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O princípio da identidade biológica e genética na Constituição Federal de 1988

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Estuda-se o princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicação conjuntamente à Constituição Federal Brasileira de 1988 visando a proteção da criança e do adolescente em relação à sua garantia de identidade biológica.

INTRODUÇÃO

O presente estudo visa trazer a questão da evolução do pensamento da sociedade em relação à criança e ao adolescente, o pensamento e o direito à identidade.

Este direito que se vincula intimamente com a identidade da pessoa em si, acarretando reflexos em sua dignidade e prosperidade em todos os fatores, como os psicológicos, os sociais em busca de envolvimento efetivamente no mercado econômico e principalmente como a justiça e os tribunais brasileiros julgam este princípio imprescindível ao menor.

O direito à identidade é tratado pela doutrina como o direito que não há impedimentos para possuí-lo independentemente da procedência ou do passado, favorável ou não, do menor. Não há por que negar ao indivíduo à sua origem genética. Não há qualquer fundamento jurídico para impedir qualquer ser humano de ter conhecimento daqueles que estão presentes no seu sangue e em sua genética. Verificar-se-ão ao longo do estudo os diferentes nomes ao princípio da identidade genética, também denominado de princípio da identidade biológica.

A pesquisa visa analisar o princípio do direito à identidade, abrangendo o surgimento do pensamento e reconhecimento da infância no âmbito social e legal, trazendo a iminente evolução do pensamento da sociedade, dos pais e da política em relação à infância e quais impactos econômicos foram evitados e quanto beneficiou e continua beneficiando a sociedade e a evolução de um melhor lugar para se viver. O apoio a educação e também ao inserir os direitos das crianças e dos adolescentes, destacando sempre o princípio da dignidade da pessoa humana, da proteção, da convivência em família e da proteção ao seu passado biológico.

Este estudo busca estabelecer o levantamento de dados doutrinários e decisões favoráveis pelos tribunais, para verificar se a legislação de proteção ao direito de identidade biológica e genética à criança e ao adolescente são efetivamente eficazes quando o assunto é o direito à identidade, o reconhecimento da unicidade do ser humano, seu patrimônio genético e sua intimidade.


2. A CONCEPÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

A ideia de proteção à criança e ao adolescente e o direito à identidade no Brasil, e também ouso dizer ao longo de toda a Europa, não foi sempre como é destacado na doutrina e jurisprudências do século XXI, em oposição a esta preocupação, houve muito desgaste e abuso na imagem do menor, na falta de preocupação com a sua evolução e pouco interesse em perceber que atingir a dignidade do menor, traria de todas as ramificações, prejuízos à economia e sociedade daquele lugar (PRIORE, 1991).

Podemos colocar como ponto de início, conforme Áries (1981) da identificação da importância do direito à identidade da criança a partir da Lei do ventre livre, promulgada pela Princesa Imperial Isabel, enquanto o Rei D. Pedro II em 1870 quando estava ausente. Iniciava-se a ideia de liberdade das crianças nascidas no Brasil de mães escravaS. Para esta lei, o filho de escrava era considerado menor de idade até os 21 anos completos, mas percebemos que apesar de livre, os filhos de escravas não deixavam de ser mão de obra. A única exceção admitida antes da promulgação da lei do ventre livre era quando o filho de escrava com seu senhor, ou com qualquer outro homem livre, poderia ser livre e ter sua identidade tanto jurídica como biológica, se o pai, em si, o reconhecesse como filho.

O mesmo autor ainda afirma que o problema é que filho nenhum de escrava completaria 21 anos. Os senhores utilizavam a mão de obra das crianças a partir de 8 anos, alegando que a partir dessa idade as crianças já demonstravam capacidade para laborar nas fazendas de alguma forma, principalmente nos trabalhos que envolviam habilidade e disposição que os escravos já mais velhos não possuíam. Porém, não é a partir desta data que temos o início da proteção e pelo contrário, brevemente após este fato, surge a maior contravenção em relação ao direito à identidade do menor, portanto, vejamos.

O conceito de filiação e sua definição no mundo jurídico evoluíram conforme a obra de Áries (1981) da filiação biológica até a atual filiação socioafetiva que prepondera em nosso ordenamento. Atualmente, ser pai ou mãe, não é apenas ser a pessoa que gera ou a que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que exerce a criação, que ampara, que possui o poder familiar conforme é definido no nosso atual Código Civil e Constituição Federal de 1988, ou seja, a pessoa que realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança.

