio da legalidade, no art. 5º da CF/88 e o da legalidade estrita em matéria tributária, previsto no art. 150, I da CF/88, a relação entre o fato gerador e a lei tornou-se segundo a interpretação dada pelo STF uma cláusula pétrea, pois se trata de uma garantia fundamental do contribuinte.

A importância deste elemento reside no simples fato de que uma vez identificado o fato gerador e procedido o lançamento, o tributo irá ser regido pela lei do momento do fato gerador, mesmo que tenha havido alteração legal superveniente.

O fato gerador do ISS esteve previsto inicialmente no art. 71 do Código Tributário Nacional, em complemento à disposição constitucional elaborada pela EC 18/65 e dispôs que o fato gerador era todo e qualquer serviço prestado por empresa ou profissional autônomo com ou sem estabelecimento fixo, desde que não representasse fato gerador de imposto da competência da União ou dos Estados. Posteriormente, o art. 8º do Decreto-Lei 406/68, alterou a definição legal do fato gerador do ISS ao colocar que apenas iria dar azo a instituição do Imposto o dito serviço que esteja incluso em lista anexa ao próprio Decreto, sendo que este conceito foi manutenido pela LC 116/03 quando em seu art. 1° afirma que será fato gerador do tributo a prestação de qualquer um dos serviços ora inclusos na lista em anexo no escopo a fim de evitar prováveis conflitos de competência com a União e os Estados, seguindo esse raciocínio a jurisprudência das cortes superiores já afirmou que a mesma possui natureza taxativa.

Faz-se necessário que haja a efetiva prestação do serviço, não podendo de forma alguma haver tributação sobre a potencialidade do exercício do serviço, pois esta oneração não afeta a atividade (contabilidade, construção, e etc.), mas o serviço a ela relacionado, isto é, o seu conteúdo econômico não se encontra inserido na atividade propriamente dita, mas tão somente no serviço prestado para efetivação da mesma.

Na Lei Complementar 116/03 encontram-se apenas as normas gerais que irão orientar a regulamentação do Imposto, contudo a mesma não cria o tributo, cabendo esta função a lei a ser erigida pelos Municípios.

1.2.Do Elemento Subjetivo

Este elemento reveste-se na pessoa do contribuinte, sendo que o art. 121 do CTN define o que é contribuinte como sendo "a pessoa que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador do tributo", divergindo assim do responsável, pois este apesar de ter obrigação de pagar o tributo não possui nem relação pessoal ou direta com a situação.

O contribuinte do ISS era a princípio previsto no art. 73 do CTN que colocava-o como sendo o prestador de serviço, contudo o art. 10 do Decreto-Lei 406/68 não formulou nenhuma alteração neste sentido apenas reproduziu o art. 73. Porém, o art. 10 deve ser visto em conjunto com o caput do art. 8º, pois ali estava colocado que somente poderia ser prestador de serviços: empresas e profissionais autônomos. Dessa forma, não poderiam assumir a qualidade de contribuintes, os diretores e membros de conselho consultivos de uma empresa, os profissionais que prestam serviços numa relação de emprego, e os trabalhadores avulsos; porém este entendimento não mais deve ser aplicado tendo em vista a revogação expressa dos artigos 8° e 10 do Decreto-Lei 406/68 pelo art. 10 da Lei Complementar 116, bem como pela mesma lei em seu art. 5º ter determinado que o sujeito passivo da obrigação tributária é o prestador de serviços, retornando assim o legislador, a norma prevista originariamente no art. 73 do CTN, que não faz nenhuma restrição a quem pode deter a qualidade de contribuinte, isto é, se praticou o serviço tributável pelo ISS, seja pessoa jurídica ou física, irá ser obrigado a recolher o valor da exegese fiscal.

No art. 6º da LC 116/03 fica criada a figura da substituição tributária no ISS, ao permitir que os Municípios e o Distrito Federal em suas legislações criem a obrigação de retenção na fonte pelo terceiro que esteja o mesmo vinculado ao fato gerador da obrigação principal.

