Os sistemas de valoração da prova e o processo penal brasileiro: limites e particularidades

14/08/2016 às 23:24
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Breve estudo acerca dos sistemas de valoração da prova, destacando as suas principais características. Enfoca-se o sistema do livre convencimento motivado do juiz e suas particularidades no processo penal brasileiro.

Resumo: Este artigo tem como objetivo promover um breve estudo acerca dos sistemas de valoração da prova, destacando as suas principais características. Enfoca-se o sistema do livre convencimento motivado do juiz e suas particularidades no processo penal brasileiro.

Palavras-chave:sistemas de valoração da prova; processo penal; livre convencimento motivado do juiz.

Sumário: 1. Introdução; 2. Os sistemas de valoração da prova; 2.1 Sistema da prova legal; 2.2 Sistema da íntima convicção do juiz; 2.3 Sistema do livre convencimento do juiz; 3. O sistema do livre convencimento motivado do juiz e o processo penal brasileiro: limites e particularidades; 4. Conclusão; Referências


1. INTRODUÇÃO

A prova é o meio pelo qual se procura formar a convição do juiz acerca da existência de determinados fatos. O juiz como destinatário da prova deverá apreciá-la para enfim formar o seu convencimento. Esse exercício apreciativo adere a determinados critérios, a depender do sistema de avaliação de provas considerado. Desse modo, a forma pela qual o juiz deve proceder à apreciação e avaliação das provas no processo varia conforme o sistema adotado no ordenamento jurídico.

Os sistemas de avaliação da prova determinam, por meio de suas regras e princípios orientadores, o comportamento da autoridade judicial diante das provas. Cada sistema alberga uma lógica específica que conforma a valoração da prova empreendida pelo julgador. Na verdade, busca-se efetuar, em algum nível, um controle sobre a atividade judicante. A adoção de um sistema mais ou menos rígido quanto a este controle relaciona-se ao grau de preocupação do legislador com o subjetivismo inerente ao ato de julgar.

Busca-se, aqui, proceder à análise do sistema de avaliação da prova adotado pelo processo penal brasileiro, revelando as suas particularidades e limitações, quer sejam existentes. Todavia, antes de consolidarmos esse objetivo, desenvolveremos uma explanação acerca dos sistemas de valoração da prova catalogados.

A doutrina registra a existência de três sistemas de valoração da prova: o sistema da prova legal, o sistema da íntima convicção do juíz e o sistema do livre convencimento motivado, sobre os quais nos debruçaremos adiante.


2. OS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA

2.1 SISTEMA DA PROVA LEGAL

Conforme aponta Pacelli (2009), o sistema da prova legal surgiu como superação ao sistema inquisitivo, objetivando mitigar o excesso de poderes conferidos ao juiz, ao instituir um modelo rígido de apreciação da prova, no qual tanto se estabelecia determinados tipos de provas para determinados delitos, quanto se valorava previamente as provas.

Segundo esse sistema, aos elementos probatórios é atribuído valor prefixado, que o juiz aplica mecanicamente, por isso também designado de sistema da prova tarifada ou da certeza moral do legislador. A lei predetermina o valor de cada prova e estabelece hierarquia entre estas. De acordo com Brum (1980, p. 55apud Hartmann, 2008, p.111), dependendo da natureza do fato ou da qualidade da pessoa acusada, a lei previa o tipo e a qualidade de provas que deveriam ser consideradas pelo juiz. Ao fazer isto, ficava o juiz adstrito ao que havia sido previamente determinado, restando a ele atender ao regramento de forma vinculada. Nota-se que, nesse sistema, pairava sobre a atuação do juiz uma notável desconfiança por parte do legislador.

Como assevera Tourinho Filho (2012), o magistrado devia decidir baseado nas provas existentes nos autos, e a lei exigia que certos fatos se provassem de determinada maneira, bem como, informava o valor das provas se satisfeitas determinadas condições ou pressupostos. O brocardo segundo o qual “um só testemunho não tem valor” tinha total aplicação nesse sistema. Assim, se concorressem duas versões de um fato, uma inverossímel apresentada por duas testemunhas e a outra apresentada por uma testemunha idônea, esta seria preterida, conquanto resistisse a inverossimilhança daquela.