No Brasil foi criando reconhecimento, forma e admissão de que a infância é uma particularidade da vida assim como a adolescência, a juventude e a velhice. Segundo Priore (1991) em meados do Século XII na arte medieval era desconhecida à imagem da criança, seria como um adulto menor e menos forte. Entre os séculos XIII e XVII a infância é introduzida através de obras de artes como a “Nossa Senhora e os anjos”. A criança passa a não ser algo substituível, como na idade antiga, em que era algo efêmero, agora ela possui sua particularidade e sai do anonimato e da ideia de que se nascer outra esta substituirá aquela.

A mesma autora afirma que no século XVII aumentam então, a quantidade de retratos de crianças com expressões marcadamente assumindo o sentimento da infância, o interesse por elas e o estudo da linguagem infantil. Percebemos que a criança não fora ignorada pela sociedade, mas sim, considerada como os adultos. Não havia diferença entre eles e não se ignorava sua imagem, pois eram amparadas e não negligenciadas na maioria dos casos, mas eram esporádicas, se nasciam traziam felicidade, mas a morte não trazia a dor da perda como hoje percebemos que naturalmente a maioria das mães sofrem.

Durante o século XVIII, crianças abandonadas e expostas ao mundo sem nenhuma instrução ou que cuidadas para que tivesse uma vida digna e de assistência médica e educacional, tornou-se alarmante em Minas Gerais e a criação dos enjeitados era encarregada sobre as irmandades ou sobre as Câmaras, que eventualmente deixavam de cumprir o encargo do pagamento das mensalidades aos criados e também às amas de leite que auxiliavam aqueles que foram abandonados logo ao nascerem. (PRIORE, 1991).

Como não havia controle dos enjeitados, as crianças que não eram até então apresentadas periodicamente à fiscalização, havendo grande índices de mortes entre elas, eram colocadas sobre as responsabilidades do Estado e a Câmara sendo desobediente junto com a negligência do Senado, que apesar de tudo, mostrava preocupação quanto a eles, mas não conseguiam manter o controle daquelas mães envergonhadas pelos filhos gerados fora do casamento e deixados às portas de propriedades privadas, que quando não os recolhiam e abrigavam, poderiam ser expostos a animais domésticos e também devorados por porcos que transitavam livremente pelas vias. (PRIORE, 1991).

As Irmandades e as Santas Casas de Misericórdia não tinham o total controle das crianças abandonadas, muitas não chegavam a ser matriculadas e posteriormente mortas, por motivo de falta de higiene, alimentação, os tais porcos e animais, e consequentemente, quando comparado o Brasil nesta mesma época no ano de 1775, Portugal havia em um número maior de crianças abandonadas acolhidas pelas aquelas recolhidas aqui (PRIORE, 1991).

Neste mesmo século XVIII ocorreu um grande crescimento das cidades e consequentemente, houve grande crescimento das crianças abandonadas, superando o apoio e assistência que as Câmaras e as casas de misericórdia poderiam atender. Houve então o período de que recém-nascidos eram abandonados em lugares públicos, chamados de “expostos”, pois eram colocados à deriva em lugares propícios à morte (PRIORE, 1991).

Criou-se então o mecanismo chamado “roda”, para não deixar os bebês expostos em praças públicas para serem devorados por animais ou morrerem de fome, os que queriam abandonar deixavam em um suporte de forma cilíndrica, separada por uma divisória que ficava nos muros e nas janelas das instituições. Este suporte possuía uma caixa e lá era depositada a criança a ser enjeitada. Ao rodar a criança já estava dentro do muro da instituição e puxava-se uma campainha para avisar que havia uma criança na roda, sem ser necessária a identificação da pessoa que abandonara. Vinham na maioria acompanhados de um bilhete com o nome, a data de nascimento, se era ou não batizado e, às vezes, o motivo pelo qual a criança era abandonada na instituição como um gesto de amor para protegê-los da família e da sociedade, como esclarece a doutrinadora ora citada.

Neste período há evidências de mudanças e reconhecimento do fator social da criança na sociedade e é no século XX que surge a concretização da preocupação com a criança no Brasil com a criação de “Casas dos Expostos” também conhecida como Roda dos Expostos:

Para a Igreja Católica, a criança só tinha consciência a partir dos 7 (sete) anos de idade “(...) é por demais conhecido que, para a Igreja, a idade de razão de todo cristão jovem situa-se aos 7 anos de idade” (PRIORE, 1991, p.35).