1.3.Do Elemento Quantitativo

Neste tópico englobam-se a base de cálculo e alíquota fiscal que são apenas os elementos que irão determinar o quantum debeatur, isto é, o montante que deverá ser apurado e efetivamente pago.

A base de cálculo é a grandeza econômica determinada pelo legislador onde irá ser baseada a tributação. No caso do ISS sua base de cálculo foi inicialmente prevista no art. 72 do CTN que firmava ser todo o serviço prestado salvo duas exceções que eram quando o serviço configura-se trabalho pessoal do próprio contribuinte, onde iria ser adotado outros elementos fixadores que não fossem a renda do trabalho, e quando o serviço tivesse parte integrante do imposto do ICM onde haveria uma cálculo de 50% do valor total da operação.

O art. 9º do Decreto-Lei 406/68 revogou de forma expressa todas as considerações feitas anteriormente sobre a base de cálculo do ISS, não apresentando nenhuma grande alteração de importância para este estudo.

Contudo, hoje a base de cálculo do ISS está prevista no art. 7º da LC 116/03, onde é bem claro que a mesma será o valor do preço do serviço, sem qualquer restrição, salvo quando nos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços onde o material usado não irá fazer parte da base de cálculo, apenas conservando regra anteriormente prevista pelo Decreto-Lei 406/68.

O que deve ser entendido como preço do serviço? Apenas como o número de unidades monetárias que se paga para adquirir determinado bem, no caso do ISS um bem incorpóreo, assim o preço do serviço nada mais é que a contraprestação paga pelo tomador do serviço na Nota Fiscal de serviços, sendo que de forma alguma deve ser entendida como entradas financeiras, pois esta diz somente a valores que entram no caixa da empresa, enquanto que na contraprestação está embutida uma série de elementos que formam o preço, e não somente o lucro. É do melhor estudo ressaltar que a base de cálculo também se encontra limitada pelo princípio da legalidade, uma vez que necessita de lei complementar para sua definição (art. 146, III, CF/88) devendo ser especificada em lei municipal (art. 97, IV CTN).

A alíquota é o percentual que irá incidir sobre a base de cálculo para elaborar-se a apuração do montante devido a título do tributo.

Este tema já foi objeto de inúmeras alterações legais sendo que no presente momento o Imposto possui dois limites de alíquotas, uma mínima de 2% e uma máxima de 5%, ambas determinadas respectivamente pela EC 37/02, que alterou o art. 88, I do ADCT, e pelo art. 8º, II da LC 116/01. A determinação de uma alíquota mínima trata-se de uma inovação feita pelo legislador com o claro intuito de diminuir a prática desairosa da chamada "Guerra Fiscal". Quanto a alíquota máxima trata-se apenas de uma limitação ao uso do tributo, buscando assim evitar o uso abusivo do mesmo, isto é, o seu uso para fins que não sejam coerentes com os melhores interesses da comuna, e não como um instrumento de coação por parte do governante.


2. A quem compete instituir o Tributo?

Uma análise histórica da legislação do ISS

Hoje o Imposto Sobre Serviços encontra-se regulado pela Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003. Contudo para que possa ser feita uma melhor análise do tema se faz mister que tragamos à luz do debate a legislação anterior do ISS e como a mesma era interpretada pelas Cortes Superiores.

Antes de adentrarmos especificamente no tema, deve ser feita a diferenciação entre a competência para instituir e regular o tributo e a competência para cobrar o mesmo, isto é, a diferença entre competência tributária e a capacidade ativa tributária.

2.1.Da Distinção entre a Competência Tributária e a Capacidade Ativa Tributária.

A competência tributária é uma forma de competência que está intrinsecamente relacionada a uma competência legislativa, desta forma, somente possuirá a competência tributária quem detenha competência legislativa, assim pode-se extrair que a competência tributária nada mais é do que a capacidade de se instituir um tributo por meio de lei própria, sendo esta indelegável.