Da inafastabilidade do valor certo da prova decorre que ao juiz não é dada a liberdade de apreciar o manancial probatório segundo critérios subjetivos, reduzindo, senão exterminando a sua esfera de liberdadena valoração da prova.

Conforme Cintra, Grinover e Dinamarco (2011), exemplo desse sistema édado pelo antigo processo germânico, onde a prova representava uma invocação a Deus. Não cabia ao juiz examinar o caso levado ao seu conhecimento, mas somente auxiliar as partes a obter a decisão divina para a sua contenda.Também predominou na Europa, no direito romano-canônico e no direito comum.

A adoção do sistema de prova legal por vários ordenamentos, segundo Coutinho (1998, p. 196 apud Hartmann, 2008, p. 111),

baseava-se no fato de que muitas legislações aceitaram a previsão da possibilidade do juiz incorrer em erro, no momento de valoração dos meios de prova utilizados, razão pela qual se fixou na lei, uma hierarquia de valores referentes a tais meios. Veja-se, neste sentido, o sistema processual inquisitório medieval, no qual a confissão, no topo da estrutura, era considerada prova plena, a rainha das provas (regina probationum), tudo como fruto do tarifamento previamente estabelecido. Transferia-se o valor do julgador à lei para evitar manipulações; e, isso funcionava retoricamente como mecanismo de garantia do arguido, que estaria protegido contra os abusos decorrentes da subjetividade. Sem embargo, a história demonstrou, ao revés, como foram os fatos retorcidos, por exemplo, pela adoção irrestrita da tortura.

Dentre as incoveniências deste sistema, Hartmann (2008) destaca o fato de que diante da inafastabilidade do valor probatório previamente estabelecido pelo legislador, acabava o juiz, em algumas situações, decidindo de determinado modo mesmo não estando convencido pelos fatos retratados pelas provas. As provas previamente valoradas pelo legislador encerravam, nelas mesmas, a verdade a qual o juiz deveria se filiar.

Com o processo de humanização do direito, a lógica do sistema da prova legal foi sendo superada, posto que não mais se sustentava frente aos novos ideais em voga. Conforme aduz a autora supracitada, “almejava-se, sobretudo a adoção de um processo penal (especialmente) verdadeiramente justo e democrático, e a prática advinda da adoção do sistema tarifário não correspondia a este objetivo, pois estava ligada essencialmente à aceitação da tortura como meio de prova”. (2008, p. 114)

2.2 SISTEMA DA ÍNTIMA CONVICÇÃO DO JUIZ

Hartmann (2008) registra posicionamentos doutrinários distintos quanto ao surgimento deste sistema. No entendimento de Nilo Bairros de Brum, o sistema da íntima convicção do juiz teria surgido no século XVIII, após a Revolução Francesa, em reação ao sistema da prova legal. Enquanto Hélio Tornagui o concebe como sendo o sistema primitivo de todos os povos, a exemplo do povo romano.

Divergências doutrinárias a parte, o sistema da íntima convicção ou da certeza moral do juiz concede ao magistrado total liberdade para decidir, sendo, inclusive, dispensado de motivar a decisão. Ao contrário do que impera no sistema anteriormente abordado, a apreciação feita pelo juiz não depende de critérios legais estabelecidos aprioristicamente. Predomina a valoração secundum conscientiam, em que o juiz encontra-se vinculado exclusivamente ao que dita a sua consciência, decidindo como melhor entender. Se o sistema da prova tarifada expressava uma profunda desconfiança do legislador em relação à autoridade julgadora, o sistema da íntima convicção confiava prontamente no juiz.

Nota-se também que, enquanto no sistema da prova legal, o valor da provadeterminado previamente na lei e a fixação do meio de prova vinculavam a apreciaçãodo magistrado não lhe permitindo recorrer a outros meios de prova; no sistema da íntima convicção, a integral liberdade autoriza o magistrado a decidir como bem entender, a partir de suas impressões pessoais, apesar dos elementos probatórios ou mesmo contra estes.Como afirma Santos (1985, p.383 apud Hartmann, 2008, p.115),

a conviccção decorre não das provas, ou melhor, não só das provas colhidas, mas também do conhecimento pessoal do juiz, das suas impressões pessoais, e à vista destas lhe é lícito repelir qualquer ou todas as demais provas. Além do que não está obrigado a dar os motivos em que funda a sua convicção, nem os que o levaram a condenar ou absolver.