Portanto, a ideia era de que a criança adquiria responsabilidade a partir dos 7 anos. A ingenuidade perde-se no meio deste caminho e não há qualquer indício sobre o direito à identidade biológica e de saber sobre aqueles que a deixaram nas Santas Casas.

Na época era comum uma criança ter todas as responsabilidades de um adulto em plena infância, o que para nós hoje no século XXI não é corriqueiro e até mesmo impossível aos olhos das mães. Vale frisar que as escolas no Brasil para as crianças surgiram em meados de 1800 apenas para àquelas consideradas da elite. Concomitantemente, neste mesmo período, a “Roda dos Expostos” surge como “válvula de escape” para as mães abandonarem seus filhos, mas que estes mantivessem suas vidas, com saúde ou não, com lazer ou sendo maltratadas.

Por conta desta origem da concepção da ideia da criança, segundo Priore (1991) as crianças sofreram não só com os adultos, mas também as instituições que repreenderam a criança em seu início de definição, como a escola, a Igreja, a própria legislação, sistema econômico e também daquela mais contraditória possível que foi a FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor).

As citadas instituições pouco se importavam com o lazer, a diversão, a segurança física e mental, a agressividade, a negação de dizer quem são seus pais ou de onde eles vieram e qual é a história deles, proporcionando ao menor, um futuro, assim que for possível sabendo quais são suas raízes, o que faz parte do seu sangue, da sua história, do seu passado, se ele for obscuro ou não, muitos dos traumas que podem acarretar, trazem em sua identidade genética, o pleno desenvolvimento da sua atividade psíquica e emocional trazendo a oportunidade desse ser humano, que possa ter sido abandonado ou órfão, ou nas próximas situações que serão estudados, o objetivo de saber quem foram seus pais, sua origem biológicas.

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Foram mais de três séculos que as crianças passaram na obscuridade, sendo tratadas de forma indiferente com a dos adultos, ou pior, de forma que não tivessem uma identidade formada, emoções, dores durante os trabalhos escravos, abusos sexuais, queimaduras e fraturas decorrentes dos maus tratos e muitas das histórias que nós, cidadãos, deixamos no anonimato, naquela gaveta abandonada ou até naquele livro pouco interessante o quanto que esses meninos e meninas sofreram ao longo dos anos, sem ter qualquer proteção legal, amorosa, afetiva, biológica.

O amparo legal a esta proteção ao longo das obras e jurisprudências encontradas é limitado e recente comparado à História e dessa forma, ainda sofremos seus reflexos e perceberemos ao longo deste estudo, o quanto é importante o amparo e a preocupação tanto das instituições como das famílias substitutas e também das adotivas em manter as informações da identidade biológica e genética da criança, observando o princípio da dignidade da pessoa humana e o quanto isso acarreta na difusão de conhecimento e melhor envolvimento com a sociedade quando se tem consciência da sua identidade.


2. O AVANÇO DA LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO AO DIREITO DE IDENTIDADE E SEUS REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO

2.1 A Dignidade da Criança e do Adolescente e a Constituição Brasileira de 1988

A concepção dos direitos fundamentais da Constituição de 1988 constata-se ao longo da criação de novos princípios e inovações, como indaga Sarlet (2012). As inovações na seara dos direitos fundamentais foi significativa e de extrema importância para criar o Estado Democrático de Direito que após a instituição da Assembleia Nacional Constituinte (ou Congresso Constituinte como aduz o autor), propiciaram debates completamente novos no ordenamento jurídico brasileiro, pois o país vivia um longo processo de redemocratização face a ditadura militar que perdurou por mais de vinte anos.

Este aspecto que se refere à ditadura militar, a Constituição Federal de 1988, conforme Sarlet (2012) tem como característica fundamental ser precedida de período de forte autoritarismo, o que observa o autor que no Título II (dos Direitos e Garantias Fundamentais), contém ao todo sete artigos, seis parágrafos e cento e nove incisos, sem se fazer menção aqui a diversos direitos fundamentais que ficam dispersos ao longo da Carta Magma e cumpre ressaltar, conforme a obra do citado autor, percebe-se uma desconfiança do legislador em relação às leis infraconstitucionais, além de salvaguardar uma série de reivindicações, bem como conquistas, contra uma eventual erosão ou supressão dos poderes constituídos e a criação de cláusulas pétreas constante no conhecido artigo 60 da Constituição vigente.