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Esta competência tributária jamais pode ser confundida com a capacidade ativa tributária, que se trata somente de uma mera capacidade de arrecadar e fiscalizar os tributos, isto é, a mera aptidão de figurar no pólo ativo da obrigação tributária, e a mesma pode ser delegada, a pessoa jurídica de Direito Público (autarquia, fundação pública e outro ente federativo) e esta delegação pode ocorrer em virtude de lei ou convênio.

Dessa forma, de maneira alguma deve se ter como sinônimo da competência tributária a capacidade tributária ativa, quando muito podem estar ambas concentradas no mesmo ente político, pois uma fala do poder conferido constitucionalmente para criar e regular um tributo enquanto que a outra nada mais é do que pura e simplesmente a capacidade de poder cobrar o mesmo, isto é, de se colocar no pólo ativo da obrigação resultante da relação jurídica tributária.

2.2.Do art. 12 do Decreto-Lei 406de 31 de dezembro 1968.

Antes do advento da Lei Complementar 116/03 o Imposto sobre Serviços encontrava-se regulado pelo antigo Decreto-Lei 406/68 de 31 de dezembro de 1967, sendo que em seu art. 12, que fora recepcionado com status de Lei Complementar tributária, nos termos do art. 146, III da Constituição da República, abaixo transcrito, esta insculpida a norma de competência da capacidade ativa do tributo.

"Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço":

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação "".

Pelo que se pode depreender do dispositivo em comento, o regramento anterior da incidência do ISS, tinha como regra geral, o critério do estabelecimento prestador (ou, na falta deste, o domicílio do prestador) e, como regra excepcional, o local da prestação do serviço.

Assim, genericamente, o imposto era devido ao Município em que se localizava o estabelecimento prestador do serviço. Excepcionalmente, no caso de construção civil, a competência para arrecadar o tributo seria do Município em que se efetuasse a prestação do serviço.

Oscar Barreto Filho assevera que estabelecimento "é o complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante [prestador do serviço] para a exploração de determinada atividade mercantil".(Teoria do Estabelecimento Comercial, 1ª edição, São Paulo, Max Limonad, 1969, p. 75).

Na lição de Bernardo Ribeiro de Moraes, estabelecimento "vem a ser o local fixo, onde a pessoa exerce sua atividade ou administra seus negócios".(Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, 1ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978, p. 488). Hely Lopes Meirelles, por seu turno, afirma constituir-se este em o "lugar — como tal compreendido o prédio, equipamentos e instalações — onde o contribuinte exerce suas atividades ou de onde as administra".(Direito Municipal Brasileiro, 6ª edição, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 192).

Desta forma, identifica-se no estabelecimento não apenas a existência de aspectos materiais e imateriais formadores de um complexo de bens, mas, igualmente, até mesmo como parte deste complexo, a necessidade da existência de um local (o prédio, as instalações, a que se refere Hely Lopes Meirelles) em que aquele instrumental, de que se compõe, seja posto em utilização com o fito de se exercitar a prestação do serviço. Este, então, era o estabelecimento prestador ao qual aludia o art. 12, alínea "a", do Decreto-lei n. º 406/68.

Dessa forma, pode-se entender que o tributo seria devido ao Município em que se localizasse a sede ou a matriz (domicílio fiscal), e no caso de pessoa física em seu domicílio fiscal, desde que se comprovasse e se admitisse serem estes o estabelecimento prestador a que se referia a alínea "a", art. 12, do Decreto-Lei 406/68; não que na sede tenha que se materializar a prestação do serviço, mas que lá ocorram elementos imprescindíveis à consecução destes, ainda que materialmente realizados em outro local.

Manifestação neste sentido pode-se depreender do seguinte escrito, da obra de Ives Gandra da Silva Martins:

"... no concernente à alínea"a" pode o serviço ser prestado fora do estabelecimento, nem por isto o local de prestação do serviço será considerado aquele em que for prestado, mas aquele em que estiver o estabelecimento ou for o do domicílio do prestador.