Destarte, na lógica desse sistema o juiz não se comprometia a externar as razões que conduziam ao seu convencimento. O valor atribuído à prova respeitava o seu arbítrio, podendo, inclusive pautar a sua escolha em conhecimentos de origem particular, mesmo que não houvesse provas nos autos.

Com supedâneo em Moacir Amaral dos Santos, Hartmann aponta como principal defeito desse sistema a ofensa a dois princípios fundamentais de justiça: o de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido e o da sociabilidade do convencimento.

“O primeiro porque contraria brutalmente o contraditório entres as partes, vital para o processo; o segundo porque, segundo ele, não pode decorrer simplesmente da apreciação subjetiva da prova pelo juiz: ele deve ainda demonstrar a todos as razões do seu convencimento, no sentido de que os fatos e as provas submetidos ao seu juízo, se fossem submetidos à apreciação desinteressada de qualquer outra pessoa razoável, deveriam produzir, também nesta, a mesma convicção que produziram no juiz.”

2.3 SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ

O sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz começou a delinear-se a partir do século XVI, consolidando-se com a Revolução Francesa. (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2011)

Quanto as suas características, esse sistema está entre o sistema da prova legal e o da íntima convicção. O juiz está livre para decidir e apreciar as provas, mas deve se ater aos elementos probatórios apresentados nos autos. Conforme conhecida parêmia jurídica, “o que não está nos autos, não está no mundo”. Assim, ao juiz é defeso decidir a partir de elementos inexistentes no processo.

Como afirma Távora & Antonni (2011, p. 329), a ampla liberdade auferida pelo julgador “lhe permite avaliar o conjunto probatório em sua magnitude e extrair da prova a sua essência, transcendendo ao formalismo castrador do sistema da certeza legal. Não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas.”Se no sistema da prova legal o legislador atribuía peso às provas previamente, aqui, o juiz é quem confere o peso às mesmas, à medida que se apropria dos elementos contidos nos autos. Desse modo, é possível que um único testemunho seja levado em consideração pelo juiz, ainda que em sentido contrário a dois ou mais testemunhos, desde que apresente conformidade com outras provas.

Ao valorar as provas do processo o juiz deverá pautar-se em critérios críticos e racionais, evitando excessivas abstrações. Nesse exercício valorativo, juízos arbitrários são inaceitáveis. Nesse sentido, o juiz goza de extensa liberdade na dinâmica de valoração das provas, desde que o faça motivadamente, fundamentando as razões da formação de seu convencimento, tornando-as aptas aconvencer também as partes ou, em não o sendo, possam estas confrontá-las.. Por isso refere-se ao livre convencimento do juiz como sendo motivado. Na precisa lição de Tourinho Filho (2012, p. 272),

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de modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base no depoimento de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas. Não pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra-autos. Se o juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessárias.

A exigência de motivação das decisões que opera como um limite ao livre convencimento do juiz, tradicionalmente, era vista apenas como garantia das partes, com vistas à possibilidade de sua impugnação para efeito de reforma.

Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quis de populo, com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões.(CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2011, p.74)

Em verdade, o livre convencimento do juiz encontra outros limites além da necessária motivação da decisão. Com efeito, o juiz não pode fundamentar seu convencimento em provas produzidas no processo que não estejam conforme os princípios constitucionais do contraditório, como, por exemplo, o interrogatório do acusado na fase pré-processual, assim como, não poderá afastar-sedas regras legais quanto à forma dos atos jurídicos, sob pena de desobediência aos mandamentos legais do direito processual penal.