Portanto, dentre as inovações citadas o texto constitucional assume destaque para a situação dos direitos fundamentais pautados no princípio da dignidade da pessoa humana constante no artigo 1º inciso III da Constituição Federal de 1988.

Conforme a obra de Digiácomo (2013) a Constituição Federal e a aplicação e uso da importância da dignidade da pessoa humana não deixou de ser uma resposta à barbárie através da celebração da liberdade mediante prescrição de garantias e direitos individuais e sociais, refletindo os conhecidos como “anos de chumbo”, vividos pela população brasileira nos anos de 1968 a 1988.

Segundo o autor, a Constituição Federal de 1988 foi uma reação ao neoliberalismo. Em contrapartida, a dignidade da pessoa humana passa a ser compreendida também com os atributos da indivisibilidade e universalidade, inserida em um contexto de globalização a partir da declaração da ONU sobre os direitos do homem em 1948. E “(...) dignidade da pessoa humana é um valor que transcende seu titular e alcança a todos” (DIGIÁCOMO, 2013). Frisando que a dignidade da pessoa humana nada mais é que proteger os outros como protege a si mesmo, defendendo grupos em sentidos cada vez mais amplos.

Conforme a obra sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990), Digiácomo (2013) menciona que conforme os artigos 6º e 227 da Constituição Federal e artigo 100, parágrafo único, incisos II e IV do ECA, é reflexo direto da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente” que fora adotada pela Constituição Federal de 1988.

À luz do entendimento do citado autor, o ECA passa a ser uma resposta à nova orientação constitucional implementada no país.

Com base no princípio da dignidade da pessoa humana explorada pela Constituição Federal de 1988 e legislações como a Lei 12.010/2009 que alteraram o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.068 de 13 de Julho de 1990) em seu artigo 48 que cita que ao adotado há o direito de conhecer sua origem biológica e após os 18 (dezoito) anos ter acesso irrestrito ao seu processo e dependendo da situação, poderá ter seu acesso concedido antes da maioridade, como cita o parágrafo único.

Portanto, conforme Digiácomo (2013) este artigo reconhece o direito do adotado de ter conhecimento da sua identidade biológica colocando à controvérsia acerca da matéria. Ainda na obra, o autor aduz que é um direito natural, inerente a todo ser humano, o reconhecimento do estado de filiação (biológica) ao qual corresponderá ao Estado (lato sensu) de assegurar seu exercício.

Este direito de conhecer sua origem biológica, conforme o autor citado acima, não tem como o objetivo “reverter” uma adoção já consumada, até porque conforme nossa doutrina e ensinamento no Código Civil de 2002 e no artigo 47, §7º do ECA, a adoção é um ato irrevogável. Porém, permite este direito de que o adotado tenha conhecimento da identidade de seus pais biológicos e dos motivos e fatores que determinaram seu afastamento de sua família de origem e sua posterior adoção.

Este direito de acesso a informações relativas à origem biológica encontra-se pautado, conforme Digiácomo (2013) no princípio da dignidade da pessoa humana presente no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Direito este que não poderia ser negado ao adotado pelo ordenamento jurídico, pois, pode-se concluir conforme a obra em questão que reconhece e respeita a necessidade psicológica do adotado da busca de sua identidade biológica, havendo o intuito de se conhecer, saber de onde veio e pode ir além do mero autoconhecimento do ser humano, como também ser algo essencial à preservação do direito à vida como, por exemplo, o histórico de possíveis doenças genéticas que dependem da sobrevivência o transplante de parentes consanguíneos próximos.

Ainda sobre este estudo, Digiácomo (2013) afirma que deverá haver grande amparo psicológico àqueles que têm acesso ao processo de adoção, portanto, deverá ser cercado de cautelar evitando possíveis traumas que podem decorrer deste acesso.

(...) Devem ser prestados os devidos esclarecimentos sobre os aspectos jurídicos da medida e as circunstâncias que levaram à sua aplicação, bem como a devida assistência psicológica tanto para a criança/adolescente quanto para os seus pais. Como decorrência natural do acesso às informações quanto à origem biológica, caso a criança ou adolescente deseje manter contato com a sua família biológica, este deve ser também assegurado, embora logicamente precedido de preparação psicológica e acompanhado posterior, com a eventual inserção dos envolvidos em programas de orientação e apoio, nos moldes do previsto no art. 101, incisos II e IV e 129, incisos I, III e IV, do ECA (DIGIÁCOMO, 2013, p. 69).