(...)

... o local do estabelecimento, entendido no caso como a unidade empresarial sediada em determinado lugar, com personalidade jurídica conformada, seria aquele que ofertaria sujeição passiva ao tributo, mesmo por serviços prestados em outros Municípios." ("ISS - Local da prestação do serviço", Revista de Direito Tributário, nº 40, abril/junho, 1987, pp. 142/143).

Outra argumentação que era utilizada pelos Municípios consistia em efetivar interpretação sistemática das hipóteses previstas no art. 12 do Decreto-Lei 406/68.

Assim, verificou-se que previa o mencionado dispositivo uma regra geral, em sua alínea "a" e uma exceção em sua alínea "b". Após uma análise conjunta de ambas as normas, ficou constatado que o caráter excepcional era o do critério alusivo ao local em que se materializa o serviço, estando restrito às hipóteses de construção civil, constituindo-se regra geral o critério referente à localização do estabelecimento prestador.

Concluiu-se ser a construção civil o único caso em que se adota o critério do local de materialização do serviço, informando todos os demais o parâmetro concernente à localização do estabelecimento ou domicílio do prestador.

Não se cuidando no caso concreto de construção civil, aplicar-se-ia, por conseguinte, a regra geral retromencionada, considerando-se o local da prestação do serviço, para efeito de definição do Município com competência tributária para fazer incidir o ISS, aquele em que se situa o estabelecimento principal ou o domicílio do sujeito passivo.

Aponta neste sentido, uma vez mais, o pronunciamento de Ives Gandra da Silva Martins, in verbis:

"A exceção da alínea "b" se compreende. Os trabalhos de construção civil não são serviços que se prestem de forma rápida e com utilização de mão de obra não-municipal. Quase sempre a mão de obra é requisitada no próprio Município e a duração da empreitada prolonga-se no tempo, sobre serem tais serviços de expressão considerável.

Ora, sendo mais facilmente fiscalizável, à evidência — até porque a autorização para que uma obra de construção civil seja possível em um Município vem do próprio Município — optou o legislador complementar por transferir a sujeição passiva para o local da prestação de serviço e não para o da sede do estabelecimento prestador ou de seu domicílio." (ibidem).

Igualmente, do insigne Aliomar Baleeiro, se poderia extrair tal entendimento, especificamente neste ponto:

"Se o caso é de construção civil, competente é o Município onde existe a obra ou onde se presta efetivamente o serviço. Fora desse último caso, prevalece a competência do Município onde o contribuinte tem sua sede, se estabelecido, ou o seu domicílio, ainda que o serviço seja prestado no território sujeito à jurisdição fiscal de outra Prefeitura. Pode acontecer até que o contribuinte preste o serviço em território estrangeiro, vizinho, como o médico de Santa Ana do Livramento que atenda a chamado de cliente residente em Rivera (Uruguai)." (Direito Tributário Brasileiro, 10ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 305) (grifo nosso).

Ressalte-se também que no mesmo sentido posicionava-se o ilustre magistrado Sérgio Pinto Martins, quando elabora uma breve comparação entre a regulamentação existente originariamente no Código Tributário Nacional posteriormente alterada revogada pelo Decreto-Lei 406/68, conforme se observa no texto abaixo:

"O Código Tributário Nacional, de 1966 não especificou qual seria o local da prestação dos serviços. Naquela época, entendia-se que o ISS era devido no local onde o serviço era prestado, de acordo com o princípio locus regit actum. Um Município não poderia, portanto, exigir o ISS do serviço prestado em outra comunidade".

(...)

O Decreto-Lei nº 406/68 não prestigiou integralmente a orientação de que o ISS é devido no local da prestação dos serviços, ou seja, o princípio lex loci actus, apenas tratando-se de obras de construção civil, isto é, onde se efetua a prestação de serviços."

Contudo, nota-se, pelos termos em que foi insculpida a regra em comento, ter, o direito pátrio, admitido à possibilidade da existência de pluralidade de estabelecimentos prestadores.