3. O SISTEMA DE VALORAÇÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: limitações e particularidades

O ordenamento jurídico brasileiro adotou como sistema de valoração da prova, expressamente, o livre convencimento motivado do juiz. É o que se depreende do art. 93, IX da Constituição Federal1 e do art. 155, do Código de Processo Penal, in verbis:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Desse modo, entre nós, na aferição da prova o juiz estará livre para compor a sua convicção. Todavia, como vimos, essa liberdade não equivale a sua formação arbitrária, pois não está o juiz dispensado de motivar a decisão.O magistrado também está impedido de fundamentar sua decisão nos elementos colhidos na fase pré-processual, uma vez que não foram submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa e, portanto, não devem ser valorados na sentença. Nesta só devem ser valorados os atos praticados no curso do processo, com observância de todas as garantias.

A nova redação do artigo 155, introduzida pela Lei 11.690/08, mereceu severas críticas de alguns doutrinadores. Segundo Lopes Jr. (2012), o grande erro cometido pelo legislador foi ter inserido a palavra “exclusivamente”, pois quando assim o fez, manteve a absurda possibilidade de os juízes continuarem empregando elementos colhidos no inquérito policial para fundamentarem as suas decisões, desde que também invoquem algum elemento probatório do processo. Lopes Jr. chega mesmo a defender a total exclusão física do processo dos atos de investigação, com exceção do corpo de delito e das provas antecipadas produzidas no respectivo incidente probatório, a fim de combater a inevitável contaminação consciente ou inconsciente do juiz por elementos meramente informativos. Nesse aspecto, é importante a distinção empreendida pelo autor entre atos de investigação e atos de prova.

Outra questão que se faz presente e, aqui, merece considerações é quanto a suposta manutençãodo tarifamento de provas no ordenamento jurídico pátrio, bem como a resistência do sistema da íntima convicção presente no Tribunal do Júri.

No que toca à primeira questão, Távora & Antonni (2009) apontam como resquício do sistema da prova tarifada, o teor do art. 158 do CPP, ao exigir, nos crimes não transeuntes, que a materialidade seja provada com a realização de exame de corpo de delito, não servindo a confissão como prova subsidiária para suprir eventual omissão (art. 167, CPP). Nesse dispositivo, aduzem os autores, a lei fixou previamente a prova adequada à comprovação da materialidade, rejeitando a confissão e elegendo a perícia como o meio de prova a ser utilizado.

Eugênio Pacelli (2008), enfrenta esse problema admitindo que é perfeitamente possível a exigência de meios de provas específicos para a constatação de determinados fatos, o que não equivale a dizer que exista uma hierarquia de provas, mas sim o que ele chama de especificidade da prova. O autor sustenta que

é preciso estar atento ao fato de que toda restrição a determinados meios de prova deve estar atrelada (e, assim, ser justificada) à proteção de valores reconhecidos pela e positivados pela ordem jurídica. As restrições podem ocorrer tanto em relação ao meio de obtenção da prova, no ponto em que esse meio implicaria a violação de direitos e garantias, quanto em referência ao grau de convencimento resultante do meio de prova utilizado. (2008, p.292)

É nesses termos que Pacelli (2008, p. 295) explica, por exemplo, a vedação constitucional quanto à inadmissibilidade de provas obtidas ilicitamente.A norma que assegura a inadmissibilidade de provas ilícitas com violação de direitos se presta, de um lado, a operar no “controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desitimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua execução.” Cumprindo, nessa condição, uma função pedagógica. E de outro, presta-se “a tutelar direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no processo”.

Quanto ao segundo tipo de restrição, Pacelli não reconhece qualquer inconveniente. Ambas as restrições decorrem da lei, portanto não há porque reputá-las como incompatíveis com o sistema do livre convencimento motivado, uma vez que a livre convicção do juiz encontra limites na própria lei, ou seja, o juiz aprecia livremente a prova enquanto válida, não podendo ignorar as restrições expressamente determinadas pelo legislador.

Nessa perspectiva, a existência de certo grau de especificidade da prova no ordenamento jurídico-penal não implicaria a existência de qualquer nível de hierarquia de provas.

No caso da regra de especificidade, aduz o autor (2008, p.293),

não haverá hierarquia, por exemplo, entre a prova pericial e a prova testemunhal. O que ocorrerá é que tratando-se de questão eminentemente técnica, e ainda estando presentes os vestígios da infração, a prova testemunhal não será admitida como suficiente, por si só, para demonstrar a verdade dos fatos. Não se nega, contudo, qualquer valor à prova não específica, mas somente não se admite que ela seja única e bastante par sustentar a ocorrência de um fato ou de uma circunstância desse fato. Nada mais.