A Constituição Federal, conforme Digiácomo (2013) concebe a dignidade da pessoa humana como comum a todos os homens, estendendo-se a toda parte do território nacional. O ser humano deve ser respeitável e digno de respeito, independentemente de sua origem genética, do solo onde nasceu e de qualquer vinculação geopolítica e política, transcendendo o indivíduo. A dignidade seria de todos, segundo o autor, não de um grupo com a distinção de outros.

2.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana voltado para as Leis de Proteção à Criança e ao Adolescente e à Identidade Genética

A origem semântica da palavra “dignidade” vem do latim dignus, que ressalta aquilo que possui honra ou importância. É a dignidade humana que nos separa dos outros objetos e seres, é o que afirma São Tomás de Aquino, defendendo o conceito de que a pessoa é uma substância individual de natureza racional, centro da criação pelo fato do homem ser a imagem e semelhança de Deus. Logo, o intelecto e a semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem enquanto espécie.

Este autor, frisa-se lembrar, possuía a visão jusnaturalista que consiste na corrente do pensamento jurídico que existem normas anteriores e superiores ao sistema já fixado pelo Estado. Ou seja, podemos citar um exemplo básico sobre a visão jusnaturalista de São Tomás de Aquino quando lemos a obra Antígona de Sófocles (421, a.C), em que a personagem principal recusa-se a obedecer ao rei afirmando que as leis dos homens não podem ser superiores às leis eternas dos Deuses (RAMOS, 2014).

Essas disposições jusnaturalistas são observadas ainda em nosso ordenamento jurídico e podemos dar como exemplo a Declaração de Viena de 1993, emitida ao final da 2ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, dispôs em seu parágrafo 1º da Parte I, que “os direitos humanos e as liberdade fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos”, sintetizando assim, que os direitos são inerentes do homem antes mesmo de haver um processo legislativo ou uma sociedade que vive sobre as leis escritas.

Disposições estas, definidas como jusnaturalistas, conforme fundamenta:

(...) Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, não menos verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, legou-nos algumas das ideias-chaves que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma também ser denominada (...) de “pré-história” dos direitos fundamentais (SARLET, 2012. p. 37).

Para Kant (2014), em seus estudos, ele propõe que tudo no mundo ou tem um preço ou dignidade: aquilo que é substituível e equivalente pode ter preço, e o que não pode ter preço, possui uma dignidade. Logo, a dignidade da pessoa humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege dos tratamentos degradantes que podem ocorrer, bem como o ódio decorrer de desigualdade pelas condições mínimas da vida. É uma qualidade inerente a todo ser humano e está permanentemente em processo de desenvolvimento e construção na sociedade, ou seja, a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim de si mesmo, com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio, nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados, não possuindo preços.

O elemento positivo é quando consiste na defesa da existência das condições materiais mínimas para a sobrevivência do ser humano, ou seja, é preciso ter o mínimo possível e necessário para viver-se com dignidade e por isso, em nosso ordenamento jurídico na Constituição Federal de 1998, temos no artigo 170 caput (g.n):

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios.

Constata-se, conforme afirma Sarlet (2012), que a Constituição Federal de 1988 teve grandes inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais em comparação com o direito constitucional anterior, institucionalizando, como no caso em tela, o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado hoje, o princípio mais importante do ordenamento jurídico brasileiro.

E o elemento negativo acerca da dignidade da pessoa humana, que consiste na proibição de se impor tratamento inofensivo, degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano e a Constituição Federal de 1988 dispõe que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III), bem como temos que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI).

E frisando ainda em nosso ordenamento jurídico, temos o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, artigo que em seu caput teve como redação determinada pela Emenda Constitucional n. 65 (13/11/2010). que institui:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida à participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (BRASIL, 1988).

Os direitos da criança e do adolescente são postos como acréscimo aos direitos humanos. A redação é clara ao registrar que todo homem, a partir de seu nascimento possui direitos que garantem necessidades fundamentais, o que reconhece essas crianças desde já como sujeito de direito.

Ao reconhecer que a criança, o adolescente e os jovens estão sob-responsabilidade do Estado e da família, seja esta biológica ou adotiva e da sociedade, considerando também as leis constitucionais e infraconstitucionais.