De fato, pode um prestador de serviços, possuir matriz e diversas filiais, sendo que todas elas se caracterizavam como estabelecimentos, na primitiva acepção do termo, e, mais, estabelecimentos prestadores de serviço, no passo em que possuam autonomia jurídica e econômica e também, possuir a realização de atividades (prestação de serviços) fora da localidade onde se encontra o seu estabelecimento (sede).

Sem importância, portanto, se afigura o status ostentado pelo estabelecimento, importa que nele se exercite a atividade consubstanciadora dos serviços a que se propõe o prestador de serviços, caracterizando-se, assim, como estabelecimento prestador, a definir o local da prestação do serviço e, via de conseqüência, a competência territorial para exigência do imposto.

Neste ponto, vale trazer à baila, novamente, o ensinamento de Bernardo Ribeiro de Moraes, asseverando, no mesmo sentido, que "não vem ao caso, a hipótese de o estabelecimento ser a matriz, a filial ou a sede da empresa".(Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, 1ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978, p. 488).

Essencial, deste modo, para definição da competência para cobrança do ISS, era a de que o estabelecimento do contribuinte estivesse localizado dentro dos limites territoriais da municipalidade que pretendesse demandá-lo para si, não importando se o mesmo fosse a matriz ou a filial.

Dessa forma, não bastava que o estabelecimento pertencente ao prestador do serviço estivesse dentro dos limites territoriais do município onde o serviço foi realizado, mas também deveria existir naquele local a concreta prestação do serviço.

A exacerbar tal posição, alguns autores reinterpretam os aspectos inerentes ao ISS à luz da Constituição da República de 1988, concluindo, de forma categórica, pela competência do município onde, tão-somente, ocorrer à prestação do serviço, independentemente da existência de estabelecimento.

Nesta linha, Heron Arzua afirma que "da perspectiva constitucional, é indisputável que o imposto sobre serviços só pode ser cobrado onde os serviços forem ultimados". ("Consórcios e ISS - Local da prestação de serviços", Revista de Direito Tributário, n. º 45, julho/setembro, 1988, p. 254).

Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto ousam mais e sobrelevam tal assertiva, tachando de inconstitucional a alínea "a", art. 12, do Decreto-lei n. º 406/68, igualmente diante de novel postura exegética imperiosamente adotada em face da Constituição da República de 1988.

Assim se manifestam os insignes autores, in verbis:

"O aspecto espacial da hipótese de incidência é implicitamente extraível do Texto Constitucional. Se o arquétipo é a prestação de serviço, o aspecto espacial só pode ser reduzido ao local onde se efetua a prestação".

(...).

Impõe-se, pois, urgente reposição do único critério prestigiado pela Constituição: local da prestação é o do Município onde se consumir o fato imponível, é dizer, onde se produzirem os resultados da prestação do serviço. É fazer prevalecer só o que diz o art. 12, "b" (deveria a única regra, sem contemplar exceção): deve-se ISS no lugar onde se efetuar a prestação."("ISS — Construção civil — Pseudo-serviço e prestação de serviço — Estabelecimento prestador — Local da prestação ", Revista de Direito Tributário, nº 40, abril/junho, 1987, p. 93/94).

No mesmo sentido o entendimento do Professor Roque Carazza, ao alegar que "a Constituição quer que o ISS seja devido sempre no território, no Município onde a prestação de serviço se deu". ("Imposto sobre Serviços", Revista de Direito Tributário, n. º 48, abril/junho, 1989, p. 211).

Na mesma esteira, o Professor Cleber Giardino sentencia, ipsis litteris, que:

"O art. 12 do Dec.-lei 406/68 — embora possa ser tido como da natureza das leis complementares dispositivas acerca de conflitos de competência — é inaplicável no que veicula fórmula legislativa incompatível com os princípios assim claramente postos pelo Texto Constitucional (por exemplo, sua letra "a", quando diversos os locais da prestação e do estabelecimento ou domicílio do prestador)." ("ISS - Competência municipal", Revista de Direito Tributário, n.º 32, abril/junho, 1985, p. 224).