De fato, o item VII da exposição de motivos do CPP, deixa claro que não é fixada uma hierarquia de provas: na livre apreciação destas, o juiz formará honesta e lealmente a sua convicção. A própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que a outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material.

Consoante ao exposto, em verdade, não haveria prevalência de um certo meio de prova sobre outro de forma apriorística. Todos os meios de prova podem ou não mostrar-se aptos para demonstrar a veracidade do que se propõem. Ocorre que, em relação à prova técnica, preocupou-se o legislador com a idoneidade da prova, para o fim a que se destina.

Quanto ao sistema da íntima convicção, prevalece no processo penal brasileiro nos julgamentos do Tribunal do Júri, em sua segunda fase. Os jurados respondem aos quesitos de forma binária, sim ou não, sem fundamentar a sua decisão, apenas baseados na convicção íntima. Para Lopes Jr.(2012), o fato de os jurados julgarem por livre convencimento agrava-se pelo fato de fazê-lo com base em qualquer elemento contido nos autos do processo, sem distinguir entre atos de investigação e atos de prova. Soma-se a isso a circunstância de, com exceção do interrogatório do acusado que decorre de imposição legal, na maioria dos julgamentos, não ser produzida nenhuma prova em plenário, mas apenas a leitura de peças.


4. CONCLUSÃO

Ante o exposto, verificamos que o juiz procede à apreciação e avaliação das provas no processo conforme os critérios do sistema adotado em certo ordenamento jurídico. Em qualquer dos sistemas de apreciação da prova abordados, busca-se efetuar, em algum nível, um controle sobre a atividade judicante. De sorte que um sistema mais ou menos rígido depende do grau de preocupação do legislador com o subjetivismo presente no ato de julgar.

Assim, segundo o sistema da prova legal, os elementos probatórios tem seu valor atribuído previamente pelo legislador, deixando o juiz vinculado exclusivamente ao regramento. Diametralmente oposto, o sistema da íntima convicção ou da certeza moral do juiz concede ao magistrado total liberdade para decidir, sendo, inclusive, dispensado de motivar a decisão. Ao contrário do que impera no sistema da prova legal, a apreciação feita pelo juiz não depende de critérios legais estabelecidos aprioristicamente.

Em posição intermediária, o sistema do livre convencimento motivado define-se pelo fato de juiz estar livre para decidir e apreciar as provas, mas deve se ater aos elementos probatórios apresentados nos autos, além ter que motivar a sua decisão. Corresponde ao sistema adotado no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, entre nós, vigora a liberdade na aferição da prova, mas o juiz não está dispensado de fundamentar a decisão.

Inobstante o acolhimento do sistema do livre convencimento motivado pelo processo penal pátrio, há autores que apontam resquício do tarifamento de provas, bem como a resistência do sistema da íntima convicção presente no Tribunal do Júri. Entretanto, não se reconhece que haja, entre nós, algum nível de hierarquia de prova. Nem mesmo qualquer incompatibilidade com o sistema do livre convencimento motivado, uma vez que a livre convicção do juiz encontra limites na própria lei, ou seja, o juiz aprecia livremente a prova enquanto válida, não podendo ignorar as restrições expressamente determinadas pelo legislador.


REFERÊNCIAS

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2011.

HARTMANN, Érica de Oliveira. Os sistemas de avaliação da prova e o processo penal brasileiro. In: Revista da Faculdade de Direito. Universidade Federal do Paraná, Porto Alegre, v. 39, p. 109-124, 2003.

LOPES Jr., Aury.Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Bahia: JusPodivim, 2009.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal III. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.


Notas

1Art. 93, IX,CF: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadasa todas as suas decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, emdeterminados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.”

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Sobre a autora
Delene Thais Sousa Pimentel

Discente do 5º período do curso de Direito da UFMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado à disciplina Direito Processual Penal do Curso de Direito, da Universidade Federal do Maranhão.

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