A Constituição Federal de 1988 deixa como legado ao menor, o direito de conhecer a sua verdadeira identidade genética, com o exercício pleno de seu direito de personalidade e também a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as dúvidas que surgem com o crescimento e evolução do pensamento da criança em busca de solucionar os mais variados questionamentos acerca da sua característica fenotípica, da índole e do caráter social, das propensões ou resistências a certas doenças.

A construção história dos direitos humanos e consequentemente dos direitos das crianças nos conduz a uma série de questões e neste caso específico destaca-se: o princípio do não retorno da concretização, ou também conhecido como princípio da proibição do retrocesso, chamado de “efeito cliquet”, segundo Ramos (2014) consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada pelo ordenamento jurídico do Brasil, admitindo somente aprimoramentos e acréscimos.

Outra expressão utilizada acerca da proibição do retrocesso é o “entrenchment” ou entrincheiramento, que significa a preservação do mínimo já concretizado pelos direitos fundamentais.

Para o autor, há uma diferença entre a proibição do retrocesso e a proteção com efeitos retroativos: este último é proibido caso haja ofensa ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e do direito adquirido. Já a vedação do retrocesso é a proibição de medidas com efeitos retrocessivos, sendo aquelas medidas que objetivam a supressão ou a diminuição da satisfação de um dos direitos humanos, não somente no âmbito social, mas de todos os direitos humanos indivisíveis.

Esta proibição abrange também a proteção internacional dos direitos humanos, evitando que princípios, direitos e os dogmas a serem seguidos pelo plano internacional dos tratados seja respeitado e evite, assim no âmbito brasileiro, o retrocesso às medidas que façam com que o comportamento jurídico, social e também educacional seja retrógrado, de forma que prejudique um direito já adquirido por aqueles que vivem sob esses tratados (RAMOS, 2014) de forma imperiosa, trata dos direitos das crianças e dos adolescentes que veremos a seguir.

Ainda nesta linha de pensamento, devemos ressaltar o princípio da proporcionalidade que consiste na aferição da idoneidade, necessidade e equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental. Para Ramos (2014) a intervenção estatal pode ser fruto da conduta imputável a qualquer Poder do Estado, sendo por lei, por ato administrativo ou decisões judiciais, sendo utilizado esse princípio em três situações típicas:

  • A existência de lei ou ato administrativo que, ao incidir sobre determinado direito, não o restrinja.

  • A existência de lei ou ato administrativo que, ao incidir sobre determinado direito, não o proteja adequadamente;

  • A existência de decisão judicial que tenha que, perante um conflito de direitos humanos, optar pela prevalência de um direito limitando outro.

Esse princípio, em linhas de ensinamento, é usado por Ramos (2014) como ferramenta de aplicação dos direitos humanos em geral, na situação em que poderia ocorrer uma limitação, concorrência ou conflito de direitos humanos na busca de proteção. Essa proporcionalidade foi usada para combater as restrições dos direitos e princípios delimitados pelos direitos humanos, impostos por vezes por leis ou atos administrativos, sendo o instrumento de fiscalização das ações limitadoras dos atos emitidos pelo poder estatal em face dos direitos fundamentais de forma excessiva, e é chamado pelo autor de “limite dos limites”, mesmo não havendo qualquer menção expressa na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais que foram ratificados pelo Brasil. Porém, fundamenta-se, portanto de forma implícita na Constituição, em doutrinas e também nos precedentes do STF, afirma Ramos (2014).

Implícitos entre os fundamentos como:

  1. Estado Democrático de Direito: o princípio da proporcionalidade seria implícito a qualquer Estado de Direito, pois nesse tipo de Estado há a vedação do excesso de poder na condução dos atos estatais, como se vê em vários precedentes do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha;

  2. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais: O princípio da proporcionalidade é justificado pelo vínculo de todo o ordenamento jurídico brasileiro à dignidade humana e aos direitos fundamentais (art. 1º, III), o que exige que todo ato dos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e também as decisões judiciais) seja proporcional e atento à justiça material. (RAMOS,2014. p.109)

Dessa forma, em razão da exemplificação de Ramos (2014), pode-se afirmar que o princípio da proporcionalidade institui limites dentro dos direitos humanos, a fim de aplicação de forma proporcional em cada situação constante no ordenamento jurídico.

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Sobre as autoras
Luci Mendes de Melo Bonini

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora de Filosofia e Pesquisadora no Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes. Área de interesse: Direitos Humanos e Políticas Públicas.

Maitê Mendes de Freitas

Bacharel em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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