Para estes autores não importava perquirir o estabelecimento prestador, pois entendem constituir regra geral, indicadora do local da prestação do serviço, onde este se materializar.

2.3.Do art. 3º da Lei Complementar 116 de 31 de julho de 2003.

O legislador quando da edição da Lei Complementar 116/03 perdeu uma grande oportunidade para de uma vez por todas resolver essa questão problemática referente a quem cabe a capacidade ativa do Imposto Sobre Serviços. Limitou-se o legislador a reproduzir a regra geral anteriormente prevista no Decreto-Lei 406/68, apenas diferenciando-se quanto às exceções prevista em lei pulando de uma única, (o caso da construção civil), para vinte exceções, onde não resta menor dúvida de que esse elenco é taxativo, primeiro pelo seu extenso elenco e segundo pelo fato de ser proibido o uso de analogia no Direito Tributário que implique na criação de tributos.

No mais nada foi alterado com relação ao ordenamento anterior restando assim o presente questionamento e nos demais caso de serviços que não previstos nas exceções dos incisos do art; 3º da LC 116/03? Como fica o núcleo constitucional do tributo nesses casos? Esses e outros questionamentos irão emergir com o tempo sobre o tema que certamente deverão ser objetos de longas batalhas judiciais entre os Municípios e os contribuintes, competindo ao Poder Judiciário determinar qual interpretação e uniformização que deverá ser dada ao tema.

Em face da inerente atividade judicial a ser exercida ao tema passemos a análise da atual jurisprudência, elaborada à luz do Decreto-Lei 406/68, sobre a quem deve competir a capacidade ativa do ISS e quais são as perspectivas em face da nova legislação.

2.4.A interpretação das Cortes Superiores do art. 12 do Decreto-Lei 406/68.

Observa-se, na esteira do que inúmeras vezes já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (v.g., REsp. 50.617-4/SP - DJ 21/11/94), que o Decreto-lei n.º 406/68 fora absorvido pelo ordenamento inaugurado com a Carta de 1988, mantendo-se um status de lei complementar tributária, a suprir a exigência do art. 146, III do texto constitucional, no que tange ao ICMS e ao ISSQN, restando íntegra, a norma contida no art. 12, alínea "a", do referido diploma legal, a indicar a competência do município em que se situa o estabelecimento prestador, ainda que possua, a empresa em questão, sede em outra comuna ou que materialize serviços fora do estabelecimento.

Todavia, não se pode negar o cunho indicativo do segundo posicionamento aqui apontando para a curial essencialidade do local em que se dá o efetivo exercício da prestação do serviço.

Nesta mesma linha de pensamento, percebe-se orientação jurisprudencial que atina com a relevância do local da efetiva prestação do serviço, para efeito de se definir a competência para cobrança do ISSQN.

Neste desenvolvimento racional é imperativo que sejam trazidos, à luz do problema, os arestos oriundos do Superior Tribunal de Justiça.

"TRIBUTÁRIO. ISS. SUA EXIGÊNCIA PELO MUNICÍPIO EM CUJO TERRITÓRIO SE VERIFICOU O FATO GERADOR. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI N.º 406/68.

Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-lei n.º 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador.

É o local da prestação do serviço que indica o Município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território.

A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga.

Recurso provido indiscrepantemente.

(...)

... É certo que o artigo 12 do Decreto-lei n.º 406/68 dispõe que, "considera-se local da prestação do serviço, o do estabelecimento prestador, ou, na falta, o do domicílio do prestador".

É de ver que o dispositivo supra não tem sentido absoluto. A sua compreensão, como ensinam os doutrinadores, exige temperamentos." (STJ - Ac. unân. da 1ª Turma - REsp nº 41.867-4/RS - Rel. Min. Demócrito Reinaldo - publ. em 25/4/94).

"TRIBUTÁRIO – ISS – MUNICÍPIO COMPETENTE PARA EXIGIR O TRIBUTO – CTN, ART. 127, II – DECRETO-LEI 406/68 (ART. 12, A).

É juridicamente possível as pessoas jurídicas ou firmas individuais possuírem mais de um domicílio tributário.

Para o ISS, quanto ao fato gerador, considera-se o local onde efetivar a prestação do serviço. O estabelecimento prestador pode ser a matriz, como a filial, para os efeitos tributários, competindo o do local da atividade constitutiva do fato gerador

Precedentes jurisprudenciais

Recurso provido." (STJ – Ac. unân. da 1ª Turma – Resp 23371/SP – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – publ. 26/09/94)

"TRIBUTÁRIO – ISS – LOCAL DO RECOLHIMENTO

Para fins de incidência do ISS, tem-se como ocorrido o fato gerador naquele local onde efetivou-se a prestação do serviço.

Precedentes

Recurso Improvido." (STJ – Ac. Unân. 1ª Turma – Resp 130792/CE – Rel. Min. José Delgado – publ.

17/11/97).

Seguindo a mesma lógica de raciocínio têm-se também os seguintes arestos da Corte em voga:

TRIBUTÁRIO - ISSQN - FATO GERADOR - LOCAL - PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.

O fato gerador do ISSQN é a prestação, por empresa ou profissional autônomo, de serviço constante da lista anexa ao Decreto-lei nº 406/68.

Embora o art. 12, letra "a" considere como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador, pretende o legislador que o referido imposto pertença ao município, em cujo território se realizou o fato gerador.

Embargos rejeitados. (STJ – Ac. Unân. 1ª Turma – EDRESP 115338 / ES – Re. Min. Garcia Vieira publ. 08/09/98)"

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ISS – SERVIÇOS DE CONTRUÇÃO CIVIL – LOCAL DO RECOLHIMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO D.L. 406/68 – NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – PRECEDENTES.

O Município competente para a cobrança do ISS é aquele em cujo território se realizou o fato gerador, em atendimento ao princípio constitucional implícito que atribui àquele Município, o poder de tributar os serviços ocorridos em seu território.

(...)

A lei federal (art. 12, D.L. 406/68) pretende que o ISS pertença ao Município que recebe a prestação do serviço, fato gerador do tributo.

(...)

Recurso não conhecido. (STJ – Ac. Unân. 2ª Turma – Resp 115.279/RJ – publ. 01/07/99)"

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. I - Para fins de incidência do ISS - Imposto Sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea "a" do Decreto-Lei n.º 406/68. II - Embargos rejeitados. (STJ – Ac. Unân. 1ª Seção – Eresp 130.792/CE – Rel. Min. ARI PARGENDLER publ. 16/06/2000)" Tal questionamento já se encontra pacificado pela jurisprudência da 1ª Seção do STJ conforme se observa no aresto que se segue: Data da Decisão 07/04/2000 Orgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Nega-se provimento ao agravo regimental em face das razões que sustentam a decisão agravada, sendo certo que a Primeira Seção desta Corte já pacificou o entendimento de que, para fins de incidência do ISS, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea "a", do Decreto-Lei nº 406/68. (STJ – Ac. Unân. 1ª Turma –AGA 336041 / MG – Rel. Min. Francisco Falcão - publ. 17/09/2001)"

Dessa forma, com base no entendimento jurisprudencial acerca do ordenamento legal anterior, conclui-se que era constitucional a capacidade ativa tributária do ISS do Município onde se efetivou a materialização da prestação do serviço, em detrimento a orientação normativa do art. 12, "a" do D.L. 406/68.

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Sobre o autor
Rodrigo Marcellino da Costa Belo

Advogado/Consultor Tributário da Petrobrás Distribuidora S/A -Gerência de Administração e Planejamento Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELO, Rodrigo Marcellino Costa. Imposto sobre Serviços:: ainda sobre a questão de quem pode cobrá-lo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 308, 11 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5137. Acesso em: 19 abr. 2024.

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